Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00446/11.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/07/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ADIANTAMENTO POR CONTA DOS LUCROS
ÓNUS DA PROVA
IRS
Sumário:I - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
II - O artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantiasessas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
III - Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.
IV - A Administração Tributária não lançou mão da presunção constante deste normativo, porque a quantia em apreço não estava escriturada numa conta de sócios da sociedade.
V - Competia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que, no caso concreto tal não se verificou, dado que não se encontram reunidos os factos índice que permitem à Administração Tributária fazer o enquadramento de valores contabilísticos como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no artigo 5.º, nºs.1 e 2, alínea h) do CIRS, assim padecendo a liquidaçãoimpugnada de vício de violação de lei.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:Construções..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Públicainterpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 16/12/2013, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade “CONSTRUÇÕES…, LDA., N.I.P.C. 5…, com os demais sinais nos autos, contra a liquidação oficiosa n.º 2010 6410002234, relativa a IRS (retenções na fonte) e respectivos juros compensatórios, respeitantes ao exercício de 2008, emitida no seguimento de procedimento inspectivo de que foi alvo a Impugnante, no valor de € 17.057,31.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“I- Na douta sentença recorrida, julgou-se totalmente procedente a presente impugnação judicial, entendendo o Tribunal “a quo” que : (….) a Impugnante logrou ilidir a presunção de que beneficiava a AT ao demonstrar que o montante em causa não se tratou de um adiantamento por conta do lucro ao gerente, mas sim de um empréstimo que lhe foi concedido pela sociedade.
II- Tal conclusão, alicerçou-se na factualidade dada como provada nos pontos A) a H), da matéria assente, fundando-se a convicção do ilustre julgador nos documentos juntos aos autos.
III- No entanto, entende a Fazenda Pública, e salvo o devido respeito por melhor opinião, que perante os factos dados como provados, não poderia a M.ma juiz “a quo”, chegar às conclusões vertidas na douta decisão recorrida. Senão vejamos,
IV- Desde logo, convém esclarecer que, tal como resulta do RIT, os serviços de inspeção tributária, concluíram que na situação em causa nos autos houve “um adiantamento por conta de lucros nos termos do artigo 5º, nº 2, alínea h) do CIRS”, e não, uma presunção de rendimentos nos termos do disposto no art. 6º, n.º 4 do CIRS, como refere a impugnante no artigo 19º da petição inicial, enquadramento legal que foi, igualmente, seguido na douta sentença recorrida.
VI- Com efeito, no âmbito do procedimento inspetivo, a AT, constatou, e tal, como resulta, do RIT, que a impugnante omitiu faturação a um cliente – J… -, no valor de € 84.000,00, no exercício de 2008:
(…) III- 2 Depósito de cheque de cliente sem a correspondente faturação e entregas ao sócio gerente.
Desta forma, estamos em presença de um recebimento de um cliente no valor de € 84.000,00 sem que tenha sido emitida a correspondente fatura ou documento equivalente (…).
Em 22/12/2008, foi emitido ao portador, contrariando o estipulado no artigo 63º -C , n.º 3 da LGT, pelo sujeito passivo em análise, o cheque nº 6000001872 do Banco Santander Totta, no valor de € 84.000,00 (Anexo 14 ao presente relatório), exatamente o mesmo valor do cheque emitido pelo cliente J… referido anteriormente.
Questionado o sujeito passivo sobre o destinatário deste cheque, foi-nos referido que o mesmo foi levantado ao balcão pela funcionária e nora do sócio gerente Maria… e depositado logo de seguida na sua quase totalidade (€ 80.000,00) na conta particular do sócio gerente S…, conta SantaderTotta nº 3… (…).
Desta forma, estamos na presença de um adiantamento por conta dos lucros nos termos do art 5º, n.º 2. alínea h) do CIRS, no valor de € 80.000,00 (…).
VII- Ou seja, a AT não fez qualquer presunção de rendimentos nos termos do disposto no art. 6º, n.º 4 do CIRS, tendo considerado, isso sim, que determinada quantia foi entregue pela sociedade impugnante ao seu sócio-gerente em 22-12-2008, a título de adiantamento por conta dos lucros, que enquadrou no art. 5º, n.º 2, alínea h) do CIRS.
VIII- Na douta sentença recorrida, a M.ma Juiz a quo, deu como provado, que em 06/01/2010, 18/01/2010 e 12/02/2010, foram depositados na conta bancária de que a Impugnante é titular do Banco Santander Totta, três cheques nos valores de € 20.000,00 € 45.000,00 e € 20.000,00, respetivamente sacados sobre a conta por S….
IX- tendo concluído - apenas com base naqueles movimentos financeiros - que o montante de € 84 000,00, não correspondia a um adiantamento por conta de lucros, mas a um empréstimo da impugnante ao seu sócio e gerente.
X- No entanto, e perante os factos detetados no âmbito do procedimento inspetivo, bem como os documentos que se encontram juntos aos autos, entende a Fazenda Pública, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que não foi feita prova de que existiu um empréstimo da sociedade impugnante ao seu sócio e gerente, no montante de € 84 000,00.
XI- Desde logo, e tal como foi referido pela Fazenda Pública, em sede de alegações, o empréstimo teria que ser obrigatoriamente reduzido a escrito, de forma a suportar o movimento na contabilidade da impugnante, como, aliás, deve acontecer com qualquer movimento contabilístico, a que acresce o facto de, nos termos do disposto no art. 1143º do Código Civil, este alegado empréstimo ter que revestir necessariamente a forma escrita para ser válido.
XII- Por outro lado, não deixa, igualmente, de ser relevante, para a apreciação dos factos, que os cheques (cópias) agora apresentados tenham como datas de emissão, o primeiro, a data da carta aviso remetida à impugnante (05-01-2010), informando-a de que se iria iniciar um procedimento inspetivo (com depósito em data posterior) e os restantes cheques tenham neles apostas datas em que já estava a decorrer o procedimento inspetivo.
XIII- Acresce que, a ser verdade o alegado pela impugnante de que a sociedade efetuou um empréstimo ao sócio gerente S… no valor de € 84 000,00, não se compreende porque é que o cheque emitido pela ora impugnante é emitido ao portador (quando deveria ser cheque nominativo), contrariando expressamente o estipulado no art. 63º C, n.º 3 da LGT,
XIV- que a impugnante não explique porque motivo esse cheque de € 84 000,00 é levantado (anexo 14 ao RIT) ao balcão pela sua funcionária e, no mesmo momento, depositado em dinheiro apenas a quantia de € 80.000,00 na conta bancária do sócio-gerente (anexo 15 ao RIT),
XV- e que o valor alegadamente devolvido tenha sido no montante de € 85 000,00 (€ 20 000, 00 + € 45 000,00 + € 20 000,00).
XVI - No que a esta matéria respeita, não podemos deixar de referir, ainda, a “coincidência temporal” existente entre o alegado empréstimo da impugnante ao seu sócio e gerente e a omissão de proveitos de igual montante - € 84.000,00 -, detetada pela IT, que originou correções ao nível de IRC (omissão de proveitos, que já foi objeto da apreciação no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 485/11.9BEBRG, na qual a impugnante discute a legalidade da liquidação adicional de IRC, do exercício de 2008, e cuja decisão de primeira instância concluiu no sentido pugnado pela AT no RIT),
XVII- bem como o referido, pela impugnante, em sede de exercício do direito de audição ao projeto de relatório do procedimento inspetivo em causa nos autos, no qual a mesma justificou o cheque de € 84 000,00, emitido pelo Sr. A…, como um empréstimo para fazer face a compromissos financeiros da sociedade.
XVIII- Ou seja, a impugnante, tendo alegadamente dificuldades de tesouraria a 03 de outubro de 2008, o que a teria levado a pedir emprestados € 84.000,00 a uma “pessoa das relações do seu sócio-gerente”, cedeu essa liquidez ao seu sócio e gerente, em 22-12-2008.
XIX- Face ao exposto, é entendimento da FP, que a mera existência de movimentos financeiros entre a impugnante e o seu sócio e gerente, não é suficiente, por um lado, para demonstrar a existência do alegado empréstimo e por outro lado, para pôr em causa os factos descritos no RIT, que levaram a IT a concluir que tratava de um adiantamento por conta dos lucros, nos termos do disposto no art. 5º, n.º 2, alínea h) do CIRS.
Nestes termos, e não merecendo a atuação da AT qualquer censura, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação judicial, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
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A Recorrida apresentou contra-alegações em defesa da manutenção da sentença em crise, embora sem formular conclusões.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na qualificação do facto tributário, ao julgar que o montante de €80.000,00, subjacente à liquidação impugnada, era um empréstimo que foi concedido pela sociedade ao sócio-gerente “S…” e não um adiantamento por conta de lucro a esse seu sócio-gerente.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
FACTOS PROVADOS

Compulsados os autos, vista a prova produzida, com interesse para a decisão, dão-se como provados os seguintes factos:

A. A sociedade CONSTRUÇÕES…, LDA., N.I.P.C. 5…, encontra-se coletada em IRC pelo exercício da atividade de “Construção de Edifícios (residenciais e não residenciais)”, CAE 041200, estando enquadrada no regime de contabilidade organizada e, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal – cfr. fls. 1 do relatório de inspeção tributária;

B. Com base na Ordem de Serviço n.º 28/2010, de 05.01.2010, a Impugnante foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, de âmbito parcial (IVA, período de 0905), que decorreu entre 11.01.2010 a 22.07.2010 – cfr. fls. 1 do relatório de inspeção tributária;

C. Na sequência dos fatos apurados no procedimento mencionado na al. imediatamente anterior,foi emitida a Ordem de Serviço n.º 544/2010, de 10.02.2010, determinando a sujeição da Impugnante a um procedimento inspetivo externo, de âmbito geral (exercícios de 2007 e 2008), que decorreu entre 02/03/2010 a 22/07/2010 cfr. fls. 1 do relatório de inspeção tributária;

D.No âmbito da ação inspetiva foi elaborado o Relatório Final que consta de fls. 20 a 36 do processo administrativo, cujas conclusões se dão por reproduzidas;

E. No exercício de 2008, ocorreram movimentos financeiros entre a Impugnante e o sócio gerente S…, que se encontram descritas no item III, do Relatório mencionado na al. anterior;

F. No Relatório mencionado na al. D., consta que a AT considerou que os movimentos referidos na al. E., tratavam-se de um adiantamento que a Impugnante fez ao referido sócio por conta do lucro no montante de € 80.000,00 não justificados por suprimentos ou qualquer outro crédito perante a Impugnante, os quais estão sujeitos a retenção na fonte em sede de IRS, nos termos do art. 71.º, n.º 1 e 3 (atual 71.º, n.º 1, al. c)) art. 98.º, n.º 3 e 102.º, n.º 2, al. a) do CIRS;
G. Em 06/01/2010, 18/01/2010 e 12/02/2010, foram depositados na conta bancária de que a Impugnante é titular do Banco Santander Totta, 3 (três) cheques nos valores de € 20.000,00, € 45.000,00 e € 20.000,00, respetivamente, sacados sobre a conta titulada por S…;

H. Na sequência da inspeção ordenada e descrita em C., foram efetuadas correções à matéria tributável, constantes do relatório final de inspeção, que deu origem à liquidação oficiosa n.º 2010 6410002234 relativa a IRS, do exercício de 2008, aqui impugnada.

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FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem outros factos sobre os quais o Tribunal deva pronunciar-se, já que as demais asserções da douta petição ou integram antes conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa.
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Motivação da matéria de facto dada como provada:
A convicção do Tribunal alicerçou-se no teor dos documentos constantes de processo administrativo e demais documentos constantes dos autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
O Tribunal não relevou a prova testemunhal, produzida com o anterior Juiz titular, visto tratar-se de matéria única e exclusivamente de direito, cuja prova bastava-se com os documentos juntos aos autos.”
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2. O Direito

Funda-se o presente recurso na sustentação deque a mera existência de movimentos financeiros, entre a impugnante e o seu sócio e gerente, não ser suficiente, por um lado, para demonstrar a existência do alegado empréstimo e, por outro lado, para pôr em causa os factos descritos no RIT, que levaram a IT a concluir que se tratava de um adiantamento por conta dos lucros, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS.
Contudo, a questão que importa primeiramente decidir é a de saber se a liquidação impugnada é ilegal em virtude de a AT não ter demonstrado, como lhe incumbia, que a quantia de €80.000,00, alegadamente entregue pela Recorrida ao seu sócio-gerente S…, constituía adiantamento por conta de lucros a esse sócio e, como tal, não estarem verificados os pressupostos que preenchem a hipótese de incidência da norma do artigo 5º, n.º 2, alínea h), do CIRS.
Está em causa a legalidade do acto de liquidação de IRS (2008) por falta de retenção na fonte por parte da ora Recorrida.
A fundamentação aduzida pela administração tributária no relatório de inspecção para proceder à liquidação impugnada foi a seguinte: “(…) Em 22/12/2008, foi emitido ao portador, contrariando o estipulado no artigo 63.º-C, n.º 3 da LGT, pelo sujeito passivo em análise, o cheque n.º 6000001872 do Banco Santander Totta, no valor de €84.000,00 (anexo 14 ao presente relatório), exactamente o mesmo valor do cheque emitido pelo cliente J… referido anteriormente. Questionado o sujeito passivo sobre o destinatário deste cheque, foi-nos referido que o mesmo foi levantado ao balcão pela funcionária e nora do sócio gerente Maria… e depositado logo de seguida na sua quase totalidade (€80.000,00) na conta particular do sócio gerente S…, conta do Santander Totta n.º 3…, tendo-nos sido fornecida cópia do extracto bancário onde consta a entrada deste valor em 22/12/2008 (Anexo 15 ao presente relatório). Tal como o depósito do cheque emitido pelo cliente já indicado neste ponto, também este cheque foi contabilizado na conta 2682 – Outros credores (anexo 13 ao presente relatório). Desta forma, estamos em presença de um adiantamento por conta de lucros nos termos do artigo 5º, n ° 2, alínea h) do CIRS, no valor de €80.000,00, e portanto, sujeito a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 20%, ou seja, no valor de €16.000,00,nos termos do artigo 71°, n.º 1 e alínea c) do n°3 (actual artigo 71.º, n.º 1, alínea c)) artigo 98.º, n.º 3 e artigo 101.º, n.º 2, alínea a), todos do CIRS.”
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga não acolheu este entendimento e julgou a impugnação procedente, concluindo que “ (…) o que é certo é que o montante em questão deu entrada no ativo da empresa, sendo que o facto de o empréstimo não obedecer aos requisitos legais não pode levar a concluir-se pela sua inexistência. A isto acresce o facto de que o valor dos cheques emitidos pelo gerente estão reflectidos na contabilidade da empresa, como resulta do Extracto de Conta Conferência de fls. 103, pelo que não é pertinente o alegado pela RFP a fls. 113, uma vez que o valor saldado na IES sem entrada dos €85.000,00 apresentaria uma desconformidade mais relevante. Afigura-se-nos de concluir no mesmo sentido do Digno Magistrado do MP, de que a Impugnante logrou ilidir a presunção de que beneficiava a AT ao demonstrar que o montante em causa não se tratou de um adiantamento por conta de lucro ao gerente, mas sim de um empréstimo que lhe foi concedido pela sociedade, sendo certo que, de acordo com o disposto no art. 100.º, n.º 1 do CPPT, a dúvida fundada sobre a existência do facto tributário deverá resolver-se a favor do contribuinte (…)”.
Ora, preceitua o artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, na redacção aplicável:
“1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
(…)
h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º”.
Este artigo 5.º, n.º2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
Mas para que tal suceda é necessário que se prove a existência de lucros e que estes foram colocados à disposição dos sócios ou titulares, sendo que não existe qualquer presunção de que no caso de haver lucros estes sejam recebidos pelos sócios ou titulares.
Com efeito, a única presunção legal que se conhece, neste âmbito, é a que decorre da norma do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, na redacção então em vigor, segundo a qual os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
E para esta presunção operar pressupõe-se, efectivamente, o registo na conta corrente do sócio.
Porém, na tese da recorrente, a administração tributária não se baseou, no caso em apreço, em qualquer presunção para considerar que as quantias recebidas pelo sócio-gerente constituíam adiantamentos por conta de lucros, nomeadamente a prevista no artigo 6.º, n.º 4 do CIRS. Pelo contrário, AT não fez qualquer presunção de rendimentos, tendo considerado que determinada quantia foi entregue pela sociedade impugnante ao seu sócio-gerente em 22/12/2008, a título de adiantamento por conta dos lucros, que enquadrou no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS.
Considerando os elementos disponíveis, confirma-se, efectivamente, não existir na contabilidade da Recorrida qualquer lançamento na conta do sócio S… (conta 25 – sócios) que pudesse fazer operar a presunção do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS e que a AT não baseou a sua fundamentação de direito neste normativo. Segundo a AT, existiam indícios concretos e suficientes para considerar a retirada daquela quantia como adiantamento por conta de lucros e, consequentemente, como rendimentos de capitais, da categoria E, nos termos do artigo 5.º, n.º1, alínea h) do CIRS, sujeitos a tributação.
Em tal situação, a norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS não exige a escrituração formal dessa realidade como pressuposto de incidência, mesmo porque “deixar ao critério do sujeito passivo a “classificação” como adiantamento por conta de lucros, de realidades da vida corrente das sociedades comerciais, que constituem verdadeiros desvios de fundos em proveito dos sócios, seria frustrar o interesse público do Estado na arrecadação de impostos e no combate à fraude e evasão fiscais e permitir que ficassem por tributar verdadeiros incrementos patrimoniais dos sócios”.
É comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Porém, o mesmo não acontece quanto uma parte do património das sociedades é afectado ou onerado, por contrapartida da transferência duma parte deste, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica de um associado ou titular, sem que às mesmas operações lhes sejam dados os qualificativos de "lucros distribuídos" ou "adiantamentos por conta dos lucros". Tal situação ocorre quando os montantes, que deviam ter sido reconhecidos como proveitos das sociedades, acabam por não ser registados nas contabilidades destas e vão acrescer ao património individual dos respectivos associados ou titulares e, ainda, quando o registo, apesar de efectuado na contabilidade da sociedade, não foi relevado numa conta de proveitos, mas sim numa qualquer conta de passivo que confira ao associado ou titular o direito de, como qualquer normal credor, vir a exercer a respectiva exigibilidade - vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27/01/2009, proferido no âmbito do processo n.º 02479/08.
Assim, a questão que se coloca é a de saber se os factos recolhidos pela administração tributária permitem extrair a conclusão de que foram postos à disposição do seu sócio-gerente proveitos auferidos pela Recorrida, constituindo adiantamentos por conta de lucros e, nessa medida, devem ser qualificados como rendimento de capitais nos termos do artigo 5.º, n.º2, alínea h) do CIRS.
Importa relembrar que era a Administração Tributária que tinha o ónus de alegar e provar factos índices donde se pudesse extrair aquela conclusão (cfr. artigo 74º da LGT), impondo-se verificar se a argumentação constante do RIT e vertida no probatório contém factos objectivos susceptíveis de demonstrar que a quantia em causa foi colocada à disposição do sócio e se permite extrapolar a conclusão de que estamos perante adiantamento por conta dos lucros e, como tal, rendimento de capitais, categoria E, nos termos do estatuído no artigo 5º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) do CIRS, para depois concluir que a Recorrida estava obrigada a reter na fonte a importância correspondente a essa quantia.
Como decorre dos autos e do probatório, a presente liquidação de IRS teve lugar por se ter apurado em sede inspectiva que o valor entrado numa conta pessoal do sócio-gerente correspondia, na sua quase totalidade,ao montante constante de um cheque emitido ao portador pela sociedade.
O Código das Sociedades Comerciais (CSC), no seu artigo 297.º, n.º1, prevê que nas sociedades anónimas sejam feitos aos accionistas adiantamentos sobre lucros, desde que observadas as seguintes regras:
«a) O conselho de administração ou o conselho de administração executivo, com o consentimento do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão, resolva o adiantamento;
b) A resolução do conselho de administração ou do conselho de administração executivo seja precedida de um balanço intercalar, elaborado com a antecedência máxima de 30 dias e certificado pelo revisor oficial de contas, que demonstre a existência nessa ocasião de importâncias disponíveis para os aludidos adiantamentos, que devem observar, no que seja aplicável, as regras dos artigos 32.º e 33.º, tendo em conta os resultados verificados durante a parte já decorrida do exercício em que o adiantamento é efectuado;
c) Seja efectuado um só adiantamento no decurso de cada exercício e sempre na segunda metade deste;
d) As importâncias a atribuir como adiantamento não excedam metade das que seriam distribuíveis, referidas na alínea b).
2 - Se o contrato de sociedade for alterado para nele ser concedida a autorização prevista no número anterior, o primeiro adiantamento apenas pode ser efectuado no exercício seguinte àquele em que ocorrer a alteração contratual».
Embora o CSC não contenha disposição idêntica para as sociedades por quotas (caso da impugnante), o certo é que a admitir-se tal possibilidade também nesta modalidade societária, sempre haveriam de observar-se as regras a que está sujeito o adiantamento sobre os lucros nas sociedades anónimas – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 09/06/2016, proferido no âmbito do processo n.º 545/10.4BECBR.
E analisadas tais regras, logo se vê que o adiantamento por conta dos lucros supõe a transferência de disponibilidades financeiras geradas em resultados do exercício, da sociedade para os sócios.
Ora, os resultados das empresas decorrem da diferença entre os proveitos e os custos apurados no exercício.
Como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».
No caso dos autos, não está demonstrado ter ocorrido qualquer transferência da sociedade para o sócio de fundos próprios gerados em resultados. Apenas sabemos que saiu da conta da sociedade n.º 2682 – Outros Credores, o montante de €84.000,00 – cfr. anexo 13 ao relatório inspectivo, consubstanciado no “Extracto de Conta de Conferência”, por via da emissão do cheque n.º (…) 1872 ao portador – cfr. anexo 14. Sabemos, ainda, que esse cheque foi pago em 22/12/2008 – cfr. extracto da conta bancária à ordem da sociedade a fls. 50 do processo físico. E que, na mesma data, foi efectuado um depósito em numerário na conta particular de S…, no valor de €80.000,00 – cfr. extracto consolidado a fls. 51 (anexo 15). Assim, em rigor, somente com os elementos documentais juntos aos autos, não é possível dar por adquirido que o depósito de €80.000,00 na conta bancária particular do sócio-gerente teve como proveniência a impugnante, muito menos que consubstancie fundos próprios da sociedade gerados em resultados, segundo o citado artigo 17.º do CIRC.
Lembramos que o cheque de €84.000,00 emitido ao portador pela Recorrida foi lançado na sua contabilidade na conta “2682 – Outros Credores” e não em qualquer conta de “Sócios”, não podendo dar-se por adquirida a qualificação do depósito como “adiantamento por conta de lucros” (que, se assim fosse, seria contabilizado na “conta 2522”).
Assim, a qualificação como adiantamento por conta dos lucros, in casu, enferma de erro nos pressupostos, sendo irrelevante a discussão que se formou em torno da questão de saber se tal quantia retornou à sociedade (e em que medida), e se se tratava,afinal, de um eventual empréstimo da sociedade ao seu sócio-gerente.
De todo o modo, o certo é que tal quantia foi contabilizada na “conta 2682 – Outros Credores” e que, cerca de dois anos depois, em 06/01/2010, em 18/01/2010 e em 12/02/2010, foram depositados na conta bancária de que a Recorrida é titular do Banco Santander Totta, 3 (três) cheques nos valores de € 20.000,00, de € 45.000,00 e de € 20.000,00, respectivamente, sacados sobre a conta titulada por S…– cfr. ponto G) do probatório.
Relembramos que à AT cabe o ónus de provar a existência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, isto é, compete-lhe provar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que o contribuinte deixou de liquidar, demonstrando a existência e conteúdo do facto tributário. Ou seja, a Administração Fiscal tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a qualificar a entrada de capital na conta particular do sócio-gerente como adiantamento por conta dos lucros da sociedade e, no caso, não se recolheram factos (índice) suficientes de que foi feito depósito pela sociedade na conta do sócio alicerçado nos resultados do exercício da sociedade.
Na falta de verificação desse requisito, inexiste para a sociedade impugnante qualquer obrigação de imposto fundada em facto tributário na esfera do sócio-gerente, o que inquina do vício de violação de lei a liquidação impugnada de IRS – retenção na fonte, determinante da sua anulação.
Nesta conformidade, porque a apreciação se quedou a montante, são irrelevantes os argumentos apontados nas alegações do presente recurso, impondo-se negar provimento ao mesmo, mantendo a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário

I - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
II - O artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
III - Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.
IV - A Administração Tributária não lançou mão da presunção constante deste normativo, porque a quantia em apreço não estava escriturada numa conta de sócios da sociedade.
V - Competia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que, no caso concreto tal não se verificou, dado que não se encontram reunidos os factos índice que permitem à Administração Tributária fazer o enquadramento de valores contabilísticos como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no artigo 5.º, nºs.1 e 2, alínea h) do CIRS, assim padecendo a liquidação impugnada de vício de violação de lei.
IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 07 de Julho de 2016
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves