Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00865/13.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/08/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ADIANTAMENTO POR CONTA DOS LUCROS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
II - O artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
III - Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.
IV - A Administração Tributária não lançou mão da presunção constante deste normativo, porque a quantia em apreço não estava escriturada numa conta de sócios da sociedade.
V - Competia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que, no caso concreto tal não se verificou, dado que não se encontram reunidos os factos índice que permitem à Administração Tributária fazer o enquadramento de valores contabilísticos como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no artigo 5.º, nºs.1 e 2, alínea h) do CIRS, assim padecendo a liquidação impugnada de vício de violação de lei.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:S..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

S…, Lda., pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Avenida…, Matosinhos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 29/12/2016, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, proferida pela Directora de Serviços de IRS, da Direcção de Serviços de IRS, interposto contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida pelo Chefe de Divisão da Direcção de Finanças do Porto, a qual fora apresentada contra o acto de liquidação de IRS e juros compensatórios do exercício de 2007, no valor de € 180.783,29, referente a importâncias não retidas na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 20%, nos termos do artigo 71.º, n.º 3, alínea c) do Código de IRS.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no processo n.º 865/13.6BEPRT, UO 4, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente o pedido formulado pelo Sujeito passivo, que aí pugnava pela anulação do acto de liquidação adicional de IRS e respectivos juros compensatórios relativo ao período de tributação de 2007.
B) De acordo com a fundamentação que se extrai da decisão proferida pelo Tribunal a quo, a improcedência da impugnação encontra-se ancorada na circunstância de que, remetendo-se para a alínea h) do n.º 2 do artigo 5º do Código do Imposto sobre as Pessoas Singulares, “à luz da referida disposição o sujeito passivo não é tributado em função de uma presunção de adiantamento de lucros, mas, isso sim, por causa de um adiantamento efectivo de lucros.”
C) O sujeito passivo não se conforma com o decidido, porquanto o Tribunal a quo julgou erradamente a matéria de facto, assim como aplicou erradamente o direito aos factos dados como provados e considerou de forma errónea um facto como não provado.
D) A convicção do julgador há-de formar-se por referência à prova da existência efectiva de um contrato de mútuo entre sujeito passivo e seu sócio-gerente e nunca por referência a uma realidade que um conjunto de indícios e meras ilações e conjecturas não certificados nem comprovados, podem (em abstracto) evidenciar.
E) O Tribunal a quo ao deixar-se conduzir pela teia urdida pela inspecção tributária, entrou em contradição, dando como assente matéria para a qual não foi produzida qualquer prova.
F) O princípio da “livre apreciação da prova” não permite a mera arbitrariedade. Funda-se em factores variados, como sejam: a lógica, a experiência, a contradição, a imprecisão, a indefinição, a independência, a razão de ciência, cujos significados nos dispensamos de explanar, face à evidência que dos vocábulos transparece.
G) As conclusões extraídas do exame e leitura do RIT, não são confirmadas por qualquer outro elemento de prova e a forma como o relatório de conclusões de acção inspectiva se encontra redigido e elaborado não permite que dele se retire com a segurança necessária pela existência de um contrato de mútuo fictício.
H) Após análise e ponderação da prova dúvidas não subsistem de que não é possível concluir que o sujeito passivo celebrou um contrato de mútuo fictício com o seu sócio gerente de forma a obstar à tributação requerendo-se a reapreciação da prova documental (art. 640º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CPC ex vi art. 2º, al. e) do CPPT - cfr.).
I) Em resultado da análise da prova documental não poderá deixar de considerar como provado que o sujeito passivo elidiu todos os indícios que apontavam no sentido da existência de um mútuo fictício.
J) Da prova produzida resulta efectivamente demonstrada e provada a materialidade da operação.
K) Como se demonstrou a operação é material, financeira e contabilisticamente verdadeira, uma vez que o contrato de mútuo em apreço tem subjacente um efectivo empréstimo do sujeito passivo ao seu sócio gerente.
L) Cotejando a prova documental podemos concluir que o sujeito passivo celebrou, efectivamente – tal como flui do exposto – um contrato de mútuo com o seu sócio-gerente O….
M) Em face desta demonstração resulta claro que não poderia a AT recorrer à presunção relativa a rendimentos da categoria E constante no n.º 4 do artigo 6º do Código de IRS tanto mais que a mesma apenas inclui “os lançamentos nas contas correntes dos sócios (…) quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.” claramente a hipótese que se encontra presente na situação vertente.
N) Como estamos perante uma presunção legal de rendimentos da Categoria E, encontrando-se preenchida a base da presunção, à AT não incumbe o ónus de provar o facto a que ela conduz (cf. n.º1 do artigo 350º do Código Civil).
O) Assim, no caso sub judice, a AT ao tributar o sujeito passivo com base no facto desconhecido – que tal importância depositada pela sociedade a favor do sócio gerente resultava de lucros ou adiantamentos dos lucros dessa mesma sociedade – fez subsumir o mesmo à norma do n.º4 do artigo 6º do Código do IRS.
P) Contudo, e apesar de demonstrar a existência de lançamentos na conta corrente do sócio, não curou em demonstrar nem provar a base da presunção, ou seja que tal importância não resultava de mútuo pelo que, desta forma não se encontra preenchida a base da presunção.
Q) E não se encontrando preenchida a base da presunção não poderá a AT concluir pela desconsideração do facto justificativo dos lançamentos para a conta corrente do sócio – celebração do contrato de mútuo em 31/12/2008.
R) Nesta medida, a liquidação, perante esta factualidade, não poderia ter sido efectuada ao abrigo daquela norma de incidência, que assim se revela indevida por inexistência deste facto tributário.
S) Posto isto, a AT ao não fazer uma análise mais cuidada do título a que foram entregues as referidas importâncias, efectuou um errado enquadramento do rendimento in casu, determinando, assim, e de forma ostensiva uma correcção em sede de imposto na esfera do sujeito passivo.
T) Pelo que deverá reconhecer-se que a sentença a quo procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada.
U) Incorrendo em erro de julgamento, impõe-se a sua revogação por via da procedência da presente impetrância de recurso, dando-se como não provados os factos anteriormente transcritos da matéria assente nos termos em que decorrem nos presentes autos.
V) Concluindo-se pela cabal demonstrabilidade dos factos alegados nos artigos 56º a 83º da PI.
W) Ao contrário de quanto é referido pelo Tribunal a quo a AT não procurou recolher elementos necessários à obtenção da verdade material junto do contribuinte, conforme se refere, apenas baseando a sua fundamentação nos indícios recolhidos no âmbito do processo inspectivo desacompanhadas de outras diligências que as pudessem confirmar.
X) Ao contrário de quanto é referido pelo Tribunal a quo, a AT, no exercício da sua actividade de controlo das declarações do contribuinte, não recolheu indícios, que à luz das normas de experiencia e da normalidade do acontecer, permitam sustentar que a AT cumpriu o ónus da prova quer sobre si impende, enquanto pressupostos que legitimam as correcções à matéria tributável.
