Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02801/04-Viseu
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/30/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Maria Cristina Flora Santos
Descritores:TAXA DE INFRAESTRUTURAS
Sumário:I. A diferença específica entre taxa e imposto decorre da existência ou não de vínculo sinalagmático;
II. A correspectividade jurídica não tem de equivaler a uma plena equivalência económica, admitindo-se uma ponderada divergência entre a vantagem auferida e o montante a suportar e entre taxa e prestação, e também não exige uma absoluta contemporaneidade entre a cobrança do tributo e a fruição do benefício decorrente da actividade prestadora desenvolvida pela entidade pública;
III. No caso da taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas, está em causa a compensação das despesas efectuadas, ou a efectuar, pela autarquia, directa ou indirectamente causadas pelas obras sobre que incide esse tributo;
IV. A desproporcionalidade entre a quantia a pagar e, o benefício (utilidade do serviço) que retira deverá ser intolerável para que se conclua que foi violado o princípio da proporcionalidade.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A... e outro
Recorrido 1:Câmara Municipal de Ovar
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

A… – FUNDO DE INVESTIMENTO…, e outro vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Viseu, que julgou improcedente a impugnação da liquidação de “taxas” de urbanização do ano de 1995.

O Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

“1. No final deste percurso, pelos motivos apontados, pode concluir-se com total grau de certeza que a "taxa" liquidada sofre de inconstitucionalidade material, formal ou orgânica, devendo a douta sentença ser alterada nesse sentido.
2. Pois, a Recorrente/Impugnante realizou e suportou todos os encargos da realização ou reforço de todas as infra-estruturas necessárias e previstas para o local;
3. E o Município de Ovar não executou e muito menos suportou qualquer encargo de realização de instalação ou reforço de qualquer infra-estrutura;
4. Além disso, a construção da Recorrente não deu, nem dará, origem a quaisquer obras de urbanização ou infra-estruturas a realizar pela Câmara Municipal de Ovar, nem estas foram realizadas, se mostram necessárias ou previstas de acordo com o dito processo de licenciamento aprovado.
5. Inexiste qualquer referência às infra-estruturas urbanísticas a realizar ou realizadas pela C.M. de Ovar em contrapartida do pagamento da taxa de urbanização em referência, e, por causa do referido empreendimento;
6. A diferença doutrinal entre taxa e imposto reside no facto de na primeira existir um nexo de signalagmaticidade, neste caso entre a prestação da Recorrente e a contraprestação da Câmara, que inexiste neste caso como na situação de imposto.
7. A própria decisão recorrida assenta na mera eventualidade da necessidade de execução dessas infra-estrutura, sem que tenha existido qualquer contraprestação - mesmo decorridos mais de 12 anos.
8. Pois, caso a Câmara Municipal tivesse, eventualmente, que realizar quaisquer obras de reforço, ampliação ou manutenção das estruturas urbanísticas no local já o teria feito ao cabo de mais de 12 anos da aprovação da operação e da liquidação das taxas.
9. Na verdade, as infra-estruturas no local, a serem necessárias ampliar, reforçar ou melhorar deveriam ser executadas com a construção do loteametno.
10. No caso dos autos, inexiste qualquer sinalagmaticidade, correspectividade ou proporcionalidade entre a quantia paga a título de taxa, como, inexiste, qualquer contra-prestação por parte da Câmara Municipal.
11. Por isso, não se pode aceitar que o sinalagma seja meramente eventual ou que nunca se chegue a verificar - mantendo-se a «taxa" nos cofres da Câmara.
12. Pois, nesse caso, coloca-se a "hipótese" de tal "taxa" liquidada, sem qualquer proporcionalidade ou contraprestação pública, configurar um autêntico imposto e/ou um verdadeiro enriquecimento sem causa por parte da Câmara Municipal.
13. Tanto mais que é dever geral do Município realizar infra-estruturas urbanísticas, nos termos do art.' 64.°, n.° 2 alínea f) da Lei n.° 169/99 de 18/09.
14. Além disso, o critério utilizado pela Câmara Municipal para efectuar o cálculo das quantias liquidadas à Recorrente não tem qualquer fundamentação, razoabilidade, sinalagmaticidade ou proporcionalidade, nomeadamente com as eventuais obras de reforço ou ampliação das infra-estruturas.
15. Sendo o custo das eventuais infra-estruturas a ampliar, remodelar ou reforçar é perfeitamente mensurável, a taxa cobrada à Recorrente não tem qualquer equivalência ou fundamentação económica.
16. Ainda, segundo o quadro normativo resulta do art° 32° do DL n° 448/91, de 29. 11, que: " A realização de infra-estruturas urbanísticas e a concessão do licenciamento da operação de loteamento estão sujeitas ao pagamento das taxas a que se referem as alíneas a) e b) do artigo 110 da Lei n° 1/87, de 06 de Janeiro, não havendo lugar ao pagamento de quaisquer mais-valias ou compensações, com excepção das previstas no art° 16°".
17. E tendo a Lei n° 90/95, de 01/09, autorizado o Governo a alterar tal regime jurídico esclareceu no entanto que: " as taxas municipais por realização de infra-estruturas urbanísticas só são devidas quando resultem de efectiva prestação de serviço pelo município" - (art° 2.°, n° 2 e) );
18. E dando execução aquela autorização legislativa, foi publicado o Dec. Lei n° 334/95, de 28.12, o qual estabeleceu para o art° 32° n°s 1 a) e 2 a seguinte redacção:
“1. Salvaguardado o disposto no art° 16°, a emissão de alvarás de licenças de loteamento ou de obras de urbanização está sujeita ao pagamento das taxas a seguir referidas, não havendo lugar ao pagamento de quaisquer mais-valias ou compensações: a) A taxa prevista na a) do art° 11° da Lei n° 1/87, de 06 de Janeiro, quando, por força da operação de loteamento, o município tenha de realizar ou reforçar obras de urbanização.
2 -A taxa pela realização de infra-estruturas urbanísticas prevista na a) do art° 11° da Lei n° 1/87, de 06 de Janeiro, só pode ser exigida nos casos expressamente previstos na a) do n° 1, não podendo ser consideradas como passíveis de incidência da taxa quaisquer outras situações, designadamente no âmbito de execução de obras de construção, reconstrução ou alteração de edifícios, ainda que tais obras tenham determinado ou venham a determinar directa ou indirectamente, a realização pelo município de novas infra-estruturas urbanísticas ou o reforço das já existentes”.
(os destaques e sublinhados são nossos)
19. Ora, esta vontade da Assembleia da República plasmada na autorização legislativa concedida ao Governo nunca foi ou poderá ser colocada em causa, por isso, a exigência da taxa pressupõe, sempre, a prestação efectiva de um serviço ou uma contrapartida a prestar pela Câmara Municipal, decorrente da emissão do alvará.
20. Acresce que a Constituição da República Portuguesa impõe ao
legislador uma configuração típica do sistema tributário, que a legislação ordinária nunca poderia deixar de considerar;

21. Pois, as taxas têm como elemento estrutural a prestação deutilidades concretas, numa óptica de prestação privada/ contraprestação pública, fundamentando-se numa relação material de sinalagmaticidade, sendo essencial que a uma prestação do sujeito passivo corresponda uma contrapartida qualitativa.
22. E a prestação a cargo da Recorrente não pode ser
desproporcionada face à contraprestação da entidade pública - princípio da equivalência.

23. Existem três padrões possíveis de mesuração da
proporcionalidade: equivalência ampla; equivalência funcional e equivalência estrita.

24. Sendo certo que o tributo com a configuração da Taxa Municipal de Urbanização tem necessariamente de se encontrar submetida a princípio de equivalência estrita, tal é expressamente reconhecido pela legislação e jurisprudência comunitária recente a este propósito (por exemplo, acórdão Fantask – processo C-188/95, Modelo SGPS SA – processo C-56/98 e SONAE Tecnologias de Informação – processo C-206/99, entre outros).
25. As taxas por realização de infra-estruturas urbanísticas, visam, no sistema actual, o ressarcimento da entidade pública pela construção, manutenção e reforço das infra-estruturas urbanísticas e deverá assentar numa óptica de equivalência estrita.
26. No caso concreto, não existe qualquer contrapartida qualitativa, pois tendo a Recorrente desenvolvido toda a actividade de construção de infra-estruturas não existirá qualquer contrapartida possível (presente ou futura) susceptível de ser efectuada pelo Município.
27. Ora, tal como se encontra provado nos autos, e como se disse, a Câmara Municipal não realizou qualquer nova infra-estrutura urbanística, não ampliou, melhorou ou reforçou as preexistentes, nem teve necessidade de construir de novo ou de melhorar no futuro, em consequência directa ou indirecta da aprovação do loteamento, qualquer infra-estrutura.
28. Assim, nenhuma utilidade prestou o Município à Recorrente por tão avultada quantia paga com o pretexto de Taxa Municipal de Urbanização.
29. Conclui-se que o montante a pagar pela Recorrente (sujeito passivo) é idêntico quer esta construa todas as infra-estruturas urbanísticas, sem que exista qualquer necessidade de reforço ou ampliação das existentes (no momento presente ou futuramente), quer seja a edilidade a construir todas as infra-estruturas suporte.
30. E não existe qualquer nexo de sinalagmaticidade, nem qualquer referencial, que suporte um juízo de proporcionalidade, pois, o valor da taxa é manifestamente desproporcionado e "completamente alheio ao custo do serviço prestado".
31. Assim, tratando-se de um verdadeiro imposto a sua criação não é da competência da Assembleia da Republica, nos termos do art. 165°, n° 1/i) da CRP;
32. Pelo que as quantias exigidas a título de "taxa", em tais circunstâncias, constituem um verdadeiro imposto (sujeita ao princípio da legalidade ou reserva de lei formal) cuja criação está vedada aos municípios, por força do disposto nos artigos 103.º e 165.º, n.º 1, al. i) da CRP.”
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A Recorrida, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão a apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento, determinando se o tributo liquidado pela Câmara Municipal de Ovar tem, ou não, natureza de imposto, e nessa medida, se foram violados os artigos 103.º, 165.º, n.º 1, al. i) da CRP.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) A Câmara Municipal de Ovar procedeu à liquidação de taxas no valor global de Esc. 12.858.999$00, dos quais Esc. 11.859.144$00 correspondem a taxa de urbanização (cfr. doc. de fis. 33 e 34 dos autos).
2) O valor global de Esc. 12.858.999$00 foi pago pela impugnante em 1995 (cfr.doc. de fis. 33 dos autos).
3) O cálculo do valor correspondente à taxa de urbanização foi efectuado pela forma constante dos documentos de fis. 44 a 48 dos autos.
4) Em 2111/1995 a Câmara Municipal de Ovar, em reunião ordinária, pronunciando-se quanto à presente impugnação judicial e com referência ao alvará de licença de obras n.° 734/95 relativo à construção do Edifício do Condomínio Fechado do …, processo de obras n.° 3…, deliberou, por unanimidade, manter a totalidade do acto impugnado (cfr. doc. de fls. 49 dos autos).
5) A construção do referido edifício não dará origem à construção, ampliação, reforço ou remodelação de qualquer infra estruturas ou obras de urbanização a cargo do Município, nem as mesmas se encontram previstas.
6) A presente impugnação foi instaurada em 9/1111995.
7) Em 7/07/1995 a impugnante apresentou reclamação da liquidação impugnada nos presentes autos, junto do Presidente da Câmara Municipal de Ovar (cfr. doc. de fls. 211 dos autos).

O tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos assentes tendo por base os documentos indicados os quais não foram impugnados e ainda os depoimentos das testemunhas inquiridas, os quais demonstraram ter conhecimento directo e pessoal dos factos e depuseram de forma precisa e clara.”


2. Do Direito

Conforme resulta das conclusões das alegações, que delimitam o objecto do recurso, a questão a apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento, determinando se o tributo liquidado pela Câmara Municipal de Ovar tem, ou não, natureza de imposto, e nessa medida, se foram violados os artigos 103.º, 165.º, n.º 1, al. i) da CRP.

O tributo ora em questão denominado de “taxa de urbanização” liquidada ao abrigo do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Câmara Municipal de Ovar (C.M.O.) diz respeito a 1995, e é liquidado na sequência do pedido de licenciamento de construção de um prédio apresentado pela Recorrente.

Invoca a Recorrente que o Município de Ovar não executou, nem suportou, qualquer encargo de realização de instalação ou reforço de qualquer infra-estrutura, e que a operação de urbanização não deu, nem dará origem, a quaisquer obras de urbanização ou infra-estruturas a realizar pela C.M.O.. Por outro lado, invoca ainda a Recorrente, a exigência da taxa pressupõe sempre a prestação efectiva de um serviço ou uma contraprestação a prestar pela C.M.O., pelo que esta não poderia ter efectuado a liquidação em causa uma vez que inexiste nexo de sinalagmaticidade, não havendo contrapartidas directas e imediatas prestadas à Recorrente, e deste modo, estamos perante um imposto, que enferma de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto no artigo 103.º e 165.º, n.º 1, al. i), ambos da CRP.

Invoca ainda a Recorrente que o critério utilizado pela C.M.O. para efectuar o cálculo das quantias liquidadas não tem qualquer fundamentação, razoabilidade, sinalagmaticidade ou proporcionalidade com as obras de reforço ou ampliação das infra-estruturas.

Apreciando.

A violação do disposto no artigo 103.º e da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição corresponde à arguição de um vício orgânico: sustenta-se que as normas impugnadas, criadoras de um verdadeiro imposto (porque não se trata de uma “taxa”), não foram emitidas por lei formal da Assembleia da República, conforme o disposto nos aludidos preceitos constitucionais.

A Constituição da República Portuguesa nos termos do disposto no n.º 4 do art. 238.° e 241.°, atribui poderes tributários às autarquias locais, e encontra-se legalmente legitimada a cobrança, pelos municípios, de taxas pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias, in casu, ao abrigo do artigo 1.º n.º 1 e 11.º da Lei 1/87 de 06/01/1987.

Assim, no âmbito do seu poder regulamentar e das suas competências municipais o Município de Ovar aprovou o Regulamento de Taxas Urbanísticas.
Como tem sido entendimento jurisprudencial (entre muitos outros, vide, os Acórdãos do TC n.º 457/87, n.º 412/89, n.º 53/91, n.º 148/94, n.º 357/99), a diferença específica entre taxa e imposto decorre da existência ou não de vínculo sinalagmático. O que significa que a taxa terá de representar, utilizando as palavras do Ac. Tribunal Constitucional n.º 654/93 de 4 de Novembro (Proc. 239/93), "o preço" do serviço ou da prestação de um serviço ou actividade públicas ou de uma utilidade de que o tributado beneficiará (e sem aqui se olvidar que esse “preço” não tem, necessariamente, de corresponder à contrapartida financeira ou económica do serviço prestado)".

A distinção entre taxa e imposto tem sido objecto de uma análise precisa. Assim, esta questão é equacionada por Casalta Nabais (em Direito Fiscal, 2.ª Edição, Coimbra, 2003, pp. 20/21 e nota 38) da forma seguinte: “(…) para sabermos se (...) estamos perante um tributo unilateral ou um imposto, ou perante um tributo bilateral ou uma taxa, o que há a fazer é o teste da sua medida ou do seu critério, estando pois perante ( ... ) uma taxa se é susceptível de ser medido ou aferido com base na referida ideia de proporcionalidade: taxa/prestação estadual proporcionada ou taxa/custos específicos causados à comunidade (estadual ou local)".

Acrescenta ainda (na nota 38) que, "(e) em rigor há aqui dois testes: o da bi/unilateralidade do tributo e, se neste se concluir pelo seu carácter bilateral, o da sua medida ou critério de justiça, muito embora seja este último teste o decisivo, já que, se a proporcionalidade entre o tributo e a respectiva contraprestação específica estiver ausente, então estaremos perante um tributo cujo regime ( .. .) não pode deixar de ser o dos impostos. Impõe-se aqui que, ultrapassado com êxito o teste da bilateralidade, se proceda ao teste da proporcionalidade entre a prestação e a contraprestação específica".

Saldanha Sanches, sobre o mesmo tema (em Manual de Direito Fiscal, 2.ª Edição, Coimbra, 2002, pp, 16 e segs.), tece as seguintes considerações a propósito do carácter sinalagmático: “[o] sinalagma do ponto de vista financeiro só poderá ter lugar sempre que se trate de um qualquer bem que seja divisível: só se o bem for divisível é possível a «prestação em unidades individualizáveis». Terá de haver uma mais estreita correlação entre o destinatário do encargo financeiro e o beneficiário da despesa pública, para que possamos estar perante uma taxa”.

Klaus Tipke e Joachim Lang (em Steuerrechts, 17.º Ed., 2002, p. 47) referem, a este propósito, que o sistema das taxas assenta no princípio da equivalência, segundo o qual as taxas se apreciam segundo os princípios da cobertura de custos (a taxa cobre os custos correspondentes) e da compensação dos benefícios (a taxa corresponde ao benefício equivalente).

Estes autores referem, ainda com interesse, a definição de taxas (Gebühren) contida nas leis sobre taxas municipais (Kommunalabgabegesetz) dos ständer da República Federal Alemã: "taxas são prestações pecuniárias devidas por uma prestação especial - actuação oficial ou actividades assimiláveis - da Administração (taxas da administração - Verwaltungsgebühren), ou pela utilização de instalações de locais públicos". Concluem estes autores que o que distingue a taxa do imposto é a sua ligação com uma contra prestação determinável das instituições jurídico-públicas.

Saliente-se que nem a jurisprudência do Tribunal Constitucional, nem a doutrina exigem que a correspectividade equivalha a plena equivalência económica, admitindo-se uma ponderada divergência entre a vantagem auferida e o montante a suportar, no caso em apreço ainda se está perante uma “taxa” (assim, ver BENJAMIM RODRIGUES, “Para uma Reforma do Sistema Financeiro e Fiscal do Urbanismo em Portugal”, in «Actas do I.º Colóquio Internacional – O Sistema Financeiro e Fiscal do Urbanismo», 2002, Coimbra; MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES / FERNANDA PAULA OLIVEIRA / DULCE LOPES, “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – Comentado”, 2006, Coimbra, p. 487).

Conforme se sumariou no acórdão do STA de 22/03/2011, processo 090/11” I - Desde que os tributos que sejam criados pelos municípios tenham a natureza de taxas e se enquadrem em qualquer dos tipos de taxas arrolados no artigo 11.º da Lei 1/87 (ou artigo 19.º da Lei 42/98), está assegurada a viabilidade legal da sua criação. II - No caso da taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas, está em causa a compensação das despesas efectuadas, ou a efectuar, pela autarquia, directa ou indirectamente causadas pelas obras sobre que incide esse tributo. III - A não realização imediata dessas infra-estruturas urbanísticas e que constitui a contraprestação da autarquia não constitui pressuposto da incidência objectiva daquela taxa, na medida em que essa contraprestação se pode, também, projectar para o futuro.”

A Recorrente invoca que todas as obras de infra-estruturas decorrentes das operações urbanísticas a que se reporta a taxa liquidada foram por si suportadas, havendo falta de contrapartida e desproporcionalidade.

Sucede que as infra-estruturas a que se reportam o tributo em causa não se confundem com as infra-estruturas próprias das operações de loteamento ou das obras de edificação. Enquanto estas constituem um encargo dos respectivos promotores e, se restringem, em regra, às parcelas de terreno da sua propriedade destinadas a integrar o domínio público municipal, aquelas são infra-estruturas gerais e equipamentos urbanos que servem o loteamento ou a edificação situados na respectiva área de influência ou envolvente.

E, assim sendo, carece de fundamento o alegado de que as infra-estruturas das obras foram realizadas pela Recorrente, e que a Câmara Municipal não executou as infra-estruturas e por conseguinte o tributo em causa não seria devido.

O tributo em causa nos autos constitui a contrapartida devida ao Município pelas utilidades prestadas aos particulares em matéria de infra-estruturas urbanísticas primárias e/ou secundárias cuja realização, remodelação ou reforço seja considerado de operações de loteamento, de obras de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou respectivas fracções ou de alterações na sua forma de utilização.

Na verdade, e ao contrário do que alega a Recorrente não se trata de um sinalagma “eventual”. Subjacente à regulamentação deste tributo existe uma relação directa e quantificável entre o referido facto e o aumento do número de utentes, a qual torna indispensável o redimensionamento das infra-estruturas existentes, uma vez que são projectadas para cada zona da cidade, em função do número de utilizadores previsível,

E, essa alteração pode implicar uma sobrecarga que embora comportável pelas infra-estruturas urbanísticas pré-existentes, originem no futuro uma ampliação, adaptação ou reconversão das existentes, pelo que não assiste razão à Recorrente quando invoca que “as infra-estruturas no local, a serem necessárias ampliar, reforçar ou melhorar deveriam ser executadas com a construção do loteamento”.

Para o Tribunal Constitucional, a correspectividade jurídica entre taxa e prestação não exige uma absoluta contemporaneidade entre a cobrança do tributo e a fruição do benefício decorrente da actividade prestadora desenvolvida pela entidade pública. Veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 274/04:

“No entanto, o apontado nexo de conexão justificativo da taxa não tem de funcionar sincronicamente – designadamente quando, como é o concreto caso, se está perante uma operação de reconstrução ou ampliação de edifícios, e, como parece suceder no concelho em causa, a ajuizar pelo pequeno exórdio do regulamento, quando a pressão da iniciativa privada da construção se depara com dificuldades financeiras municipais para custear as respectivas obras de urbanização.”.

Desta linha jurisprudencial decorre não ser desconforme à Constituição que o pagamento de determinada taxa não dê lugar imediato à efectivação imediata e sincrónica da prestação, pelo que não assiste razão à Recorrente quando ao alegado nesta matéria.

No que diz respeito à invocada desproporcionalidade, as taxas liquidadas pelo Município e sua a relação custo/benefício a Recorrente teria de se demonstrar a existência de uma desproporção intolerável entre a quantia a pagar e, o benefício (utilidade do serviço) que retira.

Seria necessário demonstrar, em suma, uma manifesta desproporção entre a taxa liquidada e o benefício retirado, de tal modo que colocasse em causa o carácter sinalagmático da taxa, o que não foi demonstrado nos autos.

Com efeito, dos autos não resultam elementos suficientes que permitam valorizar esse benefício retirado para que se pudesse aferir da sua eventual desproporção relativamente à taxa que é cobrada e que permitam concluir pela violação do princípio da proporcionalidade.

Aliás, a Recorrente nesta matéria, invoca apenas que “não existe qualquer contrapartida qualitativa” uma vez que a Câmara não realizou qualquer nova infra-estrutura, nem ampliou, nem melhorou as existentes, e como supra exposto, a correspectividade jurídica entre taxa e prestação não exige uma absoluta contemporaneidade entre a cobrança do tributo e a fruição do benefício decorrente da actividade prestadora desenvolvida pela entidade pública.

Em conclusão, o tributo em causa reveste a natureza de uma taxa e não um imposto, e deste modo, não está sujeita à regra da reserva de lei para a sua criação e determinação dos elementos essenciais, podendo a sua previsão constar de simples regulamento municipal aprovado pela Assembleia Municipal, nos termos das Leis das Finanças Locais e das Autarquias Locais então em vigor. (Acórdão do Tribunal Constitucional n° 258/2008, de 30.4.2008).

Por conseguinte, o recurso não merece provimento.

3. Sumário do acórdão

I. A diferença específica entre taxa e imposto decorre da existência ou não de vínculo sinalagmático;
II. A correspectividade jurídica não tem de equivaler a uma plena equivalência económica, admitindo-se uma ponderada divergência entre a vantagem auferida e o montante a suportar e entre taxa e prestação, e também não exige uma absoluta contemporaneidade entre a cobrança do tributo e a fruição do benefício decorrente da actividade prestadora desenvolvida pela entidade pública;
III. No caso da taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas, está em causa a compensação das despesas efectuadas, ou a efectuar, pela autarquia, directa ou indirectamente causadas pelas obras sobre que incide esse tributo;
IV. A desproporcionalidade entre a quantia a pagar e, o benefício (utilidade do serviço) que retira deverá ser intolerável para que se conclua que foi violado o princípio da proporcionalidade.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.

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Custas pela Recorrente.
D.n.
Porto, 30 de Setembro de 2014.
Ass. Cristina Flora
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Mário Rebelo