Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00118/09.4BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/29/2012
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:PROVA PERICIAL
Sumário:1. Na impugnação deduzida na sequência da 2ª avaliação – art. 77º do CIMI, tem de ser admitir a realização do exame pericial requerida pelo impugnante, destinada a comprovar a factualidade consubstanciadora da sua tese, não se podendo recusar os meios de prova susceptíveis de demonstrar a correcção do acto impugnado.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:G..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - RELATÓRIO
G…, Lda., NIF 5…, com sede no Largo…, Braga, deduziu Impugnação Judicial contra a quantificação do valor patrimonial tributário, resultado de segunda avaliação aos terrenos para construção sitos na Urbanização…, concelho de Aveiro, inscritos na matriz predial urbana sob os artigos P….
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, foi proferido despacho, em 23.11.2009, que indeferiu o requerimento de realização de perícia, e, em 29.06.2011, sentença que julgou improcedente a impugnação, decisões com que a Impugnante não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.
Quanto ao recurso do despacho interlocutório
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
1ª - Antes do DL 329-A/95, o CPC distinguia 3 tipos de prova pericial ou arbitramento: o exame, a vistoria e a avaliação.
E só para o exame ou vistoria existiam normativos correspondentes ao actual artº 577º, que eram os artºs 572º.1 e 573º, que exigiam o requerimento contivesse a apresentação de quesitos a serem respondidos pelos peritos.
À avaliação não se aplicavam os sobreditos artºs 572º.1 e 573º, mas o regime próprio dos artºs 603º e ss., que não previa a necessidade de formular quesitos.
O legislador considerava que bastava que se identificassem os bens ou direitos a avaliar.
2ª - Actualmente, o artº 577º do CPC (redacção do DL 180/96), dispõe que ao requerer a perícia, a parte indicará logo o respectivo objecto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência, podendo a perícia pode reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária.
Sinónimo de “enunciar” é indicar sumariamente; e de “reportar-se” é referir-se, aludir, mencionar.
3ª - Conforme os Acs. do TRL de 05-11-2009, no Proc. 2269/06.8TVLSB.L1-8, o Ac. da mesma Relação de 22-11-2007, no Proc. 4072/2007-2, o que importa é que a questões propostas se reportem a factos articulados, dispensando-se as partes da formulação de perguntas precisas e deixando aos peritos maior margem de manobra na elaboração do relatório
Conforme os acórdãos do TRG de 22-01-2003 no Proc. 1308/02-2 e do TRC de 08-07-2008, no Proc. 330/2001.C1, após o DL 180/96, é comum proceder-se à enunciação das questões de facto a esclarecer por reporte aos articulados, referindo-se directamente aos artigos destes ou, então, aos artigos da respectiva selecção na BI.
4ª - Não pretendendo o novo regime ser mais exigente que o vigente antes do DL 329-A/95 e estando em causa uma avaliação, para a enunciação das questões de facto a esclarecer seria bastante a identificação dos bens a avaliar.
5ª – No caso o juízo de que a Impugnante se limitou a afirmarde forma genérica e abstracta o objecto da perícia é contraditado na sua sequência imediata, onde também o douto despacho considera afirmado que a perícia teria “como finalidade o esclarecimento da matéria dos artigos 7, 9, 13, 14, 26, 27 e 29 a 31”da PI, pois aí estão, pelo menos, 9 concretas questões de facto.
Aliás, no parágrafo seguinte, o antepenúltimo do douto despacho, refere-se, por duas vezes, que, se admitida, a perícia “versaria sobre questões anteriormente abordadas”. Por esse modo, o Tribunal confessa que conseguiu identificar perfeitamente as questões de facto a esclarecer, dando-as por (alegadamente) iguais às que haviam sido objecto das anteriores avaliações (1ª e 2ª)
E essa confissão é reconfirmada no final do penúltimo parágrafo, onde o despacho impugnado considera que, conforme a ficha da 2ª avaliação, nela “foi dada resposta a todas as questões agora suscitadas”. Ou seja, o Tribunal compreendeu muito bem quais as questões de facto relativamente às quais a Impugnante suscitou o pedido de esclarecimento.
6ª - Não pode aceitar-se o entendimento de que a avaliação judicial, na Impugnação Judicial, nada acrescentará às avaliações efectuadas nos termos do CIMI no procedimento administrativo, além de não ser exacto que as questões objecto da avaliação judicial tenham sido livremente apreciadas nas avaliações efectuadas naquele procedimento administrativo.
7ª - O artº 103º.1 da Constituição preceitua que “O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.”
O artº 104º da Constituição dispõe que:
2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.
3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.
E no preâmbulo do CIMI, atribui-se ao regime de avaliação do CIMI ter visado “servir de referência a uma sólida, sustentável e justa relação tributária entre o Estado e os sujeitos passivos”; e “repartir de forma mais justa a tributação da propriedade imobiliária”.
8ª - Definindo a FUNÇÃO JURISDICIONAL, os artºs 202º.2, 203º e 204º da Constituição prescrevem que incumbe aos Tribunais “reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados” e que, sendo independentes e apenas sujeitos à lei, devem recusar a aplicação de normas que infrinjam as disposições e princípios constitucionais.
O artº 212º.3 da Constituição atribui aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
Segundo o artº 266º.2 da Constituição, princípio fundamental da ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA é o de que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”
E, pelo artº 268º.4, “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma”…
9ª - O artº 112º da Constituição, que respeita ao regime dos Actos Normativos:
No nº1 define como “actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais.”
No nº 5 dispõe que “Nenhuma lei pode (…) conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.”
Nos nºs 5 e 6, que “Os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes”; e que “Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão”.
Ora, as Portarias são regulamentos, que os tribunais devem desaplicar quando inconstitucionais ou ilegais.
A desaplicação das leis e dos regulamentos inconstitucionais ou ilegais constitui comando inerente à função jurisdicional, no seu poder/dever de reprimir a inconstitucionalidade e a violação da legalidade democrática – pois que as Portarias/Regulamentos e as leis também podem violar a legalidade democrática.