Y) A sentença a quo procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada, violando o disposto no artigo 99º do CPPT e n.º 4 do artigo 6º do Código do IRS.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deverá ser revogada a sentença a quo, com o que se fará a Sã e Habitual JUSTIÇA!
****
Não houve contra-alegações.
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na qualificação do facto tributário, ao julgar que o montante subjacente à liquidação impugnada era um adiantamento por conta de lucros a sócio da impugnante.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos Provados:
1. A Impugnante está colectada em sede de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC), pelo 1° Serviço de Finanças de Matosinhos (Código 1821), para o exercício de "outras actividades de saúde humana", a que corresponde o CAE 086906, remontando a data de início de actividade a 28/09/2000 (teor do relatório de inspecção tributária, nesta parte não impugnado).
2. A Impugnante tem como gerentes O…, NIF 1…e F…, NIF 1… (teor do RIT a fl. 25 do PA, nesta parte não impugnado).
3. A fls. 50 e 51 do PA, consta um documento escrito, denominado “Contrato de Mútuo, datado de 31 de Dezembro de 2008, subscrito pela Impugnante e O…, com o seguinte teor:
“Outorgantes:
Primeiro: S…, LDA., NIF 5…, com sede na Avenida…, Porto, adiante igualmente designada por mutuante.
Segunda: Prof. Dr. O…, NIF 1…, com domicílio na Avenida…, no Porto, adiante igualmente designada por mutuária.
Entre o Primeiro e a Segunda Outorgante é celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato de mútuo que se rege pelas cláusulas seguintes:
CLÁUSULA PRIMEIRA
Pelo presente contrato o Primeiro Outorgante concede à Segunda Outorgante, que aceita, um empréstimo no valor de 798.000,00 €.
CLÁSULA SEGUNDA
A quantia mutuada, referida na cláusula primeira, foi já entregue ao SEGUNDO Outorgante.
CLÁUSULA TERCEIRA
1 – O empréstimo é concedido pelo prazo de 10 anos a contar da data de celebração do presente contrato com um período de carência de 3 anos.
2 – O valor mutuado não será remunerado, não estando portanto sujeito a quaisquer juros.
CLÁUSULA QUARTA
O presente empréstimo será reembolsado, dentro do prazo referido na cláusula precedente, em prestações anuais e sucessivas de 114.000 €.
§ único – A primeira prestação será paga no dia 02 de janeiro de 2012 e as restante em igual dias dos anos imediatamente subsequentes – Fls. 50 e 51 do PA
4. A impugnante foi alvo de uma ação de inspeção externa ao IRS, a coberto da ordem de serviço n.º OI201000247, relativa aos exercícios de 2007 e 2008 – teor do RIT a fl. 21 do PA.
5. Em 26 de janeiro de 2011 foi exarado RIT, do qual se colhe o seguinte:
RESUMO DAS CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
1. Correcções
1.1. IRS - Imposto Não Retido e Não Entregue
Exercício de 2007: € 159.401,64.
II - OBJECTIVOS, ÃMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
(…)
2.Motivo, Âmbito e Incidência Temporal
A acção de fiscalização foi desencadeada pelo facto, de no decurso de uma acção anterior, ter sido detectado que a conta da contabilidade "Caixa" (código 111) apresentava, à data de 26/06/2007, saldo muito elevado (€ 797,008,19) e de apesar das diligências então desencadeadas não ter sido possível comprovar de forma inequívoca a existência física daquele valor.
Para o efeito, foi emitida a Ordem de Serviço (01201000247), tendo por âmbito o IRC, e por extensão o exercício de 2007. Posteriormente, a extensão da acção foi alargada ao exercício de 2008 e ao âmbito das retenções na fonte de IRS (RFIRS), tendo o sujeito passivo, na pessoa do sócio-gerente O… (NIF 1…), sido notificado destas alterações.
O sujeito passivo foi notificado, em 16/07/2010 e 16/11/2010, na pessoa deste sócio-gerente, da primeira e segunda prorrogações do prazo de conclusão da acção de inspecção, nos termos do nº3 do artº 36º do RCPIT.
3. Outras Situações
(…)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL E AO IMPOSTO EM FALTA
1. Situação Detectada
1.1. Diligências Efectuadas ao abrigo da 01200603521
No âmbito da acção inspectiva desenvolvida a coberto desta credencial (01200603521), a qual decorreu entre 17/04/2007 e 21/08/2007, constatou-se que, de acordo com os valores constantes da contabilidade, os saldos da conta "Caixa" apresentavam valores manifestamente exagerados face à realidade da empresa, ascendendo aos montantes seguintes, nas diferentes datas:
-31/12/2003 — € 334.877,92
-31/12/2004 — € 365.548,01
-31/12/2005 — € 661.709,19
-31/12/2006 — € 797.008,19.
Em 26/06/2007, no uso da prerrogativa da inspecção tributária, determinada pelo art° 29°, n° 1, alínea b) do RCPIT, intentou-se proceder à contagem física da caixa, tendo sido recusado o acesso às disponibilidades eventualmente existentes.
O então representante do sujeito passivo no procedimento inspectivo (Raul Miguel dos Santos Matos P. da Costa), designado nos termos do art° 52° do RCPIT, alegou não dispor de elementos para satisfazer a solicitação e pediu um prazo de 30 dias para permitir a concretização daquela contagem.
Na mesma data, foi notificado o sujeito passivo, na pessoa do representante no procedimento inspectivo, para apresentar todos os mapas/folhas diários de movimentos de caixa, desde 01/01/2003 até àquela data. No dia e hora marcados (05 de Julho de 2007, pelas 9,30 horas), o sujeito passivo apenas exibiu os extractos da conta "Caixa" desde 01/01/2003 até 26/06/2007, o que permitiu constatar que, à data de 26106/2007, a conta "Caixa" apresentava um saldo devedor no montante de € 797.008,19 (Anexo 1 — extracto com data de 04/07/2007).
Face ao pedido de concessão do prazo de 30 dias aquando da recusa de contagem física e à persistência de saldo relevado na conta "Caixa", em 03 de Agosto de 2007, foi novamente solicitada a contagem física da caixa.
A contagem foi efectuada nesta data por Raul Miguel dos Santos Matos P. da Costa, na nossa presença e com elaboração do "Termo de contagem de caixa" tendo-se verificado a inexistência de qualquer disponibilidade (Anexo 2).
Na mesma data, procedeu-se à notificação do contribuinte para apresentar justificação, por escrito e apoiada em documentos devidamente comprovativos, do destino dado ao montante de €797.008,19.
