Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00063/06.5BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/23/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IVA. MÉTODOS INDIRECTOS. PRESSUPOSTOS. PROCEDIMENTO DE REVISÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL.
Sumário:
I) Nos termos do disposto no nº 5 do art. 86º sa LGT e no nº 1 do art. 117º do CPPT, a impugnação do acto de avaliação indirecta com fundamento na falta dos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos o no erro na quantificação só é possível após prévia reclamação (procedimento de revisão da matéria tributável) de acordo com o disposto nos arts. 91º a 94º da LGT. colectável por
II) Cabe à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários e, nesta medida, demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários.
III) Sempre que esteja em causa, apenas a qualificação jurídica dos factos fiscalmente relevantes, na medida em que estes sejam efectivamente do domínio da AT, porque incontroversos, desde logo porque revelados pelos contribuintes ou porque cheguem ao seu conhecimento através de terceiros, o Fisco, concluindo pela falta de aderência à realidade dos elementos declarados pelo contribuinte, apenas os poderá corrigir através de meras correcções técnicas/aritméticas. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:AACM
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 31-03-2008, que julgou procedente a pretensão deduzida por AACM (agora representado pelos seus herdeiros habilitados ADGC, MFCCG, LMCC, MACC, JHCC, MHCM, MACM e RMCM) e ADGC, na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios, respeitante aos anos de 2001 e 2002, no valor global de € 74.255,99.
Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 60-66), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
- O procedimento de revisão da matéria colectável, nos termos do artº 91º da LGT, enquanto condição de procedibilidade da impugnação judicial só pode considerar-se cumprido quando o contribuinte revela a intenção séria de, naquele procedimento proceder à discussão necessária acerca dos pressupostos da avaliação indirecta e da respectiva quantificação;
- Quando se verifica que o contribuinte, lança mão deste procedimento, não para cumprir a função legalmente prescrita, mas apenas para que a subsequente impugnação judicial possa ser admitida, não pode considerar-se que a condição foi efectivamente cumprida;
- A decisão de avaliar directamente a matéria colectável, que se funde na impossibilidade de apurar directamente o lucro real, tem que ser devidamente fundamentada;
- Tal decisão está fundamentada, de facto e de direito, quando indica os factos concretos de que deriva a necessidade de recorrer à avaliação indirecta, concluindo assim pela impossibilidade de proceder à avaliação directa, acompanhada da indicação do quadro legal respectivo;
- Ao Tribunal compete indagar da adequação dos factos indicados, para suportar a conclusão de avaliar indirectamente;
- Quando se demonstra que a contabilidade do sujeito passivo revela a existência de omissão de serviços prestados, esses serviços inquantificados, só podem ser conhecidos através da avaliação indirecta, a única forma colmatar a insuperável insuficiência da contabilidade;
- Mesmo que a quantificação tivesse sido efectuada com base nos valores indicados pelos adquirentes dos serviços omitidos à contabilidade, ainda assim estaríamos perante avaliação indirecta da matéria colectável;
- A sentença recorrida ao não avaliar a relevância e idoneidade dos factos provados pela AT, que sustentam a decisão de avaliação indirecta, cometeu erro de julgamento, violando assim o que se dispõe no artº 88º da LGT.
Nestes termos, e nos mais que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, nomeadamente a anulação da sentença e a consequente decisão sobre o objecto da causa, declarando a legalidade da liquidação impugnada, assim se fazendo Justiça.”
*
Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o cumprimento do procedimento de revisão da matéria colectável, nos termos do art. 91º da LGT, enquanto condição de procedibilidade da impugnação judicial e ainda indagar se está legalmente justificado o recurso ao método indirecto para apuramento da material tributável no que concerne ao imposto e ano em questão.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. Em 6/9/2004 e em 29/11/2004 o Impugnante foi notificado de que "a muito curto prazo" se deslocariam à sua morada técnicos dos Serviços da Inspecção Tributária com a finalidade de verificar o cumprimento das obrigações tributárias daquele, designadamente as relativas a IRS e IVA dos anos de 2000 e 2001- Fls. 28 a 32;
2. Foi objecto de uma acção de fiscalização tributária com base na ordem de serviço 45469/04, iniciada em 29/11/04 e concluída em 15/12/04 com a elaboração do Relatório de Inspecção, em sede de IRS e IVA relativos ao ano de 2001- Fls. 12e 17 do PA;
3. Para o que aqui interessa a matéria colectável foi apurada através de métodos de avaliação indirecta, conforme o Relatório referido e que se dá aqui por reproduzido, bem como dos anexos que dele fazem parte, merecendo destacar o seguinte:
a. "IV - Motivos e exposições dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos:// 1 - Da análise comparativa do inventário dos prédios para revenda, a 31/12/00 e 31/12/01, com a relação patrimonial constante do Sistema do Imposto Municipal sobre Imóveis em nome do sujeito passivo (anexo II), constatamos a omissão de diversos imóveis quer rústicos quer urbanos, que deveriam constar daqueles inventários (...)// 2 - Não há imputação de custos directos e indirectos no loteamento VP e eventualmente de outros (inventariada globalmente sem qualquer discriminação), logo retirando qualquer possibilidade de testar a sua aderência à realidade ( ... ). Os inventários não discriminam/identificam/valoram cabalmente os imóveis/produtos e trabalhos em curso deles constantes e a contabilidade não dá reflexo aos critérios de imputação preconizados pelo art.º 19.º do CIRC e Circular n.º 5/90 de 17/01 da DGCI"
b. O que também motivou a AF a recorrer aos métodos indirectos foi o facto de, tendo efectuado uma busca à base de dados do sector da Câmara Municipal de Vila Real para verificação das licenças de obras emitidas em nome do aqui Impugnante e das competentes licenças de utilização, foi verificado que, em vários processos que discrimina a fls. 14 do PA, as licenças de construção foram averbadas em nome do Impugnante e as de utilização dos imóveis foram averbadas em nome de outros ou, de cuja licença de construção inicial constam terceiros, que o Impugnante terá posteriormente alienado como terreno de construção, cuja licença é averbada em seu nome, e a de utilização em nome da compradora, ou promitente compradora do lote.
4. Na sequência dessa inspecção foi fixado o IVA em falta por aplicação de métodos indirectos para o ano de 2001 em, globalmente, 23.844,44 € - Fls. 16 do PA e 9 a 11 dos autos;
5. Posteriormente, tendo a aqui Impugnante solicitado a revisão da matéria colectável, o Director de Finanças de Vila Real fixou o imposto em falta no valor de 23.844,44 € referido, fixando um agravamento de 3% - Fls. 46 e 47 do PA;
6. O Impugnante exerce a actividade CAE045211 - Construção de edifícios para venda - Fls. 4 do PA
Considero estes factos provados fundamentando-me nos documentos juntos aos autos, principalmente os que já se identificaram.”
*
3.2. DE DIREITO
Nas suas primeiras conclusões do recurso, a Recorrente questiona a forma como decorreu o procedimento de revisão da matéria colectável, nos termos do art. 91º da LGT, enquanto condição de procedibilidade da impugnação judicial, defendendo que só pode considerar-se cumprido tal desiderato quando o contribuinte revela a intenção séria de, naquele procedimento proceder à discussão necessária acerca dos pressupostos da avaliação indirecta e da respectiva quantificação, sendo que quando se verifica que o contribuinte, lança mão deste procedimento, não para cumprir a função legalmente prescrita, mas apenas para que a subsequente impugnação judicial possa ser admitida, não pode considerar-se que a condição foi efectivamente cumprida.
Na verdade, tal como refere o Ac. do S.T.A. de 26-06-2013, Proc. nº 216/13, www.dgsi.pt, “… a lei - art. 86º nº 5 da LGT («Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei») e art. 117º nº 1 do CPPT («Salvo em caso de regime simplificado de tributação ou quando da decisão seja interposto, nos termos da lei, recurso hierárquico com efeitos suspensivos da liquidação, a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável.») - fixa uma condição para a impugnação com fundamento em erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável: a prévia reclamação, nos termos dos arts. 91.º a 94.º da LGT. Esta prévia reclamação constitui um mecanismo tendente a evitar que a discussão passe logo para sede contenciosa e judicial, quando ainda há uma hipótese de, em sede administrativa, haver acordo entre a AT e o sujeito passivo acerca da matéria tributável. Na verdade, o procedimento de revisão está vocacionado para a resolução de meras questões técnicas e não jurídicas, sem prejuízo da apreciação das questões de direito que se refiram aos pressupostos da utilização dos métodos indirectos, «que estão profundamente conexionadas com a verificação dos respectivos pressupostos de facto» (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, nota 5 ao art. 86.º, pág. 746.), como decorre do n.º 14 do art. 91.º da LGT («As correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal ou que possam ser objecto, de acordo com as leis tributárias, de recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação e as questões de direito, salvo quando referidas aos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável, não estão abrangidas pelo disposto neste artigo»).; o procedimento de revisão abrange não só as operações de quantificação através de métodos indirectos, mas também a decisão de os utilizar, como evidencia claramente o art. 117.º, n.º 1, do CPPT. Na verdade, se a impugnação dos actos tributários com base em «erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos» depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, é forçoso concluir que este procedimento abrange a decisão de utilização de métodos indirectos. …”.
Pois bem, o probatório informa que os aqui Recorridos solicitaram a revisão da matéria colectável, verificando-se que o Director de Finanças de Vila Real fixou o imposto em falta no valor de 23.844,44 € referido, fixando um agravamento de 3% - Fls. 46 e 47 do PA, sendo que na aludida decisão é referido que, no seu laudo, o Perito do contribuinte remete para a argumentação tecida na respectiva reclamação, nada mais acrescentando à mesma, sendo que o Perito da AT pronuncia-se pela manutenção dos valores anteriormente fixados.
A partir daqui, perante a leitura da Decisão do Director de Finanças, o exposto pela Recorrente está condenado ao insucesso, dado que, tal decisão nada aponta no sentido de que o procedimento tenha sido realizado apenas para “cumprir uma formalidade”, antes enunciou a argumentação exposto no pedido de revisão, concluindo pela manutenção dos valores em causa, por ausência de fundamentação e de provas que ponham em causa os valores antes fixados.
Além disso, quando se percorre o PA o cerne da alegação da Recorrente prende-se com o exposto no laudo do Perito da AT onde se refere que o representante do sujeito passivo terá manifestado que este procedimento é apenas uma fase para a impugnação judicial.
Neste contexto, não tem qualquer sentido a alegação da Recorrente no sentido de que o procedimento não cumpriu com os objectivos inerentes ao mesmo, dado que, o pedido de revisão enuncia um conjunto de elementos que traduzem a posição do contribuinte sobre a matéria e que, se nada acrescentam do ponto de vista da AT no sentido de alterar a sua posição, não deixaram de merecer a análise expressa na Acta nº 7/2005 que consta do PA (onde não é feita qualquer ressalva quanto à forma como decorreu a reunião), constando depois os laudos dos peritos e a Decisão do Director de Finanças que infirma a ideia agora defendida que o procedimento em causa foi algo não sério, sem qualquer empenho do sujeito passivo no sentido de fazer valer a sua posição, ficando à espera de melhor sorte em sede de impugnação judicial, tornando infrutífero o esforço de alegação da Recorrente nesta sede.
Avançando, diga-se que a decisão recorrida concedeu abrigo à pretensão dos ora Recorridos, ponderando o seguinte:
“…
Sendo um dos fundamentos de aplicação daqueles métodos o facto da AF ter verificado que algumas licenças de obras emitidas em nome do aqui Impugnante terem sido passadas em nome deste e as de utilização em nome de outros, e se deste facto pôde concluir que se verificava uma situação de prestação de serviços - tributado em sede de IVA, contrariamente à actividade declarada de construção de edifícios para venda (art.º 90, n.º 31 do CIVA) - estranha-se que, sem qualquer indagação junto das pessoas que identifica a fls. 14 do PA no sentido de obter informações sobre o preço pago, aplique de imediato os métodos indirectos, bastando-se com a afirmação de que, não reflectindo a contabilidade do Impugnante a realidade tributária, houve impossibilidade de apuramento da mesma através da sua quantificação directa.
A justificação não pode consistir na enunciação, ou transcrição, dos pressupostos que a lei faz depender de recurso a tais métodos.
Aquela deve conter o itinerário cognoscitivo e valorativo de maneira a que o destinatário possa compreender porque é que a AF decidiu de uma determinada maneira.
Neste caso, a decisão da tributação pelos métodos indirectos deve especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável (Art.º 77º, n.º 4 da LGT), sendo certo que, e como vimos, a inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, ou erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridas no prazo legal, não permite, sem mais, a aplicação daqueles métodos.
Daqui se retira que caberia à FP "demonstrar que os erros ou irregularidades detectados na contabilidade do contribuinte são de tal forma relevantes que inviabilizam a comprovação directa e exacta da matéria tributável e que o recurso aquele método se tornou a única forma de a determinar, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, só então se mostrando legitimada a tributação com base nas operações que o contribuinte presumivelmente efectuou.". Cfr. Ac. TCAN, proc. n.° 00321/04 de 31/3/2005, in www.dgsi.pt.
Ora, e como se pôde constatar, ao não resultar da fundamentação, designadamente do Relatório de Inspecção Tributária, que o recurso aos métodos indirectos se tornou a única forma de determinar a matéria tributável do Impugnante, a liquidação está inquinada de violação de lei, pelo que tem de ser anulada. …”
Nesta matéria, a Recorrente refere que a decisão de avaliar directamente a matéria colectável, que se funde na impossibilidade de apurar directamente o lucro real, tem que ser devidamente fundamentada, sendo que tal decisão está fundamentada, de facto e de direito, quando indica os factos concretos de que deriva a necessidade de recorrer à avaliação indirecta, concluindo assim pela impossibilidade de proceder à avaliação directa, acompanhada da indicação do quadro legal respectivo, competindo ao Tribunal indagar da adequação dos factos indicados, para suportar a conclusão de avaliar indirectamente.
Assim, quando se demonstra que a contabilidade do sujeito passivo revela a existência de omissão de serviços prestados, esses serviços inquantificados, só podem ser conhecidos através da avaliação indirecta, a única forma colmatar a insuperável insuficiência da contabilidade e mesmo que a quantificação tivesse sido efectuada com base nos valores indicados pelos adquirentes dos serviços omitidos à contabilidade, ainda assim estaríamos perante avaliação indirecta da matéria colectável, o que significa que a sentença recorrida ao não avaliar a relevância e idoneidade dos factos provados pela AT, que sustentam a decisão de avaliação indirecta, cometeu erro de julgamento, violando assim o que se dispõe no artº 88º da LGT.
Que dizer?
Como é sobejamente sabido, o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento do valor tributável, surgindo as outras vias da sua determinação, da iniciativa da AF, como meios subsidiários ou residuais.
De facto e como é bem de ver o sistema jurídico tinha, necessariamente de prever meios alternativos ao apuramento da matéria colectável dos impostos, no caso daquele princípio não operar por motivos imputáveis ao contribuinte. É que, se por um lado o sistema parte do princípio da boa-fé dos contribuintes na revelação dos seus reais e efectivos rendimentos tributáveis, por outro, não pode ignorar que a simples existência de regras parte do pressuposto da possibilidade do seu incumprimento que, nessa medida, não pode deixar de se mostrar acautelada pelo legislador.
Por isso que o referido sistema do princípio da veracidade do declarado pelos distintos sujeitos passivos seja «temperado» velo verdadeiro dever de cooperação que, sobre eles, impende de prestarem todos os esclarecimentos e revelarem todos os elementos que, nos casos menos “transparentes”, desde logo por inusuais, permitam esclarecer e eventualmente confirmar, dentro do que lhes seja exigível, a aderência do declarado à realidade. Daí que, nos casos em que se mostre ilegitimamente violado aquele dever de cooperação, como será, v.g. e designadamente, o caso de não se não disponibilizar, sem justificação atendível, os elementos necessários ao controlo da sua situação tributária, por parte da AT, no exercício do poder vinculado que a esta está conferido por lei, se dê a automática legitimação desta entidade no recurso aos referidos meios alternativos disponibilizados por lei, desde que com observância dos restantes pressupostos, por esta, estipulados.
Ou seja e sinteticamente, o alcançar da tributação dos rendimentos reais auferidos, por via do aludido sistema declarativo pressupõe que os contribuintes disponibilizem à AT todos e quaisquer elementos que lhes sejam exigíveis e que se apresentem como indispensáveis ao correcto apuramento dos mesmos.
E, como se referiu, quando assim não suceda, isto é, quando ocorra a quebra daquele dever de colaboração, designadamente pela não apresentação daqueles referidos elementos, cujo ónus impende sobre o contribuinte como meio de assegurar a presunção de aderência á realidade do declarado, inviabilizando a concretização, por parte da AT, do dever estritamente vinculado a que esta, por seu turno, está obrigada pelo princípio da legalidade, do controle e apuramento do efectivo valor tributável, a AF ficará legitimada automaticamente a recorrer a meio alternativo de tributação.
Isto tendo presente que nos movemos no âmbito tributário, em que, por um lado e por força de aí imperarem os princípios do inquisitório e, por consequência, o da oficialidade na investigação, tendo por desiderato último, a descoberta da verdade material é inexistente uma particular incumbência de provar, por parte de quem quer que seja, por outro, tal não significa que neste contencioso, em particular, não exista um direito probatório que regulamente quem tem que provar o quê para que se alcance uma qualquer pretensão formulada. Daí que, porque a questão que se controverte não pode deixar de ser objecto de definição, se os factos relevantes se não provarem, seja por iniciativa das partes, seja por iniciativa do Tribunal, ela não possa deixar de ser decidida de forma que seja desfavorável àquele sobre quem impender, nos termos legais, o respectivo ónus probatório[ Neste sentido, entre muitos outros e a título meramente exemplificativo, veja-se o Ac. do TCA Sul de 99.12.14, Rec. Nº. 2.467/99.].
Assim, por princípio e sempre que a conduta da AT se consubstancie na prática de actos positivos e constitutivos do direito a que se arrogue com consequências negativas na esfera dos direitos dos contribuintes, é a ela que cabe a obrigação de demonstrar da factualidade relevante ou dito de outra forma é à AT que cabe fazer a “...prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...”[ Cfr. Ac. do TCA Sul, de 02.06.04, tirado no Rec. 3.279/00.].
Do que resulta que, tendo os elementos contabilísticos do contribuinte de se encontrar organizados segundo os sãos princípios da lei comercial e fiscal, quer do ponto de vista da forma, quer do ponto de vista substancial, casos em que gozam de uma presunção de veracidade, tal não implica, no entanto e “a contrario”, como já acima se referiu, - pela circunstância de tais elementos se encontrarem organizados correctamente do ponto de vista meramente formal -, a inibição da AT, no uso daqueles poderes de controlo, de se servir dos meios legais alternativos ao declarativo no apuramento da matéria colectável, já que o que importa é apurar, tanto quanto possível e ao que aqui releva, o rendimento tributável efectivo.
Tal, contudo não preclude o princípio de que o lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis, - correcções técnicas/avaliação indirecta -, e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, sendo que, ao que aqui nos importa considerar, a AT se encontra vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia indirecta, o que vale por dizer que esta pressupõe uma situação que se mostre “Marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação”, revelando-se como “uma última ratio fisci, ...”[ Cfr. JLSaldanha Sanches em “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 302/303.].
Importa, também, referir que a demonstração dos necessários pressupostos legais ao recurso a metodologia alternativa, designadamente a indiciária, cabe à AF[Uma vez que nos termos das regras do ónus da prova em sede de direito administrativo tributário, -onde, há luz dos vigentes princípios de descoberta da verdade material e, da consequente, oficiosidade de investigação e indagação das provas, não há uma particular incumbência de provar, por parte de quem quer que seja, sem embargo de, pela impossibilidade de manutenção de um “non liquet”, a ausência de prova de factos relevantes não possa deixar de desfavorecer quem com ela estava onerado-, é à AT que cabe a obrigação “... da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...”.]/[ Cfr. Ac. de 02.06.18, Rec. Nº. 6.388/02.], sendo certo que, em caso de utilização de metodologia indirecta, ainda e apesar da opção do legislador em abdicar de um grau de certeza na tributação - inerente á maior subjectividade própria da mesma em que, só por circunstâncias meramente fortuitas, a quantificação apurada será aderente à realidade - ela não deixa, no entanto, de ter como baliza, o princípio, com assento constitucional, de que a sua utilização há-de permitir alcançar, na medida do possível, as circunstâncias de facto mais próximas da realidade, com susceptibilidade de apreciação, nomeadamente, jurisdicional[ Cfr. Prof. Saldanha Sanches in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 305.].
E, quando se verifiquem – isto é, quando a AT demonstre a ocorrência - (d)os necessários e legais pressupostos para se lançar mão da avaliação indirecta, o eventual excesso da quantificação, por tal via, operada passa a impender sobre o contribuinte.
Contudo o que se vem de dizer não esgota o tema relativo aos princípios que regem o regime jurídico da avaliação indirecta, particularmente no que concerne ao ónus que vincula a AT.
Isto porque, em sede de avaliação indirecta, o ónus da AT não se consome na necessidade do elencar, e provar, das razões que lhe subjazem, enquanto conduta vinculada que lhe está imposta. Na realidade, o ónus que impende sobre a AF, em tais casos, para além do da demonstração dos necessários e legais pressupostos do recurso à avaliação indirecta, exige, ainda e também, que, simultânea e complementarmente, fundamente adequada e criteriosamente as circunstâncias em que faça suportar a matéria tributável que, no uso daqueles, vier a quantificar.
Na realidade e como já acima se teve oportunidade de referir, sendo embora, em tais casos, opção do legislador abdicar de um grau de certeza na tributação, por falta de colaboração do contribuinte, como única solução de evitar a evasão fiscal e de fazer repartir, na medida do possível, a carga fiscal entre todos os súbditos nacionais que revistam, casuisticamente, a qualidade de sujeitos passivos, não deixa, a actuação da AT, neste domínio, no entanto, de ter como baliza, o princípio de que a metodologia em causa há-de permitir alcançar, na medida do possível, a tributação daquele pelo seu lucro real/efectivo.
Apelando, à jurisprudência do TCA Sul[ Cfr. Ac. de 02.06.18, Rec. nº. 6.388/02.]/[ Ainda que por reporte ao aludido art.º 81.º do CPT, mas, como decorre do que acima se mencionou, com aplicabilidade ao preceituado no art.º 84.º/3 da LGT.] “... cabendo à AF o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários [...].
Na verdade, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
A AF tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.” (sublinhados da nossa responsabilidade), e que, acrescentamos agora, que permitam extrapolar uma adequada ponderação da decisão.
Só então passará a caber, ao contribuinte e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.
No caso presente, é sabido que a decisão recorrida, nos termos acima apontados, entendeu que não se encontravam reunidos os pressupostos para o apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, impondo-se apreciar se, em face do probatório fixado, a sua decisão, ao não dar cobertura ao agir da AT, se mostra, ou não, certeira e conforme à lei.
Pois bem, tendo presente que no presente processo apenas releva o IVA respeitante ao ano de 2001, como decorre do probatório, do relatório elaborado extracta-se que:
“(…)
4- Efectuada busca à base de dados do sector de obras da Câmara Municipal de Vila Real (n/ oficio 14716 de 15/12/04) para verificação das licenças de obras emitidas em nome do sujeito passivo em análise (que também surge como dono das obras (Anexo III) e das competentes licenças de utilização, com reflexos tributários no ano objecto de inspecção, verificamos:
- Processo n° 526/98 - Licença de Construção n°192199 e licença de utilização n°187/01 de 10/05 averbada em nome de AMGC. a)
- Processo n° 528/98 - Licença de Construção n°193/99 de 17/05/99 sem licença de utilização mas averbada em nome de MAG. c)
- Processo n° 438/99 - Licença de Construção n° 19/00 e de utilização n° 411102 de 14/11/02 (Lote 39 da Urbanização VP) Art° urbano n° 1199 da freguesia de Mateus (Consta do Sistema IMIJContr. Aut. De 2000 e 2001).
- Processo n° 439/99 - Licença de Construção n°20/00 de 18/01/00 e de utilização n° 378/00 de 18/12/00 em nome de AM; corresponde ao art° urbano 1452 de mateus alienado/escriturado em nome de JAM em 2000.
- Proc. N°289/00 - Com licença inicial em nome da firma JSV & C, Lda n° 113/01 de 22/03/01 e de utilização n°137/02 de 19/04/02. Art° urbano n° 1726 de Mateus alienado e declarado no ano em apreço. b)
-. Proc. N° 290/00 - Com Licença de Construção inicial em nome da firma JSV & C, Lda. n° 114/01 de 22/03/01 e de utilização n° 270102 de 12108102. Corresponde ao arto urbano n°1727 de Mateus na posse do sujeito passivo como lote de terreno em 31112/01.
- Proc. N° 406/00- Licença de Construção 235/01 de 22/05/01 e licença de utilização n° 402/01 de 24/08/01. Corresponde ao art° urbano n° 1163 da freguesia de Mateus/Urbanização VP alienada no decurso de 2001 por 30.000.000$00/149.639,37 €.
a) corresponde ao art° urbano n°1176 da freguesia de Mateus (urbanização VP - lote 30) (Anexo III). Não foi declarada a sua venda.
b) Foi alienado através de escritura pública (Anexo IV) de 7/08/01, como terreno para construção quando a licença de construção (Anexo IV) foi emitida em Março de 2001 em nome de AM! e de utilização no da promitente compradora do lote, tendo, sido edificada uma habitação de propriedade total com uma área bruta de 333m2. Estaremos aqui perante uma prestação de serviço tributada no regime normal do IVA, pelos pagamentos efectuados ao sujeito passivo no decurso de 2001 e com conclusão até à data da emissão da licença de utilização em 2002. Esta tributação por força do enquadramento do sujeito passivo em sede de IVA, deveria ter sido precedida da entrega de uma declaração de alterações passando-se a usar o método de afectação real, por força da actividade exercida e das instruções administrativas veiculadas para o sector.
c) Trata-se de uma vivenda composta por cave, r/c, 1° andar e sótão com um área global de 401,26 m2 que não surge inventariada como produtos e trabalhos em curso ou produtos acabados, pelo terá de se pressupor a sua alienação à pessoa em nome de quem foi feito o averbamento supracitado.
5- Pela conjugação de todos estes pressupostos, nos parece estarem reunidos os indícios bastantes para a aplicação dos métodos indirectos previstos no art° 87° da Lei Geral Tributária e dos métodos indiciários e indirectos previstos respectivamente no art° 39° do CIRS e 82° e 84° do CIVA, por a contabilidade não reflectir a realidade tributária do sujeito passivo nem possibilitar o apuramento da mesma através da sua quantificação directa.
V - Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos: IRS:
1- Para calcular o volume de vendas correspondentes às omissões supracitadas, vamos estimá-las ao preço de mercado avançado para a região pelo IMOPPI (Instituto de Mercados de Obras Públicas Particulares e do Imobiliário);
-2000/2001:
- Habitação: 152.000$00! 758,17 €/ m2
- Comércio: 247.000$00! 1.232,03 € /m2
Assim temos:
2- Art° Urbano 1176 da freguesia de Mateus/Vila Real (Propriedade Total): Área : 372,5 m2
Cálculos : 372,5 m2 * 758,17 €/m2 = 282.418,33 €
3- Obra resultante da licença de construção n°193/99 (Propriedade Total) Área Construção: 401,26 m2
Cálculos 401,26 m2 * 758,17 € = 304.223,29 €
4 - Serviço prestado relativamente à construção da habitação construída no terreno identificado matricialmente pelo nº 1726 da freguesia de Mateus. Os pressupostos de tributação, à falta de elementos de informação contabilística, irão ter por base uma distribuição homogénea ao longo do período de construção (que terá de se considerar iniciada após a aquisição do lote de terreno em Agosto de 2001) até à emissão da licença de utilização.
Cálculos:
Período de construção: De Agosto 2001 até Abril de 2002 (9 meses)
Área de construção : 333 m2
Serviços Prestados imputáveis a 2001: (333/9 * 5 meses * 758,17 €) = 140.261,45€
Tributação dos valores estimados em falta, nos termos do disposto no art° 31º nº2 do CIRS:
Vendas : (282.418,33 € + 304.223,29 €) * 0,20 = 117.328,32 € Prestações de Serviços: 140.261,45 € * 0,65 = 91.169,94€ Total : 208.498,26 €
IVA/2001:
Base tributável estimada em falta: 140.261,45 € (vamos imputá-la proporcionalmente aos meses decorridos, 30 trimestre: 56.104,58 e 40 trimestre : 84.156,87€)
Taxa IVA:17%
Imposto estimado em falta: 23.844,44 € 30 trim: 9.537,78 € e 4°trim : 14.306,66 €
Com este pano de fundo, é incontornável que a AT elegeu, na parte que agora interessa, dois elementos que suportam o seu discurso, a saber a omissão à contabilidade dos serviços prestados relativamente à construção da habitação construída no terreno identificado matricialmente pelo nº 1726 da freguesia de Mateus e depois, ao nível da tributação, à falta de elementos de informação contabilística, uma distribuição homogénea ao longo do período de construção (que terá de se considerar iniciada após a aquisição do lote de terreno em Agosto de 2001) até à emissão da licença de utilização.
Nesta medida, e em relação à questão da omissão à contabilidade dos serviços prestados relativamente à construção da habitação construída no terreno identificado matricialmente pelo nº 1726 da freguesia de Mateus, não podemos deixar de reconhecer que não está em causa matéria capaz de conduzir à aplicação de métodos indirectos, porquanto, não temos por claro o percurso da AT neste âmbito.
Com efeito, alude-se a uma alienação através de escritura pública (Anexo IV) de 7/08/01, como terreno para construção, e a uma licença de construção (Anexo IV) emitida em Março de 2001 em nome de AM!.
Ora, o ponto de exclamação descrito revela-se particularmente significativo nesta sede, dado que, quando se tem presente o Anexo IV do RIT, o mesmo é constituído pela mencionada escritura e pelo Alvará de Utilização Nº 137/2002 emitido em 19-04-2002 em norma de MAG e por referência ao imóvel que interessa para esta discussão, a que corresponde o alvará de licença de construção nº 113/2001 emitido em 22-03-2001 a favor de JSV e Irmão Cª, Lda..
Com base nos elementos que integram o Anexo IV, dizer-se que “a licença de construção (Anexo IV) foi emitida em Março de 2001 em nome de AM!” envolve matéria que não tem suporte nos elementos para que remete e retira virtualidade ao exposto pela AT neste domínio.
Aliás, a descrição inicial também não é melhor, dado que, apenas se aponta que “- Proc. N°289/00 - Com licença inicial em nome da firma JSV & C, Lda n° 113/01 de 22/03/01 e de utilização n°137/02 de 19/04/02. Art° urbano n° 1726 de Mateus alienado e declarado no ano em apreço. b)”.
Na verdade, aquilo que é dito pela AT apenas faz sentido por referência à matéria que consta do Anexo III, o denominado mapa de controlo de licenças camarárias/ alvarás de licenças de construção em que é identificada a tal licença nº 113/01 de 22-03-2001, o dono da obra - JSV & C, Lda - e o empreiteiro o aqui Recorrido AACM, podendo aqui indiciar-se que terá sido o Recorrido marido a realizar a obra de construção.
Nesta medida, em função do que consta do RIT, não se percebe a forma como a AT enquadra a situação, remetendo apenas para uma parcela dos elementos em causa, comprometendo o alcance do que ficou exposto, dado que, só com base no Anexo IV referido, não é possível indiciar a situação nos termos propostos pela AT.
Mas ainda que se entenda que a percepção do Tribunal cabe ainda dentro dos limites daquilo que é sua capacidade de intervenção, não entrando naquilo que é o domínio da Administração (substituindo-se à mesma na fundamentação da situação), é preciso notar que, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se a AT tiver condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar, não deve enveredar pela metodologia indirecta, a qual pressupõe uma situação que se mostre “marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação”.
Pois bem, foi neste campo que a decisão recorrida tratou a matéria dos autos, considerando que, ao não resultar da fundamentação, designadamente do Relatório de Inspecção Tributária, que o recurso aos métodos indirectos se tornou a única forma de determinar a matéria tributável do Impugnante, a liquidação está inquinada de violação de lei.
Como é sabido, o RIT refere que “os pressupostos de tributação, à falta de elementos de informação contabilística, irão ter por base uma distribuição homogénea ao longo do período de construção (que terá de se considerar iniciada após a aquisição do lote de terreno em Agosto de 2001) até à emissão da licença de utilização.”.
Apesar da forma singela como a decisão recorrida “arrumou” a questão, porventura na esteira da forma como o RIT desenvolveu a sua análise da matéria em apreço, os elementos que integram tal relatório carecem de maior indagação.
Na verdade, e quanto aos valores auferidos pelo serviço prestado relativamente à construção da habitação construída no terreno identificado matricialmente pelo nº 1726 da freguesia de Mateus, crê-se que a AT tinha elementos que lhe permitiam, pelo menos, reflectir melhor sobre a questão.
Desde logo, o citado Anexo III, para além do que ficou exposto, contemplava também a indicação do custo estimado da construção, no caso, € 16.126,00, o qual poderia servir para a AT ter como referência na discussão da concreta questão agora em apreciação.
Pois bem, a AT nada diz sobre este ponto, escudando-se na falta de elementos de informação contabilística.
No entanto, a propósito desta situação, é sabido que a AT deparou-se com a escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca relativo ao terreno para construção onde terá sido realizado o tal serviço de construção, sendo que, na referida escritura, com referência à utilização dos valores mutuados, é dito que, do empréstimo descrito, vai ser aplicada a quantia de 26.640.000$00 (€ 132.879,77) na construção, realidade que impunha à AT uma reflexão sobre a situação em apreço com base num dado relevante que constava da contabilidade dos Recorridos e que traduzia a declaração dos compradores do terreno relativamente ao valor a aplicar na construção, sendo que, quando se analisa o procedimento da AT e o valor por esta apurado, não se vislumbra qualquer razão para colocar em crise a declaração vertida na escritura apontada.
Sendo assim, como é, numa fase que o ónus da prova encontra-se ainda do lado da AT cabendo-lhe a ela reunir indícios objectivos e fortes de que a contabilidade do Impugnante não reflectia a realidade tributária, exigia-se que a evidenciasse os elementos aptos a demonstrar a actividade desenvolvida pelo Recorrido marido ao nível da construção, verificando-se que a AT não foi particularmente feliz na forma como enquadrou e suportou a situação em apreço, colocando em crise a validade do indício recolhido por o mesmo não ser seguro, forte e objectivo.
Depois, mesmo na perspectiva mais generosa acima descrita, estamos perante matéria em que a AT, a partir da análise da contabilidade do próprio contribuinte, tinha base sólida de trabalho no que concerne à definição dos valores relacionados com tal serviço de construção, o que significa que a correcção realizar nesta sede sempre teria de se considerar correcção técnica e não correcção por via da aplicação de métodos indirectos, pois que, face aos elementos de facto e contabilísticos recolhidos pela AT, a mesma não estava impedida de, de forma directa, proceder à competente correcção, sendo que tais correcções não teriam por base presunções ou indícios, não estaria em causa uma realidade desconhecida para se chegar a um concreto valor de imposto a pagar, antes estaria em causa correcção face aos elementos contabilísticos e documentais recolhidos na contabilidade dos Recorridos, o que significa que a AT não estava sequer autorizada a socorrer-se dos métodos indirectos para proceder a correcções, uma vez que dispunha de elementos documentais para poder efectuar tais correcções.
Em suma, entendemos que a AT, em função do exposto no RIT, não logrou evidenciar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, na medida em que lhe competia demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável, o que significa que a AT não cumpriu o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar a correcção da matéria tributável que levou à liquidação impugnada.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
***
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 23 de Maio de 2019
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Cristina Bento