Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01950/05.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/07/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Vital Lopes
Descritores:SISA
MÉTODOS DIRECTOS
MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:1. Uma coisa são os elementos de suporte à decisão de não-aceitação do método declarativo na determinação da matéria tributável do imposto (art.º75.º, n.º1 e 2 alínea a), da LGT); outra, a escolha do alternativo método correctivo para o apuramento dessa matéria tributável (art.º85.º, n.º1, 87.º, alínea b) e 88.º, da LGT);
2. A recolha pela AT de indicadores seguros de que o valor declarado de transacção de um imóvel é inferior ao convencionado só determina a quantificação da matéria colectável da sisa através de correcções técnicas caso quando hajam elementos certos em que se possa ancorar a realidade do preço convencionado (seja a existência de um contrato promessa de valor superior ao declarado, seja a existência, a par de um contrato promessa de valor correspondente ao declarado, de um contrato de prestação de serviços em que se pudesse afirmar o desdobramento do preço, seja pagamentos ao vendedor de montante superior ao declarado, seja ainda a comunicação do vendedor no âmbito das suas obrigações declarativas ou de cooperação com a AT, de que o preço escriturado foi, no caso concreto, inferior ao convencionado).
3. Tal não é o caso se a AT quantifica a matéria colectável com base em valores médios ou tomando como referência o valor de comercialização que apurou relativamente à transacção de uma outra fracção do mesmo empreendimento de tipologia e área idênticas à do impugnante e que nem sequer corresponde ao declarado pelo comprador daquela outra fracção.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO
A Exma. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A... contra a liquidação adicional de Sisa do ano de 2001 no valor de 5.985,57€.
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.185).
Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:
A. . A douta sentença de que se recorre considerou procedente a acção de impugnação e ordenou a anulação da liquidação adicional de sisa com base no entendimento que o acto padece de insuficiência instrutória e é ilegal pois a Administração Tributária não logrou recolher indícios suficientes de que o valor da transacção ascendeu a € 299.278,74.

B. A sentença considerou no ponto II como questões a decidir, e segundo esta ordem, a prescrição da obrigação tributária, erro na determinação da matéria colectável e omissão do direito de audição.

C. Com o assim decidido, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública, conformar-se, existindo nulidade da sentença, por (i) a decisão recorrida se pronunciou expressamente sobre questão que não devia conhecer em violação do disposto nos artigos 125.º, n.º 1 do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC), e por (ii) oposição dos fundamentos com a decisão, em violação do disposto no art.º 125º do CPPT e na al. d) do n.º 1 do art.º 668 do CPC,

D. e erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, na medida em que o douto tribunal valora erradamente os elementos de prova coligidos pela AT e não valora o ónus de prova que recai sobre o impugnante.

E. A douta sentença excedeu-se na sua pronúncia, pois a sua decisão apreciou questões que não foram colocadas, nem sequer de forma superficial, pelo impugnante, em violação, portanto, do disposto nos artigos 125.º, n.º 1 do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

F. O vício de excesso de pronúncia ocorre sempre que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes (excluídas aquelas questões que são de conhecimento oficioso).

G. Assim, o tribunal a quo firma a sua decisão na insuficiência instrutória do acto tributário, na convicção de que a AT não logrou recolher indícios suficientes de que o valor real da transacção ascendeu a € 299.278,74.

H. Ora, percorrendo a petição inicial de impugnação não se vislumbra, em momento nenhum, a invocação de insuficiência instrutória, e muito menos nos termos em que o douto tribunal recorrido a moldou, mas sim e tão só a apelada errónea quantificação da matéria tributável.

I. O impugnante alega ainda na sua PI que não concorda com a fundamentação do acto de liquidação, reputando que foi utilizado um método indirecto e subjectivo, não lhe reconhecendo rigor técnico ou científico.

J. Isto é, o impugnante, mais uma vez, não discute, ou pretende discutir, a deficiente instrução do acto de tributário liquidação, pugnando apenas pela discordância da sua fundamentação substancial nos precisos pontos em que refere que o método utilizado pela AT para achar o valor da transacção é um método indirecto e subjectivo, e que o real valor da transacção corresponde ao valor por si declarado na escritura de compra e venda.

K. Na sua apreciação, o douto tribunal, após dar como certo que o valor declarado não corresponde ao valor real, que na determinação da matéria colectável não houve recurso a métodos indirectos e que o preço real é superior ao preço declarado,

L. acrescenta contudo, e com isso fundamenta a procedência da impugnação, que os indícios recolhidos pela AT permitiam apenas concluir que o valor declarado era inferior ao real, mas não permitiam concluir que o valor real era igual a € 299.278,74.

M. Assim, é evidente que a decisão, neste segmento, não se ficando pela caracterização do critério utilizado e adequada justificação da correcção, que confirma (“…resta concluir que a AT não recorreu a métodos indirectos para o apuramento da matéria colectável em sede de sisa.”), mas apreciando o exacto valor determinado pela AT, foi além do que lhe foi pedido pelo impugnante, devendo, por tal vício, ser declarada nula.

N. Caso o douto tribunal de recurso assim não entender, sempre a decisão do tribunal recorrido deverá ser nula por oposição dos fundamentos com o que foi decidido, em violação do disposto no art.º 125º do CPPT e na al. d) do n.º 1 do art.º 668 do CPC.

O. Assim, num primeiro momento, a douta sentença afirma que a correcção efectuada pela AT é uma correcção técnica, assente em elementos de facto concretos, reconhece que “(…) a AT recolheu um conjunto de dados com base nos quais concluiu que os preços declarados pela entidade inspeccionada aquando da celebração da escritura pública de compra e venda das fracções que adquiriu não correspondem aos valores convencionados”,

P. que “(…) in casu a AT não ficou impedida de apurar a matéria tributável de forma directa, bastando-lhe acrescer à matéria colectável, isto é, ao valor que foi declarado para efeitos de sisa, a diferença entre o valor que apurou como tendo sido o efectivamente convencionado e o valor declarado”,

Q. acrescentando ainda que “ (…) estamos perante um resultado ancorado em elementos de facto concretos (…)”.

R. Num segundo momento, e em viragem completa de discurso fundamentador e raciocínio, o tribunal recorrido considerou que, e é neste facto que sustenta a sua decisão, a AT não logrou recolher indícios suficientes de que o valor real da transacção ascendeu a € 299.278,74.

S. Ora, tal ilação é no mínimo contraditória com as considerações que a antecedem, pois se, por um lado julga que a correcção assenta em facto concretos e assentes, por outro, remata que esses factos concretos não são suficientes para a afirmação de que o valor real foi o apurado pela AT e não um outro qualquer (sendo certo, no entanto, que o valor declarado pelo impugnante é que não é real!).

T. Assim, a fundamentação do tribunal não poderia conduzir ao resultado expresso na decisão, mas sim a um resultado oposto,

U. pois, reconhecendo o tribunal recorrido, e bem, que a AT recorreu ao apuramento da matéria tributável de uma forma directa,

V. que a AT logrou indícios suficientes e ponderosos de que o valor declarado não corresponde ao valor real, nomeadamente pelos factos que apurou no decorrer do procedimento de inspecção e que o douto tribunal compila na sentença, corroborando a constatação final de que os preços de comercialização das fracções se encontravam pré-definidos e que o preço para o tipo de habitação do impugnante era de € 299.278,74,

W. a impugnação só poderia estar votada ao seu insucesso, pelo que a sentença é nula por violação do disposto no art.º 125º do CPPT e na al. d) do n.º 1 do art.º 668 do CPC.

X. Sem prescindir e caso o douto tribunal ad quem entender que a sentença recorrida não padece do vício de excesso de pronúncia e/ou de contradição entre a fundamentação e a decisão, sempre aquela decisão estará inquinada por erro de julgamento, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito.

Y. No concernente ao erro de julgamento quanto à matéria de facto, conclui-se, com facilidade, que o douto tribunal recorrido fez uma valoração errada da fundamentação/prova carreada pela AT e que se encontra vertida no relatório de inspecção tributária,

Z. o que o levou a asseverar que a AT se limitou a relevar o valor de € 299.278,74 como sendo o preço pelo qual eram comercializadas fracções idênticas à do impugnante.

AA. Aliás, a própria sentença a quo incorre no vício que iliba a correcção efectuada, porquanto ao relevar as percentagens que supostamente seriam praticadas no desdobramento dos contratos faz uso de raciocínios típicos de métodos indirectos de avaliação da matéria colectável.

BB. Ora, a Fazenda Pública não pode partilhar de tal entendimento, na medida em que a AT fundamenta devidamente a correcção operada.

CC. Resulta do relatório de inspecção, de forma clara, que a AT reuniu um conjunto de factos índices, suficientes e sérios, que lhe permitiu alicerçar o exercício do poder correctivo e da consequente liquidação adicional.

DD. A título de exemplo, a AT pode verificar que a vendedora do imóvel admitiu, no âmbito de processo judicial – Acção ordinária n.º 463/00, que correu termos na 1ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia - que o preço dos apartamentos é habitualmente desdobrado em dois contratos, sendo a parte do preço mencionado no contrato promessa de compra e venda (80% do valor total a pagar),

EE. e a parte restante num contrato de prestação de serviços (20% do valor real),

FF. tendo ficado provado naquela acção judicial que o preço dos apartamentos do “Edifício M...” é habitualmente desdobrado em dois contratos, sendo parte do preço mencionado no contrato promessa de compra e venda e a restante num contrato de prestação de serviços.

GG. Verificou ainda a AT que, as fracções do "Edifício M...", correspondentes a habitações, foram comercializadas a um preço médio de 323 contos por metro quadrado e não pelo valor que foi declarado pelo impugnante, ou seja, por 229 contos o metro quadrado.

HH. Ou seja, a AT considerou um conceito de média que é determinado a posteriori, depois de feita a comercialização, mas deu preferência à consideração que a comercialização das fracções foi feita na observância de um preço pré determinado.

II. E apurou também que uma habitação de tipologia T3 naquele empreendimento, com a área de 120,00 m2, foi vendida pelo preço de 38.000 contos e que a habitação do impugnante, de tipologia T4, com 179,00 m2, foi vendida pelo preço de 41.000 contos,

JJ. demarcando, assim, a AT a diferença mínima de preço de venda entre aquelas duas habitações de tipologias e áreas bem diferentes.

KK. E a AT, após a análise de vários casos de comercialização de habitações no empreendimento da localização da habitação do impugnante, verificou, ainda, que uma habitação em tudo idêntica à fracção adquirida pelo impugnante (tipologia T4, com 179 m2) foi comercializada pelo preço de 53.000 contos (tendo o impugnante pago o valor de 41.000 contos).

LL. Assim, partindo a AT de um conjunto de indícios que comprovadamente asseguravam que os valores convencionados de venda eram diferentes (para mais) dos valores declarados,

MM. e tendo conhecimento de situações em que, estando em causa a comercialização de habitações em tudo idênticas à do impugnante, quer em termos de tipologia, quer de área, o valor de venda foi de 53.000 contos,

NN. reconheceu que o preço adoptado para a comercialização de habitações com as características da adquirida impugnante foi o referido e reconhecido pelos outros adquirentes e não um outro qualquer.

OO. A este respeito, a frustrada tentativa de obtenção de elementos de um segundo contrato, a que a sentença dá relevo em prejuízo de todos os demais elementos reunidos, não parece reduzir a valia dos demais indicadores como evidências de simulação,

PP. e em especial o conhecimento do preço definido para fracções do tipo das adquiridas como apoio da fixação do valor real de aquisição das fracções por parte do impugnante em € 299.278,74, dado mais fortemente conclusivo em relação aos indícios atinentes aos preços médios apurados.

QQ. Diz o douto tribunal a quo que a AT não logrou demonstrar cabalmente a impossibilidade de aceder aos demais elementos que lhe permitissem justificar o valor por si alcançado como sendo o valor real da transacção.

RR. Ora, da consulta aos autos, nomeadamente ao relatório de inspecção, não é isso que resulta.

SS. Assim, é transparente que a AT tentou socorrer-se de outros elementos que, a existir, estariam na posse do impugnante, nomeadamente cópia do contrato de prestação de serviços e do contrato de compra e venda que redefiniu o plano de pagamentos, e que tal ambição resultou inglória, pois o impugnante não deu cumprimento à solicitação de elementos pela AT,

TT. nem tão pouco soube justificar a diferença de valores constante no contrato promessa conhecido da AT e na escritura de compra e venda.

UU. Para que o contribuinte goze da presunção legal de verdade é necessário que cumpra a obrigação de prestar esclarecimentos à AT, dever que, como bom de ver, o impugnante não quis cumprir

VV. Ao até aqui dito, acresce que o douto tribunal incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, por errada interpretação do disposto no art.º 74º da LGT.

WW. A AT deu cabal cumprimento à sua obrigação de provar os factos constitutivos do seu direito de tributar, factos que foram expostos na sua fundamentação.

XX. Competia, então, ao impugnante provar que o preço de aquisição fora o declarado no respectivo contrato de compra e venda, e isso só poderia provar-se, em nosso entender, caso aquele demonstrasse, como era seu ónus - cfr artº 74º da LGT - que a vendedora, no seu caso especifico, tinha estabelecido o preço de 41.000 contos para a sua habitação,

YY. valor este que, como vimos, ficava muito aquém daquele que a vendedora praticava para habitações com as mesmas características da adquirida pelo impugnante.

ZZ. Aliás, em parte alguma da petição de impugnação, o impetrante consegue fazer tremer a prova recolhida pela AT, inspirando dúvidas ao douto tribunal sobre a quantificação do facto tributário.

AAA. Assim, o douto tribunal, à revelia do ónus da prova que pendia sobre o impugnante, considerou que a AT não logrou recolher indícios suficientes de qual o valor real da transacção.


Termos em que,

deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência ser declarada a nulidade da sentença.

Sem prescindir nem conceder,

Deve a mesma seja revogada, julgando-se procedente o recurso interposto».

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal apôs seu “visto”.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1, do CPC), são estas as questões que importa resolver: (i) se a sentença padece de nulidade por pronúncia indevida e por oposição dos fundamentos com a decisão; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto na valoração da prova e erro de direito, na interpretação e aplicação das regras legais do ónus da prova.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Deixou-se consignado na sentença recorrida em sede factual:

1. A 04/04/2001 o Impugnante pagou a sisa devida pela aquisição das fracções autónomas “AM”, destinada a habitação, no terceiro andar e “DG”, correspondente a garagem na primeira cave, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no Porto, na Rua…, freguesia de Lordelo do Ouro, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número… de Lordelo do Ouro, com o título constitutivo de propriedade horizontal registado pela inscrição F-apresentação quarenta e oito de sete de Janeiro de dois mil, omisso na matriz, tendo por base o valor de aquisição declarado de 41.000.000$00 quanto à fracção AM e 7.000.000$00 quanto à fracção DG - Cfr. conhecimento de SISA n.º 324, emitido em 04/04/2001, pelo Serviço de Finanças do Porto – 6, referenciado no processo administrativo apenso aos autos.
2. Por escritura de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” lavrada em 30/04/2001 no 8.º Cartório Notarial do Porto e exarada de fls. 91 a fls. 93 verso do livro de notas para escrituras diversas número 203-B do mesmo Cartório Notarial, F…, como procurador outorga em representação da sociedade “B…, S.A., com sede em Vila do Conde, declarou vender ao ora Impugnante e este declarou comprar pelo preço global de 48.000.000$00, “as fracções autónomas seguintes: a) Fracção autónoma designada pelas letras “AM” correspondente a uma habitação T4, no terceiro andar (…) pelo preço de quarenta e um milhões de escudos; b) Fracção autónoma designada pelas letras “DG”, correspondente a garagem na primeira cave (…), pelo preço de sete milhões de escudos.
Que as referidas fracções autónomas fazem parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua…, freguesia de Lordelo do Ouro, concelho do Porto, omisso na matriz mas feita a participação para a sua inscrição em trinta de Novembro de mil novecentos e noventa e nove, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número… da freguesia de Lordelo do Ouro, com a propriedade horizontal registada pela inscrição F, apresentação quarenta e oito, de sete de Janeiro de dois mil. (…)”– cfr. doc. de fls. 52 a 58 do p.a. apenso aos autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
3. Na sequência de acção inspectiva realizada à sociedade B…, S.A., com sede em Vila do Conde, e em cumprimento da ordem de serviço n.º 38692, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto elaboraram em 6.11.2002, relatório de fiscalização, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual, além do mais, consta o seguinte:
“[...]

[...]
- imagens omissas -
[...]”
- cfr. doc. de fls. 36 a 135 dos autos.
4. Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto realizaram procedimento interno de inspecção com n.º 32108 ao Impugnante, na sequência do qual elaboraram em 20/10/2004, o relatório final de fiscalização, que aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. doc. de fls. 19 a 32. do processo administrativo apenso aos autos.
5. Em 26/10/2004, o Impugnante foi notificado do Resultado de Inspecção Tributária, das correcções propostas e, bem assim, do conteúdo do relatório referido no ponto anterior. - cfr. doc. de fls. 18 e ss. do processo administrativo apenso aos autos.
6. Na sequência do exercício de audição prévia pelo Impugnante, em 07/10/2005 – cfr. fls. 45 do p.a. - foi emitida pela Direcção de Finanças do Porto, informação/ esclarecimento com o seguinte teor:

“(…) o valor objecto do referido desdobramento é o preço global acordado com os adquirentes, preço esse que, por regra, corresponde à aquisição de um apartamento e de uma garagem. Assim sendo, é irrelevante uma eventual coincidência entre o preço efectivo e o preço declarado de uma das fracções consideradas isoladamente. (…)
Independentemente da descrição efectuada no “Projecto de Correcções” corresponder, ou não, ao estado actual da habitação do senhor A…, tal divergência, a existir, só seria relevante na medida em que influenciasse o preço acordado, o que não está demonstrado na exposição do senhor A.... (…)
Feita a correcção de datas, 30 de Fevereiro de 1999 para 30 de Maio de 1999, o que daí decorre é alteração da magnitude do espaço de tempo aí referido, ou seja, não seriam quinze dias, mas antes três meses e meio. Parece-nos a nós que a redefinição do período não afecta significativamente a conclusão extraída. Esta poderia ser posta em questão se o senhor A..., em vez de se referir ao acessório, esclarecesse o essencial. Assim, parece-nos bem mais importante que, tendo ficado expresso no “Projecto de Correcções” que o senhor A... se dispensou de indicar, ainda que de forma aproximada, o momento em que teria acordado a redefinição do preço e do plano de pagamento, o referido senhor se volte a eximir de esclarecer o que já antes não havia esclarecido. Também nos parece bem mais importante que, tendo ficado expresso no “Projecto de Correcções” que foi solicitado ao senhor A... a remessa do contrato promessa de compra e venda que substituiu o inicialmente acordado ou do documento que formalizou o acordo que redefiniu o plano de pagamentos e o preço do imóvel que adquiriu, o referido senhor se volte a dispensar de remeter o documento que terá formalizado tal acordo, cuja importância é por demais óbvia. (…)
Afinal o aludido desconto decorria da “falta de alguns espaços previstos no projecto”, espaços esses que não identifica. Concerteza que quando o senhor A... se refere a “falta de alguns espaços previstos no projecto” quererá dizer a alteração desses espaços, uma vez que não é crível que a empresa vendedora tenha construído uma habitação particularmente reduzida para o senhor A....
Sendo então a razão do desconto a “falta de alguns espaços previstos no projecto”, fica por explicar a desconformidade entre os pagamentos identificados pelo senhor A... e o calendário previsto no contrato promessa de compra e venda, desconformidade essa que começou por ser explicada pela antecipação de pagamentos. A menos que explique tudo. Então seria: o senhor A... pagaria a totalidade do preço antes da escritura, o preço inicialmente acordado seria reduzido sem que houvesse um compromisso escrito para tal, e, por fim, na habitação entregue ao senhor A... faltariam alguns espaços previstos no projecto. A inverosimilhança da situação é por demais evidente. (…)” – cfr. fls. 64 a 71 do processo administrativo, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
7. Com base no relatório a que se alude em 4. supra, por ofício n.º 45564, datado de 05/11/2004, o Impugnante foi notificado pelo Serviço de Finanças do Porto – 6 para “pagar a sisa que é devida na importância de 5.985,57€ acrescido do imposto de selo no montante de 478,85€, juros compensatórios 1.487,70€ e de coima no montante de 448,92€”. – cfr. docs. de fls. 12 a 13 verso do processo administrativo apenso aos autos.
8. Em 18/02/2005, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3182200501003461, com vista à cobrança de imposto de SISA no montante de €5.985,57, referente ao ano de 2001, acrescido de juros compensatórios no montante de €1.487,70, de coima no valor de €448,92 e de imposto de selo no valor de €478,85 – cfr. processo executivo apenso aos autos.
9. No âmbito deste processo de execução fiscal foi apresentada a garantia bancária n.º 36230484086619, no montante de €11.891,00, em 20/12/2006 – cfr. fls. 25 do processo executivo apenso aos autos.
10. Em 11/03/2005, o ora impugnante deduziu reclamação graciosa versando esta mesma liquidação adicional de SISA – cfr. processo de reclamação apenso aos autos.
11. Em 15/10/2008, o aqui impugnante foi notificado para exercer o seu direito de audição prévia no âmbito do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. fls. 34 a 37 do processo de reclamação apenso.
12. A reclamação graciosa não chegou a ser objecto de decisão final.
13. Em 01/09/2005, o impugnante apresentou a presente impugnação judicial no serviço de finanças do Porto – 6 – cfr. carimbo aposto no rosto da petição inicial a fls. 2 do processo físico.
14. Em 27/11/2009, foi suspenso o processo de execução fiscal – cfr. fls. 30 a 32 do processo executivo apenso aos autos.

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos, do processo administrativo, do processo de reclamação e do processo de execução fiscal apensos constam, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Invoca a Recorrente, nulidade da sentença por excesso de pronúncia e por contradição dos fundamentos com a decisão. Vejamos se a sentença padece de tais vícios.

Como a doutrina e a jurisprudência o têm salientado, as causas de nulidade da sentença são taxativas e estão limitadas ao disposto no n.º1 do art.º668.º, do CPC (actual 615.º).
Em processo tributário e na linha do disposto no n.º1 do art.º668.º do CPC, as causas de nulidade da sentença estão enunciadas no art.º125.º do CPPT, nelas se incluindo a “oposição dos fundamentos com a decisão” e a pronúncia do juiz “sobre questões que não deva conhecer”.

A Recorrente começa por invocar nulidade por pronúncia indevida, em violação do disposto n art.º668.º, n.º1 alínea d), do CPC. Vejamos se ocorre tal vício na sentença recorrida.

A sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão ou de um excesso de pronúncia. Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no art.º660.º, n.º2 do CPC (actual 608.º, n.º2), o qual consiste, por um lado, no dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de conhecimento oficioso.

O excesso de pronúncia pressupõe, pois, que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Dito de outro modo, haverá excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.

Porém, como se afirmou no acórdão do TCA Sul de 31/10/2013, tirado no proc.º06832//13: “No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra, os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr. Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37)”.

Correspectivamente, o excesso de pronúncia só se verifica quando o tribunal conhecer de questão que, não sendo do conhecimento oficioso, não lhe tenha sido colocada pelas partes e já não quando o tribunal, na apreciação das questões suscitadas pelas partes, tenha utilizado argumentos, razões ou fundamentos diversos dos invocados pelas partes.

Regressando aos autos, sustenta a Recorrente, nuclearmente, que o impugnante na petição inicial não invocou, nem pretendia discutir, a deficiente instrução do acto de liquidação, mas apenas e só expressar discordância com o método utilizado pela AT para achar o valor da transacção, a seu ver, um método indirecto e subjectivo, e que o real valor da transacção corresponde ao valor por ele, impugnante, declarado na escritura de compra e venda; a sentença, por seu lado, desviando-se dessa questão, «…assentou a decisão na insuficiência instrutória do acto tributário, na convicção de que a AT não logrou recolher indícios suficientes de que o valor real da transacção ascendeu a €299.278,74».

Compulsada a p.i., verifica-se que o impugnante pretendia, de facto, discutir a quantificação da matéria colectável com recurso à avaliação indirecta.

A sentença, é certo, concluiu não ter havido recurso à avaliação indirecta, estando em causa correcções de natureza técnica.

Mas a verdadeira questão dos autos é a quantificação da matéria colectável da sisa em valor superior ao declarado, sustentando o impugnante que a correcção foi feita por método «indirecto e subjectivo» (artigo 18 da p.i.) e a sentença que se tratou de correcção técnica.

Se a sentença, afastando-se das razões ou argumentos do impugnante quanto à utilização de métodos indirectos nessa quantificação, por a seu ver estarem em causa correcções de natureza técnica, vem depois a concluir que embora havendo indícios seguros de que o valor declarado da transacção é inferior ao real, não há elementos que apontem para o valor da matéria colectável a que chegou a AT na lógica das correcções técnicas ou por via directa, consubstanciando tal falta de elementos deficit instrutório e ilegalidade do acto tributário, não está a incorrer em excesso de pronúncia, uma vez que não se desvia da questão controvertida da quantificação, não obstante dar razão ao impugnante com fundamentos jurídicos diversos do que ele alegara na petição inicial.

Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do direito, como decorre do disposto no art.º664.º do CPC (actual art.º5.º, n.º3).

Ou seja, contrariamente ao que sucede relativamente à matéria de facto, em que os poderes do tribunal se encontram, em regra limitados pela factualidade essencial alegada pelas partes, em sede da matéria de direito o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza da mais ampla liberdade na aplicação do Direito – vd. Ac. STA, de 05/06/2013, tirado no proc.º0433/13.

A nosso ver, e perante o que fica exposto, ao alegar que a sentença não conheceu da questão suscitada pelo impugnante, mas de uma outra que não foi suscitada, a Recorrente, salvo o devido respeito, confunde argumentos e razões com questões (no caso, da quantificação da matéria colectável), pelo que não pode proceder a arguida nulidade da sentença por pronúncia indevida.

Outrossim, invoca a Recorrente nulidade da sentença consubstanciada na contradição dos fundamentos com a decisão.

Para que a sentença padeça de tal nulidade é necessário que exista um vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído.

Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 686, no sentido de delimitar o conceito, face ao disposto no artº668º do Código de Processo Civil (actual artº615º), salienta que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”. No mesmo sentido, pode ver-se o Ac. do S.T.J., de 26/09/2012, proferido no proc.º14127/08.7TDPRT.P1.S1.

Na jurisprudência do S.T.J. tem-se entendido que, «A nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão – art.º668.º, n.º 1, al. c), do CPC –, verifica-se, apenas, quando ocorre um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância da fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente. Dito de outro modo, quando a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário). Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar. Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica» - vd. Ac. do S.T.J., de 02/12/2013, tirado no proc.º110/2000.L1.S1.

No caso em apreciação pode adiantar-se já, não vislumbramos que a decisão do tribunal a quo padeça da nulidade em causa.

Sustenta a Recorrente que existe contradição entre os fundamentos e a decisão porquanto, e por um lado, num primeiro momento, a sentença «afirma que a correcção efectuada pela AT é uma correcção técnica, assente em elementos de facto concretos, reconhece que “(…) a AT recolheu um conjunto de dados com base nos quais concluiu que os preços declarados pela entidade inspeccionada aquando da celebração da escritura pública de compra e venda das fracções que adquiriu não correspondem aos valores convencionados”, que “(…) in casu a AT não ficou impedida de apurar a matéria tributável de forma directa, bastando-lhe acrescer à matéria colectável, isto é, ao valor que foi declarado para efeitos de sisa, a diferença entre o valor que apurou como tendo sido o efectivamente convencionado e o valor declarado”,
acrescentando ainda que “ (…) estamos perante um resultado ancorado em elementos de facto concretos (…)”, e, por outro, «Num segundo momento, e em viragem completa de discurso fundamentador e raciocínio, o tribunal recorrido considerou que, e é neste facto que sustenta a sua decisão, a AT não logrou recolher indícios suficientes de que o valor real da transacção ascendeu a € 299.278,74».

Ora, afirmar a sentença, por um lado, que se está perante correcções técnicas e não com recurso a métodos indirectos (como sustentava o impugnante), com base nos factos que a AT enuncia como pressuposto da decisão correctiva, não entra em contradição lógica com a conclusão, a que depois chegou para julgar a impugnação procedente, de que a AT para efeitos de quantificação da obrigação tributária em falta não logrou obter indícios suficientes de que o valor real da transacção ascendeu a 299.278,74€.

Como se refere noutro passo da sentença recorrida, de modo elucidativo quanto ao raciocínio seguido, bem ou mal não importa agora, «Temos que concluir, por isso, que a AT trouxe ao relatório indicadores suficientes de que o preço declarado não corresponde ao real.
Mas esta conclusão só por si não é suficiente, pois que a AT tem que demonstrar todos os pressupostos das correcções por si efectuadas. Isto é, importa aferir se os indícios recolhidos permitiam à AT concluir não apenas que o valor declarado era inferior ao real, mas também que o valor real era igual a € 299.278,74».

Com pertinência se salienta no Ac. do STA, Pleno, de 17/03/1992, rec.º017017 que, «A contradição entre fundamentos e a decisão, estabelecida na alínea c) do n.º1 do art.º668.º do C.P.C., refere-se aos fundamentos estabelecidos e utilizados na sentença, não aos que resultam do processo».

Poder-se-á estar, no caso, perante eventuais contradições entre fundamentos factuais e jurídicos da decisão, mas tal não integra nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão, reconduzindo-se a eventual erro de julgamento – cf. Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, Vislis, 4.ª ed., 2003, pág.564/565, que a Recorrente também invoca e a seu tempo se apreciará.

Improcede também a arguida nulidade da sentença por contradição dos fundamentos com a decisão.

Quanto ao erro de julgamento.

Como decorre dos autos e do probatório, por escritura de 30/04/2001, o impugnante adquiriu à “B…, S.A.”, pelo preço declarado de quarenta e oito milhões de escudos, as fracções autónomas seguintes: “a) Fracção autónoma designada pelas letras “AM”, correspondente a uma habitação T 4 no terceiro andar, com varanda, com entrada pelo n.º218 da Rua…, omissa na matriz, pelo preço de quarenta e um milhões de escudos; b) Fracção autónoma designada pelas letras “DG”, correspondente a uma garagem na 1.ª cave com entrada pelos n.ºs 112/246 da Rua…, omissa na matriz, pelo preço de sete milhões de escudos” (cf. fls.53 do apenso administrativo).

No seguimento de uma acção inspectiva a que o impugnante foi sujeito, de âmbito parcial incidente sobre o Imposto Municipal de Sisa e Imposto de Selo e referenciada ao ano de 2001, concluiu a AT que o preço declarado da transacção era inferior ao real e corrigiu a diferença, nos termos do disposto no art.º19.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre as Sucessões e Doações, porquanto e como diz, «o imposto incide sobre o valor por que os bens foram transmitidos, correspondendo esse valor ao preço convencionado pelos contratantes ou ao valor patrimonial se este for maior do que aquele. Por preço entende-se a importância em dinheiro paga a esse título».

Conforme também se alcança do RIT, de 20/10/2004, a fls.14/28 do apenso, dele consta expressamente que não houve recurso a métodos indirectos, nem a valores corrigidos com recurso a métodos indirectos (RIT, fls.26).

Na impugnação judicial da subsequente liquidação adicional de Sisa, o impugnante veio invocar que as correcções à matéria colectável do imposto assentaram em pressupostos factuais errados e resultaram de método indirecto e subjectivo.

A sentença, diferentemente, concluiu que as correcções em causa consubstanciavam correcções de natureza técnica, tendo ponderado para o efeito, o seguinte:
«O que cabe, agora, determinar é se nesse apuramento [da matéria colectável da Sisa], o fez com recurso à avaliação directa ou, pelo contrário, utilizando métodos indirectos.
Como se sabe, no sistema jurídico-fiscal português vigora o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte apresente as declarações nos termos da lei, excepto se se verificarem erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que as declarações, contabilidade ou escrita não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.
Desta presunção da veracidade resulta a vinculação da AT à realização da liquidação com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, posteriormente, ao controlo dos factos declarados. Pressuposto fundamental da presunção da verdade da sua declaração é, por isso, que os seus deveres de colaboração sejam escrupulosamente cumpridos: trata-se, no fundo, de relevar o comportamento colaborante do contribuinte como presunção de que está a falar verdade. E só no caso de resultar, do controlo efectuado, que a matéria colectável apurada na declaração ou com base nos elementos por ela fornecidos não corresponde à realidade, pode a AT proceder, em alternativa, ao apuramento do respectivo lucro tributável.
Esse apuramento alternativo deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos ou correcções técnicas, isto é, pela determinação da matéria colectável através dos elementos da própria contabilidade do sujeito passivo, e só pode haver recurso a métodos presuntivos quando aquele apuramento directo se mostre de todo inviável (cf. Ac. do TCA Norte de 8.5.2008, P. 00550/04 – VISEU).
A determinação do lucro tributável de qualquer imposto com recurso a métodos indiciários ou indirectos tem, por isso, uma feição excepcional e, conforme o art. 87.º, n.º 1, al. b) da LGT, apenas a lei a autoriza para aqueles casos em que não seja possível tal apuramento de forma directa e exacta. Prevendo o art. 88.º, al. d) que a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, pode resultar da existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada, e conquanto inviabilize o apuramento da matéria tributável. Nestas situações, de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos poderá ter em conta os elementos a que se refere o art. 90.º, n.º 1 da LGT.
Voltando à situação subjudice, verifica-se que a AT recolheu um conjunto de dados com base nos quais concluiu que “os preços declarados pela entidade inspeccionada aquando da celebração da escritura pública de compra e venda das fracções que adquiriu não corresponderam aos valores convencionados” (cf. Relatório do Procedimento de Inspecção interna), a saber: (i) verificou que em sede de contestação ao processo n.º 463/00 do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, a “B…, S.A.”, na qualidade de R. naquele processo e em relação ao “Edifício M...”, referiu como prática habitual que o preço de venda dos apartamentos ou fracções autónomas é desdobrado em dois contratos, um de compra e venda correspondente a 80% do valor total e outro de prestação de serviços correspondente a 20%; (ii) que naquela acção, o Tribunal deu como provado que o preço dos apartamentos é desdobrado em dois contratos, sendo parte do preço mencionado no contrato promessa de compra e venda e a restante num contrato de prestação de serviços, e que o valor declarado na escritura é o constante do contrato promessa de compra e venda; (iii) na comercialização fraccionada de imóveis é generalizadamente utilizado como indicador o respectivo preço por unidade de superfície (preço por metro quadrado); (iv) realizando a comparação entre os preços médios na comercialização das fracções correspondentes a habitação e garagens, apurados em sede de acção inspectiva realizada à B…, e os valores declarados pelo Impugnante na escritura pública encontrou diferença significativas; (v) concluiu que as fracções do “Empreendimento M...” correspondentes a habitações foram comercializadas a um preço de 323 contos por metro quadrado (€1.611,12); (vi) verificou uma amplitude de diferença na ordem dos 41% quanto à comercialização de fracções do mesmo empreendimento; (vii) apurou que os preços de comercialização das fracções se encontravam pré-definidos, e que para o tipo de habitação do Impugnante era de 60.000.000$00 (€299.278,74) – 53.000 contos pela habitação e 7.000 contos pela garagem.
Considerando que para o tipo de fracções adquiridas pelo Impugnante o preço de venda era de €299.278,74 (60.000 contos) e que o Impugnante apenas declarou €239.422,99 (48.000 contos), a AT concluiu que “ficou assim por liquidar Sisa correspondente à diferença entre os valores convencionados e os declarados” e que essa divergência entre o preço convencionado entre o Impugnante e a entidade vendedora das fracções e o preço declarado na escritura pública foi de € 59.855,75 (12.000 contos). Em conformidade alterou a matéria colectável e liquidou a sisa em falta quanto àquela diferença entre o valor declarado e o valor convencionado.
Desde já, importa não confundir entre o que são os elementos de suporte à decisão de efectuar as correcções técnicas e que se traduzem nos elementos de facto coligidos pela AT para concluir que o valor declarado divergia do preço efectivo (relativamente aos quais, como veremos infra, a AT pode recorrer a juízos indiciários para formar a sua convicção quanto à declaração do contribuinte não reflectir a sua verdade fiscal), e a correcção efectuada, sendo que esta será técnica quando assente elementos de facto concretos e será presuntiva/indirecta quando, por inexistência desses elementos concretos, a correcção seja efectuada com base em critérios indiciários.
Ora, nesta perspectiva bem se compreende que in casu a AT não ficou impedida de apurar a matéria tributável de forma directa, bastando-lhe fazer acrescer à matéria colectável, isto é, ao valor que foi declarado para efeitos de sisa, a diferença entre o valor que apurou como tendo sido o efectivamente convencionado e o valor declarado.
De facto, partindo do valor convencionado pela alienação das fracções podia a AF efectuar as correcções técnicas pela consideração do montante correspondente à diferença entre o valor real da transacção e o valor declarado na escritura, desnecessário se tornando recorrer aos métodos indirectos.
É que o recurso aos métodos indirectos só é legalmente possível quando o recurso a correcções técnicas se revele impraticável. O que não sucede no caso concreto, em que, pela motivação factual referenciada no relatório e que concluiu que o valor convencionado divergia do valor declarado, apenas se justificava o recurso às indicadas correcções técnicas, que se traduziram unicamente em fazer acrescer à matéria colectável o montante de diferença entre o valor convencionado e o valor declarado pela aquisição das fracções.
Não estamos, bem se vê, como no método presuntivo, perante um resultado sustentado em elementos tão só prováveis que derivam da utilização de parâmetros gerais comuns, norteados por critérios de normalidade e de razoabilidade, adequados ao juízo valorativo que se impõe apurar.
No caso dos autos estamos perante um resultado efectivamente ancorado em elementos de facto concretos, por isso, ainda em sede de avaliação directa da matéria colectável, através de correcções técnicas.
Assim, resta concluir que a AT não recorreu a métodos indirectos para o apuramento da matéria colectável em sede de sisa».

Mais adiante, refere a sentença, agora em sede de quantificação:
«Alega o Impugnante que não existe qualquer fundamento para a correcção da liquidação de sisa, tendo a AT presumido um valor sem fundamento.
Nos termos do art. 75.º, n.º 1 da LGT, presumem-se verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal.
Decorre do exposto que a actuação da AT não goza da presunção de legalidade, cabendo-lhe a demonstração dos factos indicativos de que os elementos da escrita fornecidos pelo contribuinte não correspondem à sua realidade tributária (art. 74.º da LGT). Devendo apenas fazê-lo quando da sua actividade instrutória resulte com segurança que os factos em que sustenta a declaração não são verdadeiros, como decorre também do princípio da legalidade que preside ao direito fiscal e do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte.
Porém, no seu esforço da procura da verdade material, não está vedado à AT recorrer a provas indirectas ou a “factos indiciantes dos quais se procurará extrair, com auxílio das regras da experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova (...). Tais juízos devem ser, contudo, suficientemente sólidos para criar no órgão de aplicação do direito a convicção da verdade” (Alberto Xavier, Conceito e natureza do acto tributário, p. 154).
E uma vez demonstrado que as declarações, a contabilidade ou escrita revelam omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem a verdade fiscal do contribuinte, ou impeça o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (art. 75.º, n.º 2, al. a) da LGT), ou que o contribuinte não cumpriu os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, não devendo a recusa considerar-se legítima (n.º 2, al. b) do mesmo dispositivo), ou ainda que a matéria tributável do sujeito passivo se afasta significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na lei (n.º 2, al. c)) ou, finalmente, que os rendimentos declarados em IRS se afastam significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo (n.º 2, al. d)), haverá uma “verdadeira inversão do ónus da prova relativamente aos factos a que se refere a omissão” (cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, LGT Comentada e Anotada, 2.ª ed., p. 309). Caberá então ao contribuinte “demonstrar os factos relevantes para a fixação da matéria colectável, nos pontos em que há deficiências nas declarações, contabilidade ou escrita”, justificar o incumprimento dos seus deveres ou os indicadores obtidos de que as suas declarações ou contabilidade não reflecte a sua verdade fiscal, alegar e provar outros factos que ponham em dúvida a existência do facto tributário (art. 100.º do CPPT).
Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.
Como já referido, a AT apurou que: (i) em sede de contestação ao processo n.º 463/00 do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, a “B…, S.A.”, na qualidade de R. naquele processo e em relação ao “Edifício M...”, referiu como prática habitual que o preço de venda dos apartamentos ou fracções autónomas é desdobrado em dois contratos, um de compra e venda correspondente a 80% do valor total e outro de prestação de serviços correspondente a 20%; (ii) que naquela acção, o Tribunal deu como provado que o preço dos apartamentos é desdobrado em dois contratos, sendo parte do preço mencionado no contrato promessa de compra e venda e a restante num contrato de prestação de serviços, e que o valor declarado na escritura é o constante do contrato promessa de compra e venda; (iii) encontrou diferenças significativas entre os preços médios na comercialização das fracções correspondentes a habitação e garagens, apurados em sede de acção inspectiva realizada à B…, e os valores declarados pelo Impugnante na escritura pública; (iv) concluiu que as fracções do “Empreendimento M...” correspondentes a habitações foram comercializadas a um preço de 323 contos por metro quadrado (€1.611,12); (v) verificou uma amplitude de diferença na ordem dos 41% quanto à comercialização de fracções do mesmo empreendimento; (vi) apurou que os preços de comercialização das fracções se encontravam pré-definidos e concluiu que o preço acordado para a comercialização de apartamento semelhante ao adquirido pelo impugnante era de 60.000.000$00.
Ora, desde logo se dirá que se pode constatar com segurança que, de acordo com a vendedora, os contratos de compra e venda por esta vendedora celebrados no que respeita ao preço efectivo se desdobravam em dois contratos por eles se distribuindo o preço da aquisição, pela seguinte forma, 80% do preço real como sendo o preço de aquisição, os restantes 20% do preço acordado eram reflectidos como sendo devidos a contrato de prestação de serviços. Este comportamento, como se vê, é um comportamento simulatório no que ao preço concerne e tem em vista prejudicar o Estado, fazendo com que o montante do imposto da sisa seja inferior ao devido.
A AT apurou, ainda, que o preço de um apartamento semelhante ao do Impugnante era de 60.000.000$00, tendo apurado que o preço médio por m2 de habitação era de 323.000$00 e que por garagem era de 3.500.000$00 por veículo que fosse possível recolher, daí que a fracção DG (garagem) tivesse o preço de 7.000.000$00.
Acresce que a AT entendeu que o Impugnante não terá demonstrado ter beneficiado de qualquer acréscimo ou desconto, e assim não encontrou, apesar de o Impugnante ter aduzido ter tido o desconto de 2000 contos, qualquer justificação para a divergência entre o valor por este declarado (€239.422,99) e o valor apurado para a comercialização de apartamento semelhante ao adquirido pelo impugnante.
Ora, tendo em conta os elementos de facto coligidos pela AT temos de convir que dos mesmos se pode constatar que a Administração logrou indícios suficientes e ponderosos de que o valor declarado não corresponde ao valor real.
De salientar que a escritura pública não faz prova plena de todos os factos nela referidos, nos termos do art. 371.º do CC, pois que apenas atestam plenamente a veracidade dos factos presenciados pelo notário. Ou seja, a escritura atesta que as partes declararam ali que a venda se faria por determinado valor, mas não atestam que a venda se fez por tal valor.
Temos que concluir, por isso, que a AT trouxe ao relatório indicadores suficientes de que o preço declarado não corresponde ao real.
Mas esta conclusão só por si não é suficiente, pois que a AT tem que demonstrar todos os pressupostos das correcções por si efectuadas. Isto é, importa aferir se os indícios recolhidos permitiam à AT concluir não apenas que o valor declarado era inferior ao real, mas também que o valor real era igual a € 299.278,74.
De facto, o Impugnante não se conforma com o valor atribuído pela AT. Vejamos que só o valor resultante da multiplicação da área pelo preço do m2 da habitação (excluindo o preço da garagem) corresponde a €288.390,48 (323 contosx179m2=57.817 contos). Por outro lado, a AT chegou ao preço de 60.000 contos, pela soma de 45.000 contos (que teria sido declarada em contrato promessa de compra e venda) com 15.000 contos (correspondentes a contrato de prestação de serviços): ora facilmente se verifica que aqui a compra e venda corresponde a 75% do valor total e a prestação de serviços corresponde a 25%, divergindo do apurado e admitido pela vendedora em sede judicial (80%-20%, respectivamente).
Ora, no entendimento deste Tribunal, os factos colhidos pela AT indiciam com segurança que o valor real de aquisição foi superior a € 239.422,99, contudo não indiciam suficientemente que o valor real de aquisição das fracções foi de €299.278,74.
É que para chegar a tal conclusão a AT limitou-se a relevar o valor de 60.000.000$00 (€ 299.278,74) como sendo o preço pelo qual eram comercializadas fracções idênticas à do Impugnante.
Mas foi a própria AT a considerar a prática admitida pela vendedora relativamente à existência de dois contratos e, assim, a lançar a possibilidade de esse segundo contrato ter existido. A ser assim, considerando que a parte restante do preço (não escriturado) era correspondente a 20%, então a diferença entre o valor declarado (50.000 contos no contrato promessa de compra e venda) e o valor real seria de 12.500 contos. Note-se que no caso em apreço existe mais uma diferença relativamente ao admitido pela vendedora no âmbito de processo judicial, pois o valor declarado na escritura não é o constante do contrato promessa de compra e venda (independentemente de o impugnante ter invocado ter beneficiado de um desconto de 2000 contos que a AT considerou não provado).
Ora, a AT não recolheu quaisquer elementos quanto a esse segundo contrato, nem demonstrou a impossibilidade de aceder a ele, nem provou que ele, de facto, tenha sido celebrado entre o Impugnante e a entidade vendedora e qual seja o valor desse contrato.
Acresce que foi, igualmente, a AT a referir os preços médios por m2 da habitação e por lugar de garagem, mas não chegou a demonstrar a razão pela qual ao apurar o valor real da transacção divergiu dos preços médios por ela apurados, nomeadamente na parte que corresponde à habitação. Designadamente, não demonstrou que atentas as características do apartamento o preço por m2 era inferior ao preço médio.
Em suma, a AT não demonstrou cabalmente a impossibilidade de aceder aos demais elementos que lhe permitissem justificar o valor por si alcançado como sendo o valor real de transacção, ou, na sua falta, de confirmar por outra via o valor real do imóvel.
Nesta parte, entendemos que o acto padece de insuficiência instrutória e é ilegal, pois a AT não logrou recolher indícios suficientes de que o valor real da transacção ascendeu a € 299.278,74».