No dia, hora e local designados (10/08/2007), compareceu o mandatário designado pelo sujeito passivo, J…, NIF 1…, que, em auto de declarações, afirmou não ser possível proceder à justificação solicitada, por motivos pessoais de força maior do representante na acção inspectiva. O mesmo pediu que fosse admitida a apresentação dos referidos elementos no dia 16/08/2007, pelas 9,30 horas, no mesmo local.
No dia 16 de Agosto de 2007, o mandatário e o representante esclareceram que a importância de € 797.008,19 se encontrava guardada em cofre numa residência do sócio-gerente.
Informaram, ainda, que naquele dia, procederiam ao seu depósito em instituição bancária, numa conta aberta para o efeito. Mais explicaram que em virtude de estarem a ser realizadas diligências com vista ao depósito do dinheiro e por razões de segurança já não seria possível disponibilizar o mesmo para ser concretizada a contagem física.
Posteriormente, foi apresentada cópia do extracto da conta bancária n° 302.200539094, sobre o Banco…, na qual se encontrava discriminado, em 31/08/2007 (data operação e data valor), um "depósito misto (numerário e/ou ch. BB)" no valor de € 797.008,19.
2. Análises e Diligências Efectuadas ao Abrigo da Presente Acção inspectiva
2.1. Contabilidade
De acordo com os elementos da contabilidade, o saldo da conta "Depósitos à ordem" (código 12), designadamente a subconta "B… Bank “ (código 121002), em 31/12/2007, apresentava um saldo devedor de € 797.008,19, originado pela constituição, em 31/08/2007, de depósito à ordem daquele valor.
O referido montante manteve-se contabilisticamente na conta de "Depósitos à ordem", subconta "B… Bank" até Dezembro de 2008 (atribuindo-se-lhe na reabertura em 01/01/2008 a subconta "B... Bank" (código 1211)).
Saliente-se, que os registos contabilísticos não revelam quaisquer outros movimentos, naquela conta de depósitos à ordem, desde a data da constituição do depósito acima referido até 31/12/2008 (Anexo 3-A).
Note-se, ainda que, em 31/12/2008, foi registado movimento de transferência, no valor de € 797.000,00, da conta de "Depósitos à ordem" para a conta "Depósitos a prazo" (código 131), o qual de imediato foi anulado escriturando de novo aquela verba em "Depósitos à ordem". Na mesma data, aquela conta de "Depósitos à ordem" foi saldada por contrapartida da conta "Caixa" e foi registado um empréstimo a sócios na conta "Empréstimos a accionistas - Prof. Dr. O… " (código 25511), no valor de € 798.000,00, por contrapartida da conta "Caixa" (Anexo 3-B).
Ou seja, face aos registos contabilísticos o depósito foi cancelado, o dinheiro ficou disponível na caixa e foi emprestado ao referido sócio.
2.2. Contrato de Mútuo
Para suportar a contabilização do empréstimo ao sócio, no valor de € 798.000,00, foi apresentado um contrato de mútuo, com data de 31/12/2008, celebrado entre a S…, Lda (1° outorgante) e o sócio-gerente O…, NIF 1…, (2° outorgante). Neste contrato está estabelecido que a empresa concede um empréstimo ao sócio, no valor de € 798.000,00, e que a quantia mutuada já havia sido entregue ao 2° outorgante (Anexo 4).
2.3. Documentos Bancários Apresentados
O sujeito passivo exibiu o extracto da conta bancária, emitido pelo banco B..., com respeito à conta n° 302.200539094 (Anexo 5), o qual evidencia a crédito o referido depósito (€ 797.008,19, em 31/08/2007), movimentos a débito e a crédito, de valores iguais e com as mesmas datas, outros movimentos de valores pouco materiais, e a débito, em 15/01/2008 (data valor), de forma a saldar esta conta, uma transferência no valor de € 805.430,56, para crédito da conta com o n° 302.200539003.
Verificou-se, porém, que a conta bancária n° 302.200539003 da qual é titular o sujeito passivo S…, Lda não se encontra relevada na contabilidade, o mesmo ocorrendo com grande parte dos movimentos da conta n° 302.200539094.
Saliente-se, ainda, que não existe correspondência entre os movimentos financeiros constantes do referido extracto bancário e os termos do contrato de mútuo acima referido, designadamente quanto aos valores e datas.
Face à escassez de elementos disponibilizados e às incongruências detectadas entre os mesmos, não se mostrava possível conhecer os factos tributariamente relevantes, designadamente 6 destino que em concreto teria sido conferido às disponibilidades referentes ao valor depositado em 31/08/2007.
2.4. Notificação
Mostrando-se necessário o acesso à informação relativa aos movimentos nas contas bancárias acima identificadas para apuramento da situação tributária da empresa e dos eventuais reflexos na pessoa dos seus sócios, a sociedade S…, Lda, foi notificada, na pessoa de O…, NIF 1…, na qualidade de sócio-gerente, para, no dia 23 de Abril de 2010, pelas 14,30 horas, nos Serviços de Inspecção Tributária, sitos na Rua de Santa Catarina, n° 1011, Porto, apresentar:
-todos os extractos das contas bancárias acima referidas, assim como os respectivos documentos de suporte (no caso de cheques, cópia frente e verso), com referência ao período desde Agosto de 2007 até à data da notificação,
- ou, em alternativa, dar autorização expressa à consulta pela Administração Fiscal, junto da referida entidade bancária, de todos os documentos bancários relativos àquelas contas, para o que poderia utilizar o modelo que lhe foi fornecido em anexo à notificação.
Esta notificação foi efectuada ao abrigo do princípio de colaboração com a Administração Fiscal, previsto no art° 59° da Lei Geral Tributária (LGT), atendendo ao poder concedido à Administração Fiscal de aceder a todos os documentos bancários, nas situações de recusa de exibição daqueles documentos ou de autorização para a sua consulta, conforme dispõe o n° 2 do art° 63°-B da LGT, (na redacção anterior à introduzida pela Lei n° 94/2009, de 1 de Setembro) já que se encontravam reunidas as condições previstas na alínea a) da mesma disposição.
No dia, hora e local designado, não compareceu ninguém, nem deu entrada no sistema do registo de correspondência desta Direcção de Finanças qualquer documento de resposta ao solicitado.
2.5. Derrogação do Sigilo Bancário
Por se encontrarem reunidas as condições legais para que a Administração Fiscal fizesse uso da possibilidade de acesso directo a todos os documentos bancários, nos termos do n° 4 do art° 63°-B da LGT (redacção anterior à introduzida pela Lei n° 94/2009, de 1 de Setembro), designadamente considerando os seguintes factos:
-que a contabilidade não releva todas as contas e movimentos bancários;
-que os movimentos constantes das referidas contas bancárias revestem a natureza de operações registáveis na contabilidade, já que os respectivos documentos terão que ser entendidos como de suporte a registos contabilísticos de sujeito passivo de IRC, conforme resulta da alínea a) n° 2 do art° 63°-B da LGT (na redacção anterior à introduzida pela Lei n° 94/2009, de 1 de Setembro);
-que o contrato de mútuo apresentado não justifica a aplicação das disponibilidades que constavam da contabilidade (€ 797.008,19) e que não tinham evidência em existência física na caixa no período que antecede a sua celebração;
-que existe necessidade de se conhecer, de facto e em definitivo, o destino que foi conferido àquele montante, isto é, se estava no activo da empresa ou se, pelo contrário, foi gasto em despesas confidenciais ou não documentadas ou atribuído em benefício dos sócios;
-que essas situações são enquadráveis na alínea a) do n° 2 do art° 63°-B da LGT (redacção anterior introduzida pela Lei n° 94/2009, de 1 de Setembro);
-que, apesar de notificado, o sujeito passivo não exibiu nem autorizou a Administração Fiscal a aceder aos extractos de conta e a todos os documentos bancários das contas n° 302.200539094 e n° 302.200539003, ambas do banco B...;
O Senhor Director-Geral dos Impostos, no uso da competência prevista no n.º 4 do art° 63°-B da LGT (redacção anterior à introduzida pela Lei n° 94/2009, de 1 de Setembro), proferiu autorização de acesso aos documentos bancários, com referência aos anos de 2007 e 2008.
2.6. Documentos Remetidos pelo Banco
Através do n/ ofício n° 62921/0504, de 30/09/2010, foi solicitado ao banco B... o envio, relativamente às contas bancárias n° 302.200539094 e n° 302.200539003 e a quaisquer outras contas naquela instituição, em nome da empresa S…, Lda, de extractos, com referência aos anos de 2007 e 2008, bem como de cópia de todos os documentos que suportam os registos nas referidas contas. Foi, ainda, solicitado que, caso os referidos documentos contemplassem cheques, deveriam ser enviadas cópias dos respectivos versos.
Em 18/11/2010, em resposta, quer por email, quer por ofício, foram enviados os extractos bancários da conta n° 302.200539003, os quais englobam os extractos da conta n° 302.200539094. Foi remetido cópia do depósito múltiplo, efectuado em 31/08/2007, no valor de €797.008,19 e o respectivo cheque objecto de depósito (Anexo 6). Foram, ainda, remetidas cópias de depósitos e de transferências bancárias de valores pouco significativos.
Quanto a transferências internas realizadas entre a conta n° 302.200539003 (conta de depósitos à ordem) e a conta n° 302.200539094 (conta da empresa) não foram enviados cópias dos documentos comprovativos por alegadamente se encontrarem extractados (Anexo 7).
2.7. Análise dos Extractos e Documentos Bancários Face à Contabilidade
2.7.1. A Data de 31/08/2007
A análise dos documentos enviados pela entidade bancária permitiu concluir que o depósito na conta n° 302.200539094, efectuado em 31/08/2007, no valor de 797.008,19, resultou unicamente da entrega do cheque n° 4646951287, sacado sobre a conta n° 302.200539003 (titulada pelo sujeito passivo). Este depósito gerou liquidez na conta n° 302.200539094, tendo a conta n° 302.200539003 com o referido saque ficado a descoberto (saldo negativo) no mesmo montante.
O descoberto na conta n° 302.200539003 funcionou, então, como um empréstimo bancário, que permitiu efectuar o depósito na conta n° 302.200539094, levando à conclusão de que este não foi concretizado com as disponibilidades da caixa.
De seguida o valor em dívida nesta conta 302.200539003 foi pago com a liquidez que havia gerado na conta no 302.200539094. Os movimentos de liquidação ocorreram em 13/09/2007 (data valor de 31/08/2007), o que resultou que a conta n° 302.200539094 ficasse com saldo quase nulo (€ 8,19).
Constata-se, então, que as disponibilidades patenteadas pelas diferentes contas da empresa evidenciavam os seguintes factos:
-em 31/08/2007, conforme extracto de todas as contas detidas pela empresa no banco B... (Anexo 8), a conta n° 302.200539003 apresenta valor em divida de € 797.008,19 e a conta n° 302.200539094 crédito por via de depósito do mesmo valor, o que equivale a dizer que a empresa nessa data não detinha qualquer importância no banco B...;
-considerando os extractos referentes ao mês seguinte (Anexo 9) somos conduzidos à mesma conclusão, porquanto, salvaguardadas pequenas diferenças motivadas pelo lançamento de outros valores, o saldo daquelas contas passam a ser, em 30/09/2007, de € 6,68 (conta n° 302.200539003) e de € 8,19 (conta n° 302.200539094). Acresce que todos os movimentos de Setembro de 2007 que envolvem a verba referente ao depósito em análise possuem data valor de 31/08/2007.
Esta situação de ausência global de valores depositados, que se encontra comprovada pelos extractos bancários remetidos pelo banco B..., contrasta com a contabilidade do sujeito passivo que, aproveitando da exclusiva relevação contabilística da conta n° 302.200539094, passou a evidenciar disponibilidades de € 797.008,19, em função da aplicação dos valores de caixa.
2.7.2. À Data de 31/12/2007
Desde logo, será de salientar que as contas bancárias se mantiveram inalteráveis até 17/12/2007, excepção feita à conta n° 302.200539003, a qual, conforme extracto de Outubro de 2007 (Anexo 10), englobou pequenos movimentos que levaram à alteração do seu saldo de € 6,68 para € 16,96 (ambos positivos).
Entretanto, com data valor de 17/12/2007, foram registados movimentos no valor de € 797.000,00 na conta bancária n° 302.200539094 (Anexa 11), que conduziram à evidenciação de saldo de € 805.191,68, próximo do relevado na contabilidade de € 797.008,19 (Anexo 12).
Todavia, no extracto bancário referente a Janeiro de 2008 da mesma conta n° 302.200539094 (Anexo 13), verifica-se o registo, com data valor de 17/12/2007, de anulação dos movimentos anteriores, reconduzindo o saldo para apenas € 8.191,68.
Temos, assim, que os movimentos constantes dos extractos bancários, todos reportados a 17/12/2007, embora lançados em meses distintos (Dezembro de 2007 e Janeiro de 2008) tiveram por finalidade criar uma aparência que fosse de encontro à necessidade de comprovar os valores que a contabilidade evidenciava à data de 31/12/2007.
Após tais movimentos, verifica-se que os saldos das contas bancárias às datas de 31/01/2008 e 29/02/2008 (Anexo 13 e 14), apresentam novamente ausência de quaisquer valores significativos, totalizando, respectivamente, € 191,37 e € 189,87, enquanto que a contabilidade, até à data do aludido empréstimo ao sócio-gerente (31/12/2008), continuou a evidenciar como sendo detidos em contas bancárias o valor de € 797.008,19 (Anexo 15).
3. Enquadramento da Situação
Em suma, a situação descrita nos pontos anteriores pode resumir-se do seguinte modo:
i) A contabilidade relevava saldo exagerado na conta "Caixa", o qual, em 26/06/2007, ascendia a € 797.008,19.
ii) Através da inventariação (tentada em 26/06/2007 e concretizada em 03/08/2007) verificamos que tais valores não tinham existência física na caixa.
iii) O sujeito passivo alegou que o dinheiro estava nos cofres do sócio-gerente e que iria ser depositado no banco, tendo posteriormente apresentado cópia do extracto bancário da conta n° 302.200539094, reflectindo um depósito em 31/08/2007, no valor do montante registado na conta "Caixa".
iv) De acordo com os elementos apresentados pelo banco B... das duas contas detidas, à data de 31/08/2007, a empresa não possuía qualquer valor depositado de que fosse efectivo credor.
v) Não obstante a existência de alguns movimentos no extracto da conta n° 302.200539094, no final de 2007, que poderão ser entendidos como tentativa de justificar um saldo contabilístico que não era efectivo, constata-se que aquelas contas bancárias, desde 29/02/2008, passaram a ter depósitos de apenas € 189,87.
vi) Não existem, assim, quaisquer valores depositados em função do montante correspondente ao alegado depósito de 31/08/2007 no valor de € 797.008,19.
vii) O contrato de mútuo apresentado para justificar a aplicação das disponibilidades que, em 31/12/2008, constavam da contabilidade na conta de "Depósitos à ordem" não pode provir dos valores depositados pelo facto das contas bancárias nunca terem contido disponibilidades suficientes para concretizar tal empréstimo.
viii) Registe-se que a avaliação da efectiva existência física das disponibilidades vinha sendo desenvolvida desde 26/06/2007, denunciando que em momento algum existiram, no conjunto das contas bancárias, efectivas disponibilidades depositadas.
ix) Dado que as análises efectuadas aos documentos bancários permitiram concluir que as disponibilidades que estavam registadas na conta "Caixa" não foram objecto de depósito conclui-se que a verba registada em caixa já não integrava o património do sujeito passivo em 03/08/2007.
Assim concluímos que as disponibilidades em causa foram retiradas do activo da empresa pelos respectivos sócios. Não obstante se poder admitir, que, face aos valores envolvidos, os sócios não tenham retirado tais valores da empresa de uma vez só, a constatação pessoal e objectiva da transferência patrimonial e desvio das disponibilidades da esfera empresarial apenas se consolida com o acto de inventariação física da caixa à data de 16/08/2007.
Atendendo a que:
a) os elementos da contabilidade, em 03/08/2007, reflectiam um saldo na conta "Caixa” de €797.008,19;
b) nos termos do art° 75° da Lei Geral Tributária (LGT) presumem-se verdadeiros os dados e apuramentos inscritos na contabilidade e,
c) em 03/08/2007, por verificação pessoal e directa, concluiu-se pela não evidência física daquelas disponibilidades na caixa,
considera-se que, o dinheiro em causa tenha sido retirado da empresa em benefício dos sócios na data desta contagem física.
A retirada do dinheiro a favor dos sócios-gerentes, na ausência de enquadramento diferente devidamente justificado pelo sujeito passivo, corresponde a pagamentos a título de lucros ou de adiantamentos por conta de lucros, nos termos da alínea h) do n° 2 do art° 5° do Código do imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (CIRS).
4. Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Singulares
Em virtude de as importâncias retiradas da empresa terem sido enquadradas como lucros ou adiantamentos por conta de lucros, portanto consideradas rendimentos de capitais, de acordo com a alínea c) do n° 3 do 71° do CIRS (na redacção anterior à introduzida pela Lei n° 3-B/2010, de 28/04), estão sujeitas a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 20%.
Assim, o sujeito passivo deveria ter retido o montante de € 159.401,64 (20% * 797.008,19) e procedido à sua entrega nos cofres do Estado até ao dia vinte de Setembro de 2007 – fls. 21 a 34 do PA.
6. Em 4 de Fevereiro de 2011 foi emitida nota de cobrança n.º 2011.109249, com a demonstração de liquidação n.º 2011.6410000097 (exercício de 2007), respeitante a retenção na fonte de IRS e respectivos juros compensatórios, no valor de € 180.783,29 – fl. 18 do PA.
7. Em 7 de Julho de 2011 a Impugnante apresentou reclamação graciosa do ato de liquidação referido supra, pedindo a sua anulação, em requerimento endereçado à Direcção de Finanças do Porto – fls. 6 a 15 do PA.
8. Em 30 de Dezembro de 2011 foi a reclamação graciosa indeferida por decisão da Chefe de Divisão do Serviço de Finanças de Matosinhos 1 – fl. 102 do PA.
9. Em 10 de Fevereiro de 2012 a Impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, em requerimento endereçado ao Ministro das Finanças – fls. 103 a 114 verso do PA apenso.
10. Em 6 de Outubro de 2012 foi o recurso hierárquico considerado improcedente, por decisão da Directora de Serviços de IRS – fl. 119 do PA.
Factos não Provados:
A) Que as disponibilidades em caixa, no valor de € 798.000,00, foram entregues pelo Impugnante ao sócio-gerente O…, na sequência do contrato de mútuo celebrado em 31 de Dezembro de 2008.
Nada de mais se provou com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se nos documentos constantes do processo administrativo junto aos autos e apresentados com a petição inicial, conforme se deixou indicado ao longo do rol de factos provados.
Quanto ao facto considerado não provado, o Tribunal considera, em primeiro lugar, que o alegado contrato de mútuo, referido nos factos provados, padece de nulidade por falta de forma legal (art. 1143.º e art. 220.º do Código Civil), portanto, não faz minimamente prova dos factos neles documentados.
A Impugnante arrolou a testemunha Sara…, que invocou ser amiga íntima do sócio O…, tendo relatado que conhecia as necessidades de financiamento deste, na altura em que o contrato de mútuo foi outorgado. Todavia, atento o facto de o contrato de mútuo ser nulo por falta de forma, por desrespeito de uma formalidade ad substantiam, não pode o depoimento da testemunha ser valorado no sentido de provar a existência desse contrato (art. 393.º, n.º 1 do Código Civil).
Além do mais, a testemunha nada sabia acerca do referido contrato ou de qualquer negócio celebrado pela impugnante.
Em segundo lugar, ainda que o contrato de mútuo fosse válido, não podia a AT considerá-lo, pois, atendendo à sua natureza de contrato real quod constitutionem, (isto é, de contrato que só se completa com a entrega da coisa) só relevaria se houvessem sido entregues as próprias disponibilidades contabilizadas em caixa, o que não ficou demonstrado.
Como se colhe do RIT e do teor dos documentos em anexo, em 31 de agosto de 2007 foi depositada na conta n.º 302200539094, a quantia de € 797.008,19, proveniente da entrega do cheque n.º 4646951287, emitido no mesmo dia sobre a conta 302.200539003 – extracto bancário e doc. de fls 56 e 57 do PA apenso. E em consequência do depósito da quantia referida, a conta 302.200539003 ficou com saldo negativo no mesmo montante (doc. fl. 61 do PA). Ou seja, como se assinala no RIT, a impugnante não detinha qualquer importância depositada no banco. O montante movimentado teve como origem um descoberto na conta 302.200539003, definindo-se este, de acordo com o Supremo Tribunal de Justiça, Ac. de 28-05-2015, Pr. 198/14.0TVLSB.L1.S1 (pode ser consultado no endereço www.dgsi.pt), como uma “operação de crédito que pode resultar de um acordo expresso ou de meras relações contratuais de facto, coenvolvendo uma proposta tácita de ordem de levantamento por parte do cliente e a aceitação tácita dessa ordem por parte do Banco, não carecendo de acordo escrito ou de assentimento formal do depositante, (susceptível de ser provado) por mera confissão tácita ou ficta, resultante da não impugnação dos factos articulados.
Sendo assim, é inevitável a conclusão que a Impugnante não detinha as disponibilidades registadas em caixa quando outorgou o documento que intitula de “contrato de mútuo.”

2. O Direito

No presente recurso questiona-se se resulta dos autos, por um lado, que o contrato de mútuo em apreço corresponde a uma operação fictícia, isto é, se está demonstrada ou não a existência do alegado empréstimo e, por outro lado, se a prova recolhida pela Inspecção Tributária (IT) é idónea para concluir que estamos perante adiantamentos a sócio sujeitos a imposto, ou seja, se os factos descritos no RIT, que levaram a IT a concluir que se tratava de um adiantamento por conta dos lucros, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, são suficientes para liquidar o imposto aqui impugnado, referente ao período de 2007.
Contudo, a questão que importa primeiramente decidir é a de saber se a liquidação impugnada é ilegal em virtude de a AT não ter demonstrado, como lhe incumbia, que a quantia de €797.008,19, reflectida no saldo da conta “Caixa” da contabilidade da Recorrente, não evidenciada fisicamente na caixa, constituía adiantamento por conta de lucros aos sócios, que o respectivo dinheiro foi retirado da empresa em benefício dos sócios (pelo menos na data da contagem física) e, como tal, não estarem verificados os pressupostos que preenchem a hipótese de incidência da norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do CIRS.
Está em causa a legalidade do acto de liquidação de IRS (2007) por falta de retenção na fonte por parte da ora Recorrente.
Devemos ater-nos à fundamentação aduzida pela administração tributária no relatório de inspecção para proceder à liquidação impugnada, que foi a seguinte: “ (…) Em suma, a situação descrita nos pontos anteriores pode resumir-se do seguinte modo:
i) A contabilidade relevava saldo exagerado na conta "Caixa", o qual, em 26/06/2007, ascendia a € 797.008,19.
ii) Através da inventariação (tentada em 26/06/2007 e concretizada em 03/08/2007) verificamos que tais valores não tinham existência física na caixa.
iii) O sujeito passivo alegou que o dinheiro estava nos cofres do sócio-gerente e que iria ser depositado no banco, tendo posteriormente apresentado cópia do extracto bancário da conta n.° 302.200539094, reflectindo um depósito em 31/08/2007, no valor do montante registado na conta "Caixa".
iv) De acordo com os elementos apresentados pelo banco B... das duas contas detidas, à data de 31/08/2007, a empresa não possuía qualquer valor depositado de que fosse efectivo credor.
v) Não obstante a existência de alguns movimentos no extracto da conta n° 302.200539094, no final de 2007, que poderão ser entendidos como tentativa de justificar um saldo contabilístico que não era efectivo, constata-se que aquelas contas bancárias, desde 29/02/2008, passaram a ter depósitos de apenas € 189,87.
vi) Não existem, assim, quaisquer valores depositados em função do montante correspondente ao alegado depósito de 31/08/2007 no valor de € 797.008,19.
vii) O contrato de mútuo apresentado para justificar a aplicação das disponibilidades que, em 31/12/2008, constavam da contabilidade na conta de "Depósitos à ordem" não pode provir dos valores depositados pelo facto das contas bancárias nunca terem contido disponibilidades suficientes para concretizar tal empréstimo.
viii) Registe-se que a avaliação da efectiva existência física das disponibilidades vinha sendo desenvolvida desde 26/06/2007, denunciando que em momento algum existiram, no conjunto das contas bancárias, efectivas disponibilidades depositadas.
ix) Dado que as análises efectuadas aos documentos bancários permitiram concluir que as disponibilidades que estavam registadas na conta "Caixa" não foram objecto de depósito conclui-se que a verba registada em caixa já não integrava o património do sujeito passivo em 03/08/2007.
Assim concluímos que as disponibilidades em causa foram retiradas do activo da empresa pelos respectivos sócios. Não obstante se poder admitir, que, face aos valores envolvidos, os sócios não tenham retirado tais valores da empresa de uma vez só, a constatação pessoal e objectiva da transferência patrimonial e desvio das disponibilidades da esfera empresarial apenas se consolida com o acto de inventariação física da caixa à data de 16/08/2007.
Atendendo a que:
a) os elementos da contabilidade, em 03/08/2007, reflectiam um saldo na conta "Caixa” de €797.008,19;
b) nos termos do art° 75° da Lei Geral Tributária (LGT) presumem-se verdadeiros os dados e apuramentos inscritos na contabilidade e,
c) em 03/08/2007, por verificação pessoal e directa, concluiu-se pela não evidência física daquelas disponibilidades na caixa,
considera-se que, o dinheiro em causa tenha sido retirado da empresa em benefício dos sócios na data desta contagem física.
A retirada do dinheiro a favor dos sócios-gerentes, na ausência de enquadramento diferente devidamente justificado pelo sujeito passivo, corresponde a pagamentos a título de lucros ou de adiantamentos por conta de lucros, nos termos da alínea h) do n.° 2 do art° 5° do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (CIRS). (…)”
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto acolheu este entendimento e julgou a impugnação improcedente, concluindo, a respeito do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS (e afastando o artigo 6.º, n.º 4 do CIRS), que “ (…) À luz da referida disposição, o sujeito passivo não é tributado em função de uma presunção de adiantamento de lucros, mas, isso sim, por causa de um adiantamento efectivo de lucros.
Isto é, a AT procedeu à contagem física da conta «Caixa» da Impugnante e, constatando inexistir a disponibilidade monetária relevada contabilisticamente nessa conta, no valor de € 797.008,19, considerou que essa quantia foi apropriada pelo sócio gerente da Impugnante. (…)”.
No que tange ao invocado vício de falta de fundamentação, o tribunal recorrido decidiu o seguinte:
“(…) Consta do teor do RIT que os serviços da AT constataram, em 3 de Agosto de 2007, a inexistência da disponibilidade ou do saldo relevado contabilisticamente, no montante de € 797.008,19, e que os legais representantes da Impugnante referiram que a importância estava guardada em cofre de um dos sócios-gerentes a qual iriam depositar em instituição bancária, numa conta aberta para o efeito.
Os serviços da AT também constataram que o depósito efectuado em 31 de agosto de 2007 na conta n° 302.200539094, no valor de € 797.008,19, resultou da entrega do cheque n° 4646951287, sacado sobre a conta n° 302.200539003 (não relevada contabilisticamente, embora titulada pela Impugnante).
Este depósito gerou liquidez na conta n° 302.200539094, tendo a conta n° 302.200539003 ficado a descoberto (saldo negativo) no mesmo montante. Assim, concluiu a AT que o descoberto na conta n° 302.200539003 funcionou como um empréstimo bancário, não tendo origem nas disponibilidades da conta «Caixa».
Mais considerou a AT que os movimentos constantes dos extractos bancários reportados até 31 de Dezembro de 2007, embora lançados em meses distintos (Dezembro de 2007 e Janeiro de 2008) tiveram por finalidade criar uma aparência que fosse de encontro à necessidade de comprovar os valores que a contabilidade evidenciava.
Rematando, a AT concluiu que as disponibilidades em referência foram retiradas do activo da empresa pelos respectivos sócios e que, não sendo possível constatar de forma objectiva a transferência patrimonial, o desvio das disponibilidades apenas se consolidou com o acto de inventariação física da caixa à data de 16 de agosto de 2007.
Ora, como se vê, a AT desenvolveu os actos instrutórios necessários e suficientes ao apuramento da realidade dos factos em presença, que lhe permitiu fundar uma convicção sustentada, segura sobre os mesmos.
No relatório de inspecção indicam-se os factos recolhidos na inspecção, devidamente suportados em documentos que espelham a realidade dos movimentos bancários efectuados e a “saúde” financeira da Impugnante. Também as considerações/valorações que a AT extrai deles resultam devidamente externadas. Ademais, existem no RIT quadros sintéticos/conclusivos para uma mais fácil apreensão da ratio decidendi do acto de liquidação.
Sendo assim, um homem médio consegue apreender o iter cognoscitivo da decisão da AT, sendo que não se divisa qualquer desacerto nas razões de facto e de direito invocadas para a decisão da AT, pelo que urge concluir que o acto está devidamente fundamentado. (…)”

Ora, preceitua o artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, na redacção aplicável:
“1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
(…)
h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º”.
Este artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
Mas para que tal suceda é necessário que se prove a existência de lucros e que estes foram colocados à disposição dos sócios ou titulares, sendo que não existe qualquer presunção de que no caso de haver lucros estes sejam recebidos pelos sócios ou titulares.
Com efeito, a única presunção legal que se conhece, neste âmbito, é a que decorre da norma do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, na redacção então em vigor, segundo a qual os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
E para esta presunção operar pressupõe-se, efectivamente, o registo na conta corrente do sócio.
Porém, na tese da sentença recorrida, a administração tributária não se baseou, no caso em apreço, em qualquer presunção para considerar que as quantias recebidas pelo sócio-gerente constituíam adiantamentos por conta de lucros, nomeadamente a prevista no artigo 6.º, n.º 4 do CIRS. Pelo contrário, AT não fez qualquer presunção de rendimentos, tendo considerado que determinada quantia foi entregue pela sociedade impugnante ao seu sócio-gerente à data de 16/08/2007 (com o acto de inventariação física da caixa), a título de adiantamento por conta dos lucros, que enquadrou no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS.
Considerando os elementos disponíveis, confirma-se, efectivamente, não existir, em 2007, na contabilidade da Recorrente qualquer lançamento na conta de sócios (conta 25 – sócios) que pudesse fazer operar a presunção do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS e que a AT não baseou a sua fundamentação de direito neste normativo. Segundo a AT, existiam indícios concretos e suficientes para considerar a retirada daquela quantia como adiantamento por conta de lucros e, consequentemente, como rendimentos de capitais, da categoria E, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alínea h) do CIRS, sujeitos a tributação.
Em tal situação, a norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS não exige a escrituração formal dessa realidade como pressuposto de incidência, mesmo porque “deixar ao critério do sujeito passivo a “classificação” como adiantamento por conta de lucros, de realidades da vida corrente das sociedades comerciais, que constituem verdadeiros desvios de fundos em proveito dos sócios, seria frustrar o interesse público do Estado na arrecadação de impostos e no combate à fraude e evasão fiscais e permitir que ficassem por tributar verdadeiros incrementos patrimoniais dos sócios”.
É comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Porém, o mesmo não acontece quanto uma parte do património das sociedades é afectado ou onerado, por contrapartida da transferência duma parte deste, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica de um associado ou titular, sem que às mesmas operações lhes sejam dados os qualificativos de "lucros distribuídos" ou "adiantamentos por conta dos lucros". Tal situação ocorre quando os montantes, que deviam ter sido reconhecidos como proveitos das sociedades, acabam por não ser registados nas contabilidades destas e vão acrescer ao património individual dos respectivos associados ou titulares e, ainda, quando o registo, apesar de efectuado na contabilidade da sociedade, não foi relevado numa conta de proveitos, mas sim numa qualquer conta de passivo que confira ao associado ou titular o direito de, como qualquer normal credor, vir a exercer a respectiva exigibilidade - vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27/01/2009, proferido no âmbito do processo n.º 02479/08.
Assim, a questão que se coloca é a de saber se os factos recolhidos pela administração tributária permitem extrair a conclusão de que foram postos à disposição do seu sócio-gerente proveitos auferidos pela Recorrente, constituindo adiantamentos por conta de lucros e, nessa medida, devem ser qualificados como rendimento de capitais nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS.
Importa relembrar que era a Administração Tributária que tinha o ónus de alegar e provar factos índices donde se pudesse extrair aquela conclusão (cfr. artigo 74º da LGT), impondo-se verificar se a argumentação constante do RIT e vertida no probatório contém factos objectivos susceptíveis de demonstrar que a quantia em causa foi colocada à disposição do sócio e se permite extrapolar a conclusão de que estamos perante adiantamento por conta dos lucros e, como tal, rendimento de capitais, categoria E, nos termos do estatuído no artigo 5º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) do CIRS, para depois concluir que a Recorrente estava obrigada a reter na fonte a importância correspondente a essa quantia.
Como decorre dos autos e do probatório, a presente liquidação de IRS teve lugar por se ter apurado em sede inspectiva que o valor de €797.008,19, reflectido no saldo da conta “Caixa” da contabilidade da Recorrente, não evidenciado fisicamente na caixa, teria sido retirado da empresa em benefício dos sócios (pelo menos na data da contagem física).
O Código das Sociedades Comerciais (CSC), no seu artigo 297.º, n.º 1, prevê que nas sociedades anónimas sejam feitos aos accionistas adiantamentos sobre lucros, desde que observadas as seguintes regras:
«a) O conselho de administração ou o conselho de administração executivo, com o consentimento do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão, resolva o adiantamento;
b) A resolução do conselho de administração ou do conselho de administração executivo seja precedida de um balanço intercalar, elaborado com a antecedência máxima de 30 dias e certificado pelo revisor oficial de contas, que demonstre a existência nessa ocasião de importâncias disponíveis para os aludidos adiantamentos, que devem observar, no que seja aplicável, as regras dos artigos 32.º e 33.º, tendo em conta os resultados verificados durante a parte já decorrida do exercício em que o adiantamento é efectuado;
c) Seja efectuado um só adiantamento no decurso de cada exercício e sempre na segunda metade deste;
d) As importâncias a atribuir como adiantamento não excedam metade das que seriam distribuíveis, referidas na alínea b).
2 - Se o contrato de sociedade for alterado para nele ser concedida a autorização prevista no número anterior, o primeiro adiantamento apenas pode ser efectuado no exercício seguinte àquele em que ocorrer a alteração contratual».
Embora o CSC não contenha disposição idêntica para as sociedades por quotas (caso da impugnante), o certo é que a admitir-se tal possibilidade também nesta modalidade societária, sempre haveriam de observar-se as regras a que está sujeito o adiantamento sobre os lucros nas sociedades anónimas – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 09/06/2016, proferido no âmbito do processo n.º 545/10.4BECBR.
E analisadas tais regras, logo se vê que o adiantamento por conta dos lucros supõe a transferência de disponibilidades financeiras geradas em resultados do exercício, da sociedade para os sócios.
Ora, os resultados das empresas decorrem da diferença entre os proveitos e os custos apurados no exercício.
Como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».
No caso dos autos, não está demonstrado ter ocorrido qualquer transferência da sociedade para o sócio de fundos próprios gerados em resultados.
Apenas sabemos que faltavam fisicamente €797.008,19 na caixa e que não foram apresentadas justificações plausíveis para tal pela Recorrente.
Aliás, considerar que o dinheiro em causa foi retirado da empresa em benefício dos sócios na data da contagem física, não deixa de ser uma conjectura, trata-se de uma probabilidade adiantada pela inspecção tributária. E é assente nesta presunção (sem que haja nenhum facto indiciário de entrega ou de entrada de dinheiro em qualquer conta particular de algum sócio), que avança para concluir que a retirada do dinheiro a favor dos sócios-gerentes, na ausência de enquadramento diferente devidamente justificado pelo sujeito passivo, corresponde a pagamentos a título de lucros ou de adiantamentos por conta de lucros, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.
Assim, em rigor, somente com os elementos ínsitos nos autos, não é possível dar por adquirido que o dinheiro fisicamente em falta na conta “Caixa” tenha tido como destino qualquer sócio, muito menos que consubstancie fundos próprios da sociedade gerados em resultados, segundo o citado artigo 17.º do CIRC.
Salientamos que os valores registados contabilisticamente na conta “Caixa”, grosso modo e considerando as notas explicativas ínsitas no Plano Oficial de contabilidade (POC), correspondem ao valor dos recursos imediatamente disponíveis para efectuar pagamentos; registando esta conta, de maneira ordenada, montantes recebidos e pagos em dinheiro físico (moeda metálica e notas), pertencendo, por isso, ao grupo do activo circulante, incluindo, entre outros, os numerários em trânsito. Daí que não se possa concluir que uma falta física de um valor registado nesta conta “Caixa” corresponda a fundos próprios da sociedade gerados em resultados, nos termos do analisado artigo 17.º do CIRC. Da motivação da AT é notório não ter a mesma encontrado outro enquadramento que não o adiantamento aos sócios por conta dos lucros para esta falta física de um montante tão avultado registado na conta “Caixa”.
No entanto, embora a AT tenha promovido as diligências que se espelham no procedimento inspectivo e ter sido levantado o sigilo bancário, não se obtiveram nem elencaram factos índice sustentadores do destino que foi conferido àquele montante, isto é, se estava no activo da empresa ou se, pelo contrário, foi gasto em despesas confidenciais ou não documentadas ou atribuído em benefício dos sócios. A AT deveria ter ido mais longe na investigação e, quiçá, o levantamento do sigilo bancário ter sido mais abrangente e extenso, por forma a alcançar factos objectivos que permitissem retirar ilações quanto ao destino do montante fisicamente em falta.
Nestes termos, a qualificação como adiantamento por conta dos lucros, in casu, enferma de erro nos pressupostos, sendo irrelevante a discussão que se formou em torno da questão de saber se tal quantia retornou à sociedade (e em que medida), e se se tratava, afinal, de um eventual empréstimo da sociedade ao seu sócio-gerente.
Aqui chegados, mostra-se, igualmente, prejudicado o conhecimento do recurso na parte referente à impugnação da decisão da matéria de facto, uma vez relacionada com a matéria do contrato de mútuo; sendo suficiente para a decisão da causa, como vimos, a fundamentação aventada pela AT subjacente ao acto impugnado.
Relembramos que à AT cabe o ónus de provar a existência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, isto é, compete-lhe provar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que o contribuinte deixou de liquidar, demonstrando a existência e conteúdo do facto tributário. Ou seja, a Administração Fiscal tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a qualificar a falta física de montante registado na conta “Caixa” como adiantamento por conta dos lucros da sociedade e, no caso, não se recolheram factos (índice) suficientes de que foi feito depósito pela sociedade na conta do sócio alicerçado nos resultados do exercício da sociedade.
Na falta de verificação desse requisito, inexiste para a sociedade impugnante qualquer obrigação de imposto fundada em facto tributário na esfera do sócio-gerente, o que inquina do vício de violação de lei a liquidação impugnada de IRS – retenção na fonte, determinante da sua anulação.
Nesta conformidade, porque a apreciação se quedou a montante, é irrelevante a maioria dos argumentos apontados nas alegações do presente recurso, impondo-se conceder provimento ao mesmo, revogando a sentença recorrida e julgando a acção procedente.

Conclusões/Sumário

I - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
II - O artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
III - Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.
IV - A Administração Tributária não lançou mão da presunção constante deste normativo, porque a quantia em apreço não estava escriturada numa conta de sócios da sociedade.
V - Competia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que, no caso concreto tal não se verificou, dado que não se encontram reunidos os factos índice que permitem à Administração Tributária fazer o enquadramento de valores contabilísticos como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no artigo 5.º, nºs.1 e 2, alínea h) do CIRS, assim padecendo a liquidação impugnada de vício de violação de lei.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação procedente, anulando-se o acto de liquidação impugnado.
Custas a cargo da Recorrida, em ambas as instâncias.
Nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Porto, 08 de Março de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro