Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01764/08.9BEPRT |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 02/15/2013 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IRC; CUSTOS; SIMULAÇÃO |
Sumário: | I. O princípio do inquisitório não obriga a inspeção tributária a realizar todas as diligências possíveis com vista à descoberta da verdade material do sujeito passivo, mas apenas as diligências que, em concreto, se revelem necessárias; II. Não se mostra necessária a obtenção de registos de transporte ou armazenamento de resíduos junto das entidades competentes para a sua autorização ou fiscalização se a inspeção tributária recolhe indicadores suficientes de que as operações em causa não tiveram lugar e que, por conseguinte, esses registos não existem. III. As declarações dos contribuintes não se presumem verdadeiras e de boa fé se os elementos da sua contabilidade ou escrita não forem apresentados à administração tributária por terem perecido em incêndio – artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. IV. Não beneficiando da presunção a que alude o número anterior, cabe ao contribuinte o ónus de provar os fatos constitutivos do direito à dedução dos custos declarados – artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. V. Não logra fazer essa prova o contribuinte que não fornece qualquer informação concreta e suscetível de verificação externa, comprovativa das operações correspondentes.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | F..., Lda. |
Recorrido 1: | Fazenda Pública |
Decisão: | Negado provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. Relatório 1.1. F…, Lda., n.i.f. 5…, com sede na Rua…, n.º …, Vila Nova de Gaia, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a presente impugnação judicial de liquidação de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas dos exercícios de 2001, 2002 e 2003, bem como dos recursos hierárquicos entretanto interpostos. Recurso esse que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, que rematou com as seguintes conclusões: A. A liquidação de IRC, controvertida nos autos, resultou do entendimento segundo o qual as facturas especificadas no relatório de fundamentação emitidas em 2001, 2002 e 2003 à alegante pelos emitentes C…, J… e A…, não correspondem a operações reais. Julgando-se o Recurso procedente, será feita JUSTIÇA!» 1.2. Não houve contra-alegações. «Com relevo para a decisão da causa, julgam-se provados os seguintes factos: 1. Pela ordem de serviço nº OI200500126, foi determinada a realização de procedimento de inspecção à impugnante, com incidência em IVA e IRC para o ano de 2001, a qual decorreu entre 06-10-2005 e 27-10-2005 (fls. 15 a 23 do processo de reclamação graciosa nº 3581200604000080 junto ao PA). “1.1. Solicitou-se ao representante do sujeito passivo: M…, na qualidade de sócio gerente para apresentar documentos contabilísticos e fiscais do exercício de 2001. O gerente M..., referiu que não os podia apresentar, porque tinham sido destruídos pelo incêndio que deflagrou no escritório da empresa, situado em Olho Marinho Ovar, tendo apresentado uma declaração dos Bombeiros Voluntários de Ovar, confirmativa dos factos invocados. 1.2. Através dos registos auxiliares de contabilidade (extractos de conta e balancetes), recolhidos junto do técnico oficial de contas e, das cópias das facturas de compra de mercadorias contabilizadas, emitidas em nome de C…, contribuinte n.º 1…, recolhidos para efeitos de cruzamento de informação durante a acção de fiscalização efectuada no exercício de 2000, conforme quadro resumo a seguir indicado, verificou-se que:
- Consta do sistema de Gestão de Cadastro de IVA, com o início e cessação de actividade de “comércio por grosso de máquinas agrícolas” em 13 de Abril de 1999; O sujeito passivo faleceu em 23 de Julho de 2002: Através da análise de documentos bancários de C…, verificou-se, não haver referência a movimentos relacionados com os valores das facturas contabilizadas na empresa F… Lda, mas constatou-se, que foram depositados na s/ conta bancária, cheques emitidos sobre contas pessoais dos sócios gerentes: M…, contribuinte n.º 1…e de E…, contribuinte n.º 1…, no valor 42.667,00 €, conforme relação nos quadros a seguir indicados. [seguem dois quadros digitalizados] 1.2.2. Inquirido, M..., sobre: - As compras e os pagamentos através da sua conta particular a C…, afirmou, que a sucata foi transportada com os seus camiões, nos lugares que C... indicava, e que não se lembra dos locais onde os camiões carregaram a sucata e, que eram feitos em dinheiro porque o Sr. C... não queria pagamentos em cheque, e que, foram feitos alguns pagamentos de pequeno valor através da sua conta bancária pessoal; 1.2.3. Diligências efectuadas para efeitos de análise e enquadramento da actividade profissional de C...: - Contactado, o Centro Distrital de Segurança Social do Norte, através do Oficio n.° 426822 de 07 de Julho de 2004, para o envio de elementos comprovativos da data de inscrição como entidade patronal e/ou empresário em nome individual, numero de funcionários ao seu serviço e relação dos descontos efectuados nos anos de 1990 a 2004, incluindo os descontos como trabalhador dependente, tendo nos sido informado que não consta como contribuinte, mas sim como beneficiário; 1.3. Conclusão Como a análise e os contactos efectuados, evidenciam que o falecido C..., não transaccionou os produtos indicados nas facturas, nem tinha capacidade instalada (de funcionamento: instalações e equipamentos) e financeira, para realizar as operações indicadas, naqueles montantes e, como não foi apresentado, qualquer informação verbal ou documental comprovativa das operações de compra constantes nas facturas contabilizadas, verifica-se, e os valores constantes nas facturas indicadas correspondem a operações simuladas, pelo e, de acordo com o disposto no n.° 3 do artigo 19.° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, foi indevidamente deduzido e declarado Imposto sobre o Valor Acrescentado declarações periódicas de Imposto Sobre o Valor Acrescentado no valor de € 64.336,65. Como não foram apresentados informações e documentos, que permitissem averiguar a veracidade das operações constantes naquelas facturas de compra ou, outras operações, realizadas e não declaradas, com outros operados económicos, conclui-se, que o valor que nelas consta de € 378.450,93, não pode ser considerado como compras de mercadorias e, consequentemente, como custo das mercadorias vendidas; pelo que, de acordo com o artigo 23.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, não pode ser considerado como custo fiscal.” 7. Em 12-12-2005, foi elaborado o RIT relativo aos anos de 2002 e 2003, (Fls. 17 a 31 do processo de reclamação graciosa nº 3581200604000099 junto ao PA), que aqui se dá por reproduzido, o qual se transcreve parcialmente: “1.1 Solicitou-se ao representante do sujeito passivo: M…, na qualidade e sócio-gerente, para apresentar os documentos contabilísticos e fiscais dos exercícios de 2002 e 2003, mas, não foram apresentados, porque tinham sido destruídos pelo incêndio que deflagrou no escritório da empresa, situado em Olho Marinho Ovar, tendo apresentado uma declaração dos Bombeiros Voluntários de Ovar, confirmativa dos factos invocados. 1.2. Através dos registos auxiliares de contabilidade (extractos de conta e balancetes), colhidos junto do técnico oficial de contas e, das cópias das facturas de compra de mercadorias contabilizadas, recolhidas para efeitos de cruzamento de informação durante a acção de fiscalização efectuada ao exercício de 2000, emitidas em nome de: C..., contribuinte n.° 1…, J… F..., contribuinte n.° 1…, e A…, contribuinte n.° 2…, verificou-se que: 1.2.1. Facturas emitidas em nome de C... , no exercício de 2002 no valor de € 881.510,04, conforme quadro resumo a seguir indicado:
1.2.1.1. Da análise, à situação tributária de C..., verificou-se que: - Consta no sistema de Gestão de Cadastro de IVA, com o início e cessação de actividade de “comércio por grosso de máquinas agrícolas” em 13 de Abril de 1999; Através da análise aos documentos bancários de C..., verificou-se, não haver referência a movimentos relacionados com os valores das facturas contabilizadas, mas constatou-se, que foram depositados na si conta bancária, cheques emitidos sobres contas pessoais dos sócios gerentes: M…, contribuinte n.° 1…e de E…, contribuinte n.° 1…., no valor de 42.667,00 €, conforme relação nos quadros a seguir indicados: [seguem dois quadros digitalizados] 1.2.1.2. Inquirido, M..., sobre: - As compras e os pagamentos através da sua conta particular a C..., afirmou: 1.2.1.3. Diligências efectuadas para efeitos de análise e enquadramento da actividade profissional de C...: - Contactado, o Centro Distrital de Segurança Social do Norte, através do Oficio n.° 426822 de 07 de Julho de 2004, para o envio de elementos comprovativos da data de inscrição como entidade patronal e/ou empresário em nome individual, numero de funcionários ao seu serviço e relação dos descontos efectuados nos anos de 1990 a 2004, incluindo os descontos como trabalhador dependente, tendo nos sido informado que não consta como contribuinte, mas sim como beneficiário; 1.2.2. Facturas emitidas em nome de J…, nos exercícios de 2002 e 2003, nos valores de € 1.163.748,74 e € 3.728.234,05, respectivamente, conforme relação nos quadros resumos a seguir indicados: «Exercício de 2002»
Exercício de 2003»
Através da consulta ao sistema informático, verificou-se que este sujeito passivo está registado em IVA para o exercício de actividade de “ Comércio por Grosso de Desperdícios e Sucatas “, CAE 51.570, desde 18/02/2002 e não cumpre com qualquer obrigação tributária, para efeitos de IVA e de IRS. Nos anos de 1997 a 2002, apenas declarou rendimentos como trabalhador dependente, auferidos como camionista em empresas de transportes. 1.2.2.2. Inquirido, M…, sobre as facturas de compra de mercadorias / sucata, emitidas por J..., afirmou, que a sucata era carregada com os seus camiões onde o Sr F... mandava carregar e não se lembra dos locais onde os camiões carregavam. Sobre os pagamentos afirmou, que foram feitos em dinheiro porque o Sr. F... não queria pagamentos em cheque. 1.2.2.3. Inquirido, J..., sobre as facturas contabilizadas na firma F... — Comércio Reciclagens Lda, afirmou: - Ter efectuado vendas de sucata, sobretudo e ferro, na ordem dos 400, 500 contos por mês, que ia recolhendo principalmente em particulares e que entregava em Ovar; 1.2.3. Facturas emitidas em nome de A..., no exercício de 2003, conforme relação no quadro resumo a seguir indicado:
Tratar-se de uma pessoa que não cumpre com qualquer obrigação tributária quer em sede de IVA quer em sede de IRS e sem domicílio conhecido. Não apresenta capacidade para o exercício da actividade de comércio de sucata, e mostrou tratar-se de um angariador de pessoas para a emissão de” facturas falsas “. Declarou o início do exercício da actividade de Comércio Por Grosso de Sucatas em 24/11/1999, não tendo, desde essa data, cumprido com qualquer obrigação tributária quer em sede de IVA quer em sede de IRS. Em 05/01/2000 procedeu à requisição, junto da “ Tipografia C…o “, de L… & Sousa, Lda., possuidora do NIPC 5…, com domicilio na Rua… - V. N. Gaia, 3 Livros de Facturas, de Guias de Remessa, de Guias de Transporte e de Recibos com a numeração de 1 a 150, a que corresponde a factura n° 26.720A, de 06/01/2000. Posteriormente, requisitou, em 20/07/2000, junto desta tipografia 7 livros de Facturas e de Recibos com a numeração de 151 a 500, a que corresponde a factura n° 27303A, de 27/07/2000. Em 23/07/2000, requisitou, adicionalmente, 7 livros de Facturas e de Recibos, com a numeração de 151 a 500, que foram impressos na “ Tipografia A… “, de G…, Lda., possuidora do NIPC 5…, a que corresponde a factura n° 27.209, de 26/07/2000. Este procedimento assume-se como uma intencionada duplicação de numeração de facturas e recibos. Requisitou, ainda, em 18/12/2000, junto da” Tipografia C… “, atrás mencionada, 3 livros de Guias de Transporte com a numeração de 151 a 300, a que corresponde a factura n.° 27.644A, de 19/12/2000. Em 03/10/2003, foram requisitados, junto da Gráfica R…, Lda., possuidora do NIPC 5…, 2 blocos de Facturas, de Guias de Transporte e de Recibos, com a numeração de 501 a 600, a que corresponde a factura n° 9.843, de 03/10/2003. Recentemente, em 16/07/2004, junto desta tipografia, requisitou 2 blocos de Facturas, de Guias de Transporte e de Recibos, com a numeração de 601 a 700, a que corresponde a factura n° 9.992, de 19/07/2004. Nas acções efectuadas, não foi possível estabelecer qualquer contacto com A..., percorrendo-se todas as moradas constantes dos documentos conhecidos, do que se concluiu que as mesmas não corresponderam ao seu domicílio efectivo, a saber: Na declaração de início de actividade declarou ter morada do estabelecimento principal na Av. da Republica, … enquanto seu domicílio fiscal se situava na Rua Alvares Cabral, … - Porto. Ora, nesta última morada encontra-se estabelecida a “ Hospedaria A… “ tendo-se concluído que apenas se serviu da mesma para alojamento entre o dia 03/01/2000 e o dia 06/01/2000. A morada da Av. da Republica, 2… é propriedade da sociedade B… - Sociedade de Construções e Urbanismos, Lda., possuidora do NIPC 5…, com domicílio no Lugar… - Moselos - Sta. Maria da Feira, que, através do seu sócio-gerente, confirmou desconhecer o Sr. A... e que nunca alugou ou cedeu, a este, o escritório em causa. Acrescenta-se que esta morada foi mencionada em todos os documentos requisitados pelo sujeito passivo em causa que, face à indicação de uma morada errada, se transforma num fantasma “ para todas as instituições oficiais eliminando, assim, a possibilidade de qualquer contacto pessoal. Nesta conformidade, não é possível conhecer o seu percurso profissional nem estabelecer qualquer ligação anterior com a actividade de comércio de sucata, sendo certo, que nunca poderia ter realizado qualquer negócio por evidente falta de logística e fundamentalmente pelo seu posicionamento “marginal “na sociedade civil. Não se verificaram indícios de que o sujeito passivo em causa alguma vez tenha possuído instalações ou equipamentos por forma a justificar, mesmo que diminutos, quaisquer actos comerciais relacionados com esta actividade de comércio de sucata. De pedido de elementos dirigido ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social verificou-se que A... consta como inscrito com o n° 1…, com último desconto em Abril de 2003, não existindo qualquer registo como empresário em nome individual nem como entidade empregadora. Da consulta ao sistema informático da D.G.C.L, no que respeita aos dados contidos nos anexos recapitulativos de fornecedores entregues a nível nacional, confirmou-se a inexistência de fornecedores de A... permitindo concluir-se, da mesma forma, pelo não exercício de qualquer actividade de natureza comercial envolvendo os valores detectados. 1.2.3.2. Inquirido, M..., sobre as compras de mercadorias / sucata, pela empresa F... Lda, no ano de 2003, através de facturas emitidas por A..., no valor de 509.671,01 €, afirmou: “não se lembrar de conhecer este senhor e como foram feitos os carregamentos e os pagamentos da sucata adquirida”. 1.2.3.3. Face aos factos expostos, nomeadamente: - a indicação de moradas inexactas indiciando a intenção de se manter relativamente protegido “quanto às possíveis implicações que adviriam da sua actuação, no que concerne à relação a ter com as instituições implementadas e com as quais incorre em responsabilidades e obrigações; Concluiu-se, que A... não tinha capacidade para o exercício de qualquer actividade comercial, pelo que as facturas emitidas em seu nome não corresponderam a qualquer operação comercial, razão pela qual, não podem servir de suporte às transacções de sucata com a firma em análise. 1.3. Conclusão 1.3.1. De acordo com os factos descritos, verifica-se, que C... , contribuinte, J..., e A... não transaccionaram os produtos indicados nas facturas, nem tinham capacidade instalada (de funcionamento: instalações e equipamentos) e financeira, para realizar as operações indicadas, naqueles montantes e, como não foi apresentado, qualquer informação verbal ou documental comprovativa das operações de compra constantes nas facturas contabilizadas, verifica-se; que os valores nelas indicados correspondem a operações simuladas; pelo que, de acordo com o disposto no n.° 3 do artigo 19.° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, foi indevidamente deduzido e declarado Imposto sobre o Valor Acrescentado nas declarações periódicas de Imposto Sobre o Valor Acrescentado dos períodos do 1.º trimestre de 2002 ao 4.º trimestre de 2003, no valor de 937.013,53, conforme quadro resumo a seguir indicado:
Resultante dos factos descritos no ponto n.° 1.1, foi inviabilizada a análise dos documentos contabilísticos (facturas ou documentos equivalentes) de suporte aos valores de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), declarados nos campos: 20, 22 e 24 das declarações de IVA, correspondente às deduções de IVA nas aquisições de imobilizado, existências e outros bens e serviços, pelo que, o valor de IVA declarado no montante € 1.075.086,84 (2002- 491.582,27 e 2003 -583.504,57) considera-se como indevidamente deduzido, ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 19.° do Código do IVA, conforme quadro resumo a seguir indicado:
8. Em 22-11-2005 a impugnante foi notificada por carta registada com aviso de recepção, do RIT relativo ao ano de 2001, (Fls. 12 a 14 do processo de reclamação graciosa nº 3581200604000080 junto ao PA).
11. Em 14-03-2006, a Impugnante apresentou duas reclamações graciosas das liquidações de IRC dos anos de 2001, 2002 e 2003 (fls. 3 a 9 do processo de reclamação graciosa nº 3581200604000080 e nº 3581200604000099 junto ao PA). “(…) 4. No âmbito da inspecção realizada, procedeu-se à notificação para a reclamante exercer o seu direito de audição prévia (…). No entanto, este direito não foi exercido. 5. Na reclamação apresentada apenas são feitas alegações, não tendo sido invocado qualquer facto ou sequer indicado qualquer meio de prova que sustente a pretensão da ora reclamante. (…)” 15. A impugnante exerceu o direito de audição prévia (fls.45 a 47 e 38 a 40 dos processos de reclamação graciosa nº 3581200604000099 e nº 3581200604000080, respectivamente, juntos ao PA). “(…) 3.1- Foi, em 12/10/2007, exercido o seu direito de audição, tendo o reclamante alegado que o projecto de despacho, assenta em pressupostos errados, relativamente aos quais não poderá deixar de tomar posição e repor a verdade. 3.2- No entanto, nada acrescentou, tendo reforçado o que foi alegado na petição inicial. 4- Dado mais nada acrescentar que tentasse provar as pretensões do reclamante, indefiro a mesma, nos termos e fundamentos constantes do projecto de decisão oportunamente notificado, tornando-se definitiva essa decisão. (…)” 17. Em 13-11-2007, a impugnante apresentou dois recursos hierárquicos das decisões de indeferimento das reclamações graciosas proferidas nos processos nºs 3581200604000080 e nº 3581200604000099 (fls.45 a 51 e fls. 53 a 59 do processo de reclamação graciosa nº 3581200604000080 e nº 3581200604000099, respectivamente, juntos ao PA). «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art 74°. n.° 1, da LGT). A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art.516.°doCPC). O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art. 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos – art. 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos provados» 2.3. Na mesma sentença recorrida, deixou-se consignado quanto a factos não provados: «Com relevância para a presente decisão, não se provou que as mercadorias mencionadas nas facturas emitidas por C... , J... e A... tenham sido efectivamente transacionadas, porquanto nenhuma prova foi apresentada nesse sentido.» 3. Fundamentação de Direito A Recorrente não se conforma com o decidido em 1.ª instância por entender que o tribunal recorrido aplicou erradamente o direito aos factos dados como provados, pois que uma correta ponderação dessa factualidade deveria ter levado a uma conclusão distinta daquela a que ali se chegou e conduzir, a final, à procedência da impugnação. Uma conclusão distinta, em primeiro lugar, quanto à questão de saber se a administração tributária realizou todas as diligências probatórias necessárias à averiguação da veracidade das operações tituladas nas faturas em causa. Considera a Recorrente que o tribunal recorrido deveria ter concluído que a administração tributária poderia e deveria ter solicitado a terceiros as segundas vias dos documentos de transporte, guias de transporte de resíduos e registos de resíduos, com vista à verificação da materialidade dessas operações. E que, não o tendo feito, violou os princípios da verdade material e do inquisitório, consagrados no artigo 58.º da Lei Geral Tributária. Uma conclusão distinta, em segundo lugar, quanto à questão de saber se a administração tributária deu cumprimento ao ónus de demonstrar os factos constitutivos do seu direito à efetuar as correções ao valor dos custos contabilizados com base nessas faturas. Considera a Recorrente que o tribunal recorrido deveria ter concluído que a administração tributária, não só não demonstrou que as faturas em causa não titulavam transações verdadeiras, como também atirou para o sujeito passivo o ónus de provar a sua veracidade, o que integra uma errada aplicação das regras do ónus probatório no procedimento. Uma conclusão distinta, em terceiro lugar, quanto à questão de saber se a administração tributária fundamentou de forma congruente e suficiente as correções. Defende a Recorrente que o tribunal recorrido deveria ter concluído que os indícios avançados no procedimento não lhe dizem diretamente respeito (mas aos seus fornecedores) e, por isso, são incongruentes com a decisão de corrigir os valores que declarou e insuficientes para sustentar as liquidações em crise, tanto mais que do relatório de fiscalização não se extrai um único facto suscetível de demonstrar que simulou negócios com o objetivo de se subtrair ao pagamento do imposto. Uma conclusão distinta, em quarto e último lugar, quanto à questão de saber se os indícios carreados pela administração tributária traduzem uma probabilidade elevada de que as operações referidas nas faturas desconsideradas são simuladas e de que os custos documentados nessas mesmas faturas não estão devidamente documentados. Considera a Recorrente que o tribunal recorrido deveria ter concluído que as operações referidas estão demonstradas material e financeiramente ou, pelo menos, que não existem fundamentos consistentes para concluir que não são verdadeiras. Nos pontos seguintes, analisaremos cada uma das razões de discordância avançadas pela Recorrente, pela ordem com que foram apresentadas, e apreciaremos o mérito do recurso. 3.2. Resulta dos autos que as correções que deram origem às liquidações impugnadas provieram da não aceitação como custos de valores titulados por faturas emitidas por três indicados fornecedores de mercadorias/sucata. Verificou a administração tributária, de um lado, que os imputados fornecedores não declararam ou escrituraram as vendas respetivas, não apresentaram comprovativos das operações e não tinham capacidade instalada para as realizar, sendo que um deles nem exercia essa atividade e esteve doente durante parte do período, outro foi trabalhador dependente até 2002 e outro ainda nem sequer tem paradeiro conhecido. E também verificou a administração tributária, de outro lado, que a Recorrente também não possuía documentos que permitissem comprovar a veracidade dessas operações, invocando a sua destruição num incêndio que deflagrou no escritório da empresa. Com base no que concluiu a administração tributária, de um lado, que havia indícios suficientes de que as operações em causa eram simuladas. E, de outro lado, que também não foram apresentadas informações e documentos que permitissem confirmar a materialidade dessas operações e infirmar esses indícios. Razão porque concluiu também que, à luz do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, os valores titulados nessas faturas não poderiam ser considerados custo fiscal. A Recorrente deduziu reclamação graciosa das liquidações respetivas, e recorreu hierarquicamente da decisão ali proferida, dizendo sempre que as operações são reais e que as transações ocorreram. Mas no parecer que serviu de base à decisão de indeferimento do recurso hierárquico, a senhora inspetora tributária acrescentou que a Recorrente, para além dos documentos de transporte previstos no Decreto-Lei n.º 45/89, se encontrava obrigada a emitir as guias previstas na Portaria n.º 335/97 e a dispor dos registos de resíduos previstos no Decreto-Lei n.º 239/97. E concluiu, nesta parte, que «Porque qualquer um destes três elementos – documentos de transporte, guias de transporte de resíduos e registo de resíduos, são elaborados em mais do que uma via, ficando sempre uma delas na posse de terceiros, poderia sempre solicitar as cópias dos mesmos a essas entidades, se eventualmente os seus não lhe fosse possível apresentar, e assim comprovar a real e efetiva existência das operações». Ora, foi com base nesta passagem do parecer que serviu de base à decisão do recurso hierárquico que a Recorrente veio invocar a violação do princípio do inquisitório. Dizendo basicamente que, a ser assim, a administração tributária também teria forma de comprovar a materialidade das operações. E que, em tal circunstância, não poderia deixar de realizar a atividade investigatória respetiva e averiguar a verdade material. Porque isso lhe era imposto pelo artigo 58.º da Lei Geral Tributária. A M.mª Juiz a quo não lhe deu razão, por entender – se bem interpretamos – que a administração tributária realizou, no procedimento de inspeção, as diligências necessárias à descoberta da verdade material e que o dever respetivo, no âmbito dos procedimentos graciosos, deveria ter como ponto de partida os factos concretos e objetivos que a própria Recorrente tivesse avançado nos requerimentos respetivos com vista à confirmação da materialidade dessas operações. Factos que nunca ali invocou. Decidiu bem a M.mª Juiz. Vejamos porquê. Os serviços de inspeção tributária realizaram um conjunto muito alargado de iniciativas externas que representam um esforço instrutório significativo e que – como adiante veremos – seria suficiente e adequado à confirmação dos indícios recolhidos de que as operações em causa não ocorreram efetivamente. Iniciativas que passaram pela recolha dos escassos elementos contabilísticos disponíveis e em poder do técnico oficial de contas, mas também por ações de fiscalização cruzada junto dos emitentes das faturas em causa e imputados fornecedores do sujeito passivo, não olvidando iniciativas no terreno como percorrer todas as moradas constantes dos documentos conhecidos dos emitentes e estabelecer contactos com locais ou familiares, quando possível, ou de instituições públicas como o Centro Regional da Segurança Social do Norte e da Direção Geral dos Serviços Prisionais. Iniciativas de que o sócio gerente da Recorrente foi tendo paulatino conhecimento ao longo da fiscalização, a quem foi dada também a oportunidade de esclarecer ou complementar os respetivos resultados, mas (tanto quanto do relatório resulta) sem retorno significativo em dados novos ou que apontassem para outras diligências. E se os resultados da inspeção já continham os elementos necessários que indicavam, de forma sustentada e unívoca, que as operações em causa não tiveram lugar, não se lhes pode apontar omissão de diligência e deficit de instrução, com efeitos na validade das liquidações. É certo que diligências complementares junto do Instituto dos Resíduos ou outras entidades com competência para autorizar ou fiscalizar operações de gestão de resíduos poderiam, eventualmente, ajudar a confirmar ou infirmar as conclusões de que as operações não tiveram lugar. Não se trata, porém, de uma situação em que se sabe que os registos existem e contêm dados relevantes para a inspeção. Não há no relatório ou em qualquer outra parte alguma indicação de que as operações de transporte ou armazenamento dos materiais mencionados nessas faturas, a terem existido, foram declaradas e autorizadas por essas entidades. Não se trata também, de uma situação em que os serviços de inspeção tributária se deparam com dados contraditórios sobre a ocorrência dessas operações e se justificam, em concreto, diligências adicionais que reforcem uma das possíveis conclusões. Tanto quanto dos autos resulta, os dados obtidos são convergentes e não consta – nem tal foi alegado – que a administração tributária se tivesse deparado com outros. Não estamos, por isso, perante uma diligência necessária ou adequada para os efeitos dos artigos 58.º da Lei Geral Tributária e 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária. Estaremos, quando muito, perante mais uma diligência, a sobrepor às já realizadas e cuja utilidade não é abstratamente infirmável. Sendo que do princípio do inquisitório não resulta que a administração tributária tem o dever de ir tão longe quanto possível na instrução do procedimento e esgotar as diligências cuja relevância não possa ser a priori excluída. E a razão é evidente: a demanda pela completude instrutória implicaria um esforço moroso, oneroso, concentrado e desproporcionado, submetendo os contribuintes visados a um calvário sem fim de investigações e impedindo a alocação de recursos a outros contribuintes nas mesmas circunstâncias, o que acabaria por comprometer a eficiência da ação inspetiva, mas também introduzir desequilíbrios acentuados no tratamento dispensado a uns e a outros. Para além do mais, seria sempre um objetivo irrealizável: seria sempre possível idealizar mais alguma coisa que poderia ser feita para despistar erros na leitura ou avaliação dos factos. A conclusão de que não foi violado o princípio do inquisitório é ainda mais evidente na fase graciosa do procedimento. A iniciativa da reclamação graciosa e do recurso hierárquico cabe ao contribuinte, pelo que o objeto necessário do procedimento é condicionado pelo pedido formulado nos requerimentos respetivos e pelos seus fundamentos, como decorre do artigo 56.º da Lei Geral Tributária (neste sentido DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, in Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª edição, pág. 487). E em nenhum desses requerimentos, ao aludir aos contactos com os emitentes das faturas, ao carregamento dos materiais e ao pagamento dos valores faturados, a Recorrente anunciou a obtenção de alguma autorização de entidades públicas ou o preenchimento de documentos que tivessem sido entregues a terceiros. E nem agora, perante o Tribunal, fez semelhante afirmação, mesmo quando apontou a falta de tal diligência. E não seria por desconhecimento, uma vez que, tanto quanto da sua alegação resulta, era ela que «providenciava o carregamento daqueles materiais, fazendo deslocar uma equipa dos seus funcionários, nas suas próprias viaturas» (cit. artigo 22.º do recurso hierárquico). A Recorrente nunca chegou a dizer que essa diligência poderia ter alguma utilidade para a descoberta da verdade: limitou-se a apontar que essa utilidade resulta das palavras da administração tributária e a enfatizar a incongruência que ali pretende ter surpreendido. Procurando, assim, extrair o dividendo máximo, em via argumentativa, do facto de outrem se lhe ter referido. E não apelar, por essa via, à reposição da verdade material. Pelo que o recurso não merece provimento por aqui. 3.3. A Recorrente elege como segundo fundamento do recurso a violação das regras do ónus de prova vigentes para o procedimento tributário, em particular o artigo 74.º da Lei Geral Tributária, que atribui à administração o ónus de provar os factos constitutivos do direito à tributação. Assumindo a impossibilidade de fornecer à fiscalização os elementos que seriam necessários à verificação da materialidade das operações em causa e acomodando essa impossibilidade a um motivo que – sublinha – é justificado (o incendio das suas instalações), a Recorrente devolve aos serviços de inspeção tributária o dever de apurar a proveniência da mercadoria vendida ou de, em alternativa, se abster de pôr em causa a sua aquisição. Sem o que – conclui – se estará a fazer incidir sobre o sujeito passivo o ónus de prova de um facto negativo e a incorrer, assim, numa «ilegalidade de decisão». A este respeito, pode adiantar-se desde já que, no nosso sistema fiscal, a determinação do valor tributário faz-se preferencialmente com base nas declarações dos contribuintes e dos dados da sua contabilidade ou escrita, sendo-lhes, para o efeito, imputado um conjunto de deveres de declaração, de escrituração e de avaliação, bem como o dever de prestar os esclarecimentos que lhes forem solicitados pela administração tributária e que congregam o dever de colaboração a que alude o artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária. Desde que sejam apresentadas nos termos previstos na lei – e que, por conseguinte, os seus deveres para com a administração tributária sejam escrupulosamente cumpridos – as declarações e os dados da contabilidade ou escrita presumem-se verdadeiros, recaindo sobre a administração tributária o ónus de provar a falta de correspondência do seu teor com a realidade – n.º 1 do seu artigo 75.º. Esta presunção assenta precisamente na aparência de que o sujeito passivo, ao apresentar as declarações e organizar a sua escrita nos termos da lei, quer efetivamente colaborar com a administração tributária e que, por conseguinte, os dados correspondentes refletem a sua verdade fiscal. Quando, porém, o sujeito passivo não cumpre o ónus de declarar, escriturar ou documentar os factos fiscalmente relevantes, ou quando o faz de forma deficiente ou inadequada à verificação externa e diferida da sua situação tributária, a presunção a que acima aludimos não se verifica – n.º 2 do citado artigo 75.º. E, por conseguinte, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus de demonstrar a sua verdade fiscal e validar os elementos que declarou, de acordo com as regras gerais – n.º 1 do artigo 74.º da mesma Lei. No caso dos autos, é incontroverso que a Recorrente não apresentou aos serviços de inspeção tributária os elementos da sua contabilidade que permitissem comprovar o cumprimento dos deveres de escrituração e documentação fiscal. E que, por conseguinte, não estava em condições de assegurar a verificação dos dados declarados, nomeadamente os referentes aos custos declarados com a aquisição de produtos de sucata aos três indicados fornecedores. Mas a Recorrente contrapõe que isso se deveu a um «motivo justificado», o tal incêndio das suas instalações que consumiu toda a documentação contabilística. E (embora sem nunca o expressar claramente, é a consequência lógica da sua alegação) pretende assim que a falta de apresentação da documentação fiscal que decorra de tal motivo não elide a presunção de verdade dos dados declarados, a boa fé do declarante e o ânimo de colaborar com o fisco. E que, por conseguinte, continua a caber sobre a administração tributária o ónus de prova dos factos constitutivos do direito às correções, nomeadamente na parcela dos custos. No entanto, nunca a administração tributária assumiu que o incêndio em causa ocorreu por «motivo justificado» ou que justifica a falta de apresentação da documentação fiscal. De um lado, não consta que as causas do incêndio tenham sido apuradas e nem a Recorrente avançou com alguma justificação para a sua ocorrência. De outro lado, não consta que os Bombeiros Voluntários de Ovar tenham confirmado que o incêndio tivesse consumido totalmente ou inutilizado documentação fiscal ali existente e nem a Recorrente ofereceu prova alguma disso. O mais que se pode fazer é pressupor ou admitir que, na falta de outros dados, o incêndio teve causa desconhecida e que, tendo deflagrado no escritório, consumiu documentação de teor e relevância também desconhecidos. Por outro lado, a existência de «motivo justificado» para a falta de apresentação de documentação fiscal também não assegura a verdade e a boa fé dos dados declarados nem o acesso à presunção do n.º 1 do artigo 75.º citado. E não impede, assim, que o ónus de prova dos factos declarados à administração tributária recaia sobre quem os declara, de acordo com as regras gerais. Ou seja, não liberta o sujeito passivo do ónus da prova dos factos fiscalmente relevantes que declarou. Mal se compreenderia, de resto, que a lei fizesse recair sobre o sujeito passivo o dever de se documentar e de arquivar e conservar os documentos fiscalmente relevantes e sobre a administração tributária o risco do seu desaparecimento. Por isso, e quando se depara com a declarada impossibilidade de apresentar essa documentação, o sujeito passivo já não pode recolher-se a tal presunção e remeter para a administração tributária o ónus de demonstrar que os valores declarados não correspondem à realidade ou abster-se de tributar. Porque isso é que constituía uma verdadeira inversão do ónus de prova, na medida em que se atribuía a quem não praticou, não declarou, não escriturou e não documentou os factos com relevo tributário o ónus de demonstrar que esses factos não ocorreram. Mal se compreende, por isso, que a Recorrente se tivesse apresentado em juízo clamando que lhe estão a ser impostos valores incomportáveis e desajustados sem, todavia, dar um único passo no sentido de demonstrar a aderência à realidade dos valores declarados. Mal se compreende, também, que ignorasse na sua defesa os indicadores de facto recolhidos no relatório e enumerados na douta sentença recorrida ou atacar diretamente a sua valia para as conclusões respetivas, rematando com soberano distanciamento que são (meras) «considerações (acerca) da idoneidade dos fornecedores», que também nunca tentou defender. Mas o mais extraordinário é que se propusesse ainda elevar a fasquia e remeter para a administração tributária, não apenas o ónus de demonstrar que as operações em causa não ocorreram e que as mercadorias tituladas nas faturas não foram adquiridas, mas também o ónus de «apurar qual a proveniência da mercadoria vendida pela impugnante». Reclamando para si toda a compreensão e complacência pelo perecimento dos elementos que permitiriam reconstituir os fluxos de entrada e saída das mercadorias, não hesita em remeter para a administração tributária a tarefa de fazer autonomamente a reconstituição de que não é capaz, desafiando-a a recuperar integralmente a verdade consumida pelas chamas ou a abster-se de a pôr em causa. Posição que, não tendo respaldo algum nas regras do ónus probatório supra identificadas, também não se justificaria à luz do já referido princípio do inquisitório e do dever de descoberta da verdade material. É que não está indiciado nem vem alegado nenhum desfasamento entre os dados remanescentes declarados em custos e proveitos que reclamasse diligências adicionais para verificar se os demais custos são compatíveis com o valor dos proveitos. De todo o exposto decorre que não foram nem a administração tributária nem a M.mª Juiz a quo que interpretaram de forma errada as regras do ónus probatório aplicáveis. Mas também que a Recorrente não enquadrou devidamente os seus deveres, visto que não atentou que, na impossibilidade de apresentar aos serviços de inspeção tributária os principais elementos da sua contabilidade e demonstrar que se encontravam organizados nos termos previstos na lei, se acentua exponencialmente o dever de colaborar ativamente na demonstração dos custos declarados, fornecendo dados adicionais e externamente verificáveis que permitam a sua confirmação, sem o que não estará em condições se sustentar os seus valores e muito menos de remeter para a administração o ónus de os infirmar. Pelo que o recurso também não pode proceder nesta parte. 3.4. Prossegue a Recorrente quanto ao vício de falta de fundamentação, alegando que os factos que sustentam a liquidação impugnada não são claros nem suficientes para legitimar as conclusões da administração tributária. Não são claros, porque não contém um único facto suscetível de demonstrar que a Recorrente simulou negócios com o fito de se subtrair ao pagamento do imposto. Não são suficientes, porque não dizem respeito à Recorrente. A este respeito, importa começar por salientar que a questão de saber se os indícios recolhidos pela administração tributária são adequados a demonstrar a simulação ou suficientes para legitimar as conclusões extraídas pela administração tributária não contende com o vício da falta de fundamentação. Porque o problema não está, então, em saber se o destinatário do ato podia apreender os seus fundamentos e reconstituir o itinerário cognoscitivo do órgão decisor, mas em saber se o conteúdo desses fundamentos sustentam materialmente essa decisão. Tem, por isso, toda a razão a M.mª Juiz a quo quando diz que «a impugnante confunde de algum modo a fundamentação formal com a fundamentação substancial». Observação que, de resto, não mereceu retorno do lado da Recorrente, que se limitou a reeditar aqui a argumentação ali apresentada sem nada lhe contrapor. É certo, porém, que o juiz não está condicionado pelas alegações das partes no que ao enquadramento dos vícios diz respeito, como decorre do artigo 664.º do Código de Processo Civil. Pelo que, a despeito do enquadramento do vício alegado na falta de fundamentação, não está o tribunal dispensar de apreciar a questão contida na sua alegação. Pelo que a questão que, verdadeiramente aqui se coloca é a de saber se os indícios recolhidos pela administração tributária são insuficientes para sustentar as conclusões a que chegou e se, por conseguinte, ali se incorreu em erro sobre a suficiência dos pressupostos de facto da decisão. Ora, a primeira observação a fazer é que a dedutibilidade dos custos declarados nas faturas em causa não foi rejeitada pela administração tributária apenas por haver indícios de que as operações respetivas foram simuladas, mas também e desde logo porque «não foram apresentados informações e documentos, que permitissem averiguar a veracidade das operações constantes naquelas faturas de compra». Ou seja, a administração tributária concluiu que havia indícios de que as referidas operações não ocorreram e que a Recorrente não suportou os custos correspondentes, mas também que não havia maneira de os testar recorrendo aos elementos da sua contabilidade. Porque estes não lhes foram apresentados. E, como é sabido, só podem ser deduzidos custos que a empresa possa comprovar mediante o cumprimento das suas obrigações acessórias de escrituração e documentação. Alguma doutrina alude a este propósito de um princípio da documentação, que emana dos artigos 32.º do Código Comercial e 98.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e que visa, basicamente assegurar a verificabilidade externa do custo (vd. «A Quantificação da Obrigação Tributária, do Prof. José Luis Saldanha Sanches, pág. 242). É certo que o caso não seria de falta absoluta de documentação. Por mérito da administração tributária – que não se quedou na falta de apresentação dos documentos de suporte dos custos pela Recorrente e foi a terreno indagar o que lhe foi possível, dando assim efetiva execução ao princípio do inquisitório a que já fizemos referência e cujo incumprimento tinha sido suscitado a outro propósito – foi possível obter em fiscalização cruzada «cópias das faturas de compra de mercadorias contabilizadas». Mas é seguro que a verificabilidade do custo não é assegurada unicamente pelo conteúdo das faturas ou das suas cópias. Sobretudo quando existam fortes indícios de que os emitentes dessas faturas não «tinham capacidade instalada (de funcionamento: instalações e equipamentos) e financeira, para realizar as operações indicadas», relevam os demais elementos da contabilidade e documentos de suporte para verificar a congruência dos dados nelas mencionados e testar a sua veracidade. E se a Recorrente, por motivo fortuito, não está em condições de fornecer esses elementos, alargam-se substancialmente os seus deveres de colaboração, com o fornecimento de outros dados e elementos de natureza não contabilística, e que permitam à administração tributária fazer a sua confirmação externa. Ora, o que a administração tributária também alegou é que, para além de não terem sido apresentados documentos contabilísticos, também não foi fornecida outra informação comprovativa das operações. O sócio gerente da Recorrente, quando chamado a fornecer dados concretos sobre a sua realização, também não se lembrava do local onde os camiões carregaram a sucata e os pagamentos eram em dinheiro, porque os vendedores, invariavelmente, não aceitavam cheque. No caso de um deles, nem sequer se lembrava de o conhecer nem do modo como terão sido feitos os pagamentos. O problema nunca esteve só no fogo que consumiu os registos contabilísticos, mas também no facto de o sócio gerente da Recorrente ter apagado as operações do registo na sua memória. Daqui decorre também que não é verdade que os pressupostos de facto em que assentam as correções não lhe digam respeito: a falta de apresentação de informações e documentos, que permitissem averiguar a veracidade das operações constantes naquelas faturas de compra é um facto que lhe é diretamente imputável e que esteve diretamente na origem dessas correções. Sempre se dizendo que a fundamentação das correções não tem obrigatoriamente que assentar em elementos de facto que sejam diretamente imputáveis ao sujeito passivo. Podem as declarações e a contabilidade do sujeito passivo estarem devidamente organizadas e sem reparo algum e a fiscalização cruzada a outros contribuintes revelar indícios fundados de que os dados delas constantes não traduzem a verdade. Sendo que, em tais circunstâncias, a administração tributária tem o dever de fazer as correções devidas, como lhe é imposto, desde logo, pelo princípio da tributação do rendimento real. O que importa, por isso, é que esses indicadores sejam suficientemente consistentes e unívocos e que o sujeito passivo tenha tido a oportunidade de os rebater e de lhes contrapor dados adicionais e não o tenha feito. A última nota vai para a questão da simulação e de, alegadamente, de todo o relatório de fiscalização não se extrair um único facto suscetível de demonstrar que a Recorrente simulou negócios com o fito de se subtrair ao pagamento do imposto. Tem sido entendido pelos tribunais superiores que não é necessário que a administração tributária prove os pressupostos da simulação, sendo bastante a prova dos elementos indiciários que levem a concluir nesse sentido, isto é, indícios sérios e objetivos, que traduzam uma probabilidade elevada de as faturas em causa não corresponderem a operações reais (vd., por exemplo, o acórdão deste tribunal de 2005.09.29, disponível com o n.º 00415/04 in www.dgsi.pt). Pelo que a administração tributária não tem que demonstrar que a o sujeito passivo declarou uma aquisição de conluio com o vendedor com o intuito de enganar o fisco, mas apenas que recolher indícios consistentes de que a aquisição declarada pelo sujeito passivo não se verificou e que daí deriva prejuízo para o fisco. Sendo que, no caso, a consistência dos indicadores recolhidos na fiscalização cruzada aos indicados fornecedores da Recorrente, indicadores esses que foram exaustivamente elencados na douta sentença recorrida, nem foi posta em causa em via de recurso, onde nunca se lhes referiu concretamente. Que, por isso, também não pode merecer provimento nesta parte. 3.5. O quarto e último fundamento do recurso é o erro na avaliação dos factos apurados em audiência de julgamento. Aqui, já não está em causa saber se a administração reuniu indicadores suficientes de que as operações tituladas nas faturas não ocorreram, mas de o tribunal recorrido valorou erradamente os indicadores que, do seu lado, a Recorrente apresentou em julgamento e destinadas a infirmar as conclusões da administração tributária. É que a Recorrente veio dizer também que demonstrou em julgamento, material e financeiramente, a veracidade das operações. E que, por conseguinte, os indicadores do relatório foram infirmados por essa demonstração. Demonstrou materialmente «porque a mercadoria foi adquirida, transportada, descarregada e armazenada nas instalações da legal representante da impugnante, fazendo-se, assim, a prova que a emissão das faturas em apreço resultou de um conjunto de operações realizadas entre as partes». Demonstrou financeiramente porque «todas as faturas foram objeto de pagamento, sendo sempre liquidadas nos diversos locais onde se processavam os carregamentos dos materiais constantes daquelas». Importa salientar, em primeiro lugar, que na douta sentença não foi dado como provado nenhum facto de que derivasse a aquisição, o transporte, a descarga, o armazenamento ou o pagamento das mercadorias em causa. E que a Recorrente também não impugnou a decisão de facto na sentença recorrida ou requereu ao tribunal de recurso que fosse aditado algum facto que tivesse alegado e provado em julgamento a este respeito. E como tal demonstração carecia inelutavelmente de factos concretos que a pudessem consubstanciar, podemos adiantar desde já que do seu anúncio nunca poderiam derivar resultados práticos para a sua pretensão. Acrescente-se que a M.mª Juiz nunca poderia ter dado como provados tais factos. Porque nunca foram alegados. Depois de anunciar – também ali – que ia demonstrar a materialidade das operações, a ora Recorrente conseguiu a proeza - nos artigos 143.º e seguintes da douta petição inicial – de fazer afirmações sobre o modo como os negócios eram processados sem nunca se descair a fornecer um único dado concreto sobre nenhum deles. Afirmou que havia negociação sem nunca dizer entre quem, de que modo, aonde e como. Que era fixado o preço, sem nunca referir como era calculado e com base em quê. Que providenciava o transporte nas suas viaturas sem nunca identificar nenhuma, nomeadamente que tivesse transportado a mercadoria em causa. Que ia uma equipa dos seus funcionários que também não identificou, nem um para exemplo. E onde é que iam também não se sabe, porque nenhum local foi referido (apesar de, como diz, ser previamente fixado). Do pagamento, disse que eram os seus funcionários que contactavam os fornecedores para o fazer. Mas não disse de onde saía, como era feito o contacto, como era transportado (tendo em conta que, segundo o que foi adiantado à administração, eram quantias avultadas em dinheiro) onde era conferido, como era comprovado. Nenhum elemento para amostra que pudesse ser confirmado por alguém ou de algum modo. Razão porque, naturalmente, também não ofereceu prova nenhuma. Ora, o que a Recorrente fez nas doutas alegações de recurso foi apenas renovar este discurso argumentativo, nos mesmos termos já ali utilizados e, por conseguinte, com a mesma vacuidade de dados de suporte. Pelo que o recurso não merece provimento. 4. Conclusões Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso. Custas pela Recorrente. Porto, 15 de Fevereiro de 2013 Ass. Nuno Bastos Ass. Irene Neves Ass. Pedro Marques |