Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02801/04-Viseu |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 09/30/2014 |
Tribunal: | TAF de Viseu |
Relator: | Maria Cristina Flora Santos |
Descritores: | TAXA DE INFRAESTRUTURAS |
Sumário: | I. A diferença específica entre taxa e imposto decorre da existência ou não de vínculo sinalagmático; II. A correspectividade jurídica não tem de equivaler a uma plena equivalência económica, admitindo-se uma ponderada divergência entre a vantagem auferida e o montante a suportar e entre taxa e prestação, e também não exige uma absoluta contemporaneidade entre a cobrança do tributo e a fruição do benefício decorrente da actividade prestadora desenvolvida pela entidade pública; III. No caso da taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas, está em causa a compensação das despesas efectuadas, ou a efectuar, pela autarquia, directa ou indirectamente causadas pelas obras sobre que incide esse tributo; IV. A desproporcionalidade entre a quantia a pagar e, o benefício (utilidade do serviço) que retira deverá ser intolerável para que se conclua que foi violado o princípio da proporcionalidade.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | A... e outro |
Recorrido 1: | Câmara Municipal de Ovar |
Decisão: | Negado provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO A… – FUNDO DE INVESTIMENTO…, e outro vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Viseu, que julgou improcedente a impugnação da liquidação de “taxas” de urbanização do ano de 1995. O Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões: “1. No final deste percurso, pelos motivos apontados, pode concluir-se com total grau de certeza que a "taxa" liquidada sofre de inconstitucionalidade material, formal ou orgânica, devendo a douta sentença ser alterada nesse sentido. 2. Pois, a Recorrente/Impugnante realizou e suportou todos os encargos da realização ou reforço de todas as infra-estruturas necessárias e previstas para o local; 3. E o Município de Ovar não executou e muito menos suportou qualquer encargo de realização de instalação ou reforço de qualquer infra-estrutura; 4. Além disso, a construção da Recorrente não deu, nem dará, origem a quaisquer obras de urbanização ou infra-estruturas a realizar pela Câmara Municipal de Ovar, nem estas foram realizadas, se mostram necessárias ou previstas de acordo com o dito processo de licenciamento aprovado. 5. Inexiste qualquer referência às infra-estruturas urbanísticas a realizar ou realizadas pela C.M. de Ovar em contrapartida do pagamento da taxa de urbanização em referência, e, por causa do referido empreendimento; 6. A diferença doutrinal entre taxa e imposto reside no facto de na primeira existir um nexo de signalagmaticidade, neste caso entre a prestação da Recorrente e a contraprestação da Câmara, que inexiste neste caso como na situação de imposto. 7. A própria decisão recorrida assenta na mera eventualidade da necessidade de execução dessas infra-estrutura, sem que tenha existido qualquer contraprestação - mesmo decorridos mais de 12 anos. 8. Pois, caso a Câmara Municipal tivesse, eventualmente, que realizar quaisquer obras de reforço, ampliação ou manutenção das estruturas urbanísticas no local já o teria feito ao cabo de mais de 12 anos da aprovação da operação e da liquidação das taxas. 9. Na verdade, as infra-estruturas no local, a serem necessárias ampliar, reforçar ou melhorar deveriam ser executadas com a construção do loteametno. 10. No caso dos autos, inexiste qualquer sinalagmaticidade, correspectividade ou proporcionalidade entre a quantia paga a título de taxa, como, inexiste, qualquer contra-prestação por parte da Câmara Municipal. 11. Por isso, não se pode aceitar que o sinalagma seja meramente eventual ou que nunca se chegue a verificar - mantendo-se a «taxa" nos cofres da Câmara. 12. Pois, nesse caso, coloca-se a "hipótese" de tal "taxa" liquidada, sem qualquer proporcionalidade ou contraprestação pública, configurar um autêntico imposto e/ou um verdadeiro enriquecimento sem causa por parte da Câmara Municipal. 13. Tanto mais que é dever geral do Município realizar infra-estruturas urbanísticas, nos termos do art.' 64.°, n.° 2 alínea f) da Lei n.° 169/99 de 18/09. 14. Além disso, o critério utilizado pela Câmara Municipal para efectuar o cálculo das quantias liquidadas à Recorrente não tem qualquer fundamentação, razoabilidade, sinalagmaticidade ou proporcionalidade, nomeadamente com as eventuais obras de reforço ou ampliação das infra-estruturas. 15. Sendo o custo das eventuais infra-estruturas a ampliar, remodelar ou reforçar é perfeitamente mensurável, a taxa cobrada à Recorrente não tem qualquer equivalência ou fundamentação económica. 16. Ainda, segundo o quadro normativo resulta do art° 32° do DL n° 448/91, de 29. 11, que: " A realização de infra-estruturas urbanísticas e a concessão do licenciamento da operação de loteamento estão sujeitas ao pagamento das taxas a que se referem as alíneas a) e b) do artigo 110 da Lei n° 1/87, de 06 de Janeiro, não havendo lugar ao pagamento de quaisquer mais-valias ou compensações, com excepção das previstas no art° 16°". 17. E tendo a Lei n° 90/95, de 01/09, autorizado o Governo a alterar tal regime jurídico esclareceu no entanto que: " as taxas municipais por realização de infra-estruturas urbanísticas só são devidas quando resultem de efectiva prestação de serviço pelo município" - (art° 2.°, n° 2 e) ); 18. E dando execução aquela autorização legislativa, foi publicado o Dec. Lei n° 334/95, de 28.12, o qual estabeleceu para o art° 32° n°s 1 a) e 2 a seguinte redacção: “1. Salvaguardado o disposto no art° 16°, a emissão de alvarás de licenças de loteamento ou de obras de urbanização está sujeita ao pagamento das taxas a seguir referidas, não havendo lugar ao pagamento de quaisquer mais-valias ou compensações: a) A taxa prevista na a) do art° 11° da Lei n° 1/87, de 06 de Janeiro, quando, por força da operação de loteamento, o município tenha de realizar ou reforçar obras de urbanização. 2 -A taxa pela realização de infra-estruturas urbanísticas prevista na a) do art° 11° da Lei n° 1/87, de 06 de Janeiro, só pode ser exigida nos casos expressamente previstos na a) do n° 1, não podendo ser consideradas como passíveis de incidência da taxa quaisquer outras situações, designadamente no âmbito de execução de obras de construção, reconstrução ou alteração de edifícios, ainda que tais obras tenham determinado ou venham a determinar directa ou indirectamente, a realização pelo município de novas infra-estruturas urbanísticas ou o reforço das já existentes”. (os destaques e sublinhados são nossos) 19. Ora, esta vontade da Assembleia da República plasmada na autorização legislativa concedida ao Governo nunca foi ou poderá ser colocada em causa, por isso, a exigência da taxa pressupõe, sempre, a prestação efectiva de um serviço ou uma contrapartida a prestar pela Câmara Municipal, decorrente da emissão do alvará. 20. Acresce que a Constituição da República Portuguesa impõe ao legislador uma configuração típica do sistema tributário, que a legislação ordinária nunca poderia deixar de considerar; 21. Pois, as taxas têm como elemento estrutural a prestação deutilidades concretas, numa óptica de prestação privada/ contraprestação pública, fundamentando-se numa relação material de sinalagmaticidade, sendo essencial que a uma prestação do sujeito passivo corresponda uma contrapartida qualitativa. 22. E a prestação a cargo da Recorrente não pode ser desproporcionada face à contraprestação da entidade pública - princípio da equivalência. 23. Existem três padrões possíveis de mesuração da proporcionalidade: equivalência ampla; equivalência funcional e equivalência estrita. 24. Sendo certo que o tributo com a configuração da Taxa Municipal de Urbanização tem necessariamente de se encontrar submetida a princípio de equivalência estrita, tal é expressamente reconhecido pela legislação e jurisprudência comunitária recente a este propósito (por exemplo, acórdão Fantask – processo C-188/95, Modelo SGPS SA – processo C-56/98 e SONAE Tecnologias de Informação – processo C-206/99, entre outros). 25. As taxas por realização de infra-estruturas urbanísticas, visam, no sistema actual, o ressarcimento da entidade pública pela construção, manutenção e reforço das infra-estruturas urbanísticas e deverá assentar numa óptica de equivalência estrita. 26. No caso concreto, não existe qualquer contrapartida qualitativa, pois tendo a Recorrente desenvolvido toda a actividade de construção de infra-estruturas não existirá qualquer contrapartida possível (presente ou futura) susceptível de ser efectuada pelo Município. 27. Ora, tal como se encontra provado nos autos, e como se disse, a Câmara Municipal não realizou qualquer nova infra-estrutura urbanística, não ampliou, melhorou ou reforçou as preexistentes, nem teve necessidade de construir de novo ou de melhorar no futuro, em consequência directa ou indirecta da aprovação do loteamento, qualquer infra-estrutura. 28. Assim, nenhuma utilidade prestou o Município à Recorrente por tão avultada quantia paga com o pretexto de Taxa Municipal de Urbanização. 29. Conclui-se que o montante a pagar pela Recorrente (sujeito passivo) é idêntico quer esta construa todas as infra-estruturas urbanísticas, sem que exista qualquer necessidade de reforço ou ampliação das existentes (no momento presente ou futuramente), quer seja a edilidade a construir todas as infra-estruturas suporte. 30. E não existe qualquer nexo de sinalagmaticidade, nem qualquer referencial, que suporte um juízo de proporcionalidade, pois, o valor da taxa é manifestamente desproporcionado e "completamente alheio ao custo do serviço prestado". 31. Assim, tratando-se de um verdadeiro imposto a sua criação não é da competência da Assembleia da Republica, nos termos do art. 165°, n° 1/i) da CRP; 32. Pelo que as quantias exigidas a título de "taxa", em tais circunstâncias, constituem um verdadeiro imposto (sujeita ao princípio da legalidade ou reserva de lei formal) cuja criação está vedada aos municípios, por força do disposto nos artigos 103.º e 165.º, n.º 1, al. i) da CRP.” **** A Recorrida, não apresentou contra-alegações.**** Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.**** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.**** A questão a apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento, determinando se o tributo liquidado pela Câmara Municipal de Ovar tem, ou não, natureza de imposto, e nessa medida, se foram violados os artigos 103.º, 165.º, n.º 1, al. i) da CRP.II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Matéria de facto A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto: 1) “A Câmara Municipal de Ovar procedeu à liquidação de taxas no valor global de Esc. 12.858.999$00, dos quais Esc. 11.859.144$00 correspondem a taxa de urbanização (cfr. doc. de fis. 33 e 34 dos autos). 2) O valor global de Esc. 12.858.999$00 foi pago pela impugnante em 1995 (cfr.doc. de fis. 33 dos autos). 3) O cálculo do valor correspondente à taxa de urbanização foi efectuado pela forma constante dos documentos de fis. 44 a 48 dos autos. 4) Em 2111/1995 a Câmara Municipal de Ovar, em reunião ordinária, pronunciando-se quanto à presente impugnação judicial e com referência ao alvará de licença de obras n.° 734/95 relativo à construção do Edifício do Condomínio Fechado do …, processo de obras n.° 3…, deliberou, por unanimidade, manter a totalidade do acto impugnado (cfr. doc. de fls. 49 dos autos). 5) A construção do referido edifício não dará origem à construção, ampliação, reforço ou remodelação de qualquer infra estruturas ou obras de urbanização a cargo do Município, nem as mesmas se encontram previstas. 6) A presente impugnação foi instaurada em 9/1111995. 7) Em 7/07/1995 a impugnante apresentou reclamação da liquidação impugnada nos presentes autos, junto do Presidente da Câmara Municipal de Ovar (cfr. doc. de fls. 211 dos autos). O tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos assentes tendo por base os documentos indicados os quais não foram impugnados e ainda os depoimentos das testemunhas inquiridas, os quais demonstraram ter conhecimento directo e pessoal dos factos e depuseram de forma precisa e clara.”
**** Custas pela Recorrente.D.n. Porto, 30 de Setembro de 2014. Ass. Cristina Flora Ass. Ana Patrocínio Ass. Mário Rebelo |