Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00126/12.8BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/23/2019
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:REVERSÃO DA EXECUÇÃO, GERÊNCIA DE FACTO VS GERÊNCIA DE DIREITO, DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:
I - O Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que não cumprindo os ónus fixados pelo artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, o recurso quanto à matéria de facto terá de ser rejeitado.
II - Ao abrigo do regime ínsito no artigo 24.º da Lei Geral Tributária é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
III - É gerente de facto quem, actuando em nome de uma sociedade, pratica actos tendo em vista a concretização do objecto social daquela.
IV - Não resultando do probatório a prática de tais actos típicos de gerência à data do terminus do prazo legal do pagamento ou entrega da dívida tributária, deve o Oponente ser declarado parte ilegítima e determinada, quanto à sua pessoa, a extinção da execução fiscal contra ele revertida. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:MFJP
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em 11/03/2013, que julgou procedente a Oposição deduzida contra a execução fiscal n.º 1759200801051660, instaurada contra a firma “CNCC, Lda.”, para cobrança de dívidas respeitantes a IVA, relativas ao primeiro trimestre do ano de 2007, no valor de €6.781,75, revertida contra a oponente, MFJP, NIF 21xxx35, na qualidade de gerente e responsável subsidiária.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A. Julgou a Sentença recorrida procedente a oposição deduzida no processo de execução fiscal n.º 1759200801051660 e apensos, por dívidas de IVA, do ano de 2007, no montante global de €6,781,76, instaurado contra a originária devedora CNCC, LDA, NIPC 50xxx20, onde foi efectuada a reversão contra a oponente e aqui recorrida, considerando a douta sentença de que se recorre que a reversão deve ser extinta por não resultar provado nos autos que tenha exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária, concluindo-se, pois, pela ilegitimidade na presente execução fiscal da gerência pela oponente/recorrida.
B. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos de execução e deficiente análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer, e consequente, erro na aplicação dos disposto nos art.º 74º da LGT e 342º do CC.
C. A douta sentença considerou como assente a factualidade elencada no ponto III. nas alíneas A) a AG) do probatório.
D. Porém, de molde a subsumir a situação real respigada dos autos à boa decisão da causa, o Probatório deverá ser corrigido de acordo com a verdade factual, ao abrigo do disposto no art. 712º, n.º 1 alíneas a) e b) do CPC, pois, não se concorda com a convicção do Tribunal, no que tange à factualidade dada como assente.
E. Razão pela qual, entende a Fazenda Pública que, face aos elementos insertos nos autos, se deve corrigir o Probatório contemplando os seguintes factos:
a. AH) Os documentos de fls. 168 a 170, 173 e 174, 175 e 176, foram juntos pela recorrida e não foi impugnada a assinatura da recorrida aposta nos mesmos;
b. AI) A oponente assinou um contrato de leasing, cfr. depoimento da testemunha JJP;
c. AF) No Relatório Inspectivo consta que a oponente foi nomeada gerente, vinculando-se a sociedade pela sua única assinatura.
F. A douta sentença padece de erro de julgamento de facto que determinou a errada aplicação do direito, entendendo a FP que a acção de oposição deveria ser considerada improcedente, por provada a gerência de facto da oponente/recorrida.
G. Decorre das diligências encetadas pelo OEF e dos elementos carreados para os autos, que se encontra devidamente documentada a gerência de facto da oponente consubstanciada nas declarações anuais, nas declarações modelo 10, nas declarações IES e nas declarações de rendimentos IRC – modelo 22, no campo (identificação do representante legal), onde a oponente se apresenta na qualidade de representante legal da devedora originária, referentes aos seguintes períodos de tributação:
a. Declaração anual do ano de 2005, apresentada em 2006.06.27, cfr. FLS. 74 do PEF junto aos autos;
b. IES do ano de 2006, apresentada em 2007.09.11, cfr. Fls. 75 do PEF junto aos autos;
c. Declaração modelo 10 do ano de 2005, apresentada em 2006.02.27, cfr. Fls. 73 do PEF junto aos autos;
d. Declaração modelo 22 do ano de 2006, apresentada em 2006.05.31, cfr. Fls. 76 do PEF junto aos autos;
e. Declaração modelo 10 do ano de 2006, apresentada em 2007.03.19, cfr. Fls. 77 do PEF junto aos autor;
f. Declaração modelo 10 do ano de 2007, apresentada em 2008.02.29, cfr. Fls. 78 do PEF junto aos autos;
g. Declaração modelo 10 do ano de 2008, apresentada em 2009.02.25, cfr. Fls. 79 do PEF junto aos autos;
h. IES do ano de 2008, apresentada em 2009.07.10, cfr. Fls. 80 do PEF junto aos autos;
i. IES do ano de 2009, apresentada em 2010.07.07, cfr. Fls. 81 do PEF junto aos autos;
j. IES do ano de 2010, apresentada em 2011.09.01, cfr. Fls. 82 do PEF junto aos autos.
H. Ademais, a oponente apôs a sua assinatura na declaração de inscrição de início de actividade, cfr. fls. 72 do PEF junto aos autos, bem como no documento de abertura de conta do banco BES e no contrato de leasing, cfr. depoimento da testemunha JJP.
I. Verificou-se que, a oponente se encontrava inscrita na Segurança Social, no período a que respeitam as dívidas, tendo sido entregues declarações de remunerações na qualidade de Membro de Órgão Estatutário (MOE), cfr. documento enviado pelo Instituto da Segurança Social, cfr. fls. 71 do PEF junto aos autos;
J. Partindo, pois, do pressuposto que quem se arroga perante uma entidade – Segurança Social – uma determinada qualidade e cargo e consta na folha de remunerações nessa sobredita qualidade e cargo, é por demais evidente que exerceu, no aludido período, as funções para as quais se encontrava legalmente habilitada.
K. Salienta-se que, os documentos de fls. 168 a 170, 173 e 174, 175 e 176, foram juntos pela oponente, não tendo sido impugnada a assinatura aposta nos mesmos pela recorrida, e por conseguinte firmaram-se como genuínos.
L. Ora, atendendo a essas circunstâncias, o depoimento prestado pela testemunha JJP, no qual declara que foi o próprio a assinar esses documentos, não é coerente e coincidente com a posição assumida pela recorrida, uma vez que a mesma não pôs em causa a sua genuinidade, pelo que se entende que não deveria ter sido valorado positivamente pelo douto Tribunal.
M. De notar que, do confronto do documento a fls. 178 dos autos, referente ao extracto de conta do Banco Popular, com o depoimento da testemunha JJP, verifica-se que foram requisitados dez cheques, em 18.06.09, período em que a testemunha já era gerente de direito da devedora originária, pelo que somente se pode inferir que esses cheques foram assinados pela testemunha porquanto era ele o gerente de direito à data desses factos.
N. No que concerne à conta do BES em nome da devedora originária, ficou demonstrado que foi a recorrida quem procedeu à sua abertura, mas não foi afastada a presunção natural de que era a recorrida a movimentar tal conta, uma vez que não ficou provado o alegado no ponto 16º da p.i. de que os cheques eram rubricados pelo JJP, conforme ficou estabelecido na ficha de assinaturas em arquivo na agência bancária.
O. Por outro lado, não se compreende o facto de não ter sido valorado positivamente a confissão dessa testemunha na assinatura aposta pela recorrida num contrato de leasing.
P. Para além dos indícios respeitantes à gerência de facto supra descritos, bem fundados, impõe-se que não descuremos que a recorrida constava como única sócia gerente na CRC, constituindo a forma de obrigar a sociedade mediante a sua assinatura, e consequentemente, os destinos da originária devedora dependiam exclusivamente da sua intervenção, sob pena de paralisação da mesma, neste sentido se pronunciou o Acórdão do TCASul, de 27-07-2007, proc. 01953/07.
Q. Assim sendo, relevante para a decisão da questão é a forma de obrigar da sociedade. Ora, como vem provado, a sociedade obrigava-se com a assinatura da oponente, que tinha necessariamente que assinar os documentos relativos ao giro comercial da sociedade.
R. Daqui decorre que a oponente tinha uma intervenção pessoal e activa na vinculação da sociedade, ou seja, a viabilidade funcional da devedora originária só era concretizada com a intervenção da oponente, designadamente na aposição da sua assinatura nos documentos para abertura de uma conta na BES como a mesma assume no ponto 16º da p.i., no contrato de leasing assumido pela testemunha JJP, bem como dos restantes indícios acima expostos, o que se subsume integralmente à noção de gerência de facto.
S. De referir que sendo a recorrida também gerente de outra sociedade (“A RPP, Lda”), estava consciente da realidade empresarial, com as suas inerentes responsabilidades e obrigações perante terceiros, mediante o exercício de actos que, bem sabia, vinculavam a sociedade.
T. Deste modo, é irrelevante que todos os restantes actos típicos da gerência sejam praticados por terceira pessoa (seu irmão), em sentido idêntico se pronunciou o acórdão do TCASul de 09-10-2007, proc. 01953/07.
U. É mister concluir que a oponente detinha o controlo do destino da originária devedora pelo exercício de facto do cargo para o qual se encontrava nomeada.
V. Por outro lado, as dívidas ao Fisco do ano de 2007, reportam-se a um período anterior ao da renúncia da oponente datada de 03.11.2008, tanto a constituição das dívidas bem como a respectiva data de vencimento (2008.10.06).
W. Desta forma, para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros – Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139.
X. Sendo certo que a gerência não tem de ser exercida de forma ampla nem de modo continuado, bastando-se com a prática de algum acto que por si só seja revelador da externação da vontade da sociedade que o seu autor legalmente representa.
Y. Ora, como vimos e vem abundantemente demonstrado nos autos de execução, e por conseguinte, a Administração Tributária logrou fazer prova de concretos actos de gerência praticados pela oponente/recorrida em nome e por conta da sociedade executada originária, sendo, portanto, esta parte legitima no âmbito desta execução.
Z. Contrariamente ao sentenciado, considera a Fazenda Pública que, no caso presente, mostram-se verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução contra a aqui recorrida, impondo-se uma decisão judicial que considere a oponente/recorrida parte legítima na execução, pelo que deverá o douto tribunal ad quem determinar a improcedência da oposição pela convicção da gerência de facto da oponente/recorrida, formada a partir do exame crítico das provas.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as devidas consequências legais.
*
Não houve contra-alegações.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se em analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que a Oponente não exerceu, de facto, a gerência da sociedade devedora originária e, nessa medida, concluiu pela ilegitimidade da Oponente para a execução fiscal.
III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Considera-se provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos:
A). Em 30.10.2008, contra a sociedade “CNCC, Lda.”, pessoa colectiva n.º 50xxx20, foi extraída certidão de dívida, nos valores de 6.490,83€ e de 290,93€, referentes ao processo n.º 1759200801051970, relativas, respectivamente, a dívidas de IVA de 03T/2007 e juros. – cfr. fls. 68 e 69 dos autos;
B). Em 19.04.2011, foi elaborada “certidão de diligências”, no âmbito do Processo n.º 1759200901032747, cujo teor ora se dá aqui por integralmente reproduzido e, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“Certificámos, não nos ter sido possível satisfazer o mandato de penhora que antecede, extraído contra CNCC, LDA, Nif 50xxx20, com sede na Rua A… – 4605-032 Vila Meã, executado nos presentes autos, por não serem conhecidos ao executado, na área deste Serviço de Finanças, quaisquer bens susceptíveis de serem penhorados, nem nos constar que os possua em qualquer outra parte.
Cessado em IVA desde 2011/02/28.
À data das dívidas era gerente:
- MFJP, NIF 21xxx35, RESIDENTE EM Av.ª E… RPP – 4605- 358 Vila Meã (renunciou à gerência em 03/11/2008);
Amarante, 2011.04.19 (…) ” – cfr. fls. 150 dos autos;
C). Do Registo Comercial da sociedade “CNCC, Lda.”, cujo teor ora se dá aqui por integralmente reproduzido consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
AP.1/20050629 – CONTRATO DE SOCIEDADE E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS)
Firma: CNCC, Lda.
(…)
Objecto: Construção civil e obras públicas. Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Exploração de carpintaria e fabricação de mobiliário. Importação e comercialização de portas e janelas similares em madeiras. Montagem de trabalhos de carpintaria e caixilharia.
(…)
Insc.1 FORMA DE OBRIGAR/ORGÃOS SOCIAIS
Forma de obrigar: Assinatura da gerente
Órgão(s) Designado(s):
Gerência
MFJP
(…)
AP. 6/20081117 11:07:12 UTC – CESSAÇÃO DE FUNÇÕES DE MEMBRO(S) DO(S) ORGÃO(S) SOCIAL (AIS) (ONLINE)
GERENCIA
Nome / Firma : MFJP
(…)
Causa: Renúncia
Data: 03 de Novembro de 2008 (…)” – cfr. fls. 70 e 72 (frente e verso) dos autos.
D). Em 19.04.2011, foi elaborado “despacho para audição (reversão)”, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte teor:
“Despacho: Face às diligências de fls. _, determino a preparação do processo para efeitos de reversão da(s) execução(ões) contra MFJP, contribuinte n.º 21xxx35, morador em LUG M… – TRAVANCA – 4605 – 000 TRAVANCA AMT na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.
Face ao disposto nos normativos do n.º4 do Art.º 23º e do Art.º 60º da Lei Geral Tributária, proceda-se à notificação do(s) interessado(s), para efeitos do exercício do direito de audição prévia, fixando-se o prazo de 10 dias a contar da notificação, podendo aquela ser exercida por escrito/ oralmente.
PROJECTO DA REVERSÃO: Pelos elementos do processo, nomeadamente informação resultante de diligências externas, verifica-se a insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário (art. 23º/n.º2 da LGT).
O revertido foi gerente (art. 23º da LGT e art. 160º do CPPT) no período em que ocorreram os factos tributários e em que terminou o prazo legal de pagamento/ entrega.
[art.º 24º / nº1/a) LGT] [art. 8º RGIT].
IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA
Nº Processo Principal 1759200801051660
Total da Quantia Exequenda 6.781,76 EUR
1) Total de Acrescidos: 0,00 EUR
Total: 6.781,76 EUR (…)” – cfr. fls. 85 dos autos.
E). Com data de 19.04.2011, foi expedido, via correio registado, ofício de “notificação audição prévia (reversão)” dirigido à Oponente, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte “…determinei a preparação do processo para efeitos de reversão da(s) execução(ões) fiscais infra indicada(s)contra V.Ex.ª, na qualidade de Responsável Subsidiário. (…)” – cfr. fls. 86 dos autos.
F). Em 30.05.2011, foi emitido “despacho”, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“DESPACHO (Reversão)
Face às diligências de fls. __ e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra MFJP, contribuinte n.º 21xxx35, morador em LUG M… – TRAVANCA – 4605 – 000 TRAVANCA AMt, na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.
Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do Art. 160º do C.P.P.T. para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora, nem custas (n.º5 do Art. 23.º da L.G.T.)
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO: Foi provada, por diligências efectuadas por este Serviço, verifica-se a inexistência dos bens penhoráveis do devedor originário (art. 23º/n.º2 da LGT).
O revertido foi gerente de direito e de facto (art. 23º da LGT e art. 160º do CPPT) no período em que ocorreram os factos tributários e em que terminou o prazo legal de pagamento/ entrega, não tendo provado que não lhe foi imputável a falta de pagamento.
[art.º 24º / nº1/a) LGT] [art. 8º RGIT].
IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA
Nº Processo Principal 1759200801051660
Total da Quantia Exequenda 6.781,76 EUR
1) Total de Acrescidos: 0,00 EUR
Total: 6.781,76 EUR (…)” – cfr. fls. 87 dos autos.
G). Com data de 30.05.2011, foi expedido, via correio registado com aviso de recepção, ofício de citação (reversão) n.º 3816, para a Oponente, na qualidade de executada por reversão, cujo teor ora se dá aqui por integralmente reproduzido, identificando-se o processo de execução fiscal n.º 1759200801051660, referente à quantia exequenda no valor de 6.781,76€, recepcionado por terceiro em 03.06.2011. – cfr. fls. 88 a 90 dos autos.
H). Em 15.09.2011, pelo Chefe de Finanças de Amarante, no âmbito do Processo n.º 1759200801051660 e apenso, foi proferido “despacho” cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“A revertida MFJP deduziu oposição à reversão, alegando nos dos fundamentos que o despacho de reversão não apresenta quais provas da gerência de facto e da culpa da revertida na inexistência de património da sociedade para garantir o pagamento das dívidas.
Analisado o despacho, verifica-se que não consta do despacho as provas a que se refere a oponente. Assim, revogo o despacho de reversão contra MFJP e profiro novo despacho do teor que se segue.
Face ao disposto no artigo 24.º da Lei Geral Tributária (…).
Nos termos do n.º2 do artigo 153º do Código de Procedimento e Processo Tributário, (…).
O presente processo e apensos respeita a dívidas de IRC de 2007, no total de €6.490,83.
Conforme consta dos autos, à sociedade executada, CNCC, LDA., não são conhecidos bens penhoráveis para garantir o pagamento da dívida e acrescido.
Foi preparado o processo para reversão contra os responsáveis subsidiários.
Consultados os elementos disponíveis, verificou-se que MFJP, residente em Av. E… – RPP – Vila Meã, foi gerente da sociedade.
Foi notificada para exercer, querendo, o direito de audição prévia, o que não fez.
Consultados os elementos disponíveis, as bases de dados da DGCI e a certidão permanente da Conservatória do Registo comercial, verificou-se que MFJP, residente em Av. E… – RPP – Vila Meã, foi gerente da sociedade desde a sua constituição até 03 de Novembro de 2008. Por elementos colhidos junto da Segurança Social, no período a que respeitam as dívidas, encontrava-se inscrita e efectuou descontos como gerente da sociedade. Encontram-se juntas ao processo cópias de declarações assinadas por ela ou em que aparece como representante legal da sociedade.
O prazo normal de pagamento do IRC de 2007 decorreu até ao fim de Maio de 2008.
Pelas razões apontadas e pelos elementos do processo, verifica-se que MFJP exerceu sempre a gerência de direito e de facto no período em que deveria ter sido paga a dívida e que não provou que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas.
Assim, reverta a execução contra MFJP, pela totalidade das dívidas, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24º da LGT.
Nos termos do n.º 1 do artigo 160.º do CPPT, proceda-se à citação pessoal. (…)” – cfr. fls. 91 dos autos;
I). Através do ofício n.º 5340, de 23.09.2011, expedido via correio registado com aviso de recepção para a Oponente, foi esta notificada de que “por despacho do Sr. Chefe de Finanças de 2011-09-15, foi revogado o Despacho de Reversão proferido em 2011-05-30…” – cfr. fls. 92 e 93 dos autos;
J). Com data de 26.09.2011, foi expedido, via correio registado com aviso de recepção, ofício de citação (reversão) n.º 5386, para a Oponente, na qualidade de executada por reversão, cujo teor ora se dá aqui por integralmente reproduzido, identificando-se o processo de execução fiscal n.º 1759200801051660, referente à quantia exequenda no valor de 6.781,76€, recepcionado por terceiro em 27.09.2011. – cfr. fls. 94 a 96 dos autos.
K). Com data de Novembro de 2004, foi apresentada pela sociedade “CNCC, Lda.”, uma “declaração de inscrição no registo/ início de actividade”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e na qual, para além de a Oponente ser identificada como “sócia e gerente”, vem aposta a assinatura da Oponente, na qualidade de sujeito passivo ou representante legal. – cfr. fls. 131 (frente e verso) dos autos;
L). Nos comprovativos de entrega via internet da “Declaração anual de IES – 2006”, da “Declaração anual de rendimento – 2005”, da “Declaração de Rendimento – Modelo 22 – 2006”, da “Declaração de Rendimentos e Retenções – IRS/ IRC – Modelo 10 – 2006”, da “Declaração de Rendimentos e Retenções – IRS/ IRC – Modelo 10 – 2007” e, da “Declaração de Rendimentos e Retenções – IRS/ IRC – Modelo 10 – 2008”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no campo “NIF do Representante Legal/ sujeito passivo” vem indicado o NIF 212623435. – cfr. fls. 132 a 137 dos autos.
M). Em 29.02.2012, pelo Serviço de Finanças de Amarante, foi remetida aos autos a seguinte “informação”, cujo teor ora se dá aqui por integralmente reproduzido e da qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…) Acerca dos autos em epígrafe, complementarmente informo o seguinte:
1 – A dívida de IRC, respeitante ao processo executivo n.º 1759200801051660 do montante de €2.654,04, a que se refere a presente oposição foi paga em 11 de Fevereiro de 2009.
2 – O processo de execução fiscal n.º 175920080105970, que se encontra apenso desde 11 de Dezembro de 2008 ao processo referido no ponto 1 da presente informação, respeita a dívidas de IVA e juros compensatórios de IVA do montante total de €6.781,76.
3 – Por lapso refere-se no ponto 8 da informação prestada por este Serviços de Finanças em 09 de Fevereiro de 2012, e que acompanhou a oposição enviada a esse Tribunal, que a dívida de IVA e Juros Compensatórios do período de 03T/2007, foi apurada pelos Serviços de Inspecção Tributária numa acção de fiscalização. Contudo tal dívida resultou do envio, em 27 de Junho de 2008 pela sociedade executada, de declaração de substituição para o referido período (…)” – cfr. fls. 142 e 143 dos autos;
N). Com data de 16.11.2000, pela Oponente e AFMP foi constituída a sociedade “A RPP, Lda.”, competindo a gerência da mesma a ambos os sócios, conforme contrato de constituição da sociedade e registo comercial, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 42 a 45 e 47 a 49 dos autos;
O). Com data de 30.06.2011, foi emitido pelo Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto – Serviço Local de Penafiel “extracto de remunerações”, registadas em nome da Oponente, no período de 2002/04 a 2011/05, ali se referindo a qualidade de “membro de órgão estatutário” da Oponente na sociedade “A RPP, Lda.”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. - cfr. fls. 51 a 54 dos autos;
P). Efectuada pesquisa da Oponente no registo da Segurança Social, cujo resultado ora se dá por integralmente reproduzido, do mesmo consta, além do mais, que esta foi membro de órgão estatutário da sociedade “CNCC, Lda.”, desde 29.11.2004 até 03.11.2008. – cfr. fls. 73 dos autos;
Q). Com data de 01.08.2007, foi outorgado “contrato de arrendamento com prazo certo para fins não habitacionais”, cujo teor ora se dá aqui por integralmente reproduzido e, do qual consta a identificação da Oponente como segunda contraente “… na qualidade de sócia gerente e em nome e representação da sociedade comercial por quotas “CNCC, Lda.”, bem como a aposição de assinatura com o seu nome e o carimbo da referida sociedade – cfr. fls. 168 a 170 dos autos.
R). Com data de 01.02.2008 foi celebrado entre a “CNCC, Lda.” e a “SIFC, SA” o contrato de crédito n.º 622011, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido, no qual consta, além do mais, aposta assinatura com o nome da Oponente na qualidade de gerente da sociedade “CNCC, Lda.” acompanhada do carimbo da mesma – cfr. 175 e 176 dos autos.
S). Com data de 29.02.2008 foi celebrado entre a “CNCC, Lda.” e a “SIFC, SA” o contrato de crédito n.º 623196, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido, no qual consta, além do mais, aposta assinatura com o nome da Oponente na qualidade de gerente da sociedade “CNCC, Lda.” acompanhada do carimbo da mesma – cfr. 173 e 174 dos autos.
T). Em 20.05.2009, foi elaborado relatório de inspecção tributária, incidente sobre IVA e IRC dos anos de 2005 e 2006, relativo à sociedade “CNCC, Lda.”, cujo teor ora se dá aqui por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 194 a 210 dos autos;
U). A Oponente nunca auferiu qualquer rendimento da sociedade “CNCC, Lda.” – cfr. depoimento das testemunhas JJP, MPJP e PMSF;
V). A Oponente nunca contratou funcionários ou serviços para a sociedade “CNCC, Lda.” – cfr. depoimento das testemunhas JJP, PMSF, HRDTS e AJM;
W). A Oponente não contratou com fornecedores ou clientes da sociedade “CNCC, Lda.” – cfr. depoimento das testemunhas JJP;
X). Os aspectos contabilísticos e bancários da gestão da sociedade “CNCC, Lda.” eram tratados por JJP. – cfr. depoimento das testemunhas JJP e PMSF;
Y). A Oponente nunca compareceu em reuniões ou obras da sociedade “CNCC, Lda.” – cfr. depoimento da testemunha JJP;
Z). A assinatura dos contratos referidos em Q), R), e S) supra não foi ali aposta pela Oponente – cfr. depoimento das testemunhas JJP e PMSF;
AA). A Oponente dedica-se à actividade de padaria e pastelaria. – cfr. depoimento das testemunhas JJP, MPJP, PMSF e HRDTS;
AB). A Oponente exerce a sua actividade de padaria / pastelaria através da sociedade “A RPP, Lda.”, no período compreendido entre as 01:00H e as 15:00H. - cfr. depoimento das testemunhas JJP e PMSF;
AC). A Oponente tem duas filhas. – cfr. - cfr. depoimento das testemunhas JJP e MPJP;
AD). A Oponente, quanto a habilitações literárias, possui a 4º classe. - cfr. depoimento das testemunhas JJP e MPJS;
AE). Era o JJP quem assinava os cheques da sociedade para pagamento das obrigações fiscais e a avença ao gabinete de contabilidade. – cfr. depoimento das testemunhas JJP e PMSF;
AF). Na sociedade “CNCC, Lda.” quem dava ordens era o JJP. – cfr. depoimento da testemunha AJM.
AG). Em 28.10.2011, foi apresentada no Serviço de Finanças de Amarante a presente oposição à execução – cfr. registo de entrada aposto a fls. 4 dos autos.
III. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevância para a decisão a proferir não resultaram provados quaisquer outros factos.
No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objecto de impugnação, assim como, nos depoimentos prestados em sede de audiência e julgamento. (cfr. artigos 74º e 76º n.1 da LGT e artigos 362º e seguintes do Código Civil).
Quanto à valoração da prova testemunhal, o Tribunal considerou, em geral, os depoimentos prestados isentos, coerentes e coincidentes no seu teor, tendo os mesmos sido valorados positivamente.
Com efeito, as testemunhas inquiridas possuem, considerando a razão de ciência que invocam, um conhecimento directo dos factos sobre os quais depõem.
Salienta-se, porque determinante para a formação da convicção do Tribunal, o depoimento da testemunha JJP, o qual, inquirido, declarou ter aposto, pelo seu punho, a assinatura da Oponente em diversos documentos. Este depoimento foi valorado positivamente, porquanto, não obstante a relação familiar entre a Oponente e a testemunha, o que poderia comprometer a isenção da mesma, a verdade é que do teor do depoimento prestado se retira a confissão de factos que são, efectivamente, desfavoráveis à testemunha, ainda que não nestes autos.”
*
2. O Direito
A Fazenda Pública começa por sustentar que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento de facto ao não ter dado como provado que (i) o teor dos documentos de fls. 168 a 170, 173 e 174, 175 e 176 foram juntos aos autos pela Recorrida e não foi impugnada a assinatura desta aposta nos mesmos; (ii) a Oponente assinou um contrato de leasing (cf. depoimento da testemunha JJP) e (iii) no Relatório Inspectivo consta que a oponente foi nomeada gerente, vinculando-se a sociedade pela sua única assinatura.
Como resulta das alíneas Q), S) e R) do probatório, a factualidade resultante dos documentos referidos pela Recorrente foi consignada, como devia, na matéria de facto dada como provada. A assinatura dos contratos referidos em Q), R), e S) não foi ali aposta pela Oponente, conforme resulta da alínea Z) da decisão da matéria de facto. Note-se que esta factualidade vertida na alínea Z) não se mostra devidamente impugnada neste recurso. Todavia, lembramos ter sido determinante para a formação da convicção do tribunal recorrido o depoimento da testemunha JJP, o qual, inquirido, declarou ter aposto, pelo seu punho, a assinatura da Oponente em diversos documentos. Este depoimento foi valorado positivamente, porquanto, não obstante a relação familiar entre a Oponente e a testemunha, o que poderia comprometer a isenção da mesma, a verdade é que do teor do depoimento prestado se retira a confissão de factos que são, efectivamente, desfavoráveis à testemunha, ainda que não nestes autos. Por este motivo, o tribunal recorrido mandou extrair as devidas certidões para comunicação ao Ministério Público dos factos, que poderiam configurar a prática de crime de falsificação de documentos, para eventuais efeitos de responsabilidade criminal.
O único documento que se mostra assinado pelo punho da Oponente [como vem referido na alínea k) do probatório] - e cuja assinatura nele aposta nunca foi impugnada pela Recorrida - é a declaração de inscrição no registo/início de actividade”, sendo que nos restantes documentos, apesar de neles vir indicado o NIF da Recorrida como representante legal da sociedade executada, não contêm qualquer assinatura da Recorrida [cfr. alínea L) do probatório], pelo que nada há a acrescentar ao probatório nesta matéria.
Quanto à afirmação feita no RIT de que a oponente foi nomeada gerente, vinculando-se a sociedade pela sua única assinatura, não tem a aptidão probatória que a Recorrente parece querer atribuir-lhe.
A nomeação dos gerentes da sociedade e a forma de a obrigar não fica provada pela afirmação feita no RIT, mas com base nos documentos aptos a comprovar tal factualidade, nomeadamente escritura de constituição da sociedade, deliberações e inscrição no registo da competente Conservatória, e que certamente foram os que estiveram na base daquela afirmação.
De todo o modo, já consta do probatório, por reprodução do teor da certidão da Conservatória do Registo Comercial relativo à matrícula da sociedade, que competia a gerência da sociedade executada à Oponente, resultando, ainda, que a sociedade se obrigava pela assinatura da gerente [cfr. alínea C) dos factos provados].
Por último, pretende a Recorrente ter ficado provado nos autos que a Oponente assinou um contrato de leasing, com fundamento no depoimento da testemunha JJP.
De acordo com a norma do artigo 685.º-B do CPC, aqui aplicável por força do disposto no artigo 281.º do CPPT, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar, sob pena de rejeição: (i) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; (ii) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Assim, a Recorrente tinha de indicar os meios de prova que permitiriam dar os referidos factos como provados e tendo sido produzida prova testemunhal, estava a Recorrente obrigado a indicar os depoimentos, com referência ao assinalado na acta, que implicava que a decisão tivesse sido outra que não a que consta da sentença, sob pena de rejeição do recurso nessa parte, face ao estatuído no artigo 685.º-B, n.º 1 e 2 do CPC.
Ora, analisadas as alegações de recurso, constata-se que a Recorrente se limita a referir que do depoimento da indicada testemunha (sem fazer a sua transcrição ou referir a passagem constante do registo de gravação) resultou provado aquele facto. Todavia, tendo o depoimento da testemunha em causa sido gravado, impunha-se que a Recorrente indicasse com exactidão as passagens da gravação em que funda a sua pretensão impugnatória, sem prejuízo de, por sua iniciativa, poder proceder à respectiva transcrição.
Assim, e independentemente da questão de saber se tal meio probatório teria (ou não) aptidão probatória para dar tal factualidade como provada, esta simples menção ao meio probatório não é suficiente para que se tenha por cumprido o requisito legal a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do artigo 685.º-B do CPC que, como vimos, exige uma concretização dos meios probatórios justificativos de decisão diversa da recorrida e, por isso, ocorre, nesta parte, fundamento de rejeição do recurso que obsta ao conhecimento do respectivo mérito.
Estabilizada a decisão da matéria de facto, a questão que agora importa apreciar é a de saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento de direito ao considerar que a Oponente/Recorrida não exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária e, nesse pressuposto, ter concluído pela sua ilegitimidade para a execução fiscal.
De acordo com a sentença recorrida “ (…) conjugando a prova documental constante dos autos com a prova testemunhal produzida, resulta patente ao Tribunal que a Oponente não exercia efectivamente funções de gerência na sociedade primitiva executada. E, assim sendo, considera-se que a Oponente infirmou o exercício da gerência de facto na devedora originária, pelo que, se conclui ser esta, parte ilegítima na presente execução quanto às dívidas em apreço, uma vez que os pressupostos de responsabilização subsidiária são cumulativos. (…)”.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por entender, no essencial, que os elementos constantes dos autos são de molde a extrair a conclusão de que a Oponente exerceu, no período a que respeitam as dívidas, a gerência de direito e de facto da sociedade devedora originária.
Vejamos.
A execução fiscal a que se reporta a presente oposição destina-se à cobrança coerciva de dívida proveniente de IVA referente ao primeiro trimestre do ano de 2007 e a Oponente foi chamada a essa execução através do mecanismo da reversão e com vista à efectivação da sua responsabilidade subsidiária pelo pagamento daquela dívida.
É sabido que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil), pelo que estando em causa dívidas cujos factos constitutivos ocorreram na vigência da Lei Geral Tributária, é de aplicar o regime previsto no artigo 24.º desta Lei.
Este artigo 24.º, n.º 1 da LGT estabelece o seguinte:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)”
Resulta inequivocamente deste normativo legal que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Ora, é sobre a administração tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência de facto [de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos - artigo 342.º, n.º 1, do CC e artigo 74.º, n.º 1, da LGT]. Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a administração tributária.
Como se refere no Acórdão do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28/2/2007, Recurso n.º 1132/06, a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova.
Assim, o que importa apurar é se os factos dados como provados na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel permitem afirmar o exercício da gerência de facto por parte da Recorrida.
Antes de mais, importa referir que a denominada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho, Francisco Rodrigues Pardal, in Código de Processo das Contribuições e Impostos, anotado e comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, p. 139 - citado, entre outros, nos Acórdãos do TCAN, de 18/11/2010 e de 20/12/2011, Processos n.º 00286/07 e n.º 00639/04, respectivamente.
São, portanto, os gerentes de facto quem exterioriza a vontade das sociedades nos seus negócios jurídicos, são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, praticando actos que produzem efeitos na esfera jurídica desta.
Da matéria de facto assente, não se nos afigura que, contrariamente ao pretendido pela Recorrente, se possa afirmar o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte da Oponente a partir da constatação da aposição da sua assinatura na declaração de início de actividade no ano de 2004 (a dívida em causa nos autos reporta-se ao primeiro trimestre do ano de 2007) e da indicação do seu NIF, como representante legal, nas declarações de rendimentos da sociedade remetidas, através da internet, à administração tributária.
E a circunstância de a Oponente ter figurado como beneficiária da segurança social também não permite concluir, no caso concreto, pela prática efectiva de actos de gerência. Ainda que essa circunstância pudesse ser, em abstracto, indiciadora da sua nomeação como gerente, no caso concreto, ficou prejudicada pela conclusão de que não praticou actos de gerência. Além de que ficou provado nos autos – e não foi impugnado - que a Oponente não recebeu qualquer rendimento da sociedade executada [cfr. alínea U) do probatório]. Salientamos que o extracto de remunerações que foi emitido, com data de 30.06.2011, pelo Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto – Serviço Local de Penafiel, em nome da Oponente, refere-se ao período de 2002/04 a 2011/05, mas com expressa menção à qualidade de “membro de órgão estatutário” da Oponente noutra sociedade, que não a aqui devedora originária, que é a “CNCC, Lda.” e não a “A RPP, Lda.” [cfr. alínea O) do probatório].
Por outro lado, da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel resultou provado – e não foi impugnado no presente recurso – que a Oponente “nunca contratou funcionários ou serviços para a sociedade (…)”, que “não contratou com fornecedores ou clientes da sociedade (…)”, que “os aspectos contabilísticos e bancários da gestão da sociedade eram tratados por JJP”, que a “Oponente nunca compareceu em reuniões ou obras da sociedade”, que “era o JJP quem assinava os cheques da sociedade para pagamento das obrigações fiscais e a avença ao gabinete de contabilidade”, que “na sociedade quem dava ordens era o JJP” [cfr. alíneas V) a Y), AE) e AF) do probatório].
Por conseguinte, não só a Fazenda Pública não provou os factos constitutivos do seu direito, como, pelo contrário, a Oponente logrou provar factos que apontam no sentido de que, no período aqui em causa, não exerceu a efectiva gerência da executada originária e, como tal, não poderá ter lugar a sua responsabilização, a título subsidiário, pelo pagamento da dívida exequenda.
Em suma, não tendo resultado provado nos autos que a Oponente exercia, de facto, a gerência da executada originária, praticando os actos próprios e típicos da gerência no período aqui em causa, não pode ser responsabilizada subsidiariamente pelo pagamento das dívidas exequendas e, com tal, deverá concluir-se, como bem fez o tribunal a quo, pela ilegitimidade da Oponente para a execução, com a consequente procedência da oposição.
Nesta conformidade, impõe-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
*
Conclusões/Sumário
I - O Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que não cumprindo os ónus fixados pelo artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, o recurso quanto à matéria de facto terá de ser rejeitado.
II - Ao abrigo do regime ínsito no artigo 24.º da Lei Geral Tributária é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
III - É gerente de facto quem, actuando em nome de uma sociedade, pratica actos tendo em vista a concretização do objecto social daquela.
IV - Não resultando do probatório a prática de tais actos típicos de gerência à data do terminus do prazo legal do pagamento ou entrega da dívida tributária, deve o Oponente ser declarado parte ilegítima e determinada, quanto à sua pessoa, a extinção da execução fiscal contra ele revertida.
***
IV. Decisão
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 23 de Maio de 2019
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paulo Ferreira de Magalhães