Aliás, o artº 73º.1 do Cód. de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aflorando aquele dever, considera como um dos pressupostos da declaração de ilegalidade de normas com força obrigatória geral, a recusa da sua aplicação por qualquer tribunal, com fundamento na respectiva ilegalidade.
10ª - Embora a impugnação judicial tenha estrutura de um recurso é errado o entendimento de que a Impugnação Judicial é apenas uma fase na fixação do VPT.
Na pior das hipóteses é uma nova instância, mas com natureza jurídica e constitucional bem distinta, desde logo pela soberana liberdade de recusar a aplicação de leis e regulamentos inconstitucionais ou ilegais.
11ª - O perito local, que subscreveu a 1ª avaliação, e os dois peritos regionais, que, contra o voto do perito indicado pela Impugnante, determinaram a subscrição da 2ª avaliação, foram nomeados apenas pela parte interessada em inflacionar o VPT, a Fazenda Pública (artºs 63º.1 e 65º do CIMI) e consideravam-se vinculados a conformarem-se com os zonamentos desenhados e os coeficientes de avaliação fixados sob proposta deles próprios (64-b) e 66º-b) do CIMI) e duma comissão nacional em que os incumbidos da Fazenda Pública são largamente maioritários (61º e 62º.1-b) do CIMI).
Nenhuma dessas avaliações foi imparcial e independente - o perito que presidiu à 2ª avaliação até pode ser quadro da DGCI (artº 65º.3 do CIMI) –, ao contrário do que é exigido aos peritos judiciais (artº 571º.1 do CPC).
12ª - Os factos devem ser esclarecidos e evidenciados de modo que se aprecie toda a matéria de facto alegada “relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida” (artº 511º.1 do CPC),
Enquanto nas avaliações administrativas o perito único (na 1ª avaliação) e os peritos maioritários (na 2ª avaliação) se consideraram vinculados a avaliar no respeito pelo zonamento e pelos coeficientes regulamentados na Portaria aplicável, qualquer que fosse o valor do mercado, a avaliação judicial deve facultar que os valores patrimoniais se determinem em conformidade com a realidade do mercado no local, pois que uma das soluções plausíveis da questão de direito – nesta instância e na de recurso jurisdicional –, ainda que controvertida, poderá passar pela recusa de aplicação daqueles regulamentos e de normas do próprio CIMI.
13ª - Porque a avaliação judicial deve facultar que os valores patrimoniais se determinem em conformidade com a realidade do mercado no local, a presidência da perícia colegial judicial deve ser confiada a um perito com perfil bem diferente daqueles que determinaram as avaliações no procedimento administrativo, conhecedor dos valores concretos do mercado, até porque muito provavelmente os zonamentos e coeficientes aplicados nas avaliações administrativas foram propostos por peritos sem a prática e a sensibilidade do mercado imobiliário do local.
14ª - Se houvesse de concluir-se que a avaliação judicial nada acrescentará às avaliações do procedimento administrativo, de nada valendo o esforço de voltar a debruçar-se sobre elas, então também não se justificaria a admissão da Impugnação Judicial, pois o objectivo desta também é, no essencial, debruçar-se sobre as mesmas questões que já foram objecto do pedido de 2ª avaliação no procedimento administrativo.
Assim não é, porém, porque, como se deixou dito, a apreciação da Impugnação Judicial actua no plano da soberania jurisdicional, com o objectivo de garantir a constitucionalidade e a legalidade democrática, ainda que para o efeito deva desaplicar os regulamentos administrativos ou as leis que infrinjam aquela garantia.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, aguarda-se a reparação da decisão do TAF,
Mas, assim não sendo, deverá ser revogado o douto despacho que rejeitou a perícia, declarando-se nulos todos os actos subsequentes, uma vez que a omissão da perícia influirá indiscutível e determinantemente no exame e na decisão da causa, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.
Quanto ao recurso da sentença
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
1ª - Quanto ao FP 5, a Impugnante apenas aceita o decidido na parte em que julgou provado que os lotes 12 e 13 foram vendidos pelo valor de €1 900 000, cada um.
2ª – Porque nestes autos está em causa decidir a recusa de aplicação das normas do CIMI e das sua Portarias de regulamentação enquanto, no caso, determinam a fixação de valores patrimoniais tributários que, excedem os valores de mercado e, assim, determinaram desigualdades e excessos dos impostos liquidados – como, aliás, o legislador já reconheceu pela alteração, em 2009, do artº 76º do CIMI, cuja não aplicação a avaliações reportadas a 2008 é susceptível de corresponder a entendimento inconstitucional – é necessário a ampliação da matéria de facto necessária ao conhecimento de qual o valor de mercado de cada um dos imóveis no ano ao qual se reportava a avaliação do VPT (2008) e não o ACTUAL.
3ª - Assim sendo, quanto ao FP 5, importa que, quanto a todos os lotes, a decisão de facto compreenda o conhecimento do respectivo valor de mercado (artºs 5, 7, 9, 13, 14, 15, 26, 27 e 29 a 31 da PI), designadamente se o valor de mercado dos referidos lotes, reportado a 2008, não deveria exceder os montantes alegados em 31 da PI.
4ª - Os factos alegados e as provas produzidas, além de permitirem rectificar os erros de julgamento da matéria de facto, são bastantes para a ampliação da matéria necessária à decisão quanto à verificação de que os VPT fixados em 2ª avaliação são distorcidos face ao valor de mercado dos lotes, no ano a que se reportam (2008).
5ª - Os erros de julgamento evidenciam-se no FP 5, na parte em que aí se julga que os lotes 1 a 8 têm, actualmente, o valor comercial de €100 000, cada um; o lote 9 apresenta o valor comercial de €350 000; o lote 10 tem o valor de €450 000; o lote 11 o valor de €650 000; e o lote 14, depois de reajuste, tem o valor actual de €1 900 000.
É que a Mma Juiz deu aqueles factos por provados com fundamento nos depoimentos das testemunhas, expressando a sua convicção nesse julgamento porque “depuseram de forma clara e convincente, razão pela qual os seus depoimentos foram valorados na formação da convicção do Tribuna”.
E, de facto, aqueles factos provados não têm suporte nos depoimentos prestados e gravados.
6ª – Conforme transcrito em B-III.4 supra, a Test. DRA. ANA…, aos mm e ss 5:40 e 7:20 e a Test. JOÃO…, aos mm e ss 24:27, 25:00 e 25:18 convenceram quanto à distorção dos VPT impugnados , face ao mercado, enquanto resultantes da fixação do coeficiente de localização de 1,95 e da percentagem de 33% aquele por se referir a uma zona de expansão da cidade (antiga periferia), em comparação com o factor de 1,85 para o núcleo central da cidade e percentagem por manifesto exagero, tendo em conta também que se trata duma zona de expansão e que, salvo nichos de mercado muito especiais, a percentagem mais corrente medeia pelos 20%, até porque o artº 26º.7 do Cód. das expropriações admite um máximo de 25% e o mínimo poderá rondar os 15% (e um Estado de Direito não pode valorizar os bens diferentemente, alterando os critérios consoante é expropriante ou credor de impostos).
7ª – Decorre dos mesmos depoimentos, em especial daquele do experiente mediador JOÃO CASAL SANTOS transcrito em B-III.5 supra (mm:ss 26:40 a 40:00), que os demais depoimentos não puseram em causa (ver, no ponto B-III.12 supra a Test. ENGº AMORIM …, mm:ss 43:06 a 47:00 e a Test. ENGº VICTOR…, mm:ss 50:10 a 32:50, ambos peritos da Fazenda na 2ª Avaliação), que
a) Os lotes 1 a 6, com a área de construção (privativa + 0,3 da dependente) de 260m2, considerado o valor de 250€/m2 da área de construção acima do solo, pelo qual a Câmara vendeu os lotes no Cais da Fonte Nova (também em Aveiro, mas melhor situados que os terrenos aqui em causa), valeriam, cada um, 65.000€ (ponto B-III.5.5 supra). Mas, sabido que se trata de lotes de moradias e que o preço m2 de construção de moradia é mais valorizado que o de apartamentos em propriedade multifamiliar, seria ajustado, apesar da pior localização (face ao Cais da Fonte Nova), majorar o preço para os cerca de 70.000€/lote (B-III.5.1 supra). E, considerando que era maior a valorização do mercado em 2008, mas também, conforme o ponto 5.1 do depoimento, que já então não se conseguiram vender os ditos lotes por 100.000€ cada um, resulta razoável considerar que em 2008 o respectivo valor de mercado não excederia os 72.150€ alegados em 31 da PI.
b) Para os lotes 7 e 8, conforme o ponto B-III.5.2 supra o valor de mercado em 2008 não excederia os 79.130€ alegados no artº 31 da PI.
c) Quanto aos lotes multifamiliares 9 a 14, seguindo o ponto B-III.5.5 supra, o valor de mercado actual não excede os 250€/m2: Assim:
Para o lote 9, com a área de 1.098,20m2, o valor actual seria de 274.550€ e, considerado o melhor momento do mercado em 2008, o seu valor de mercado, nesse ano, não excedia os 306.740€ alegados no artº 31 da PI;
Para o lote 10, com a área de 1.511,30m2, o valor actual seria de 377.825€ e, em 2008, não excedia os 422.780€ alegados no artº 31 da PI;
Para o lote 11, com a área de 2.027,90m2, o valor actual seria de 506.975€ e, em 2008, não excedia os 566.120€ alegados no artº 31 da PI;
Para os lotes 12 e 13, com a área de 6.168m2, cada, o valor actual seria de 1.542.000€, cada, e, em 2008, não excedia os 1.718.910€ alegados no artº 31 da PI, para cada lote; e
Para o lote 14, com a área de 6.231m2, o valor actual seria de 1.557.750€ e, em 2008, não excedia os 1.738.570€ alegados no artº 31 da PI;
d) Quanto ao lote 15, com a área de 2.582,10m2, porque será de aceitar que, conforme a ficha de avaliação, a afectação a comércio/serviços o valoriza em mais 20%, o preço de mercado por m2 passará para 300€/m2 (250x1,20), pelo que o valor de mercado, em 2008, seria de 774.630€.
8ª - Face ao crédito que mereceram os depoimentos das testemunhas, o julgamento do Facto Provado 5 mostra-se incoerente e desapoiado, na parte em que aí se julga que:
os lotes 1 a 8 têm, actualmente, o valor comercial de €100 000, cada um, pois conforme B-III .5.1 o seu valor actual será de cerca de 70.000€ para os 1 a 6 e de 80.000€ para os 7 e 8;
o lote 9 apresenta o valor comercial de €350 000, pois, conforme B-III .5,5 e 10 supra, o seu valor comercial actual será de 274.550€;
o lote 10 tem o valor de €450 000, pois, conforme B-III .5,5 e 10 supra, o seu valor comercial actual será de 377.825€;
o lote 11 o valor de €650 000, pois, conforme B-III .5,5 e 10 supra, o seu valor comercial actual será de 506.975€,
e o lote 14, depois de reajuste, tem o valor actual de €1 900 000, pois, conforme B-III .5,5 e 10 supra, o seu valor comercial actual será de 1.557.750€,
E, por outro lado, como demonstrado em B-III.10 supra, os referidos depoimentos permitem responder afirmativamente ao alegado no artº 31 da PI, quanto a todos os lotes e, assim, no sentido da distorção dos VPT fixados em 2ª avaliação e impugnados, face ao valor de mercado dos terrenos em causa.
9ª - Sem prescindir, se houvesse de concluir-se que a prova testemunhal não suporta suficientemente o alegado no artº 31 da PI, no sentido da distorção dos VPT fixados em 2ª avaliação e impugnados, face ao valor de mercado dos terrenos em causa, então, deverá produzir-se a prova pericial requerida a essa mesma matéria, em conjugação com o alegado nos artºs 7, 9, 13, 14, 26, 27, 29 e 30, da PI, tal como consta da conclusão desta, pelas razões expendidas nas alegações do recurso, admitido, do despacho que indeferiu a produção da prova pericial e ainda porque a prova pericial é a que melhor se ajusta á avaliação do valor de mercado dos terrenos reportada a 2008,
Com a consequente anulação dos actos do processo judicial praticados após o despacho que indeferiu o pedido de Avaliação/Perícia.
10ª - Contrariamente ao entendimento que a sentença colheu, é e parece óbvio que a Impugnação não tem por fundamento a invocação de ilegalidade ou inconstitucionalidade da aplicação cumulada do coeficiente de localização e da percentagem de valorização dos terrenos, como vício do próprio método de cumulação, que foi o objecto do acórdão (fundamento) do STA de 14-07-2010.
Essa aplicação cumulada, por si só, seria de aceitar se o VPT não resultasse excessivo face ao valor do mercado. O erro não está na cumulação em si, mas, antes e em especial nos concretos valores de coeficiente de localização e de percentagem que a Portaria 982/2004, ao abrigo do disposto no CIMI, fixou, em concreto, para a zona dos terrenos em causa.
11ª - Resulta do disposto no artº 134º.2 do CPPT que, além da preterição de formalidades legais, os actos de fixação de valores patrimoniais podem ser impugnados por erro de facto ou de direito na fixação e é isso que se pretende, nestes autos, de impugnação dos actos de fixação, em 2ª avaliação, dos Valores Patrimoniais Tributários (VPT) fixados aos lotes de terreno para construção no Loteamento da Urbanização Sá Barrocas, numa zona de expansão da cidade de Aveiro..
12ª - Os vários códigos de tributação do património (CIMI, CIMT e CISelo) fazem incidir os respectivos impostos sobre o VPT dos prédios, sendo no CIMI que se encontram a generalidade dos critérios de avaliação. E o VPT corresponde também ao mínimo dos proveitos do vendedor, para efeitos de apuramento do lucro ou da margem de ganho sobre os quais incide a taxa de IRS ou IRC (artºs 31º-A do CIRS e 58º-A do CIRC, nas redacções em vigor em 2008)..
13ª - Numa lógica de determinação do VPT por regras de Economia de Plano, por contraposição às de Economia de Mercado, os critérios e procedimento9s definidos no CIMI, até 2009, não assumiam como referência a avaliação do valor normal de mercado e reduzindo os contactos com o Mercado às normas dos artº 62º.1-d) (determinação do valor médio da construção, a nível nacional) e 42º.3-d) (Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário como um dos factores na fixação dos coeficientes de localização).Mas isso contraria o nosso Sistema Económico Constitucional, que é de Economia de Mercado (Constituição da República, artºs 2º, 62º e 80º-b) e c))
14ª - A Lei Fundamental também submete:
a actividade administrativa em geral ao cumprimento dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (artº 266º.2)
e, no que respeita à administração financeira, ao cumprimento dos princípios da repartição justa dos rendimentos e da despesa e da orientação da tributação do património no sentido de contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artºs 103º.1 e 104º.3).
E não consubstanciaria uma repartição justa dos rendimentos e da despes, nem respeitaria a igualdade entre os contribuintes exigir-se a uns o pagamento de impostos em função do valor normal de mercado dos bens que possuem e a outros, em função de valores e critérios de Plano, que, em concreto, distorcem o valor de mercado dos seus bens. Isso seria discriminação negativa, desigual e injusta.
15ª - Na sua extensão às regras de determinação da matéria colectável dos impostos sobre o rendimento (artºs 31º-A. 5 e 6 do CIRS e 58º-A e 129º.1 do CIRC) o legislador relaciona o VPT com o “valor normal de mercado” ou do “preço efectivamente praticado”.
16ª – Sendo certo que o erro de facto e de direito a que se refere o artº 134º.2 do CPPT – que esse normativo qualifica como ILEGALIDADE (ou “motivo de ilegalidade”) – na fixação do VPT, ocorre quanto este se afasta do valor normal de mercado, no caso dos autos, os depoimentos credíveis das 4 testemunhas inquiridas permitem concluir que os VPT distorcem os valores normais de mercado, quer na actualidade, quer relativamente ao ano (2008) a que se reportam.
17ª – Além do já referido na conclusão 6ª, quanto à avaliação para efeitos de expropriação, importa ter presente que nos artigos 889º.2 do CPC e 250º.2 do CPPT o Estado manda anunciar a venda dos bens em processo executivo por 70% do seu valor, ou seja, com um desconto (maior) de 30%; e, para efeitos de aceitar a dação em pagamento, o Estado manda avaliar os bens pelo valor de mercado (artº 201º5 do CPPT), não pelo VPT.
Ora, um Estado de Direito não pode valorizar os imóveis diferentemente, consoante é expropriante ou credor de impostos.
18ª – Sendo certo que o VPT fixado para cada um dos referidos prédios/terrenos em 2ª avaliação, enquanto excede os valores alegados no artº 31º da PI, é ilegal, por padecer de erro de facto (artº 134º.2 do CPPT), esse erro de facto resulta de erro de direito, pois seguiu os procedimentos ditados no CIMI, designadamente os prescritos para fixação da base nacional dos prédios edificados, para fixação dos coeficientes mínimos e máximos aplicáveis a cada município e para a fixação dos zonamentos de concretização dos coeficientes de localização e de afectação e as percentagens dos valores dos terrenos para construção aplicáveis (artº 62º.1-a), b), c), d) e e) e 3 e artºs 38º a 46º e 74º a 77º do CIMI), que não acautelavam (na avaliação, na reclamação/2ª avaliação e na impugnação) a adequação dos VPT resultantes aos valores normais do mercado dos bens avaliados.
19ª – A errada/ilegal fixação dos VPT resulta também de erro de direito, pois a fixação do valor médio de construção, dos coeficientes mínimos e máximos aplicáveis a cada município e dos zonamentos de concretização dos coeficientes de localização e de afectação e das percentagens dos valores dos terrenos para construção estavam regulados em Portarias elaboradas e publicadas em cumprimento do prescrito no CIMI, nos termos do seu artº 62º.3 do (Portaria 982/2004, Portaria 1.426/2004 e Portaria 16-A/2008).
20ª - As variáveis ou os factores mais relevantes da avaliação, eram, em 2008, fixados com base em elementos fornecidos ou propostas formuladas por peritos locais e peritos regionais (artº 62º.1-a) e b) do CIMI), cujos procedimentos de nomeação e de elaboração (dos ditos elementos e propostas), sendo conformes com as referidas normas do CIMI, não acautelam a efectiva adequação aos valores de mercado, um controlo judicial ou, sequer, um contraditório.
E, como se confirma na sentença, na avaliação e na 2ª avaliação, o perito avaliador e a Comissão apenas podiam verificar as medições e cálculos e a qualificação das áreas.
21ª - Sem possibilidade de reclamação ou de impugnação – salvo por desaplicação judicial das normas –, aqueles procedimentos permitiam, tal como ocorreu no caso em apreço, a fixação de VPT que se afastam do valor normal do mercado, assim determinando o pagamento de impostos sobre o património e sobre o rendimento desproporcionados, face ao valor normal de mercado dos bens e dos ganhos efectivos
22ª - A aplicação conjugada das normas do CIMI e Portarias que vêm de ser enunciadas desde a conclusão 18ª, consubstanciava resultados injustos, negativamente discriminatórios e desproporcionados, que o próprio Estado não aceita para si (conclusões 6ª e 17ª) constitui ofensa aos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (artº 266º.2 da Constituição) e aos princípios da repartição justa dos rendimentos e da despesa e da orientação da tributação do património, visando a igualdade entre os cidadãos (artºs 103º.1 e 104º.3).
23ª - Sendo certo que o Estado reconheceu a violação daqueles princípios, a partir da Lei do Orçamento de Estado de 2009, criando um procedimento correctivo, na fase de 2ª avaliação, nos termos da redacção então dada ao artº 76º, nºs 4 a 6 do CIMI, também esse normativo viola os princípios da igualdade e da proporcionalidade, obrigando á sua desaplicação.
24ª - Viola o princípio da igualdade no entendimento segundo o qual só é aplicável às avaliações reportadas aos anos de 2009 e seguintes, pois, sendo correctivo necessário a evitar injustiças de tributação, constituiria (injustificadoa) discriminação negativa, em violação do disposto nos artºs 13º, 103º.1 e 104º.3 e 266º.2 da Constituição, sujeitar os contribuintes que inscreveram prédios na matriz ou realizaram proveitos em finais de 2008 ao pagamento de tributos sobre o património ou sobre os lucros cujos montantes admite iníquos, permitindo apenas a reacção dos que inscreveram prédios ou realizaram proveitos sobre eles, a partir de inícios de 2009
25ª - O disposto no artº 76º.4, viola ainda os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça tributária (artºs 13º, 103º.1 e 104º.3 e 266º.2 da Constituição) enquanto limita os efeitos da correcção da distorção do VPT face ao valor do mercado aos tributos do IRS, IRC e IMT, obrigando os contribuintes a pagar quantitativos de IMI que não correspondem aos valores de mercado dos seus imóveis, por excessivos.
26ª - O disposto no artº 76º.5 do IMI também viola o princípio da proporcionalidade e da justiça tributária (artºs 103º.1 e 104º.3 e 266º.2 da Constituição) enquanto limita o recurso aos efeitos da correcção do VPT face ao valor do mercado a distorções superiores a 15%, pois que sendo entendimento expresso do artº 31º2 do CRS e, ao tempo, no do artº 53º.4 do CIRC (redacção da Lei n.º 60-A/2005), que a margem de ganho estimada pelo Estado na venda de mercadorias, incluindo imóveis, é de 20% dos proveitos, ao considerar que só uma distorção mínima de 15% do preço de venda de um imóvel, face ao seu valor de mercado, é que permite a rectificação do proveito, o Estado está a desconsiderar 75% de toda a margem de ganho que presume.
Ora, um Estado que permite que se retire a um Contribuinte 75% dos proveitos, antes de impostos, actua de modo desproporcionado/iníquo.
27ª – Devem, pois, considerar-se ilegais, por distorção dos valores do mercado, os VPTs fixados em 2ª avaliação, identificados em A.I.1 destas Alegações, desaplicando-se, na medida do necessário, as normas das Portarias cuja aplicação, em regulamentação do CIMI, resultou naqueles VPTs, e desaplicando-se os procedimentos e regras prescritos no próprio CIMI, nomeadamente as dos artº 62º.1-a), b), c), d) e e) e 3 e artºs 38º a 46º e 74º a 77º do CIMI, na medida em que não acautelavam, nem acautelam (na avaliação, na reclamação/2ª avaliação e na impugnação) a adequação dos VPT resultantes aos valores normais do mercado dos bens avaliados, permitindo VPTs excessivos, em violação dos princípios consagrados nos artºs 13º, 103º.1 e 104º.3 e 266º.2 da Constituição
FACE AO EXPOSTO, revogando a sentença recorrida e declarando anuladas os impugnados actos de fixação do VPT dos prédios identificados em A.I.1 destas Alegações, na consideração de que distorcem o seu valor de mercado, que não excede o alegado no artº 31º da PI, e determinam o pagamento de tributos indevidos, injustos, discriminatórios e desproporcionados,
Ou, subsidiariamente, anulando o Despacho que indeferiu o pedido de produção de prova pericial e todo o processado posterior, pelo provimento do recurso interposto e admitido para subir com o presente – e requer-se que suba –, FARÃO VªS. EXªS. ACOSTUMADA JUSTIÇA.
Não houve contra-alegações.
O Mº Pº emitiu pronúncia nesta instância, no sentido da improcedência de ambos os recursos jurisdicionais interpostos.
Colhidos os vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.
II – QUESTÕES A DECIDIR NOS RECURSOS
1) Com relação ao recurso interposto da decisão intercalar de 23 de Novembro de 2009:
Erro de julgamento em matéria de direito ao indeferir o requerimento de perícia colegial por inobservância do formalismo legal exigido e por impertinência e inutilidade da mesma; e
2) Com referência ao recurso interposto da sentença de 29 de Junho de 2011:
Erro de julgamento de direito sobre a matéria de facto, no que respeita aos valores de mercado assentes no ponto 5 do probatório;
Erro de julgamento em matéria de direito ao validar a fixação do VPT resultante da 2ª avaliação relativa aos terrenos em causa;
Erro de julgamento em matéria de direito consubstanciado na recusa de aplicação da nova redacção dada ao art. 76º, n.º 4 e 6 do CIMI.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III-1. Matéria de facto
O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
1. O Impugnante, G…, Lda., é proprietário dos prédios urbanos, sitos na Urbanização…, concelho de Aveiro, que se encontram inscritos na matriz predial urbana sob os artigos P…;
2. Em sede de segunda avaliação foram atribuídos aos prédios supra designados, os seguintes valores patrimoniais tributários (VPT): 4715 – € 103 060, 4716 – € 103 060, 4717 – €103 060, 4718 – € 103 060, 4719 – €103 060, 4720 – €103 060, 4721 – €113 030, 4722 – €113 030, 4723 – €438 190, 4724 – € 603 970, 4725 – €808 740, 4727 – €2 455 580, 4728 – €2 483 660 e 4729 – €1 189 090 – cfr. fls. 15 e seguintes;
3. Em 25.07.2008 o Impugnante apresentou, junto do Serviço de Finanças de Aveiro – 1, pedido de segunda avaliação a prédio urbano, nos termos do disposto no art. 76º do CIMI, relativamente a cada um dos prédios identificados em 1. – cfr. fls. 50 e seguintes do processo administrativo;
4. Por força deste pedido, a 15.09.2008 foram lavrados termos de avaliação, relativos a cada um dos prédios de que o Impugnante é proprietário, com a seguinte redacção: tendo visto e examinado, por inspecção directa o prédio descrito na relação que lhes foi entregue, o avaliaram com inteira observância de todas as formalidades legais, conforme está descrito em cada uma das fichas de avaliação, com os n.º 2347573, 2347574, 2347575, 2347576, 2347577, 2347578, 2347579, 2347607, 2347608, 2347609, 2347611, 2347613, 2347614, 2347605, 2347615, do prédio com o artigo de matriz 4715, 4716, 4717, 4718, 4719, 4720, 4721, 4722, 4723, 4724, 4725, 4726, 4727, 4728 e 4729 respectivamente, todos da freguesia de Vera Cruz – cfr. fls. 58, 73, 83, 93, 103, 113, 123, 133, 143, 153, 163, 173, 183, 193 e 204;
5. Os lotes 1 a 8 têm, actualmente, o valor comercial de €100 000 cada um; o lote 9 apresenta o valor comercial de €350 000, o lote 10 tem o valor de €450 000, o lote 11 o valor de €650 000, cada um dos lotes 12 e 13, foram vendidos pelo valor de €1 900 000 e o lote 14, depois de reajuste, tem o valor actual de €1 900 000 – resulta dos depoimentos das testemunhas;
6. A Portaria 982/2004 de 4 de Agosto, atribuiu a Aveiro um coeficiente de localização, para habitação, que se situa entre o valor mínimo de 0, 35 e o máximo de 2, 25.
“FACTOS NÃO PROVADOS
Não ficaram provados quaisquer outros factos com relevância para a boa decisão da causa.
A convicção do Tribunal formou-se com base na análise crítica dos documentos que se encontram junto aos autos e eu se encontram discriminados junto a cada um dos factos provados, foi ainda atendido o teor dos depoimentos prestados em sede de inquirição.
Em sede de inquirição foram tomados depoimentos às testemunhas, Ana…, João…, Amorim… e Vítor…, que depuseram de forma clara e convincente, razão pela qual os seus depoimentos foram valorados na formação da convicção do Tribunal.
Assim, destes foi possível retirar o actual valor comercial que é atribuído a cada um dos lotes, facto provado com o n.º5. Além disso foi ainda esclarecido, qual o procedimento adoptado em sede de avaliação, os critérios seguidos foram aqueles que se encontram definidos no CIMI, na segunda avaliação apenas poderiam ter sido alteradas as áreas previamente declaradas, mas aquelas que foram apresentadas pelo Sujeito Passivo estavam correctas razão pela qual foram validadas; a segunda avaliação veio validar a primeira, pelo que, o valor patrimonial tributário foi mantido. O Sujeito Passivo reclamou com base nas regras de mercado, contudo, à data da
realização desta segunda avaliação, tais critérios, que viriam a ser introduzidos pelo OE de 2009, ainda não se encontravam em vigor. Mais foi explicado que o coeficiente de localização era um parâmetro imutável, fixado por portaria, não podendo a comissão fazer nada para o alterar.”
III-2.Enquadramento Jurídico
A primeira questão que se coloca é a da determinação da ordem de apreciação dos recursos e, nesta matéria, sem necessidade de grandes considerações, é axiomática a prevalência da apreciação do recurso interposto do despacho intercalar na medida em que, se procedente, acarretará, de imediato, o afastamento da apreciação do recurso interposto da sentença final.
III-2.1. Do recurso interposto da decisão intercalar de 23 de Novembro de 2009.
Alega a Recorrente que o art. 577º do CPC ao preceituar que a parte indicará logo o respectivo objecto da perícia no requerimento do mesmo, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência, apenas exige que o requerente enuncie, indique sumariamente aquelas, pelo que violou aquela disposição o despacho recorrido ao considerar não indicado o objecto da perícia em sede de petição, bem assim como, ao entender que a perícia requerida nada acrescentará às avaliações efectuadas nos termos do CIMI no âmbito de procedimento administrativo, opondo que a omissão da perícia influirá indiscutível e determinantemente no exame e na decisão da causa.
É o seguinte o segmento do despacho proferido em 23 de Novembro de 2009 aqui em recurso:
“…
Atendendo ao disposto no art. 577º n.º1 do Código de Processo Civil, a parte que requer a realização de perícia, indicará imediatamente o objecto da mesma, especificando as questões de facto que pretende ver esclarecidas com a realização desta diligência, “enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência”, sancionando a Lei a sua falta com a rejeição.
Assim, considerando que o requerimento apresentado pelo Impugnante, fls. 13, não fundamenta a sua pretensão, não esclarece qual o seu objecto, afirmando de forma genérica e abstracta que a mesma terá como finalidade o esclarecimento da matéria dos artigos 7, 9, 13, 14, 26, 27, e 29 a 31, sem formular as questões concretas a que os Senhores Peritos hão-de responder, bem como as exigências formais da mencionada disposição legal, entende-se ser de rejeitar desde já o requerido.
Ainda que assim não fosse, seria de considerar os argumentos apresentados pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, artigos 24º e seguintes da contestação (fls. 49) que se opõe à realização da perícia por considerar que e mesma versaria sobre questões anteriormente abordadas, no debate contraditório entre os peritos, já verificado em sede de procedimento de avaliação, sendo que nessa fase a Impugnante já contou com a intervenção de peritos (na primeira avaliação um perito local e na segunda, de uma comissão composta por dois peritos regionais em um terceiro, por si nomeado), pelo que, a ser determinada nova perícia, nesta fase, sempre versaria sobre questões já anteriormente abordadas tornando-se assim, manifestamente dilatória.
Além do mais, entende ainda a Fazenda Pública que a prova documental junta aos autos é bastante à clarificação da realidade que o Impugnante pretende ver esclarecida com a perícia.
Analisado o processo administrativo junto aos autos, constata-se que ali consta a Ficha de 2ª Avaliação, na qual o sujeito passivo teve intervenção e onde foi dada resposta a todas as questões agora suscitadas.
Ainda que assim não fosse, sempre se há-de rejeitar a requerida realização de perícia, por, desde logo, se entender que a mesma não foi requerida com observância do formalismo legal.”
Cumpre decidir.
Como se sabe, processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral Tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. E, por isso, o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos «se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal e pericial, em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115, n.º 1 e ss. do CPPT.
Assim, embora o tribunal tenha, em princípio, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam – posto que em processo tributário de impugnação são, em regra, admitidos todos os meios gerais de prova (artigo 115.º do CPPT) – pode recusar a sua produção caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias.
Em suma, compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Concluindo, como vem sendo jurisprudência pacifica e reiterada do STA, no processo judicial tributário vigora, como princípio estruturante, o princípio do inquisitório, o que significa que o Juiz não só pode, como também deve, realizar ou ordenar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade (vide, por todos, Ac. de 12.02.2003, in rec. 01293/02, de 02.07.1997, in rec. nº 21.502 e de 05.42000, in rec. nº 24.713). Este princípio tem hoje a sua consagração expressa no art. 99º da LGT, bem como no art. 13º do CPPT.
No que aqui nos atém, prevê o art. 116º deste último diploma legal a possibilidade de recurso a pareceres técnicos e prova pericial, a requerimento das partes ou oficiosamente e a regular nos termos previstos no Código de Processo Civil (art.s 568º a 591º).
Vejamos, antes de mais, das normas relativas ao objecto da prova pericial.
Nos termos do artigo 388º, do Código Civil, a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.
O n.º 1, do artigo 577º, do CPC, dispõe que, ao requerer a perícia, a parte indicará logo o respectivo objecto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência.
O n.º 2 estabelece que a perícia pode reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária.
Por último, resulta do n.º 1, do artigo 578º, do CPC, que a diligência será indeferida se for impertinente ou dilatória.
No caso, verifica-se que a impugnante, em sede de petição requereu os seus meios de prova, tendo indicando para efeito duas testemunhas, e a realização de perícia colegial para prova da matéria de facto constante dos artigos 7, 9, 13, 14, 26, 27 e 29 a 31 da petição inicial, indicando como perito Rui….
Em sede de contestação a FP pronunciou-se pela rejeição da diligência de perícia requerida, invocando que os factos já apurados, só podem ser postos em causa por prova testemunhal e documental idónea.
Conforme consta do despacho supra transcrito, o tribunal a quo indeferiu a realização da perícia. Fê-lo pelas seguintes razões: em primeiro lugar, por inobservância de formalismo legal, considerando que não foi cumprido o disposto no art. 577º do CPC, ao não terem sido formuladas questões concretas e, em segundo lugar, porque a perícia iria recair sobre questões já debatidas entre peritos, em sede de procedimento de avaliação, revestindo carácter dilatório e a prova documental existente é bastante à clarificação da realidade que a Impugnante pretende ver esclarecida com a perícia.
Vejamos:
Recapitulando, o art. 577º nº 1 do Código de Processo Civil preceitua que a parte que requeira a realização de perícia indique logo o respectivo objecto, enunciando as questões de facto a esclarecer por esse meio. E, ao mesmo tempo, deve, de acordo com o art. 569º nº 1 al. b) e nº 3, indicar o seu perito.
O art. 578º nº 1 dá ocasião para que o juiz avalie se a diligência é impertinente ou dilatória.
Se entender que o não é, o juiz ouvirá a parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição.
E o subsequente nº 2 tem a seguinte redacção: "Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade."
O juízo sobre a natureza impertinente ou dilatória a que se refere o art. 578º nº 1 pode ocorrer se, respectivamente, o juiz verificasse que os quesitos do requerente respeitavam a factos não compreendidos no questionário ou que a diligência não era possível por os quesitos respeitarem a factos insusceptíveis de serem captados pela perícia.
No sistema actual continua a haver lugar a uma apreciação imediata da natureza impertinente ou dilatória do objecto da perícia, que pode conduzir a uma imediata rejeição da diligência.
Todavia, deixou de ter lugar a formulação de quesitos a que os peritos hão-de responder, podendo as partes limitar-se a enunciar as questões de facto que pretendem ver esclarecidas através da diligência.
Preceitua o nº 2 do artigo 577º do Código de Processo Civil que a perícia pode reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária.
No caso dos autos, a autora indicou o objecto da perícia remetendo para os artigos da petição, os quais correspondem exactamente aos factos alegados na petição inicial contidos nos artigos 7, 9, 13, 14, 26, 27 e 29 a 31.
O que importa é que os quesitos, neste caso questões de facto a resolver, propostos pela autora se reportam aos factos articulados na petição inicial, fazendo com que o requerimento da perícia se adeqúe ao preceituado no artigo 577º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Nesta conformidade, andou mal o despacho recorrido ao considerar inobservado aquele formalismo legal.
Aferindo da segunda ordem de razão que levou ao indeferimento da prova pericial, temos que a recorrente requereu a produção de prova pericial, a realizar colegialmente, indicando o seu respectivo perito, no sentido de provar que os prédios em questão se encontram fora do núcleo central da cidade de Aveiro, da localização geográfica dos prédios, da aplicação do novo coeficiente de ajustamento de áreas e por último do valor de mercado do terrenos reportada a 2008.
Considerando as normas relativas ao objecto da perícia (artigo 388º do Código Civil e artigo 577º, do CPC) e o disposto no artigo 513º do CPC, segundo o qual a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, a perícia será pertinente ou relevante se:
Ø Tiver por objecto a percepção ou apreciação de factos quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam;
Ø Se reportar a factos controvertidos e relevantes para o exame da decisão da causa, quer aos articulados pelo requerente quer aos alegados pela parte contrária.
Ora, a recusa na realização de diligência de prova fundou-se no juízo de inutilidade estabelecido, sendo certo, que ao juiz incumbe evitar a prática de actos que se mostrem inúteis, e assim, no que à prova pericial respeita, nos termos do artigo 578º, n.º 1 daquele Código, o juiz só deve ordenar a sua realização “se entender que a diligência não é impertinente ou dilatória”.
Desde logo se diga, que não se entende que uma determinada diligência de prova seja tida por impertinente, se os factos que com ela se pretendem provar possam desde logo ser provados por outro meio de prova, no caso o testemunhal, e se afirme que o meio requerido - perícia colegial - não o prova de forma plena e que este iria fazer prolongar a duração do processo: no nosso entender, uma diligência de prova só pode considerar-se impertinente se não for idónea para provar o facto que com ele se pretende provar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa.
Não encaixando manifestamente em nenhuma destas situações o requerimento de realização de prova pericial requerido, que propende efectuar prova sobre a localização geográfica, valores de mercado, ajustamento de áreas e aplicação dos coeficientes, sendo certo que sobre esses mesmos factos constante dos art. 7º, 9º, 13º, 14º, 26º, 27º e 29º a 31º da petição inicial, foram inquiridas as testemunhas arroladas pela impugnante e sobre o art. 7º e 14º, para contraprova, a testemunha da FP, o princípio da verdade material impedia o juiz de indeferir a realização da diligência.
E, ao contrário do que considerou o despacho recorrido, a inutilidade da realização da perícia e o seu carácter dilatório não advém da circunstância de em sede de 2ª avaliação o impugnante ter tido intervenção e obtido aí resposta a todas as questões agora suscitadas, tal argumento funciona precisamente em sentido oposto, ou seja, é justamente essa sindicância das questões colocadas aos peritos avaliadores que o impugnante pretende ver resolvido agora em sede de impugnação, através da realização da perícia colegial e da sua constituição ao abrigo estrito dos preceitos processuais que a definem, peritos esses revestido do estatuto de imparcialidade e independência, fruto do compromisso que prestam de cumprimento consciencioso da função que lhes é cometida perante um juiz (cfr. arts. 568º, 569º, 570º., 571º. e 581º., todos do C.P. Civil).
Temos que, a impugnação, deduzida na sequência da segunda avaliação de um prédio, pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do prédio, nos termos do disposto no art.º 77.º do CIMI, aprovado pelo art.º 2.º, n.º1 do Dec-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, com entrada em vigor em 1.12.2003, por força do seu art.º 32.º, n.º1.
Ora, a produção de prova pericial assume importância primordial na apreciação da existência ou não de erros na fixação da matéria tributável.
“É assim inequívoco, que não existe actualmente, qualquer obstáculo, a nível da lei ordinária, a que sejam apreciados pelos tribunais os actos de fixação de valores patrimoniais em todas as suas vertentes, estendendo-se a possibilidade de controlo judicial a qualquer erro de avaliação, seja motivado por errada apreciação de elementos de facto, seja por errada aplicação de normas jurídicas, abrangendo-se nestes elementos a aplicação de critérios técnicos feitos pela administração.
Assim, não há qualquer obstáculo a que seja apreciada a correcção de um acto de avaliação impugnado nem a que seja decidida pelo tribunal a realização de uma nova avaliação.
Isto foi expressamente reconhecido no art. 77º do CIMI, relativamente às avaliações de imóveis, pois estabelece-se o seu n.º 2 que a impugnação das segundas avaliações «pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do prédio”. (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, Vol. II, 6ª ed., pág. 267 e 268 em anotação ao art. 116º)
Ao desconsiderar sobre o valor probatório que a perícia colegial, enquanto meio de prova podia trazer aos autos, considerando que a mesma reveste carácter dilatório e não têm qualquer utilidade para a descoberta da verdade, a Mm.ª Juiz “a quo” violou a lei ao recusar prova susceptível de influenciar o exame e decisão da causa (pese embora lhe assista o poder-dever de restringir o objecto da perícia, indeferindo as questões de facto – quesitos - que considere inadmissíveis ou irrelevantes, de harmonia com o disposto no art. 578º nº 2 do CPC, aplicável por força do nº 4 do art. 116º do CPPT).
Tal violação de lei importa a revogação do despacho recorrido, o qual terá de ser substituído por outro, com a consequente anulação de todo o processado posterior à fase de instrução, que cumpre completar, seguindo-se, depois, os posteriores trâmites processuais e a prolação de sentença.
Termos em que se determina a remessa do processo ao tribunal recorrido, para devida instrução e prolação de despacho a ordenar a notificação da parte contrária, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 578º, n.º 1 do Código de Processo Civil, assim se concedendo provimento ao recurso interlocutório, ficando prejudicado o conhecimento do recurso interposto da sentença.
IV- DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes da 2ª Secção Tributária deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
Conceder provimento ao recurso do despacho interlocutório de 23 de Novembro de 2009, constante de fls.62 dos autos, revogar esse despacho e ordenar a remessa dos autos ao Tribunal “a quo” para que seja completada a instrução mediante a realização de perícia colegial, seguida da legal tramitação processual e oportuna prolação de sentença;
Não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto da sentença.
Sem custas
Porto, 29 de Março de 2012
Ass. Irene Isabel Gomes das Neves
Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia
Ass. Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro