Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02302/04.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/12/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS
DÚVIDA EXISTÊNCIA FACTO TRIBUTÁRIO
REAPRECIAÇÃO DECISÃO MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I) A falta de especificação, pela Recorrente, dos concretos pontos de facto que na sentença foram dados como provados e que considera incorrectamente julgados, bem como dos concretos meios probatórios, constantes de registo fonográfico, que impunham decisão sobre pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, impede o Tribunal “ad quem” de reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto – cfr. artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT.
II) Tendo a Administração Tributária concluído, no relatório final de inspecção tributária, que nenhuma das facturas emitidas e utilizadas pela Recorrida em determinado período consubstanciam a efectiva prestação de serviços, designadamente porque a capacidade de produção instalada dos emitentes não suportava o volume de negócios anual representado na facturação emitida, e tendo sido apurado em tribunal que os emitentes prestaram mesmo serviços à Recorrida e que o volume de negócios representado nas facturas que utilizou é inferior à capacidade produtiva apurada naquele relatório, não existindo outros indicadores que, por si só, sustentem aquela conclusão, deve entender-se que da prova produzida resulta a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário para efeitos do artigo 100.º, n.º 1 do CPPT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 14/04/2008, que julgou procedentes as Impugnações Judiciais deduzidas pela sociedade M…, Lda., CF 5…, com sede na Rua…, Avintes, nestes autos e no apenso n.º 374/05.7BEPRT.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. A douta sentença sob recurso julgou procedente a presente impugnação por haver entendido “ter a impugnante logrado afastar os indícios de que tais operações tituladas nas facturas foram simuladas” determinando, em consequência, a anulação das liquidações adicionais de IRC relativas aos exercícios de 1999, 2000 e 2001, no valor global de 41.986,14 euros, e ao exercício de 2002, no valor de 35.643,16 euros, a que se refere a impugnação n.º 374/05.7BEPRT que veio a ser apensada aqueloutra Por despacho de 21/06/2007.
B. A convicção do Tribunal baseou-se na prova apresentada pela impugnante, nomeadamente, no depoimento das testemunhas por si arroladas e declaração do emitente das facturas postas em crise, desvalorizando a prova documental constituída pelo Relatório da Inspecção Tributária, onde se concluiu que as operações em causa nestes autos eram fictícias.
C. Com esta decisão, incorreu a douta Sentença recorrida em erro de julgamento, por errada valoração da prova.
D. Perante a matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo alicerçou a sua decisão, fundamentalmente, na consideração de que foi suficientemente provado a efectivação das operações, por parte da impugnante e, como tal, o direito a ver aceite os custos inerentes à contabilização daquelas facturas nos termos do art. 23º do CIRC estava perfeitamente consolidado.
E. Na base das liquidações impugnadas encontram-se correcções, de natureza meramente aritmética, ao lucro tributável declarado pela ora impugnante, para os citados exercícios, sendo que,
F. os motivos e os fundamentos aduzidos pela Administração Tributária (doravante, AT.) para determinar as liquidações impugnadas constam do Relatório da Inspecção Tributária e, tiveram origem no facto de se ter constatado a existência de facturas na contabilidade da impugnante, emitidas por sujeitos passivos alegadamente emitentes de facturação falsa – “S…, LDª” e “SERRALHARIA..., LDª”.
G. O transposto para o Relatório, em termos da descrição pormenorizada da informação concreta recolhida e que subjaz às liquidações, que nos escusamo-nos de aqui reescrever na integra atenta a sua extensão, considerando-o reproduzido para efeitos destas alegações, foi de molde a satisfazer o dever que sobre a AT. impendia em sede de procedimento administrativo e a autorizar a conclusão aí extraída,
H. qual seja, a existência de relações com os fornecedores com faltas no que diz respeito ao cumprimento das suas obrigações fiscais, quer ao nível declarativo quer ao nível de pagamento dos impostos devidos, mas também associados a diversos tipos de marginalidade, e ainda, a utilização de facturas relativas a subcontratos e aquisição de materiais, que não têm subjacente qualquer relação comercial com os emitentes identificados nas mesmas, uma vez que esses fornecedores não tinham naquele período qualquer tipo de meios que lhes permitissem desenvolver a actividade que as facturas indiciavam.
I. O que por tudo, determinou as correcções à matéria colectável daqueles exercícios que se circunscrevem, tão só, às facturas emitidas por aqueles fornecedores, por resultar claro que aqueles pretensos sujeitos passivos nunca poderiam ter realizado as operações lá discriminadas, tratando-se antes de negócios simulados quanto à sua natureza e valor, constituindo a sua conduta crime de fraude fiscal.
J. Ou seja, os indícios de facturas falsas eram fortes e credíveis, e a Fazenda Pública entende que a prova produzida, na sua globalidade, não é suficiente para se concluir pela efectivação de quaisquer transacções comerciais.
K. Aliás, a argumentação da impugnante plasmada na douta Petição Inicial vai no sentido de reconhecer a sua incapacidade para “provar a inexistência da celebração de qualquer negócio simulado”, não lhe restando outra via que não seja unicamente a “negação da prática de qualquer crime ou infracção”. E, para além desta incapacidade assumida e da negação pura e simples, pouco mais se extrai nas alegações que produz, quando é certo que, para impugnar as liquidações também se lhe aplica o art. 74º da LGT.
L. I. e., a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes postos em crise, face aos fundados indícios que a AT. apurou - neste sentido, entre outros, ver os Acórdãos do STA, Processo n.º 01564/03, de 03/12/2003, Processo n.º 01480/03, de 14/01/2004 e Processo n.º 01026/02, de 07/05/2005, do TCAS, Processo n.º 589/03, de 20/01/2004 e do TCAN, Processo n.º 00156/00-Braga, de 11/05/2006.
M. Todavia, a prova apresentada pela impugnante, mormente, ao depoimento das testemunhas e declarações emitidas em juízo pelo emitente das facturas – S... -, em denegação das que havia proferido no decurso do procedimento inspectivo, não é suficiente para legitimar a sua pretensão.
N. Fica por perceber, é como essa prova se mostra idónea e decisiva para o Tribunal concluir, de forma fundada, que tais concretas facturas tinham aderência com a realidade, ou seja, como se deu como provada a sua materialidade.
O. O mesmo é dizer, não devia ter valorado nos termos em que o fez, a prova produzida em audiência e a declarações do emitente das facturas com o duvidoso objectivo de se retractar, que segundo cremos, não é suficiente para se concluir no sentido decidido e, não infirma a posição da AT.
P. O Tribunal deve apreciar a prova produzida no seu todo, e perante a factualidade dada como provada e como não provada, deve construir a decisão de acordo com as regras da experiência comum.
Q. Ora, de acordo com que ficou dito, a prova testemunhal que se produziu não é susceptível de alterar a convicção retirada pela AT. da análise que fez à contabilidade da impugnante e demais documentos que dela fazem parte; os depoimentos não se afiguram minimamente consistentes no sentido pretendido e, também não colhem pela especificidade da matéria em discussão, que carece de prova documental bastante, capaz de reproduzir os factos aventados, qual sejam, a inexistência das guias de transporte, a sua relação com os serviços prestados pelo S... inicialmente em nome individual e mais tarde como sociedade, e os prestados pela ora impugnante aos seus clientes.
R. Se aí a contabilidade não consegue dar explicações completamente satisfatórias e, evidenciando-se dos autos contradições que põem em dúvida a razão de ciência das duas testemunhas inquiridas, não se percebe a valoração dos seus depoimentos para esclarecer tal quid. Além de que, a Fazenda Publica entende que a admissibilidade deste meio de prova não supre a, consequente exigência legal de documento(s) escrito(s), cfr. artº 364º nº 1 e artº 393º nº1, ambos do CCivil.
S. Por outro lado, não serve o propósito pretendido, carecendo de eficácia probatória o teor da fotocópia da certidão extraída de processo judicial - Processo Comum registado sob o n.º 368/04.0TAVNG -, em que o dito S... foi constituído arguido por falsas declarações, que culminaram num pedido de desculpas e consequente desistência da queixa apresentada, que igualmente nenhuma relevância traz ao que aqui nos ocupa, pois atento o desfecho, nada se apurou sobre a matéria alegada, não podendo dar-se por provado serem estas as verdadeiras declarações que afastam um dos aventados indícios, e não as declarações então prestadas no decurso da acção inspectiva.
T. Cremos que não resolve a questão a seu favor, a mera declaração da confirmação da efectivação das operações, passados vários anos de aturadas investigações por parte da Administração que culminaram, nos actos tributários de liquidação à impugnante e a muitas outras empresas no distrito do Porto,
U. que igualmente utilizaram facturação emitida pelas mesmas entidades que, como na situação configurada nos autos, apontam para ilícito de natureza criminal originando nesse âmbito processos de inquérito, não basta para abalar a convicção formada pela AT., da falta de materialidade das operações facturadas, com base nos elementos indiciários descritos no Relatório fundamentador que levaram a concluir nesse sentido.
V. Cremos que o conjunto da prova - documental e testemunhal -, não constitui prova suficiente, para considerar provadas as operações tituladas pelas facturas, designadamente quanto à extensão que a impugnante apresentava na sua contabilidade e que fez inscrever em custos do exercício, atente-se aliás às expressões utilizadas neste segmento decisório:
“… relativamente à maioria das operações em causa, a impugnante juntou prova do respectivo pagamento,
(…) quanto à impossibilidade de efectuar a correspondência entre os serviços alegadamente contratados e as facturas emitidas pela impugnante aos seus clientes, por aqueles não especificarem o tipo de serviços, o seu valor nem as quantidades não é válido relativamente a todas as facturas(sublinhado nosso)
W. A Fazenda Pública não concorda em absoluto com o decidido, que vai além dos factos dados como provados,
X. ao considerar a prova capaz e apta a afastar a valia técnica e o valor probatório do Relatório da Inspecção Tributária e os indícios trazidos aos autos pela Administração, e aceites pelo Tribunal a quo, de que as operações tituladas por tal facturação eram simuladas.
Y. Acrescentando ainda, que a ausência da prova que competia à impugnante, não mostra infirmada a conclusão tirada pela AT. Tendo a causa de ser decidida contra ela, não lhe bastando sequer criar a fundada dúvida sobre a veracidade ou realidade dos custos titulados por essas facturas, i.e., a dúvida sobre a existência dos factos tributários – neste sentido Acórdão do TCAN, processo nº 00271/04, de 24/02/2005.
Z. Pelo que ao considerar como provado a materialidade das operações incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento por errónea valoração da prova.
AA. A douta sentença sob recurso violou as disposições legais supra citadas.
Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.
****
Não houve contra-alegações.
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 383 dos autos, no sentido de dever ser dado integral provimento ao recurso.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa ponderar se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento por errada valoração da prova.



III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Com interesse para a decisão da causa, em 1.ª instância considerou-se provada a seguinte factualidade:
a). Na sequência de uma acção de inspecção à impugnante a que procederam os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, foram efectuadas correcções à matéria colectável em sede de IRC, relativamente aos exercícios de 1999, 2000, 2001 e 2002, de que resultou um acréscimo no montante de € 2.259,55 (ano de 1999), € 20.547,98 (ano de 2000), € 85.144,25 (ano de 2001) e € 106.368,93 (ano de 2002) - cfr. fls. 55/57 dos autos.
b). Das conclusões do relatório de inspecção junto a fls.132/150 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, consta que tais correcções assentaram designadamente no seguinte:
“A. Situação verificada nas empresas “S... e Serralharia..., Lda”
1. Consultada a base de dados, verificou-se que o sujeito passivo “S...” iniciou o exercício da actividade em 01-01-95 e cessou em 30-12-01. No entanto nunca pagou qualquer valor do IVA apurado nas declarações periódicas do IVA enviadas ao Serviço de Cobrança do IVA. Constatou-se ainda que os valores declarados para IVA e evidenciados na declaração de rendimentos mod. 3 de IRS, eram muito inferiores aos valores facturados para a firma M…, Lda. (...)
2. Consultada a base de dados, verificou-se que a firma “Serralharia..., Lda”, iniciou o exercício de actividade em 29-08-01 sendo os sócios gerentes o Sr. S... e o filho (…). Na data marcada para a exibição da contabilidade o sócio gerente, sr. S... exibiu os livros de facturas emitidas em nome da sociedade com a numeração 001 a 200, das quais faltavam cerca de 40 facturas. Posteriormente exibiu um outro livro de facturas com a numeração de 201 a 250 e algumas das facturas que se encontravam em falta. Exibiu ainda diversas facturas de aquisição de matérias primas e máquinas de pequeno porte. Procedemos à listagem de todas as facturas emitidas no 4° trimestre do ano de 2001 e ano de 2002 e procedemos à circularização dos clientes, solicitando o envio de cópia das facturas, conta corrente e recibos das facturas emitidas nos anos de 1999 a 2001 pelo sujeito passivo S.... Da circularização efectuada aos clientes da firma Serralharia..., Lda, foi possível apurar um volume de facturação conforme consta do quadro resume que se segue: (...)
- Faltam bastantes facturas na sequência da numeração nos três anos referidos;
- O sujeito passivo utilizou dois livros de facturas com a mesma numeração (refira-se a título de exemplo que o sujeito passivo emitiu as facturas n° 722, 723 e 731 com data de 31-07-00, 28-07-00 e 29-09-00 respectivamente para três clientes e emitiu a mesma numeração de facturas para outros três clientes distintos nas datas de 20-3 -00, 25-01-00 e 30-03-00 respectivamente);
- A sequência numérica das facturas não é emitida por ordem cronológica (...);
- As facturas são emitidas com as mais diversas letras e algumas são emitidas á máquina, tendo o Sr. S... afirmado que nunca teve máquina de dactilografar ao seu serviço e nós constatado que, durante as deslocações efectuadas às suas instalações não dispunha de qualquer máquina de dactilografar;
- No que se refere ao ano de 2002, existe a mesma factura emitida com valores diferentes (...)
Procedemos também à soma de todas as facturas de aquisição de matérias primas e ferramentas de pequeno porte, que nos foram exibidas, e foi possível apurar um total de aquisições no ano de 2002 no montante de 35.092,57 €, (...).
3. Da visita às instalações, (...) constatou-se que se trata de umas instalações espaçosas. No entanto as máquinas existentes eram poucas e apresentavam na generalidade sinais evidentes de desgaste e pouca funcionalidade tendo sido referido pelo próprio Sr. S… que a maior parte das máquinas tinham sido adquiridas em segunda mão, razão pela qual não possuía as respectivas facturas de aquisição. O pessoal ao serviço da empresa no dia das visitas às instalações variava entre os 5 e os 7 empregados incluindo os dois sócios que também exercem funções de produção. (...)
Foi afirmado ainda pelo Sr. S..., também em auto de declarações, que toda a mercadoria que sai das suas instalações com destino aos seus clientes é acompanhada de guia de transporte. Foram exibidos e fotocopiados 4 livros de guias de transporte numerados de 001 a 200 e datados de Janeiro de 2002 a Janeiro de 2003.
O Sr. S... declarou ainda que “normalmente presta serviços, os clientes trazem os materiais, os serviços prestados consistem essencialmente em serviços de tomo, fresa, furações e trabalhos de serralharia civil” e declarou ainda “que para efectuar os orçamentos se baseia num cálculo aproximado aos seguintes preços hora (preços praticados em 2002 e 2003): (...)
face ao atrás exposto, é evidente que os recursos técnicos e humanos disponíveis, são manifestamente insuficientes para sustentar o nível de actividade, que em condições normais, teria que estar a montante dos volumes de negócios correspondentes às facturas emitidas. (...)
B. Situação verificada na empresa “M…, Lda”
1. Caracterização da actividade da empresa
Esta empresa, doravante denominada por M… iniciou a sua actividade em 1998.04.29, e dedica-se essencialmente à execução de cortantes para a indústria metalomecânica. A empresa possui uma dimensão relativamente pequena, tendo atingido um volume de negócios no exercício de 1999 de 245.392€ No exercício de 2000 atingiu um volume de negócios no valor de 333.404€ e em 2001, 400.387€, traduzindo estes valores num acréscimo de facturação de 36% de 1999 para 2000 e de 20% de 2000 para 2001.
2.Análise às facturas referentes ao exercido de 2002 na posse da firma M… e emitidas pela Serralharia... Lda
As facturas emitidas pela Serralharia..., Lda, adiante designada por Serralharia respeitam quase na sua totalidade a serviços prestados relacionados com execução de cortantes, matrizes e vazadores conforme amostras. Nas instalações da Serralharia constam as facturas n° 31 de 26.07.02 e a n° 80 de 20.05.02, não contabilizadas na firma M…. A descrição da factura n° 80 corresponde à venda de uma lixadeira da marca Lirel. A descrição da factura n° 82, contabilizada na M... e datada de 20.05.02 é a mesma da factura n° 80, não contabilizada pela M....
Verificamos a posse da máquina referida nas instalações da M.... Contudo, o Sr. S... afirmou nunca ter vendido qualquer máquina a qualquer empresa.
As facturas são processadas manualmente, tendo o Sr. S... afirmado que é o próprio o responsável pela elaboração das facturas, muito embora as facturas contabilizadas pela M... apresentem os mais variados tipos de letra.
Tais facturas não discriminam o tipo de serviço, a quantidade nem o seu preço unitário, não respeitando o preceito legal estipulado no art. 35° do Código do IVA e na al. d) do n°2 do art. 3° do Dec-Lei n° 45/89 de 11/02. Não discriminam também a hora e o local da carga ou descarga pelo que não poderiam servir de guia de transporte.
3.Comprovação da circulação das mercadorias enviadas de Avintes para Sto Tirso e de Sto Tirso para Avintes
De acordo com as afirmações do sócio gerente da firma M..., F…, era o sr. S... que se encarregava do transporte dos materiais sobre os quais era executado o serviço. Por outras palavras, seria o Sr. S... que efectuava o carregamento dos materiais, propriedade da M..., às instalações da firma da qual é sócio gerente, executava os trabalhos acordados, e transportava-os para as instalações da firma da qual é sócio gerente, executava os trabalhos acordados, e transportava-os de volta para as instalações da M.... Nem o Sr. S... nos exibiu as guias de transporte comprovativas da circulação dos materiais nem o Sr. F… nos exibiu as guias de transporte comprovativas da circulação das mesmas de Avintes para Sto tirso, uma vez que segundo ele, aquelas eram propriedade da M.... Como já foi referido, as facturas não poderiam servir de guia uma vez que não indicam a hora nem o local da carga e descarga. Não é possível efectuar a correspondência entre os serviços alegadamente subcontratados e as facturas emitidas pela M... aos seus clientes uma vez aquelas não especificam o tipo de serviços, o seu valor unitário nem quaisquer quantidades.
4. Meios de pagamento utilizados nas transacções comerciais
O meio de pagamento utilizado para efectivar as transacções comerciais era o cheque e o dinheiro vivo, este último utilizado para pagamento das facturas n° 713, 742, 780, 796, 793, 809, 887, 902, 936 e 971 emitidas pelo S... enquanto empresário em nome individual e facturas n° 112 e 150 emitidas pela Serralharia. Os cheques foram sempre levantados no dia da emissão ou nos dias seguintes pelo Sr. S..., nunca tendo sido efectuado o depósito dos mesmos. O Sr. S..., confrontado com a situação descrita, afirmou que levantava o dinheiro correspondente ao valor do cheque e devolvia um determinado montante correspondente à diferença entre o valor dos serviços que eram efectivamente prestados.
5. Procedimento habitual da empresa M... no que respeita a trabalhos subcontratados
A M... subcontrata a diversas empresas os trabalhos em relação aos quais não tem capacidade para os efectuar, sendo a principal a firma J… & C, Lda.
6. Confrontação entre as mercadorias inventariadas e os materiais constantes das facturas emitidas pelo S... e Serralharia..., Lda
Como foi referido anteriormente, as facturas emitidas pelos dois fornecedores em questão, não discriminam a quantidade nem o preço nem a natureza dos serviços prestados pelo que não é possível um controlo entre as operações a montante e a jusante.
C. Correcções propostas
Face às averiguações efectuadas e aos elementos disponibilizados, quer na acção de inspecção ao sujeito passivo em questão, quer ao S... e à firma da qual é sócio gerente, concluímos que as facturas emitidas nos exercícios de 1999, 2000, 2001 e 2002, não consubstanciam a efectiva prestação de serviços, tendo havido celebração de negócio simulado entre o sujeito passivo em análise e aqueles, quer quanto ao seu valor, quer quanto à sua natureza, constituindo esta conduta crime de fraude fiscal, punida nos termos do n° 2 do art. 104° do Regime Geral das Infracções Tributárias (...)
1. Implicações ao nível do IRC
Proceder-se-á às correcções técnicas ao lucro tributável declarado para efeitos de IRC nos exercícios de 1999, 2000, 2001 e 2002, não considerando como custo os valores contabilizados, quer como subcontratos, quer como aquisição de materiais/máquinas, relacionados com o S... e a firma da qual é sócio gerente, ascendendo as correcções aos montantes a seguir evidenciados. (...)”
c). Com base nas correcções efectuadas, a Administração Tributária emitiu à impugnante as seguintes liquidações adicionais de IRC:
i) n° 8310016576 (ano de 1999), no montante de € 1.036,95;
ii) n° 8310016575 (ano de 2000), no montante de € 8.368,92;
iii) n° 8310016574, no montante de € 32.580,27, cujas datas limite para pagamento voluntário ocorreu relativamente às três liquidações em 10/11/2003;
iv) n° 83100001293, no montante de € 35.643,16, cuja data limite para pagamento voluntário ocorreu em 22/11/2004.
d). A impugnante apresentou reclamação graciosa contras as liquidações adicionais relativas aos anos de 1999, 2000 e 2001, em 3/12/2003, a qual, por despacho de 14/10/2004, foi totalmente indeferida.
e). A impugnação judicial referente às liquidações de IRC dos anos de 1999, 2000 e 2001 foi apresentada em 4 de Novembro de 2004, tendo-lhe sido atribuído o n° 2302/04.8.
f). A impugnação judicial referente à liquidação de IRC do ano de 2002 foi apresentada em 2 de Fevereiro de 2005, tendo-lhe sido atribuído o n° 374/05.7.
g). A impugnante dedica-se à actividade de fabrico de cortantes para calçado.
h). O principal cliente da impugnante é a empresa de calçado “Ara”, em Avintes.
i). A impugnante trabalha sob encomendas e subcontrata o serviço de terceiros, de modo a satisfazer atempadamente as encomendas dos seus clientes.
j). Um dos subcontratados pela impugnante era o S..., inicialmente em nome individual e, mais tarde, como sociedade “Serralharia..., Lda”.
k). A impugnante (e os subcontratados) efectuava o fabrico de cortantes de acordo com os moldes (em cartolina/cartão grosso) que lhe eram entregues pelos seus clientes, referentes a determinada colecção.
l). Dá-se por reproduzido o exemplar de molde constante de fls. 54 dos autos.
m). Após receber o molde do seu cliente, a impugnante entregava - o (nas suas instalações) ao fornecedor, a fim de este fabricar os cortantes em conformidade com aquele molde.
n). Após o fabrico, o fornecedor entregava, nas instalações da impugnante, os trabalhos executados.
o). O S... e a sociedade “Serralharia..., Lda”, emitiram à aqui impugnante as facturas e recibos juntos aos autos, os quais foram registadas na contabilidade desta.
p). Para pagamento dos serviços/fornecimentos constantes das facturas referidas em o), a impugnante emitiu os cheques em nome de cada um desses fornecedores, conforme cópias juntas aos autos a fls. 245/292 e cujo teor se dá por reproduzido.
q). Tais cheques foram descontados nas contas bancárias da impugnante e as quantias levantadas pelo S....
r). Os serviços titulados em algumas das facturas referidas nos autos, foram efectuados através de numerário.
s). Dá-se por reproduzido o extracto de conta corrente da impugnante junto a fls. 154/159 dos autos.
t). Os emitentes das facturas em causa nos autos deixaram de prestar serviços para a impugnante.
u). Numa fase inicial, o S... chegou a fornecer à impugnante máquinas específicas para produção.
v). Da acta de audiência de discussão e julgamento elaborada no âmbito do processo comum que correu termos pelo 2° Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, sob o n° 368/04.0TAVNG, em que era arguido S..., consta designadamente que por este foi dito “que tudo quanto declarou nos Serviços de Inspecção Tributária do Porto, no que concerne às suas relações comerciais com a sociedade M..., Lda e mais concretamente descrita no art. l da acusação particular constante dos autos, não corresponde à verdade, sendo antes pelo contrário, todas as facturas e respectivos valores correspondentes à realidade das transacções efectuadas, pelo que pretende apresentar um pedido de desculpas por esse facto.”- cfr. fls. 121/123.
w). Dá-se por reproduzido o teor da acusação particular apresentada por F… contra S... constante de fls. 119 dos autos.
x). Em 11/12/2006, a impugnante tinha a sua situação tributária regularizada.
*
Não se provaram outros factos, além dos supra referidos.
*
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental produzida nos autos e nos depoimentos das testemunhas inquiridas, sobretudo das testemunhas M… e P…, atento o conhecimento pessoal e directo que demonstraram relativamente aos factos dados como provados.

2. O Direito

Perante a matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo alicerçou a sua decisão, fundamentalmente, na consideração de que foi suficientemente provada a efectivação das operações económicas, por parte da impugnante, e, como tal, o direito a ver aceite os custos inerentes à contabilização daquelas facturas, nos termos do artigo 23.º do Código de IRC estava perfeitamente consolidado.
Os indícios de emissão de facturas falsas eram fortes e credíveis e, com esta natureza de fundados indícios, não foram afastados na sentença recorrida. Mas, a Fazenda Pública entende que a prova produzida, na sua globalidade, não é suficiente para se concluir pela efectivação de quaisquer transacções comerciais.
Sustenta a Fazenda Pública que a prova apresentada pela impugnante, mormente, o depoimento das testemunhas e declarações emitidas em juízo pelo emitente das facturas – S... -, em denegação das que havia proferido no decurso do procedimento inspectivo, não são suficientes para legitimar a sua pretensão.
É convicção da Fazenda Pública que o tribunal recorrido não devia ter valorado, nos termos em que o fez, a prova produzida em audiência e as declarações do emitente das facturas, com o duvidoso objectivo de se retractar, por não infirmar a posição da AT; alertando que a prova produzida não foi apreciada na sua globalidade, nem a sua concatenação terá sido efectuada com recurso às regras de experiência comum.
A Fazenda Pública não se conforma com o decidido, porque os depoimentos das testemunhas, em que se sustenta a decisão recorrida, contêm apenas referências vagas e inconclusivas, inidóneas para sustentar a materialidade das operações económicas deste concreto sujeito passivo. Até porque a especificidade da matéria em discussão reclama prova documental bastante capaz de esclarecer os factos aventados; conclusão que apoia nos artigos 364.º, n.º 1 e 393.º, n.º 1 do Código Civil.
A alteração da decisão da matéria de facto por este Tribunal pressupõe que, para além da indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, capazes de impor decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigos 640.º, n.º 1 e 662.º, ambos do CPC).
A Recorrente tinha, por isso, de indicar os meios de prova que permitiriam dar os referidos factos como incorrectamente julgados e, tendo sido produzida prova testemunhal, estava ainda obrigada a indicar os depoimentos, com referência ao assinalado na acta da diligência, que implicava que a decisão tivesse sido outra que não a que consta da sentença, sob pena de rejeição do recurso nessa parte, face ao estatuído no artigo 640.º, n.º 1 e 2 do CPC.
Tal ónus não foi cumprido pela Recorrente, pois a Fazenda Pública não só não especificou os concretos pontos de facto que na sentença foram dados como provados e que considera incorrectamente julgados, como não identificou as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas que imporiam uma valoração e decisão da matéria de facto diversa; pelo que, nesta parte, o recurso é de rejeitar – cfr. artigo 640.º, n.º 1 do CPC (correspondente ao anterior artigo 685.º-B do CPC).
Saliente-se que, em rigor, o presente recurso se orienta contra a conclusão de facto que foi efectuada pelo tribunal recorrido, no que tange à materialidade das operações económicas deste concreto sujeito passivo. Portanto, a discordância da Fazenda Pública reconduz-se às conclusões extraídas dos factos provados, pois que saber se as facturas em crise têm ou não subjacentes efectivas relações comerciais, pressupõe retirar ilações dos factos apurados para chegar a tal conclusão.
Nesta conformidade, o objecto do presente recurso resume-se a saber se a factualidade dada como provada será idónea ou suficiente para afastar os indícios, recolhidos pela AT e constantes do Relatório de Inspecção Tributária, de emissão de facturação falsa.
Relembra-se que a sentença recorrida não questiona que a Administração Tributária tivesse reunido no procedimento indicadores suficientes de que as facturas identificadas no Relatório não titulam transacções verdadeiras. Vejamos o seu teor:
“(…) No caso em apreço, os indícios apresentados pela Administração Tributária que a levaram a concluir que as facturas eram falsas, por não corresponderem a negócios reais, foram, resumidamente, os seguintes:
• insuficiência de capacidade técnica e humana dos emitentes das facturas, “S...” e “Serralharia..., Lda” para sustentar o nível de actividade, que em condições normais, teria que estar a montante dos volumes de negócios correspondentes às facturas emitidas (reduzido número de trabalhadores ao serviço dos emitentes das facturas em causa e não recurso a subcontratos);
• falta de entrega de declarações fiscais/pagamentos pelos emitentes das facturas;
• falta de facturas na sequência da numeração nos três anos em causa, no caso da sociedade “Serralharia..., Lda”;
• A “Serralharia..., Lda.” utilizou dois livros de facturas com a mesma numeração, a sequência numérica das facturas não é emitida por ordem cronológica, as facturas são emitidas com as mais diversas letras e algumas são emitidas à máquina e ainda no ano de 2002, possui uma factura emitida com valores diferentes;
• Nas instalações da Serralharia..., Lda. constam as facturas n° 31 de 26.07.2002 e a n°80 de 20.05.2002 (correspondente à venda de uma lixadeira da marca Lirel), não contabilizadas na firma impugnante;
• A descrição da factura n° 82, contabilizada na impugnante e datada de 20.05.2002 é a mesma da factura n° 80, não contabilizada pela impugnante (a máquina estava nas instalações da impugnante, embora o emitente S... tenha afirmado nunca ter vendido qualquer máquina a qualquer empresa);
• As facturas são processadas manualmente, tendo o S... afirmado que é o próprio responsável pela elaboração das facturas e as facturas contabilizadas pela impugnante apresentam os mais variados tipos de letra;
• As facturas não discriminam o tipo de serviço, a quantidade nem o seu preço unitário, não respeitando o preceito legal estipulado no art. 35° do CIVA, nem discriminam a hora e o local da carga ou descarga (não servindo, assim, como guia de transporte);
• Inexistência de guias de transporte;
• Impossibilidade de efectuar a correspondência entre os serviços alegadamente subcontratados e as facturas emitidas pela M... aos seus clientes, uma vez que não especificam o tipo de serviços, o seu valor unitário nem quaisquer quantidades;
• O meio de pagamento utilizado para efectivar as transacções comerciais era o cheque e o dinheiro vivo (este último utilizado para pagamento das seguintes facturas: 713, 742, 780, 796, 793, 809, 887, 902, 936 e 971, emitidas pelo S... enquanto empresário em nome individual e n° 112 e 150, emitidas pela sociedade);
• Os cheques eram sempre levantados no dia da emissão ou nos dias seguintes pelo S..., nunca tendo sido efectuado o depósito dos mesmos;
• O S... afirmou que levantava o dinheiro correspondente ao valor do cheque e devolvia um determinado montante correspondente à diferença entre o valor da factura e o valor dos serviços que eram efectivamente prestados.
Embora uma parte destes elementos, analisados de forma isolada, não correspondam a indícios de que os serviços referidos nas facturas não o tenham sido efectivamente, conjugados entre si e tal como vêm configurados pela Administração Tributária, parecem-nos poderem constituir indícios de que as operações tituladas nas facturas foram simuladas.
São, aliás, preponderantes nesse sentido, as afirmações do emitente S..., a respeito da devolução de parte do dinheiro entregue pela impugnante, na negação da venda da máquina constante da factura n° 82, a propósito da circulação das mercadorias e guias de transporte e da elaboração das facturas, manifestamente em contradição com as afirmações do representante da impugnante.
E se é certo que a impugnante não pode ser responsabilizada pelos factos respeitantes a tal emitente, estando estes factos totalmente fora do seu controle e sendo alheia aos mesmos, certo é que alguns destes factos não podem deixar de ser ponderados pela Administração Tributária, quando conjugados com outros, de forma a permitir apurar se as operações referidas nas facturas correspondem ou não à realidade. (…)”
É nesta sequência, perante tal indiciação, que a sentença recorrida, e bem, refere impor-se à impugnante um esforço probatório no sentido de afastar tais indícios e demonstrar a efectividade das ditas operações.
Aqui chegados, mais uma vez entroncamos no objecto do presente recurso, ou seja, na parte decisória que se mostrou desfavorável à Fazenda Pública: saber se a ora recorrida logrou afastar os indícios recolhidos e se demonstrou a efectividade das operações comerciais subjacentes às facturas em apreço.
Na sentença recorrida decidiu-se que sim, com os seguintes fundamentos:
“(…) Ora, na nossa opinião, a impugnante logrou afastar os indícios mais relevantes de simulação invocados e provar que as facturas em causa titulam operações reais.
Com efeito, do depoimento das testemunhas inquiridas (sobretudo da primeira e terceira), resultou claramente demonstrado que o S... (inicialmente em nome individual e mais tarde, a sociedade por ele constituída) era um dos subcontratados pela impugnante, a qual trabalhava em função das encomendas (e por isso não tinha stocks) e recorria a terceiros para satisfazer atempadamente as solicitações dos seus clientes.
Foi também esclarecido pelas testemunhas o motivo da inexistência de guias de transporte de mercadorias das suas instalações para as instalações dos seus fornecedores (conforme a impugnante já havia esclarecido em sede de direito de audição), já que a impugnante apenas entregava aos fornecedores os moldes em cartão (cujo exemplar se encontra junto aos autos) e era com base nesses moldes que os cortantes eram fabricados e posteriormente entregues nas instalações da impugnante.
Acresce referir que relativamente à maioria das operações em causa, a impugnante juntou prova do respectivo pagamento, mediante junção de cópias dos cheques sacados pelos destinatários [cfr. 1 ponto q) e p) do probatório] e dos recibos bem como do extracto de conta corrente.
Por outro lado, quanto ao indício resultante das afirmações do S... (e que é um indício preponderante da simulação das operações tituladas nas facturas em causa), conforme resulta da certidão junta aos autos [al. v) do probatório], este viria posteriormente a retractar-se, declarando que aquelas afirmações não correspondiam à realidade, ficando, assim, também afastado este indício.
Por último, importa também ter presente que o argumento aduzido pela AT quanto à impossibilidade de efectuar a correspondência entre os serviços alegadamente contratados e as facturas emitidas pela impugnante aos seus clientes, por aquelas não especificarem o tipo de serviços, o seu valor nem as quantidades não é válido relativamente a todas as facturas, já que existem facturas que são relativas a venda e reparação de máquinas e outros equipamentos (v.g. facturas n° 545, 713, 899, 887, 742, e outras têm tais elementos especificados (v.g. factura n° 796, 793 e 780).
Em suma, da conjugação dos depoimentos das testemunhas inquiridas com a prova documental produzida nos autos, afigura-se-nos ter a impugnante logrado afastar os indícios de que as operações tituladas nas facturas foram simuladas, pelo que os custos constantes dessas facturas devem ser fiscalmente aceites. (…)”
Consta do Relatório de Inspecção Tributária: “(…) face às averiguações efectuadas e aos elementos disponibilizados, quer na acção de inspecção ao sujeito passivo em questão, quer ao S... e à firma da qual é sócio gerente, concluímos que as facturas emitidas nos exercícios de 1999, 2000, 2001 e 2002, não consubstanciam a efectiva prestação de serviços, tendo havido celebração de negócio simulado entre o sujeito passivo em análise e aqueles, quer quanto ao seu valor, quer quanto à sua natureza, constituindo esta conduta crime de fraude fiscal (…)”.
Assim, a Administração Tributária desconsiderou todas as facturas emitidas à ora recorrida por S... em 1999 a 2001 e pela Serralharia…, Lda.” em 2002, tendo subjacente que, na sua perspectiva, a aqui recorrida nem sequer teria recorrido aos serviços destes emitentes nos referidos períodos.
Este Tribunal Central Administrativo Norte, por Acórdão de 29/09/2011, proferido no âmbito do processo n.º 2301/04.0BEPRT, já se pronunciou especificamente sobre a factualidade apurada pela Administração Tributária, já que esse processo assenta no mesmo Relatório de Inspecção Tributária que os presentes autos, referente ao mesmo período inspectivo. De igual modo, decidiu o recurso aí também interposto pela Fazenda Pública, fundado em idênticas conclusões, e tendo por base a mesma factualidade provada, com a nuance de as correcções à matéria tributável terem sido efectuadas à aqui recorrida em sede de IVA e nos presentes autos as liquidações se reportarem a IRC:
«(…) a Administração Tributária também não tinha posto em causa que estes emitentes prestavam mesmo serviços de torno, fresa, furações e trabalhos de serralharia civil. O que se punha em causa no relatório era que esses serviços pudessem ascender ao montante total anual correspondente às facturas emitidas. Porque os recursos técnicos e humanos de “S...” e “Serralharia..., Lda.” seriam manifestamente insuficientes para sustentar esse nível de actividade. Assim, a Administração Tributária admitia que parte da facturação globalmente emitida consubstanciava verdadeiros serviços prestados.
Acrescente-se que também não estava em causa que os valores anuais da facturação emitida por “S...” e “Serralharia..., Lda.”, na parte que respeitava à Impugnante, não ultrapassavam a capacidade de produção daqueles emitentes. É que, de acordo com o relatório, o potencial volume de serviços prestados por aqueles sujeitos – considerando os meios de produção disponíveis e os preços praticados – andaria pelos €252.000,00 anuais, sendo que o valor anual de facturação não ultrapassou, no caso da Impugnante, €106.368,93, fasquia que só foi atingida em 2002.
Pelo que só poderiam ter sido determinantes para a conclusão a que chegou a Administração Tributária, de que aquelas facturas em particular não consubstanciavam a efectiva prestação de serviços, as declarações de “S...” resumidas no ponto 4. do relatório, conjugadas com a inexistência de comprovativos do transporte das mercadorias de e para a Impugnante e do facto de ter sido usado “dinheiro vivo” como meio de pagamento ou cheques levantados ao balcão.
Sucede que, como se assinalou na douta sentença, o referido “S...” “retractou-se” perante o Tribunal Judicial das declarações prestadas perante a fiscalização. E ao contradizer depois o que tinha afirmado não podia deixar de gerar uma dúvida forte sobre a credibilidade dos seus depoimentos (ambos), e fragilizar este indicador como suporte da decisão tributária. É por isso que as denúncias não são o ponto de chegada, mas o ponto de partida das acções de fiscalização.
Por outro lado, foi dado como provado na douta sentença que o “S...” e, mais tarde, a “Serralharia..., Lda.” eram mesmo um dos subcontratados pela Impugnante [cfr. alínea I)] Nestes autos, cfr. alínea j).. Facto que, como repetidamente se referiu já, o Tribunal “ad quem” não pode questionar. E nada há nos autos que permita sustentar que já não o fosse (no caso de “S...”) ou ainda não o fosse (no caso da “Serralharia..., Lda.”) nos períodos em causa.
O que sobra, por isso, são indicadores que descrevem um comportamento de fraca colaboração com a Administração Tributária do lado dos emitentes. Que tanto poderia resultar de uma intenção de obstaculizar o acesso à sua verdadeira situação tributária como de uma atitude displicente e pouco atenta ao cumprimento de obrigações legais, também consentânea com a falta de guias de transporte de mercadorias. São indicadores de natureza anfibológica (que tanto podem significar uma coisa como outra) e que, por isso, não podem valer por si, sustentando um significado determinado apenas quando conjugados com outros de sentido inequívoco.
Com uma excepção: o volume de facturação de “S...” nos períodos de 1999 (€652.474,34), 2000 (€815.335,58) e de 2001 (€850.683,89) e de “Serralharia..., Lda.” em 2002 (€1.094.054,00), em qualquer dos casos muito superior à capacidade de produção instalada (estimada em €252.000,00). É um forte indicador de que parte substancial da facturação emitida por esses sujeitos passivos não titula verdadeiras transacções, tanto mais que não recorreriam a subcontratações. Mas fica a dúvida fundada sobre se as facturas a que não correspondem transacções verdadeiras são as que foram emitidas à Impugnante ou quaisquer outras porque as encomendas da Impugnante não chegam nem de perto da capacidade de produção instalada e o Tribunal nada sabe sobre a idoneidade de outros destinatários de outras facturas.
E a dúvida fundada sobre a existência do facto tributário também conduz à anulação do acto – artigo 100.º, n.º 1, do CPPT. Entendimento que – acrescente-se – em nada diverge do veiculado no Acórdão deste Tribunal de 2005.02.24 (Processo n.º 00271/04, citado no artigo 51.º das doutas alegações de recurso) Nestes autos, cfr. conclusão Y das alegações de recurso., porque naquele caso o que se entendeu foi que não era possível invocar dúvida fundada sobre a existência do facto tributário se, estando manifestamente em causa a capacidade de produção do emitente, o utilizador representa respectivamente 94,7%, 99,3% e 100% do total das compras (no caso presente, a Impugnante tem um peso de 0,34%, 2,52% e 10% no total das compras a “S...” em 1999, 2000 e 2001, respectivamente, e 9,72% no total das compras efectuadas a “Serralharia..., Lda.” em 2002).
Mas mesmo que assim não fosse entendido não pode deixar de se extrair dos factos provados que foi para pagamento dos serviços/fornecimentos constantes das facturas supra referidas que a Impugnante emitiu os cheques juntos aos autos, sendo que os serviços a que se reportam algumas facturas foram pagos em numerário (O e Q dos factos provados) Nestes autos, cfr. alínea p) a r) da factualidade apurada.. E o único sentido objectivo de tal afirmação inserida na resposta à matéria de facto é o de que a Mm.ª Juiz também deu como provado que os pagamentos foram justificados com serviços efectivamente prestados, traduzidos em fabrico de cortantes em conformidade com moldes previamente fornecidos. Assim se entendendo que tenha concluído que “o teor das facturas atesta factos cuja materialidade se verificou”.
Sendo que a Fazenda Pública, apesar de ter clamado ao longo de todas as alegações de recurso contra a conclusão de que as operações foram efectivamente realizadas, nunca apontou o alvo contra quaisquer factos que em concreto se tenham ali dado como provados, inviabilizando a reavaliação da prova respectiva por este Tribunal (como, de resto, já acima se anotou). (…)»
Sustentou, por último, a Fazenda Pública que a especificidade da matéria em discussão reclama prova documental – por documento escrito, chamando à colação os artigos 364.º, n.º 1 e 393.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
Por um lado, a lei não exige como forma da declaração negocial, no contrato de prestação de serviços em causa, documento autêntico, autenticado ou particular, nem tão-pouco exige que as declarações respectivas se provem por documento. Pelo que a situação dos autos não se subsume a quaisquer destes normativos.
Por outro lado, na simulação do negócio jurídico não é posto em causa que as declarações negociais respectivas foram efectivamente emitidas, imputando-se apenas a tais declarações o vício de vontade de ambos os contraentes, que pode ser objecto de prova testemunhal (a não ser que a simulação seja invocada pelos próprios simuladores – artigo 394.º, n.º 2 do mesmo Código).
Nestes termos, à laia de conclusão, diremos que a factualidade provada nos presentes autos permite retirar as ilações de facto como o efectuou o tribunal recorrido, ou seja, é apta à conclusão de que a impugnante logrou afastar os indícios de que as operações tituladas nas facturas foram simuladas, pelo que os custos constantes dessas facturas devem ser fiscalmente aceites. Isto porque a Recorrente não direccionou o seu recurso a factos concretos constantes da decisão da matéria de facto com fundamento em erro de julgamento.
Pelo exposto, o julgamento efectuado na sentença recorrida deve manter-se.

Conclusões/Sumário

I) A falta de especificação, pela Recorrente, dos concretos pontos de facto que na sentença foram dados como provados e que considera incorrectamente julgados, bem como dos concretos meios probatórios, constantes de registo fonográfico, que impunham decisão sobre pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, impede o Tribunal “ad quem” de reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto – cfr. artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT.
II) Tendo a Administração Tributária concluído, no relatório final de inspecção tributária, que nenhuma das facturas emitidas e utilizadas pela Recorrida em determinado período consubstanciam a efectiva prestação de serviços, designadamente porque a capacidade de produção instalada dos emitentes não suportava o volume de negócios anual representado na facturação emitida, e tendo sido apurado em tribunal que os emitentes prestaram mesmo serviços à Recorrida e que o volume de negócios representado nas facturas que utilizou é inferior à capacidade produtiva apurada naquele relatório, não existindo outros indicadores que, por si só, sustentem aquela conclusão, deve entender-se que da prova produzida resulta a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário para efeitos do artigo 100.º, n.º 1 do CPPT.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 12 de Março de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Mário Rebelo