Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00224/13.0BEPRT |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 05/30/2018 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Frederico Macedo Branco |
Descritores: | ARRENDAMENTO SOCIAL; DESPEJO; CADUCIDADE |
Sumário: | 1 – Perante a demolição do edificado, nada obstará à aplicação ao arrendamento social, na vigência da Lei nº 21/2009, das normas relativas à caducidade do arrendamento habitacional constantes do Código Civil, mormente a alínea e) do artigo 1051º do Código Civil, que determina que o contrato de locação caduca pela perda da coisa locada, uma vez que aquele diploma só estatui relativamente às causas de resolução contratual pelo senhorio em decorrência da atuação do inquilino. 2 - A habitação social trata-se de um bem escasso e que visa acudir à satisfação das necessidades básicas da população mais carenciada, pelo que, a ocupação da mesma deve ser atribuída após uma ponderação concreta das necessidades dos indivíduos e famílias elegíveis para o efeito, de modo a que se possa equilibradamente proceder a uma distribuição correta das habitações existentes. Encontrando-se uma habitação social ilegalmente ocupada, em decorrência do facto do seu titular se encontrar detido em estabelecimento prisional há cerca de 8 anos, não goza o mesmo do direito ao realojamento, como decorre do artigo 3º, nº1, alínea f), e nº 3, alínea c) da Lei nº 21/2009, de 20 de Maio. * *Sumário elaborado pelo relator |
Recorrente: | Município do Porto |
Recorrido 1: | PJPA |
Votação: | Maioria |
Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso Revogar o acórdão recorrido julgar improcedente a acção |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no qual, a final, se pronuncia "no sentido do presente recurso jurisdicional não obter provimento" |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O Município do Porto, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por PJPA, tendente, em síntese e designadamente, a anular “do ato de despejo praticado pela Câmara Municipal do Porto”, inconformado com o Acórdão proferido em 14 de setembro de 2017 (Cfr. fls. 279 a 294 Procº físico) que julgou “procedente a presente Ação administrativa, e consequentemente, anulou o ato sob impugnação”, veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. Formulou o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso, apresentadas em 23 de outubro de 2017, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 312 a 314 Procº físico): “1. O Tribunal a quo, no douto acórdão recorrido, julgou procedente a presente ação e, consequentemente, anulou o ato administrativo sob impugnação por considerar que a Lei nº 21/2009 não prevê, nem permite, ao aqui Recorrido fazer cessar o direito de habitação do Autor com o fundamento da demolição do prédio onde se situa o fogo camarário, nem prevê, nem permite, a possibilidade de o Réu decidir pela não atribuição ao Autor de qualquer outro fogo camarário no Município do Porto. 2. A Lei nº 21/2009 veio revogar o Decreto 35 106, de 6 de Novembro de 1945, e estabelecer um regime transitório que veio a vigorar até à entrada em vigor da Lei 81/2014. Esse regime transitório, em vigor à data em que o Recorrente proferiu o ato administrativo em crise, limitava-se a dispor, sem prejuízo das condições do título de ocupação do fogo, quais os fundamentos em que a entidade proprietária dos imóveis cedidos poderia fundar a decisão de cessação da utilização do fogo atribuído. 3. Da análise desse regime, designadamente do artigo 3º dessa Lei nº 21/2009, poderemos aferir que esses fundamentos prendem-se com ações, ou omissões, do titular da licença habitacional que, violando as suas obrigações enquanto arrendatário, tornam, assim, inexigível à outra parte – entenda-se, o senhorio – a manutenção do arrendamento. Ou seja, quando a Lei nº 21/2009 estabelece, no seu artigo 3º, as causas de cessação que constam das suas alíneas, está a estabelecer e a determinar, quais as causas de resolução pelo senhorio. 4. Quanto à caducidade, por a Lei nº 21/2009 ser omissa quanto a esse tipo ou modo de cessação, entende o aqui Recorrente ser aplicável o disposto no Código Civil, já que, e pese embora a disciplina específica do contrato de arrendamento apoiado, o mesmo constitui um contrato de locação, em que se poderá estabelecer, pelo menos até um elevado grau, o paralelismo de regime com o arrendamento urbano habitacional civilístico. 5. Ora, a demolição do imóvel – decidida por deliberação da Assembleia Municipal que não foi alvo de impugnação pelo que se encontra juridicamente consolidada –, neste caso das torres que compõe o bairro do Aleixo onde se insere o fogo habitacional em causa, acarreta a impossibilidade de prestação de gozo da coisa, pelo que terá de implicar a extinção do vínculo por caducidade, nos termos da alínea e), do artigo 1051º do Código Civil. 6. Quanto à decisão de não atribuir ao Autor o direito de ocupação de qualquer outro fogo atento o não uso da habitação pelo mesmo por período superior a seis meses, nos termos do disposto na alínea f), do nº 1, do artigo 3º da Lei nº 21/2009, o Recorrente entende que também aqui, o ato administrativo não padece de qualquer vício. 7. Conforme deliberação da Assembleia Municipal, a todos os moradores do bairro do Aleixo que cumpram os requisitos de inquilino municipal, isto é, a todos aqueles em relação aos quais não exista causa de resolução da licença habitacional, será garantia a transferência para uma nova habitação social camarária. 8. Tal decisão prende-se com a garantia de uma transferência efetiva e célere dos moradores desse bairro social já que a procura por habitação social ultrapassa, no Município do Porto, a disponibilidade de habitações camarárias para o efeito. 9. Sendo certo que a transferência direta para nova habitação social, no caso de existir fundamento de resolução nos termos do artigo 3º da Lei nº 21/2009, seria inconcebível já que esses inquilinos incumpridores iriam ultrapassar todos aqueles que, tendo necessidade social de habitar fogos camarários e cumprindo todos os requisitos legais para o efeito, se encontram, infelizmente, em lista de espera. 10. Tal como bem decidido na douta decisão é incontroverso que o Autor deixou de residir no fogo habitacional por período superior a 6 meses [ou por estar detido em EP, por período superior a 2 anos], e que, esta factualidade, por si só, é determinante do poder/faculdade de o Réu determinar a cessação do direito de utilização do fogo habitacional titulado a favor do Autor pelo Alvará nº 8215, nos termos do artigo 3º, nº1, alínea f), e nº 3, alínea c) da Lei nº 21/2009, de 20 de Maio. O que resulta, de forma manifesta, da matéria de facto julgada como provada sob os pontos 6, 7, 10, 11, 13 e 16. 11. Ao contrário do que parece resultar do douto acórdão, a decisão sub judice não significa que o Autor nunca mais poderá habitar um qualquer fogo habitacional no Município do Porto. A decisão prende-se, única e exclusivamente, com a não transferência direta do Autor para outra habitação social na sequência da declaração de caducidade que fez cessar o seu direito habitacional em relação àquele fogo. 12. Entende assim o Recorrente que o ato administrativo em causa não padece de qualquer vício que possa acarretar a sua anulabilidade ou nulidade, impondo-se decisão que o considere válido. 13. Foi ainda entendido, nessa douta decisão, que a atuação do aqui Recorrente – através do ato administrativo em crise nos autos – configura violação do direito à habitação do Autor, enquanto direito social fundamental, constitucionalmente protegido no artigo 65º, nº1 da CRP. 14. O direito social habitacional decorre da imposição legiferante disposta na alínea b) do nº 2 e nº 3, do artigo 65º da Lei Fundamental, não se tratando de verdadeira norma percetiva. 15. Tais normas constitucionais, pese embora se enquadrem na disciplina dos direitos fundamentais, não consagram verdadeiros direitos, liberdades e garantias, nem são análogos a estes, não conferindo, do ponto de vista constitucional, qualquer posição jurídica subjetiva aos cidadãos. 16. Tais normais, que poderão ser denominadas como normas-tarefa ou normas programáticas, têm uma estrutura impositiva de atuação/produção legislativa e não, como acontece com as verdadeiras normais constitucionais percetivas, a atribuição e determinação de “direitos constitucionais”. 17. A Lei nº 21/2009, ainda que de forma transitória, é que define e determina esse direito habitacional do Autor pelo que a violação, a existir, seria sempre ao nível legal ou infraconstitucional. 18. O ato em crise limitou-se a declarar a caducidade por perda do locado, conforme o disposto no Código Civil e, tendo em conta o facto de existir fundamento para a resolução desse contrato, nos termos da Lei nº 21/2009, decidiu pela não atribuição automática de nova habitação ao Autor, não padecendo assim de qualquer vício decorrente da violação do texto constitucional ou de qualquer princípio constitucional ou legal que vincule a atuação do Recorrente. 19. Assim, e por menos feliz interpretação dos factos e aplicação da Lei, o douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, no artigo 1051º do Código Civil e no artigo 3º da Lei nº 21/2009. Pelo exposto, Na procedência das conclusões do recurso do recorrente, deve o douto acórdão ora recorrido ser revogado nos termos supra descritos, assim se fazendo justiça.” * O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 28 de fevereiro de 2018 (Cfr. fls. 134 Procº físico).* O aqui Recorrida não veio apresentar contra-alegações de recurso.* O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 03/04/2018, veio a emitir Parecer em 5 de abril de 2018, no qual, a final, se pronuncia “no sentido de o presente recurso jurisdicional não obter provimento” (Cfr. fls. 440 a 442 Procº físico).* Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.II - Questões a apreciar Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente/Município, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, o suscitado “erro de julgamento”. III – Fundamentação de Facto O Tribunal a quo, considerou provada a seguinte factualidade: “1 – Em 22 de Março de 1999, foi atribuída pelo Município do Porto ao Autor [e respetivo agregado familiar composto por si, sua esposa, MA e 4 filhos], a habitação social sita na rua C…, do Bairro do Aleixo - Cfr. fls. 17 e 20 do Processo Administrativo; 2 – O Autor é pai de 4 filhos, nascidos na constância da relação e casamento com MA, em 26 de dezembro de 1992, em 12 de fevereiro de 1996, em 26 de abril de 1998, e em 09 de dezembro de 1999 – Cfr. fls. 236 a 243 dos autos em suporte físico do Processo cautelar n.º 19/13.1BEPRT, intentado como preliminar destes autos; 3 – Em maio de 2006, o Autor apresentou no Réu, “Declaração de atualização de dados”, referente às pessoas que consigo residem no fogo habitacional, nela figurando identificada, para além dos seus 4 filhos, como sua “Companheira”, CAVV– Cfr. fls. 30 a 43 do Processo Administrativo; 4 – CAVV viveu no fogo habitacional de que tratam os autos, desde 2005 a 2009 – nos termos dos depoimentos prestados pela testemunha RA, filho do Autor, e pela própria CV [que o Autor identificou junto do Réu em 2006 como sendo a sua companheira], que assim depuseram em Audiência final, com objetividade e de forma desapaixonada, o que permitiu formar a nossa convicção em torno da matéria vertida neste item; referiu ainda a testemunha DL, funcionária da DS, EM, que a inscrição da CV na “atualização de dados”, em 2006, significava para si, que a mesma habitava no fogo habitacional, só que nessa data o Autor ainda era casado com a MA, e era política da EM não reconhecer a união de facto quando o ocupante/concessionário ainda estava casado; 5 – Em dezembro de 2009, o Autor telefonou à CAVV, e disse-lhe para entregar as chaves do fogo habitacional de que tratam os autos à sua irmã, MA, a qual daí em diante era quem ficava a ser a responsável pela casa – nos termo do depoimento prestado pela própria CV [que o Autor identificou junto do Réu em 2006 como sendo a sua companheira], que assim depôs em Audiência final, com objetividade e de forma desapaixonada, o que permitiu formar a nossa convicção em torno da matéria vertida neste item; 6 - No dia 30 de Maio de 2006, o Autor foi detido, encontrando-se ainda a cumprir pena de prisão, de 6 anos, no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira – Cfr. fls. 66 do Processo Administrativo; 7 – O Autor divorciou-se da mãe dos seus 4 filhos [já na pendência de cumprimento de pena no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira] no âmbito do processo n.º 1078/07.1TMPRT, que correu termos no 1.º Juízo de Família e Menores do Porto, onde foi proferida douta decisão de decretamento do divórcio em 03 de julho de 2007, ficando os menores à guarda e cuidados da sua progenitora, que passou a exercer o poder paternal – Cfr. fls. 65 do Processo Administrativo; 8 – O Réu notificou o Autor, por ofício datado de 23 de junho de 2010, em suma, de que devia proceder à atualização de dados do processo habitacional – Cfr. fls. 47 do Processo Administrativo; 9 – Nessa sequência e para esse efeito, o Autor outorgou procuração a sua irmã, MA, para tratar dessa atualização e de tudo o que lhe dissesse respeito, junto do Réu, o que a mesma fez, tendo junto toda a documentação que lhe foi requerida pelo Réu – Cfr. fls. 44 a 65 do Processo Administrativo; 10 – Em face do que foi informado pela irmã do Autor, o Réu veio a atualizar a composição do agregado familiar do Autor em 02 de julho de 2010, e para além dele, no referido fogo habitacional constam apenas os seus 4 filhos – Cfr. fls. 60 do Processo Administrativo; 11 – No âmbito das declarações prestadas pela irmã do Autor ao Réu, em 02 de julho de 2010, referiu a mesma, entre o mais, que o mesmo [Autor] se encontra detido em estabelecimento prisional, e que a sua liberdade estava prevista para o decurso desse corrente ano, e que até à liberdade do Autor, os seus filhos residiam na casa da avó materna e também na sua casa [da irmã do Autor] – Cfr. fls. 62 do Processo Administrativo; 12 – O Autor contraiu casamento com BFASA no dia 23 de dezembro de 2010, e pelo menos desde essa data que a mesma habita no fogo habitacional – Cfr. relatório social elaborado pelo Instituto de Segurança Social, constante a fls. 277 a 281 dos autos em suporte físico do Processo cautelar n.º 19/13.1BEPRT, intentado como preliminar destes autos; ainda nos termos dos depoimentos prestados pela própria testemunha BA, e pela testemunha RA, filho do Autor, que assim depuseram em Audiência final, com objetividade e de forma desapaixonada, o que permitiu formar a nossa convicção em torno da matéria vertida neste item; 13 – A mãe de MA [progenitora dos identificados 4 filhos do Autor], ex-sogra do Autor, recebe o RSI a que os seus filhos menores têm direito, e desde 2002/2003 que estão à sua guarda, por assim permitido pelo Autor e pela sua ex-mulher – Cfr. fls. 60 - verso do Processo Administrativo; decorrente das declarações prestadas pela irmã do Autor junto dos serviços do Réu, o que não foi objeto de impugnação por parte do Autor; ainda nos termos do depoimento prestado pela testemunha RA, filho do Autor, que assim depôs em Audiência final, com objetividade e de forma desapaixonada, que ele e os outros 3 irmãos viviam com a avó materna desde o ano de 2000, por a sua mãe não ter condições económicas para tomar conta deles; 14 – No dia 05 de Setembro de 2012, o Autor foi notificado do projeto de decisão do Réu, datado de 31 de agosto de 2012, no sentido da cessação do direito de utilização do fogo habitacional n.º 52, referente à Torre C, da não atribuição de qualquer outro fogo, e que seria efetuado o despejo administrativo, de pessoas e bens, caso o Autor não o fizesse no prazo de 90 dias – Cfr. fls. 39 a 43 dos autos em suporte físico; 15 – Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai parte do referido projeto de decisão, como segue: “[…] Conforme documentos apresentados, constatou-se que: - o concessionário encontra-se a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, desde 2006 (…) - os filhos menores, na sequência do processo de divórcio (…) ficaram confiados à guarda e cuidados da Mãe MGJA Conclui-se assim que o concessionário e o seu agregado, não utilizam a habitação social há mais de dois anos. Finalmente, a referida irmã, devidamente notificada para o efeito, não procedeu à entrega da totalidade dos documentos solicitados e necessários á atualização do agregado. 2 - Violou assim o concessionário o disposto no nº 1 alínea f) e nº 2 al. a) do artigo 3º da Lei 21/2009, de 20 de maio, porquanto, verifica-se o não uso da habitação pelo ocupante por período superior a seis meses, não ocorrendo a exceção prevista na alínea c) do nº 3 da mencionada disposição legal e o incumprimento na prestação de informações à entidade proprietária relativas à composição e aos rendimentos do agregado familiar; […] declaro ser minha intenção: I. Determinar a cessação do direito de utilização do fogo 52, titulado pelo alvará 28215, referente à torre C, em virtude de o mesmo estar compreendido em imóvel que irá ser demolido em execução da deliberada reabilitação urbana da zona do bairro do Aleixo supra referida; II - A não atribuição a V.ª Ex.ª, do direito de ocupação de qualquer outro fogo de habitação social no município do Porto, atentos os motivos indicados em 2, ou seja, o não uso da habitação pelo ocupante por período superior a seis meses e o incumprimento na prestação de informações à entidade proprietária relativas à composição do e rendimentos do agregado familiar; III - Ordenar o despejo coercivo do fogo 52, titulado pelo alvará 28215, referente à Torre C, promovendo-se a desocupação total de pessoas e bens, se, no prazo de 90 dias a contar da notificação da decisão da cessação do direito de ocupação, o mesmo não o tiver sido voluntariamente desocupado; […]” 16 – Nessa sequência, o Autor, por via de Advogado constituído, exerceu o seu direito de audiência prévia, tendo referido, em suma, que é do conhecimento do Réu que o mesmo se encontra detido no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira desde o ano de 2006, e que lhe deve ser reconhecido o direito de manutenção na habitação – Cfr. fls. 444 a 46 dos autos em suporte físico; 17 – No dia 26 de Outubro de 2012, o Autor rececionou a decisão proferida pela Vereadora da Habitação e Recursos Humanos – ato sob impugnação -, dessa mesma data, onde a final, entre o mais, se determina que “I - A cessação do direito de utilização do fogo 52, titulado pelo alvará 28215, referente à torre C, em virtude de o mesmo estar compreendido em imóvel que irá ser demolido em execução da deliberada reavaliação urbana da zona do bairro do Aleixo, supra referida”, bem como, “II - A não atribuição ao ocupante do direito de ocupação de qualquer outro fogo de habitação social no município do Porto, atento o não uso de habitação pelo ocupante por período superior a seis meses, nos termos do disposto na alínea f) do nº 1, do artigo 3º da Lei 21/2009, de 20 de Maio.“ – Cfr. fls. 23 a 28 dos autos em suporte físico; 18 – No dia 17 de dezembro de 2013, o Instituto de Segurança Social elaborou relatório social – Cfr. fls. 277 a 281 dos autos em suporte físico do Processo cautelar n.º 19/13.1BEPRT, intentado como preliminar destes autos; 19 – Nos termos enunciados no referido relatório social, o termo da pena que o Autor se encontra a cumprir, regista-se em Maio de 2014 – Cfr. fls. 277 a 281 dos autos em suporte físico do Processo cautelar n.º 19/13.1BEPRT, intentado como preliminar destes autos; 20 – Enquanto esteve detido em estabelecimento prisional, foram concedidas ao Autor “saídas precárias”, e nalguns destes períodos temporais, o Autor residia no fogo habitacional – nos termos dos depoimentos prestados pelas testemunhas BA, RA, MA e CV, que assim depuseram em Audiência final, com objetividade e de forma desapaixonada, o que permitiu formar a nossa convicção em torno da matéria vertida neste item; 21 – O Autor esteve detido em estabelecimento prisional no ano de 2000 até 2005 – nos termos dos depoimentos prestados pelas testemunhas RA, filho do Autor, e MA, irmã do Autor, que assim depuseram em Audiência final, com objetividade e de forma desapaixonada, o que permitiu formar a nossa convicção em torno da matéria vertida neste item; 22 – A ex-mulher do Autor, MA, habitou no fogo habitacional a que se reportam os autos, até ao ano de 2003 - nos termos do depoimento prestado pela testemunha RA, filho do Autor, que assim depôs em Audiência final, com objetividade e de forma desapaixonada, o que permitiu formar a nossa convicção em torno da matéria vertida neste item; Referiu ainda que ele e os outros 3 irmãos viviam com a avó materna, por a sua mãe não ter condições económicas para tomar conta deles, e que a partir do ano de 2003 não sabe onde a sua mãe passou a viver; 23 – A partir de meados de 2011, os 276 agregados familiares do Bairro da Torre do Aleixo, começaram a ser notificados para efeitos de atualização dos processos habitacionais – nos termos do depoimento prestado pela testemunha LP, funcionário da DS, EM, que assim depôs em Audiência final, com objetividade e de forma desapaixonada, o que permitiu formar a nossa convicção em torno da matéria vertida neste item; Cfr. ainda fls. 70 a 85 do Processo Administrativo; 24 – A Petição inicial que motiva os presentes autos foi entregue neste Tribunal no dia 28 de janeiro de 2013 – Cfr. fls. 1 dos autos em suporte físico. * IV – Do DireitoAnalisemos então o suscitado. O Município do Porto veio interpor o presente recurso jurisdicional do acórdão proferido no Tribunal Administrativo Fiscal do Porto, que julgou “… procedente a presente ação administrativa, e consequentemente, anulou o ato sob impugnação, datado de 26 de Outubro de 2012, da autoria da Vereadora da Habitação e Recursos Humanos.”, vindo imputada à decisão de 1ª instância erro de julgamento. Consta do ato objeto de impugnação: “I - A cessação do direito de utilização do fogo 52, titulado pelo alvará 28215, referente à torre C, em virtude de o mesmo estar compreendido em imóvel que irá ser demolido em execução da deliberada reavaliação urbana da zona do bairro do Aleixo, supra referida”, II - A não atribuição ao ocupante do direito de ocupação de qualquer outro fogo de habitação social no município do Porto, atento o não uso de habitação pelo ocupante por período superior a seis meses, nos termos do disposto na alínea f) do nº 1, do artigo 3º da Lei 21/2009, de 20 de Maio.“ No que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância: “Neste conspecto e em face do que resultou provado, cumpre apreciar e decidir. (...) Vejamos. Como se nos perspetivou, o Autor alegou ainda sob o ponto 49.º da Petição inicial, a ocorrência de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito. Efetivamente, do que foi por si alegado, extraímos a invocação de confusão por parte do Réu, entre o fundamento de direito por si convocado para determinar o termo da relação jurídico administrativa estabelecida com o Autor e que tem por base a motivação para a cessação do direito de utilização do fogo, e o fundamento para proceder [o Réu] à requalificação urbanística da área onde se situa o Bairro do Aleixo. O artigo 268º. nº. 4 da CRP garante “… aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos e interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas.” Na dogmática jurídico-administrativa, define-se o vício de violação de lei como sendo o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objeto do ato administrativo e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis, ou dito de outra forma, o vício que afeta o ato praticado em desconformidade com os requisitos legais vinculados respeitantes aos respetivos pressupostos ou objeto - Cfr. neste sentido Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, III vol., páginas 303 e Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, páginas 559 e seguintes. Dito de outra forma, ainda, o vício de violação de lei é aquele vício do ato administrativo que consiste na desconformidade entre os pressupostos e/ou o conteúdo do ato concreto e a previsão de situação e/ou o comando contidos em norma imperativa - Cfr. Sérvulo Correia, in Noções de Direito Administrativo, página 463. Na definição do Prof. Marcello Caetano, contida no seu Manual de Direito Administrativo, vol. I, página 501, a violação de lei é o vício de que enferma o ato administrativo cujo conteúdo, incluindo os respetivos pressupostos, contrarie as normas jurídicas com as quais se devia conformar, integrando tal vício quer o erro na interpretação ou indevida aplicação da regra de direito (erro de direito), quer o erro baseado em factos materialmente inexistentes ou apreciados erroneamente (erro de facto). O vício de violação de lei configura uma ilegalidade de natureza material quando é a própria substância do ato administrativo que contraria a lei. A ofensa da lei não se verifica nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objeto do ato - Cfr. Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, III vol., página 304. Tal vício produz-se normalmente no exercício de poderes vinculados, mas também pode ocorrer no exercício de poderes discricionários, quando, designadamente, sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, maxime os princípios constitucionais, da imparcialidade, da igualdade, da justiça (Cfr. Freitas do Amaral, in Lições de Direito administrativo, II vol., pág. 301 e seguintes; Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, I vol., pág. 491 e segs.; Sérvulo Correia, in Noções de Direito administrativo, páginas 380 e seguintes; e Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, I, páginas 533 e seguintes). Posto isto. É incontroverso que o Autor deixou de residir no fogo habitacional por período superior a 6 meses [ou por estar detido em EP, por período superior a 2 anos], e que, esta factualidade, por si só, é determinante do poder/faculdade de o Réu determinar a cessação do direito de utilização do fogo habitacional titulado a favor do Autor pelo Alvará n.º 8215, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea f), e n.º 3, alínea c) da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio. Porém, como de resto assim alegou o Réu no âmbito da sua Contestação, sob os pontos 1.º a 11.º da Petição inicial, a autora dos atos sob impugnação não quis declarar a cessação da utilização do fogo habitacional com esse fundamento, antes apenas e só, a cessação da utilização do fogo habitacional por ser uma consequência inevitável derivada da anunciada e decidida demolição da Torre C do Bairro do Aleixo, no qual se insere a habitação aqui em causa – Cfr. pontos 3.º, 4.º -, e que o que determina a cessação da utilização é a necessidade de demolição da Torre onde o fogo se encontra localizado e não a violação de qualquer dever de efetiva ocupação por parte do Autor - Cfr. ponto 5.º da Contestação. A invocação por parte do Réu de que o Autor deixou de residir no fogo habitacional por período superior a 6 meses [ou por estar detido, por período superior a 2 anos], serviu de fundamento, não à determinação da cessação do direito de utilização do fogo atribuído ao Autor, antes para fundamentar a não atribuição ao Autor do direito de ocupação [enquanto inquilino municipal] de qualquer outro fogo habitacional no concelho do Porto, por não residir no fogo por período superior a 6 meses. E mais concretamente, a cessação do direito de utilização do fogo habitacional n.º 52 da Torre C foi determinada pelo Réu, porque essa Torre, em futuro próximo, iria ser demolida. Neste patamar. Sob o ponto I da decisão proferida, sob impugnação, o Réu decidiu assim pela […] cessação do direito de utilização do fogo 52, titulado pelo alvará 28215, referente à torre C, em virtude de o mesmo estar compreendido em imóvel que irá ser demolido em execução da deliberada reavaliação urbana da zona do bairro do Aleixo […]”, bem como, sob o ponto II da mesma decisão, decidiu pela […] não atribuição ao ocupante do direito de ocupação de qualquer outro fogo de habitação social no município do Porto, atento o não uso de habitação pelo ocupante por período superior a seis meses, nos termos do disposto na alínea f) do nº 1, do artigo 3º da Lei 21/2009, de 20 de Maio.“ O Réu decidiu assim fazer cessar o direito de utilização do fogo 52, titulado pelo alvará 28215, referente à Torre C, pelo facto de o mesmo estar compreendido em imóvel que irá ser demolido em execução de uma deliberada reavaliação urbana da zona do bairro do Aleixo, e ainda, que não atribui ao Autor o direito de ocupação de qualquer outro fogo de habitação social no concelho do Porto, porque o mesmo não usou a habitação por período superior a seis meses [como dispõe a alínea f) do nº 1, do artigo 3.º da Lei 21/2009, de 20 de Maio]. Neste contexto, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos o artigo 3.º do referido diploma legal, a Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio [que veio revogar o Decreto n.º 35 106 de 06 de novembro de 1945], como segue: “Artigo 3.º Regime jurídico aplicável 1 - Sem prejuízo das condições do título de ocupação do fogo, pode a entidade proprietária dos imóveis cedidos determinar a cessação da utilização do fogo atribuído, com os seguintes fundamentos: a) (...) f) Não uso da habitação pelo ocupante por período superior a seis meses ou pelo agregado familiar por período superior a dois meses; (...) 2 – (...) 3 - Não pode ser invocado o fundamento previsto na alínea f) do n.º 1, quando o não uso da habitação pelo ocupante seja por período inferior a dois anos e, cumulativamente, seja motivado por uma das seguintes situações: (...) c) Detenção em estabelecimento prisional. 4 – (...) 8 - Das decisões tomadas ao abrigo dos números anteriores cabe recurso para os tribunais administrativos nos termos gerais de direito.” Em face dos normativos invocados por parte do Réu, que o foram para determinar a não atribuição ao mesmo de outro fogo no concelho do Porto, e os que foram contrapostos pelo Autor, julgamos que estando o mesmo detido em estabelecimento prisional durante o período de 2006 a 2014, durante cerca de 8 anos, nunca pode ser convocada a seu favor a norma a que se reporta o artigo 3.º, n.º 3, alínea c) da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, e desde logo, porque numa interpretação puramente literal deste normativo, atento o número de anos por que esteve ausente do fogo habitacional, por detido em estabelecimento prisional, em cerca de 8 anos [contando apenas o período de 2006 a 2014], a sua situação não é subsumível no âmbito da norma, pois que a mesma apenas exceciona situações em que ocorre a detenção em EP, ou de outro modo, em que ocorre por isso o não uso da habitação por período superior a 2 anos. Porém, como decorre do estatuído pela Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio, a demolição de edifício não consubstancia um facto extintivo do direito de utilização de um fogo habitacional social. Efetivamente, nenhum normativo da Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio, habilita o Réu a poder fazer cessar o direito de utilização de fogo habitacional, por causa da prevista demolição do imóvel [Cfr. ponto I do ato sob impugnação], e por outro lado, também nenhum normativo dessa mesma Lei habilita o Réu a não atribuir ao Autor o direito de ocupação de qualquer outro fogo habitacional no concelho do Porto, o que, tendo o Réu assim decidido, configura violação do direito à habitação por parte do Autor, enquanto direito social fundamental, constitucionalmente protegido no artigo 65.º, n.º1 da CRP. Depois ainda, a invocação do artigo 3.º, n.º 1, da alínea f) da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, foi prosseguida pelo Réu neste conspecto, em violação frontal do dispositivo, pois que este normativo, que identifica um facto extintivo, apenas permite fazer cessar o direito de utilização de fogo habitacional, pelo não uso da habitação, mas já não permite, com esse fundamento, a não atribuição do direito de ocupação de qualquer outro fogo de habitação no Município do Porto. No âmbito da relação jurídica administrativa estabelecida entre o Autor e o Réu, por efeito da outorga em 22 de março de 1999, do alvará n.º 8215, para que o mesmo [Autor] pudesse habitar e viver na casa n.º 52 a que se reportam os autos, foi constituído pelo Réu, a favor do Autor, esse direito constitucionalmente consagrado, sendo que, para que o mesmo possa ser declarado cessado, a decisão do Réu teria de assentar em pressupostos de direito, com respaldo legal e/ou constante do título de ocupação do fogo. Em face do que resultou provado, e por reporte ao ato sob impugnação, o único fundamento que o Réu apresentou ao Autor para efeitos de fazer cessar o direito à utilização da habitação no referido fogo 52, foi o facto de a Torre C onde se situa o fogo ir ser, no futuro, demolida, facto extintivo este que a Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio não prevê nem prescreve, sendo que, o Réu ainda decidiu agravar a posição do Autor, quando decide, determinando que por não ter ocupado o fogo por período superior a 6 meses, que não lhe será atribuído o direito de ocupar qualquer outro fogo social no concelho do Porto. De maneira que, tendo o Réu tido conhecimento em 2010 que o Autor se encontrava ausente do fogo habitacional n.º 52, por se encontrar detido em estabelecimento prisional, e dado início em 2011 a um procedimento administrativo que culminou em outubro de 2012 na prolação da decisão impugnada, no sentido da cessação do direito de utilização do referido fogo, titulado pelo alvará 28215, referente à torre C, pelo facto de ir ser demolido o imóvel, e ainda, da não atribuição do direito de ocupação de qualquer outro fogo de habitação social no concelho do Porto, devido ao não uso da habitação pelo Autor por período superior a seis meses, com fundamento no disposto na alínea f) do n.º 1, do artigo 3.º da Lei 21/2009, de 20 de Maio [ou mesmo do seu artigo 3.º, n.º 3, alínea a)], face ao que deixamos enunciado supra, por julgarmos que a atuação do Réu, no quanto foi respaldado no teor da decisão sob impugnação, violar o disposto no artigo 3.º da referida Lei, pelo facto de a cessação do direito de utilização dos fogos habitacionais só poder ser determinada nas situações aí enunciadas, o que assim não fez o Réu, pelo que a pretensão impugnatória deduzida pelo Autor, tem de proceder na sua totalidade. Aqui chegados, e quanto aos demais pedidos deduzidos a final da Petição inicial, julgamos que os mesmos estão prejudicados na sua apreciação, considerando para tanto que depois de proferida a decisão cautelar no Processo cautelar n.º 19/13.1BEPRT, intentado como preliminar destes autos, pela qual foi decidido pela suspensão da eficácia do ato administrativo ora apreciado, porquanto não veio documentado nos autos que o Autor e o seu agregado familiar, neste entretanto, tenha sido desalojado da habitação pelo Réu, e assim, que tenha ficado privado de aí habitar.” Analisemos então o Recurso interposto: Da decisão de cessação do direito de ocupação habitacional do fogo Entendeu o Tribunal a quo que nenhuma norma da aplicável Lei nº 21/2009 viabilizaria a possibilidade de fazer cessar o direito de utilização de fogo habitacional, em resultado da demolição do imóvel. A referida Lei nº 21/2009 veio revogar o Decreto 35.106, de 6 de Novembro de 1945, estabelecendo um regime transitório que vigorou até à entrada em vigor da Lei 81/2014. Assim, o regime aplicável à controvertida situação assentava na Lei nº 21/2009, por ser aquela que vigorava quando foi proferido o ato objeto de impugnação, estabelecendo o artigo 3º os fundamentos de cessação contratual, decorrentes de faltas cometidas por parte do titular da licença habitacional. Assim, nada obstará à aplicação à situação controvertida, designadamente das normas relativas à caducidade do arrendamento habitacional constantes do Código Civil, por omissas na Lei nº 21/2009, sendo que este diploma só estatui relativamente às causas de resolução contratual pelo senhorio. Assim, dispõe o artigo 1051º do Código Civil, designadamente na sua alínea e), que o contrato de locação caduca pela perda da coisa locada. Mal seria que se não mostrassem aplicáveis as causas de caducidade, pois que sendo demolida a torre onde se insere a fração afeta ao aqui Recorrido, mostrar-se-ia impossível manter válida a relação contratual vigente, até por falta de objeto. A decisão de cessação do direito de utilização do fogo em questão, mais do que um ato de resolução, será antes uma declaração de caducidade, em decorrência da demolição do edificado. Aqui chegados, entende-se que a decisão de 1ª instância objeto de Recurso, não poderá ser mantida, em virtude de ter erradamente ignorado a possibilidade de ser declarada a caducidade do direito de utilização do fogo 52, titulado pelo alvará nº 28215, em decorrência da demolição do edificado. Da decisão de não realojar o Autor, com o fundamento constante da al. f), do nº 1, do artigo 3º, da Lei nº 21/2009 Decidiu ainda o tribunal a quo a invalidade do ato objeto de impugnação, ao não ter sido atribuído ao Recorrido, direito de ocupação de qualquer outro fogo atento o não uso da habitação pelo mesmo por período superior a seis meses, nos termos do disposto na alínea f) do nº 1, do artigo 3º da Lei nº 21/2009. Vejamos: Resulta da deliberação da Assembleia Municipal do Porto que determinou a demolição do bairro do Aleixo, e que não foi objeto de impugnação, que os moradores desse bairro terão direito a realojamento decorrente da demolição dos edificados ondem residem, desde que preencham os requisitos aplicáveis para a atribuição de habitação social municipal. Em qualquer caso, é de mediana percetibilidade, que se os ocupantes das frações a demolir não preenchiam os pressupostos para que pudessem estar a ocupar as mesmas, naturalmente que que lhes não poderia ser assegurado o direito ao realojamento, sob pena de se desvirtuar o direito à habitação social, enquanto bem escasso Como se sumariou no acórdão deste TCAN nº 01321/04.9BEPRT, de 01.02.2007, aqui aplicável, mutatis mutandis, “A habitação social trata-se de um bem escasso e que visa acudir à satisfação das necessidades básicas da população mais carenciada, pelo que, a ocupação da mesma deve ser atribuída após uma ponderação concreta das necessidades dos indivíduos e famílias elegíveis para o efeito, de modo a que se possa equilibradamente proceder a uma distribuição correta das habitações existentes. Encontrando-se uma habitação social ilegalmente ocupada – falta absoluta de título- por uma família, não recai sobre a Câmara Municipal a obrigação de legalizar a ocupação, mas ao contrário é-lhe permitido efetuar o despejo. O despejo com tais fundamentos não viola os princípios da proporcionalidade e da boa-fé.” Como igualmente se sumariou no Acórdão do TCAN nº 01688/11.2BEPRT, de 20-05-2016, “A habitação social é, em si mesma, um bem escasso e que visa acudir à satisfação das necessidades básicas da população mais carenciada, pelo que, a ocupação da mesma deve ser atribuída após uma ponderação concreta das necessidades dos indivíduos e famílias elegíveis para o efeito, de modo a que se possa equilibradamente proceder a uma distribuição correta das habitações existentes. O direito à habitação, enquanto direito a ter uma morada condigna, assume essencialmente uma dimensão social, cuja concretização está dependente da reserva do possível, em termos políticos, económicos e sociais. Ou seja, o direito à habitação, enquanto direito fundamental de natureza social, pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo, dele não se retirando um direito imediato a uma prestação efetiva. Como se refere ainda, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 374/2002, o direito à habitação, enquanto direito a ter uma morada decente ou condigna (65.º da CRP), assume essencialmente uma dimensão social de “um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efetividade está dependente da reserva do possível, em termos políticos, económicos e sociais”. Ou seja, o direito à habitação, enquanto direito fundamental de natureza social, “pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo” (Acórdão do TC n.º 829/96), dele não se retirando um “direito imediato a uma prestação efetiva” (Acórdão do TC n.º 280/93. Na situação objeto de apreciação, é patente que a Lei n.º 21/2009 (e, antes dela, o Decreto n.º 35.106) concretiza legislativamente uma certa dimensão do direito à habitação, uma vez que contempla um regime de habitação social, que permite a ocupação de fogos por parte de agregados familiares com menores rendimentos, mediante o pagamento de uma renda “social” ou “apoiada”, ou seja, inferior à de mercado. Acontece que a habitação social é, em si mesma, como reiteradamente aqui se afirmou, “um bem escasso e que visa acudir à satisfação das necessidades básicas da população mais carenciada, pelo que, a ocupação da mesma deve ser atribuída após uma ponderação concreta das necessidades dos indivíduos e famílias elegíveis para o efeito, de modo a que se possa equilibradamente proceder a uma distribuição correta das habitações existentes” (cfr. Acórdão do TCAN, de 01.02.2007, P. 01321/04.9BEPRT). E como se conclui no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.03.2006, P. 01203/05, “o direito à habitação, assegurado pelo art. 65.º da CRP, é um direito da generalidade dos cidadãos, que não é necessariamente afetado quando é retirado a determinado agregado familiar o direito a ocupar uma habitação social para o atribuir a outro agregado”. Por isso mesmo, porque está em causa a atribuição de um bem escasso (habitação social) a um determinado agregado familiar, o que é feito necessariamente em detrimento de outras famílias com idênticas necessidades, o legislador prevê um conjunto de exigências de que faz depender a manutenção do direito a utilizar a habitação social. Terá sido pois em função do referido que os serviços dependentes do Município procederam à verificação da situação de todos os processos habitacionais do Bairro do Aleixo, (Facto 23) É incontornável que o aqui Recorrido deixou de residir no fogo habitacional por período superior a 6 meses [ou por estar detido em EP, por período superior a 2 anos], sendo que, se estas circunstâncias, se mostravam adequadas e suficientes para que fosse determinada a cessação do direito de utilização do fogo habitacional titulado a seu favor, nos termos do artigo 3º, nº1, alínea f), e nº 3, alínea c) da Lei nº 21/2009, de 20 de Maio, por maioria de razão, suportarão o entendimento no sentido de lhe não ser atribuído realojamento. Quem não preenche os pressupostos para que lhe possa ser mantido o direito de ocupação de habitação municipal, naturalmente que não reunirá igualmente os requisitos tendentes ao realojamento. Assim, em função do precedentemente expendido, não merece censura a decisão proferida pelo Município no sentido de não realojar o Recorrido em outra habitação camarária, na sequência da caducidade decorrente da demolição que supra se referiu. Da violação do direito de habitação, constitucionalmente consagrado Entendeu o Tribunal a quo, que a decisão do município, fazendo cessar o direito habitacional do aqui Recorrido, em decorrência da demolição do edificado, e não atribuindo correspondentemente o direito de ocupação de qualquer outro fogo habitacional, terá violado o direito à habitação, enquanto direito social fundamental, constitucionalmente protegido no artigo 65º, nº 1 da CRP. Em qualquer caso, e como se afirmou já, de acordo com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 374/2002, o direito à habitação, enquanto direito a ter uma morada decente ou condigna (65.º da CRP), assume essencialmente uma dimensão social de “um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efetividade está dependente da reserva do possível, em termos políticos, económicos e sociais”. Ou seja, o direito à habitação, enquanto direito fundamental de natureza social, “pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo” (Acórdão do TC n.º 829/96), dele não se retirando um “direito imediato a uma prestação efetiva” (Acórdão do TC n.º 280/93. Como se afirmou no Acórdão deste TCAN nº 01064/13.2BEPRT, de 06.03.2015, “acontece que a habitação social é, em si mesma, “um bem escasso e que visa acudir à satisfação das necessidades básicas da população mais carenciada, pelo que, a ocupação da mesma deve ser atribuída após uma ponderação concreta das necessidades dos indivíduos e famílias elegíveis para o efeito, de modo a que se possa equilibradamente proceder a uma distribuição correta das habitações existentes” (cfr. Acórdão do TCAN, de 01.02.2007, P. 01321/04.9BEPRT). E como se conclui no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.03.2006, P. 01203/05, “o direito à habitação, assegurado pelo art. 65.º da CRP, é um direito da generalidade dos cidadãos, que não é necessariamente afetado quando é retirado a determinado agregado familiar o direito a ocupar uma habitação social para o atribuir a outro agregado”. Efetivamente, o direito social fundamental do Autor, aqui Recorrido, isto é, o seu direito a uma habitação social não é, de todo, absoluto, nem pode ser enquadrado no nº 1 do artigo 65º da CRP. Como refere igualmente Rui Medeiros, em anotação ao artigo 65º da Constituição, “… enquanto direito fundamental de natureza social, o direito à habitação “pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo” (Ac. Nº 829/96 – cfr. ainda Acs. nºs 131/92, 508/99 e 29/00)” . Mais refere o mesmo Autor que “em qualquer caso, nesta dimensão impositiva, do artigo 65º não se retira “um direito imediato a uma prestação efetiva, porquanto não é diretamente aplicável ou exequível, exigindo uma atuação do legislador que permita concretizar tal direito, pelo que o seu cumprimento só pode ser exigido nas condições e nos termos definidos na lei” (Ac. nº 280/93 – cfr. ainda Acs. nºs 130/92 e 374/02)”. Em bom rigor, o ato objeto de impugnação do Município, limitou-se a declarar a caducidade por perda do locado, em decorrência da aplicação dos normativos constantes do Código Civil, sendo que, verificando existir fundamento para a resolução do contratualizado, mais decidiu não realojar o aqui Recorrido, em face do que se não reconhece a violação de qualquer principio ou norma de natureza constitucional. Em função de tudo quanto se vem de expender, não se vislumbra que as decisões proferidas pelo Município mereçam censura, o que necessariamente determinará a revogação do acórdão recorrido que as anulara. * * * Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, revogando-se o Acórdão Recorrido, mantendo-se na ordem jurídica o Despacho objeto de impugnação.Custas pelo Recorrente. Porto, 30 de maio de 2018 Ass. Frederico de Frias Macedo Branco Ass. Rogério Martins (Voto de vencido) Ass. Luís Migueis Garcia (Voto de vencido) _*_ VOTO DE VENCIDO:Voto vencido este acórdão, num dos seus fundamentos, apesar de concordar com o sentido da decisão face ao outro fundamento, pelas razões que passo a expor: Na hipótese – que aqui se verifica -, de demolição do locado, não caduca o direito à ocupação, resultante do regime do arrendamento social, regulado pela Lei nº 21/2009, de 20.05, na sua versão original, aplicável ao caso, dado não se aplicarem as regras da locação constantes do Código Civil, ao contrário do que consta do acto impugnado. O arrendamento privado e arrendamento social são realidades completamente distintas, com regras e finalidades distintas e muitas vezes opostas. No arrendamento civil há um acordo de partes, uma composição de interesses privados. No arrendamento social há uma decisão unilateral da Administração de reconhecer - ou não - a existência dos pressupostos legais para atribuição de um fogo habitacional na realização de um interesse público, a concessão de habitação às pessoas mais carenciadas e dentro das possibilidades do erário público. Este direito, ao arrendamento social, não depende da existência do locado em si mesmo, mas da verificação de condições, próprias do candidato à ocupação, relativamente ao conjunto de locados disponíveis. Tanto assim que se coloca de imediato a hipótese de realojamento no caso de demolição do locado. E, pela banda do locador, não existe um direito, mas um dever a garantir o arrendamento social dentro dos condicionalismos legais. Trata-se, por isso, de um contrato público e daí a atribuição de competência aos tribunais administrativos para dirimir estes litígios – n.º8 do artigo 3º da Lei nº 21/2009, de 20.05. E definido expressamente como tal pela Lei n.º 81/2014, de 19.12, actual regime de arrendamento social, designado agora “arrendamento apoiado para habitação”. Por outro lado, a aplicação subsidiária da lei do arrendamento civil, expressamente prevista apenas no n.º 1 do artigo 17º Lei n.º 81/2014, de 19.12, inaplicável ao caso concreto, pressupõe a compatibilidade destas normas com a natureza pública do contrato, pois só assim se garante a coerência das soluções legislativas – n.º1 do artigo 9º do Código Civil. Em concreto em relação à demolição, dado que a autarquia não está sujeita a um pedido de licenciamento em qualquer situação pela simples razão de que é a entidade competente para as conceder, poderíamos facilmente chegar à situação de a entidade obrigada a conceder o arrendamento social se eximir a esse dever pela demolição do locado. Eventualmente para erigir, em substituição, um locado a colocar no mercado lucrativo de imóveis. O fundamento, no caso concreto, para negar o direito ao requerente não poderia ser a demolição do prédio mas a apenas a não ocupação do locado por mais de dois anos e não ter fornecido à entidade proprietária as informações relativas à composição e aos rendimentos do agregado familiar, por motivo que lhe é imputável, fundamento que também é invocado no acto impugnado e que basta para o manter na ordem jurídica. Julgaria, portanto, a ação improcedente e procedente o recurso, apenas por este fundamento. Porto, 30.05.2018 Ass. Rogério Martins _*_ Voto parcialmente vencido.A respeito do julgamento sobre «II - A não atribuição ao ocupante do direito de ocupação de qualquer outro fogo de habitação social no município do Porto, atento o não uso de habitação pelo ocupante por período superior a seis meses, nos termos do disposto na alínea f) do nº 1, do artigo 3º da Lei 21/2009, de 20 de Maio.». A fundamentação que, no acto, está de base não evidencia o sentido que agora o Município lhe quer dar em instância de recurso. A (im)possibilidade de em futuro o particular poder aceder a outro fogo vem incondicionada, em categórica afirmação que em absoluto cerceia. Ao que o fundamento invocado não habilita; no que o acto afecta núcleo essencial de direito fundamental. Porto, 30/05/2018. Ass. Luís Migueis Garcia |