É contra este segundo segmento da sentença que a Recorrente se insurge, nos termos que constam das desenvolvidas Conclusões X e seguintes, acima transcritas e para as quais remetemos.

No fundo e, em síntese, entende a Recorrente que a AT não só recolheu factualidade indiciária bastante de que o valor declarado da transacção das fracções era inferior ao convencionado ou real (neste ponto concordando com a sentença), como também recolheu elementos suficientes que lhe permitiram afirmar que o valor real de aquisição pelo impugnante foi o corrigido de 299.278,74€ (aqui se apartando da sentença).

Quanto à questão da aplicação de métodos presuntivos, acompanhando o que se refere no acórdão do TCA Sul, de 30/10/2012, tirado no proc.º03896/10, «…diga-se que o nosso ordenamento jurídico consagra, como regime regra da tributação, o método declarativo, colocando nessa medida, na esfera de actuação dos particulares contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, com a inerente contrapartida da exigência de uma cooperação estreita entre a AT e o contribuinte, no desiderato de se alcançar a tributação dos rendimentos reais, cooperação essa que impõe, desde logo, que o último faculte à primeira, todos os elementos que viabilizem o correcto apuramento daqueles, surgindo a possibilidade de recurso a metodologia alternativa, como consequência da ruptura daquele dever vinculado a que os contribuintes se encontram adstritos, de cooperação com a AT, no sentido de viabilizar a concretização da obrigação a que esta, por seu turno, está obrigada pelo princípio da legalidade, do controle e apuramento do efectivo lucro tributável.
No entanto, estabelecendo o ordenamento jurídico duas metodologias alternativas ao método declarativo - correcções técnicas e presunções -, o recurso a qualquer delas não depende de um critério discricionário da AT, sendo que a AT encontra-se vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, então não pode, nessa mesma exacta medida, deixar de lançar mão dos métodos presuntivos, mau grado o maior grau de incerteza que caracteriza estes últimos».

É entendimento que se colhe do disposto nos artigos 75.º, n.º1 e n.º2 alínea a), 85.º, n.º1, 87.º, alínea b) e 88.º, todos da Lei Geral Tributária.

Perante a factualidade descrita no RIT e transcrita no ponto 3 do probatório, é ponto assente que a AT recolheu indicadores seguros de que o valor declarado da transacção era inferior ao real, convencionado, assim ficando comprometida a liquidação com base na declaração, como bem se entendeu na sentença recorrida.

A partir daqui, é manifesto que a AT não tinha condições para enquadrar a realidade em apreço através de correcções técnicas, antes se verificando uma situação susceptível de integrar o conceito de “impossibilidade de quantificação directa” da matéria colectável, legitimador do recurso a presunções.

Na verdade, não se está, no caso em apreço, perante a situação, muito recorrente, de divergência entre o valor constante do contrato promessa, ainda que recolhido junto do vendedor ou de terceiros (a sociedade que intermediou o negócio), e o valor inferior que veio a ser escriturado ou declarado pela transacção, em que a AT dispõe daquele elemento “certo” (o contrato promessa) que lhe permite apurar de forma directa e exacta a matéria tributável pela diferença.

No caso dos autos, convém lembrar, a desconsideração dos valores declarados da transacção assentou na constatação pela AT da prática habitual, admitida pelo vendedor no tribunal comum, de que “o preço de venda dos apartamentos ou outras fracções autónomas é desdobrado em dois contratos: um de compra e venda correspondente a 80% do valor total e outro de prestação de serviços correspondente a 20%”, sendo que “o tribunal em questão deu como provado que o preço dos apartamentos do edifício M... é habitualmente desdobrado em dois contratos, sendo parte do preço mencionado no contrato promessa de compra e venda e a restante num contrato de prestação de serviços, sendo o valor declarado na escritura de compra e venda o constante do contrato promessa de compra e venda” (RIT, fls.18 do apenso), que o preço declarado de 229 contos por m2 era inferior ao preço médio de 323 por m2 a que foram comercializadas as fracções do empreendimento destinadas a habitação (RIT, fls.19 do apenso), «ficando tal montante “aquém daquele que era, ao tempo, o custo do terreno calculado por unidade de superfície de construção acima do solo e, consequentemente, é muito inferior ao custo imputado à construção do “Empreendimento M...”» (RIT, fls.20 do apenso) tendo também apurado que uma habitação de tipologia T 3 no empreendimento em causa, com a área de 120,00m2 fora vendida pelo preço de 38.000 contos e que a habitação do impugnante, de tipologia T 4, com 179m2 fora declarada vendida por 41.000 contos, apurando uma diferença por unidade de superfície de 50,85 contos (RIT, fls.20 do apenso), e ainda que uma fracção idêntica à do impugnante teria sido comercializada por valor superior conforme o declarado no contrato promessa e no de prestação de serviços reportados àquele outro negócio (RIT, fls.23 do apenso).

Todavia, ainda que a convicção da AT de que os valores declarados não reflectem a matéria colectável do imposto se tenha formado com base em indicadores sólidos e consistentes (art.º75.º, n.º2 alínea a), da LGT), tais indicadores não lhe habilitavam a uma avaliação directa da matéria colectável por falta de qualquer elemento certo em que pudesse ancorar a realidade do preço convencionado (seja a existência de um contrato promessa de valor superior ao declarado, seja a existência, a par de um contrato promessa de valor correspondente ao declarado, de um contrato de prestação de serviços em que se pudesse afirmar o desdobramento do preço, seja pagamentos ao vendedor de montante superior ao declarado, seja a comunicação do vendedor no âmbito das suas obrigações declarativas ou de cooperação com a AT, de que o preço escriturado foi, no caso concreto, inferior ao convencionado).

Ora, nada disso se passou. A AT não aponta qualquer facto fiscalmente relevante cujos elementos fossem adequados à comprovação directa e exacta da matéria colectável em falta (na óptica da sentença, por deficit instrutório), antes se tendo apoiado nessa quantificação em factos que constituindo embora indicadores seguros de que o preço declarado não corresponde à realidade, não constituíam a base necessária para neles assentar a determinação da matéria colectável do imposto municipal de sisa por via directa, como é o caso da venda de uma fracção do empreendimento de tipologia e área idêntica à do impugnante por preço superior ao declarado quando o valor daquela outra venda nem sequer corresponde ao declarado pelo comprador mas foi o encontrado pela AT partindo dos valores declarados no contrato promessa e de prestação de serviços, este último que, no caso dos autos nem existe, ou foi achado (RIT, fls.23 do apenso).
Assim, é manifesto que a AT não dispunha de elementos objectivos que lhe permitiam afirmar que o valor real da transacção foi o apurado de 299.278,74€ tendo incorrido em erro nos pressupostos de quantificação por via directa, sendo de confirmar a sentença recorrida embora com a presente fundamentação.

5 - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em, com a presente fundamentação, negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente.
Porto, 07 de Julho de 2016.
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro