Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00164/05.7BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/04/2010
Relator:Moisés Rodrigues
Descritores:MAIS-VALIAS – TERRENO PARA CONSTRUÇÃO - IRS
Sumário:I - Nos termos do art. 5º do DL nº 442-A/88, de 30/11, os ganhos que não eram sujeitos a imposto de mais valias só ficavam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens a que respeitam tivesse sido efectuada depois da entrada em vigor do CIRS.
II - Se, antes da sua vigência, foi adquirido um prédio rústico, vendido em 1997, agora como terreno para construção, os ganhos daí resultantes não estão sujeitos a IRS, por não estarem abrangidos pela citada previsão legal.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

I
A Representante da Fazenda Pública (adiante Recorrente), não se conformando com a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou procedente a presente impugnação judicial deduzida por Maria Valentina contra a liquidação adicional de IRS, do ano de 1997 e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 26 811,64, dela veio recorrer, concluindo, em sede de alegações:
1a - Que a venda de um prédio rústico adquirido antes da entrada em vigor do CIRS, está abrangido pela norma transitória constante do art° 5° n° 1 do Dec. Lei 442-A/88, de 30 de Novembro é facto que ninguém contesta;
2a - O mesmo não pode afirmar-se perante a alienação de um terreno para construção urbana, ainda que este provenha de um prédio rústico adquirido antes daquela data;
3a - A não sujeição a IRS, só ocorrerá naqueles casos em que não existindo qualquer alteração na classificação dos prédios, estes, á data da alienação, continuem substancial e formalmente classificados como rústicos;
4a - No caso dos autos, o prédio vendido é, sem qualquer dúvida, um terreno para construção urbana, um bem que à luz da lei anterior estava sujeito a tributação em Mais Valias;
5a - A desanexação promovida pela impugnante, a apresentação da declaração mod 129 e a consequente inscrição da parcela na matriz predial urbana, autonomizou este novo prédio, do rústico de que proveio, de tal sorte que o bem vendido é já outro que não o adquirido antes da entrada em vigor do IRS;
6a - Tanto assim é, que o prédio rústico inscrito sob o art° 689, continua inscrito na matriz rústica e na titularidade da impugnante, não tendo sido este o bem vendido, mas sim um outro, o art° 1976 urbano (terreno para construção);
7a - Assim a alienação de tal parcela de terreno para construção verificada em 17/06/1997, era passível de tributação em função do disposto no art° 10° n° l al. a) do CIRS, pelo que a sentença que o não assumiu, errou no seu julgamento, em violação desta norma.
Nestes termos, e nos mais que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência ser a impugnação julgada improcedente, assim se fazendo Justiça.

Não há notícia, nos autos, da apresentação de contra-alegações.

O magistrado do Mº Público neste TCAN pronuncia-se no sentido de a douta sentença recorrida não ser passível de censura, citando, em abono, jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada na 1ª instância, que ora se reproduz ipsis verbis:
«Com interesse para a decisão julgo provados os seguintes factos:
1. Em 25/10/1979 a Impugnante herdou, por morte de Alexandre da Conceição Martins, um prédio rústico inscrito na matriz sob o art.° 1340 da freguesia de Alijó, com o valor matricial de 14.000$00;
2. Posteriormente, por avaliação geral da propriedade rústica, foi aquele prédio inscrito na referida matriz sob o art.° 689 da freguesia de Alijó com o valor patrimonial de 285.293$00 e com a área total de 15.950 m2;
3. Em 22/4/1997 a Impugnante procedeu à desanexação de uma parcela de terreno para construção (parcela daquele prédio) com a área de 8.208 m2, dando origem à inscrição do prédio urbano art.° 1976 da matriz predial urbana de Alijó;
4. Em 17/6/1997 a Impugnante alienou por 24.500.000$00 o referido prédio urbano à sociedade "Imper - Comércio de Imóveis, Lda" - Fls. 46 e 52;
5. A parcela do prédio rústico que foi destacada para efeito de venda aqui não foi objecto de avaliação por parte da AT - Art.° 40 da PI, não contestado.

Dei estes factos por provados considerando os documentos juntos aos autos, principalmente aqueles que se identificaram.»

III
O âmbito do recurso jurisdicional é delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações – artigo 684º, nº 3, do CPC -, pelo que uma é a questão a resolver neste processo:
- erro no julgamento da matéria de direito, ao não se ter decidido que a alienação da identificada parcela de terreno para construção, ocorrida em 17/06/1997, era passível de tributação em função do disposto no artigo 10º nº 1 al. a) do CIRS.
Dito de outro modo, a questão que vem colocada no presente recurso jurisdicional prende-se em saber se a transmissão de um terreno, destinado a construção, ocorrida em 17/06/1997, mas adquirido como prédio rústico em 25/10/1979, está sujeita a tributação em sede de IRS, a título de mais-valias, ou dela está isento, por se encontrar abrangida pelo regime transitório previsto no artigo 5º, nº 1, do DL nº 442-A/88 (redacção do DL nº 141/92, de 17/07).
Que dizer?
Que o recurso não merece provimento, conforme jurisprudência consolidada da Secção de Contencioso Tributário do STA, que de forma pacífica e reiterada, a que damos inteira concordância, vem decidindo que por força do disposto no art. 5.º n.º 1 do DL 442-A/88, de 30 de Novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão de terrenos rústicos que foram adquiridos antes da vigência do CIRS e se mantinham com essa natureza no momento da sua entrada em vigor. ( Esta jurisprudência encontra-se elencada no acórdão nº 0539/08, proferido em 29/10/2008 e consultável na íntegra em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/13fb605e9132bc4c802574f7003f8ea1?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 )
Antes de respigarmos a fundamentação, importa esclarecer que, a jurisprudência deste TCA Norte, citada pela Recorrente nas suas alegações, maxime o acórdão proferido em 13/03/2008, no Recurso nº 00984/04 ( Consultável na íntegra em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/c7719186f47af26c8025740f00432c39?OpenDocument ), foi revogado pelo Supremo Tribunal Administrativo, através do acórdão já deixado em nota de rodapé, nº 0539/08, proferido em 29/10/2008.
Assim, tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º, nº 3 do CC), limitar-nos-emos a acompanhar o que, de forma exaustiva e proficiente, foi dito no acórdão de 06/06/2007, Rec. nº 0179/07, em situação similar.
Escreveu-se nesse aresto:
«O art. 5.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o CIRS, estabelece um «Regime transitório da categoria G» nos termos do qual, na redacção inicial «os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.° 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código».
No que concerne a terrenos, o Código do Imposto de Mais Valias apenas previa a tributação no caso de «transmissão onerosa de terreno para construção» (art. 10, n.° 1.º, daquele Código).
Nos termos do § 2.° do mesmo artigo, «são havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo».
No caso em apreço, não vem provado que o terreno em causa estivesse integrado em zona urbanizada ou compreendida em plano de urbanização, pelo que a qualificação como terreno para construção, para efeito do Imposto de Mais-Valias, só poderia advir de declaração como tal no «título aquisitivo».
Este «título aquisitivo» era o título através do qual o transmitente do terreno, que era o sujeito passivo do Imposto de Mais-Valias, o adquiriu e não o título através do qual o transmitiu, pois este, na mesma terminologia, teria, decerto, a designação de «título transmissivo» ou «título translativo».
No caso em apreço, não se demonstrou que no título aquisitivo do terreno em causa tivesse sido declarado que a aquisição do terreno tinha em vista a construção, pelo que os ganhos obtidos com transmissão do prédio em causa não estavam sujeitos a Imposto de Mais-Valias.
É certo que há uma valorização dos terrenos agrícolas quando são transformados em terrenos para construção e afectados a actividade comercial ou industrial dos seus titulares, situação que passou a ser tributada em sede de IRS, na categoria de mais-valias, com a redacção dada à alínea a) do n.° 1 do art. 10.° do CIRS pelo Decreto-Lei n.° 141/92, de 17 de Julho. No entanto, essa situação não era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias e, ao passar a sê-lo em sede de I.R.S., a título de mais-valias, também em relação a estas valorizações se limitou o âmbito de incidência aos casos em que «a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código», como se estabeleceu na nova redacção que naquele diploma foi dada ao art.° 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88. (A redacção do n.° 1 deste art. 5.º passou a ser a seguinte:
«os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.° 46373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código».)
Assim, para que a transmissão do terreno referida nos autos fosse tributada em sede de IRS era necessário que, antes da data da entrada em vigor do CIRS, que ocorreu em 1-1-1989, o terreno em causa fosse qualificado como terreno para construção, pois só a valorização de terrenos com esta qualificação era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias.
Não valem, neste contexto de tributação em sede de mais-valias, considerações atinentes à materialidade económica das situações da valorização de terrenos agrícolas, derivada da sua transformação em terrenos de construção e à sua pretensa identidade com as situações de valorização de terrenos adquiridos e transmitidos como terrenos para construção.
Na verdade, é patente pelo art. 1.º do Código do Imposto de Mais-Valias que ele não tinha a vocação para tributar a generalidade das situações de valorização de bens que tem o CIRS.
Aliás, o próprio Preâmbulo do Código do Imposto de Mais-Valias expressamente refere a deliberada restrição do âmbito de incidência do imposto, a título experimental, a algumas das situações de valorização de bens, alguns dos ganhos «trazidos pelo vento» e não todas as situações que poderiam abstractamente considerar-se equiparáveis.
Com efeito refere-se no ponto 2 desse preâmbulo que «a ideia de que se partiu para traçar os limites do imposto foi a de considerar mais-valias os aumentos de valor dos bens que os contribuintes não produziram nem adquiriram para venda. É uma ideia decerto sujeita a reparos sob o ponto de vista teórico, mas que tem a vantagem de poder ser utilizada na prática. No entanto, resolveu-se aplicá-la, não a todos os bens naquelas condições, e sim apenas aos bens cujas mais-valias se verificam com maior frequência, são de maior vulto ou não oferecem dificuldades sérias de determinação. É o que acontece, sem dúvida, com os terrenos para construção; com os elementos do activo imobilizado das empresas (entre eles os trespasses e os alvarás) e os seus bens de rendimento; com o direito ao arrendamento dos escritórios e consultórios; com as quotas em sociedades e as acções».
«Caem precisamente sob a alçada do imposto as mais-valias desses quatro grupos de bens. Mas fica a porta aberta para se alargar a base da incidência, trazendo-lhe outros bens com as respectivas mais-valias, muito embora só possa pensar-se em fazê-lo depois de colhida a experiência deste diploma e de bem delineados em vários sectores os contornos da evolução económica que está em curso».
Por outro lado, o afastamento pelo art. 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88 da tributação em IRS, a título de mais-valias, dos ganhos obtidos com a transmissão de terrenos que, à data da entrada em vigor do CIRS, eram qualificados como terrenos agrícolas (e, por isso, estavam fora do âmbito de incidência do Código do Imposto de Mais-Valias) compreende-se pelo facto de, tendo-se optado pelo cálculo dos ganhos tributáveis a título de mais-valias com base na diferença entre o valor da aquisição e o valor da transmissão, a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroactiva do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois forçosamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do novo Código, também alguns correspondentes à valorização que, como prédios rústicos, pode ter tido ocorrido antes da sua entrada em vigor.
Ora, essa aplicação retroactiva de normas de incidência tributária, que, a partir da revisão constitucional de 1997 é absolutamente proibida pela nova redacção dada ao art.º 103.°, n.° 3, da CRP, só era tolerável anteriormente em situações especiais em que estivesse em causa o interesse geral (Essencialmente neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.° 216/90, de 20-6-1990, processo n.° 203/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.° 398, página 2 a 7.), que não se vislumbram em matéria de tributação de mais-valias.
No caso em apreço, o terreno em causa foi adquirido como terreno agrícola e era terreno agrícola à data da entrada em vigor do CIRS, pelo que é de concluir que, em face do disposto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, os ganhos obtidos com a sua transmissão não se inserem no âmbito de incidência do IRS.”

IV
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Custas pela Recorrente, Fazenda Pública.
Notifique e registe.
Porto, 04 de Março de 2010
Ass) Moisés Moura Rodrigues
Ass) Francisco António Areal Rothes
Ass) José Maria da Fonseca Carvalho