Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01075/13.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/27/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário:I - No processo contra-ordenacional tributário português, no que diz respeito às regras de apreciação da prova, vigora o regime jurídico estabelecido para o processo penal.
II - O artigo 127.º do Código de Processo Penal consagra o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual, o juiz aprecia a prova produzida de acordo com a sua própria convicção.
III - Nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos, devendo proceder ao exame das provas produzidas em audiência através da audição das passagens indicadas (artigo 412.º n.º 6 do Código de Processo Penal).
IV - Essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; devendo obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
V - Se a fundamentação da decisão da matéria de facto não viola o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objectiva, e de harmonia com a experiência comum, não pode concluir-se que a mesma prova gera factos incertos, que implique dúvida razoável que afaste a valoração efectuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo, por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto.
VI - No caso dos autos, a livre apreciação da prova não conduziu nem poderia conduzir à subsistência de qualquer dúvida razoável sobre a existência do facto e do seu autor. Por isso, não há lugar a invocar aqui o princípio do in dubio pro reo.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:L...
Recorrido 1:Alfândega de Braga
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


I – Relatório

L…, Contribuinte Fiscal nº 1…, interpôs o presente recurso da decisão proferida pelo Director da Alfândega de Braga, em 21/3/2013, no recurso de Contra-ordenação que o condenou na coima de 6.300,00 euros.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga foi proferida sentença, em 12-02-2014, que julgou improcedente o recurso interposto, decisão com que o recorrente não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
I. No ponto 7 o Tribunal faz referência à resposta da Mairie de Saint Leu La Foret a um pedido de informação sobre se a residência do arguido teria sido mudada, para Portugal.
II. Na resposta foi dito que não existiram elementos que permitam conformar a transferência da residência e, sobre este ponto também se dirá que a informação também não foi dito o contrário,
III. O documento de fls. 21 relativo à revogação do benefício fiscal obtido na regularização fiscal do veículo Citroen Xsara matrícula LH faz referência ao “incumprimento do ónus da intransmissibilidade”, que não tem nada a ver com o benefício fiscal obtido através da mudança de residência tratado nos presentes autos”.
IV. “O ofício aludido em 11, com o devido respeito ficou apenas dado como provado que o mesmo foi enviado pela Alfandega de Braga para L…, 31 Rue…, França com vista à notificação do arguido e que o aviso de recepção relativo a tal oficio foi assinado em 05/03/2013 e ostentava a assinatura “N…”,
V. Com o devido respeito não foi dado como provado que o mesmo foi recepcionado (no sentido de recebido) pelo arguido ou seja,
VI. O facto ao aviso de recepção ter sido assinado e ostenta a assinatura “N...” não permite com toda a segurança concluir que a notificação tenha sido efectivamente recebida ou que tenha chegado em tempo às mãos do arguido e,
VII. A decisão condenatória de fls. 32135 faz referência a revogação do benefício fiscal por incumprimento do ónus de intransmissibilidade constante de fls. 21.° referido no ponto 9.° dos factos provados e, no presente caso o benefício fiscal foi por transferência de residência para Portugal.
VIII. O ofício remetido ao arguido L… pela Alfandega de Braga com aviso de recepção para 31, Rue… que consta de fls. 36 do processo apenso, com vista à notificação do arguido da decisão condenatória identificada em 13, cujo aviso de recepção relativo ao ofício identificado em 14, assinado em 22103/2013 ostenta a assinatura “L…”.
IX. O facto do aviso de recepção ter sido assinado e ostentar a assinatura “L…” não permite com toda a segurança concluir que a notificação tenha sido recebida ou que tenha chegado às mãos do arguido, pelo menos na data do seu recebimento.
X. No ofício referido no ponto 11 dos factos provados o aviso de recepção ostenta a assinatura “L…”.
XI. Dá-se por reproduzido o documento que consta de fls 57, atestado da Junta de freguesia de Fornelos datado de 18/02/2013 no qual consta que o arguido reside na Rua … em Fornelos
XII. O Presidente na Junta de Freguesia de Fornelos, concelho de Fafe, atesta, para efeitos de prova de residência que o arguido L...reside na Rua…Fornelos, …concelho de Fafe.
XIII. Na motivação da decisão de facto o meritíssimo juiz diz
XIV. - A decisão quanto à matéria de facto resultou da análise crítica da documentação junto aos autos e da ponderação efectuada ao depoimento das testemunhas inquiridas.
XV. - A testemunha D… disse:
a. - É proprietário de um café em Fafe.
b. - Que o arguido frequenta o seu café onde toma o pequeno-almoço, desde há cinco ou seis anos.
c. - Que vive sozinho em Portugal.
d. - Que até declarou não saber que a mulher do arguido se encontrava a trabalhar, em que se ocupava e se sabia ler e escrever e,
e. - Quando confrontado com uma doença do arguido e o tribunal o questionou se podia comer doces, esta testemunha logo alterou o seu depoimento no que respeita à alegada rotina alimentar do arguido.
XVI. A testemunha S…, declarou:
a. - Que desde há cinco ou seis anos vê o arguido mais vezes no café e no quintal.
b. - Viu-o entregar o recibo de rendas ao caseiro em Agosto ou Setembro.
o. - Nada sabia do veículo em causa.
d. - Nunca viu o arguido nas feiras ou na igreja daquele local.
XVII. A testemunha C…, técnica verificadora principal da Alfândega de Braga - declarou
a. - Que o arguido de forma convincente insistiu que vivia em França e só se deslocava a Portugal nas férias, tanto assim que não levantou um auto pela condução de um veículo de matrícula francesa.
b. - Deu conta das diligências quer no decurso da acção de fiscalização mediante recurso aos meios informáticos e junto da “Mairie” e Administração Regional de Saúde,
c. - Todas conduzindo à conclusão de que o arguido não tinha transferido a residência de França para Portugal, como de resto afirmou, por várias vezes, no decurso da fiscalização.
XVIII. Conforme consta das gravações e respectivas transcrições que se juntam que se podem revisitar a testemunha D… diz:
a. - Conhece o Sr L…;
b. - Tem um café há 11/12 anos e a uns 300 ou 400 metros da morada do Sr L....
c. - Há meia dúzia de anos atrás era meu cliente nas férias e desde que ficou ali a morar a bem dizer vem ali todos os dias tomar o pequeno almoço ao meu estabelecimento.
d. - Ele não tem família cá. O Sr L… vive na casa dele em Santa Comba,
e. - Não sabe nada sobre a legalização do carro. As matrículas (dos carros) são portuguesas.
f. - Ele tem estado cá a bem dizer sempre desde há cinco ou seis anos para cá. Ás vezes desaparece oito dias, diz que tem saudades da mulher.
g. - Já para aí cinco anos ou mais que ele está cá e tem a certeza que ele está ali a viver, e que tem um Clio e um Citroen.
h. - Perguntado porque é que terá assinado a declaração a dizer que residia em França e que só vinha cá nas férias, respondeu que não sabia e que só fala do que vê.
- Sabe que tem problemas de saúde, toma um galão “galãozito” e um bolo ou um pão com manteiga, outras vezes um pão sem nada.
j. - Sabe que a esposa está em trança, não sabe se está a trabalhar, e, se trabalha não sabe o que ela faz.
XIX. A testemunha S… diz:
a. - Conhece o Sr L...há uma média de vinte e cinco anos, porque trabalhava por minha conta há uns sete anos e há quatro anos fiz outro e ele ajudou-me.
b. - Ele mora a quinhentos metros da minha casa. Eu tenho-o visto muitas vezes por aí, ele está aí e de vez em quando vai a França.
c. - Diz que ele é reformado há muitos anos e que tem problemas de asma. Vê-o muitas vezes no quintal e no café.
d. - Já foi a casa dele, conhece bem a sua casa, tem caseiro, sabe que é Joaquim, e paga a renda ao Sr L…, viu-o entregar o recibo e o caseiro a pagar mas não viu quanto era.
e. - Conheço um que tem matrícula francesa e tem outro ... que tem matrícula portuguesa - parece-me que é um Renault. Esse Renault está de matrícula Portuguesa.
f. - Ele é doente dos pulmões... parece que é asma,
g. - Eu vi-o tomar ... um galão e pão, primeiro diz que não sabe o que é um galão, depois diz que é um café com leite.
h. - Que está cá e que vai de vez em quando a França. Já vive em Portugal há uns anos.
i. - Não sabe nada sobre a legalização do carro. Não sabe o que faz a mulher do senhor N...em França. Que só fala da renda de cá, porque em França não conhece.
XX. A testemunha C…, técnica verificadora principal da Alfandega de Braga disse:
a. - Conheceu o Sr L… do exercício de funções. Numa operação de circulação o sr L… foi interceptado porque conduzia um veículo com matrícula francesa definitiva.., e declarava que residia em França.
b. - E por outro lado também declarou que legalizou um carro ao abrigo da transferência da residência que nós confirmamos,
c. - Tínhamos duas situações: ou o Senhor L... residia em Portugal e estava em França porque conduzia um veículo de matrícula francesa definitiva ou então, efectivamente não transferiu a residência.
d. Ouvido em declarações disse: Estava em França há quarenta e dois anos, só cá vinha nas férias nunca passou cá períodos longos de um ano ou mais, que recebia uma pensão de invalidez e que estava lá a residir com a esposa.
e. - Nós não levantamos o auto e decidimos redigir as declarações para, posteriormente confirmarmos se efectivamente ele tinha a residência em França.
f. - Mandamos um ofício à Mairie da morada do Sr. L... e, eles disseram que não tinham dados para confirmar se houve ou não transferência de residência.
g. - Como ele tinha dito que era doente. Pedimos ao Centro de Saúde de Fafe que só tinha registos de uma visita esporádica e que tinha apresentado documento que as pessoas residentes no estrangeiro apresentam quando cá estão sujeitas a cuidados de saúde.
h. - Achamos que efectivamente a transferência não se tinha concretizado e levantamos o auto.
i. - Tínhamos ali duas situações.
j. Ou havia uma infracção ali no momento em que ele conduzia um veículo de matrícula francesa, sendo residente em Portugal
k. Ou não teria infracção naquele momento porque residiria em França.
l. - Ele ficou um pouco irritado.., e continuou a alegar que residia em França e sempre residiu há quarenta e dois anos.
m. - Eu deu-me a sensação não sei se sabia que legalizou o carro ao abrigo da transferência da residência.
n. - Perguntada se o Sr L… só foi ouvido pelas declarações prestadas no local, respondeu, na minha parte sim
o. - Eu disse que ele foi peremptório a dizer que residia em França há quarenta e dois anos.... Ele fartava-se dizer, tanto que se chateou, porque ficou um bocado enervado com aquilo, por nós estarmos sempre a questionar essas coisas....
p. - Quando voltou a ser questionada para explicar o que ele tinha dito que ele não teria consciência, a senhora respondeu com uma pergunta que é a seguinte: Será que ele tinha a noção do que declarou?
q. - As pessoas quando são confrontadas com infracções não ficam calmas....
r. - Sobre se a sua nora ter sido sujeita a uma intervenção cirúrgica ter de se ocupar dos netos menores, visto que o pai destes trabalha que não está no auto de declarações que está a fls. 21, a testemunha diz: Isso não foi comigo, é o meu colega e,
s. - Questionada sobre o pedido à “Mairie” da residência do senhor L... N...para saber se efectivamente ele tinha lá residência, a testemunha disse: Eles responderam que não tinham meios de confirmar essa transferência de residência e,
t. - Questionada se disseram que a residência continuava lá a testemunha respondeu. Não, também não.
XXI. - Foi requerido pelo recorrente a junção ao processo um atestado de residência passado pela Junta de Freguesia de Fornelos, concelho de Fale a atestar que o arguido vive em Portugal e, o representante da Alfandega de Braga não se pronunciou, disse apenas, nada a opor,
XXII. - O Magistrado representante do Ministério Público que disse:
Nada a opor, embora me pareça que é absolutamente irrelevante porque diz que reside, tem data de 18/02/2013 e, estamos a falar de 2012. Diz que reside agora e não que residia.
XXIII. - O recorrente não provou como lhe competia que não recebeu a notificação, pelo que, improcede a nulidade invocada que manifestamente não ocorre e,
XXIV. - “a talhe de foice, importa referir, como acertadamente referiu o Ex.mo Senhor Magistrado cio Ministério Público, que o atestado de residência apresentado pelo arguido, referido em 16 da factualidade provada, foi emitida pela junta de Freguesia de Fornelos em 18/02/2013 muito depois da prática dos factos, sendo do conhecimento comum que a generalidade desses documentos são emitidos apenas com base nas declarações dos requerentes.
XXV. - Do referido documento não consta qualquer elemento de facto de onde possa extrair-se a conclusão nele vertida,
XXVI. - O Ex.mo Magistrado do Ministério Público quando se pronunciou sobre a apresentação de tal documento, em sede de julgamento, terá dito coisas diferentes, conforme se pode ver nas gravações devidamente transcritas na integra e juntas e ainda na acta de audiência de discussão e julgamento,
XXVII. - Terá apenas dito: Nada a opor, embora me pareça que é irrelevante porque diz que reside e tem data de 18/02/2013 e estamos a falar de factos de 2012. Reside agora não diz que residia.
XXVIII. - Pode ler-se ainda na douta decisão que a versão do recorrente de que passa temporadas ora em Portugal ora em França mas manteve a residência em Portugal é desmentida pela declaração assinada pelo arguido.
XXIX. - Aqui sempre se dirá que no recurso da decisão da entidade tributária, apresentado pelo arguido nas suas conclusões elaboradas muito depois do auto de declarações o arguido diz exactamente isso ou seja, que desde Outubro de 2010 até à presente data residiu definitivamente em Portugal.
XXX. - E pelo contrário o recurso apresentado pelo arguido que vem exactamente desmentir o constante no auto de declarações em crise, assinada pelo arguido ora recorrente elaboradas nas condições físicas e psicológicas (conclusão 12) em que foram feitas,
XXXI. - O que é dito nesse amo de declarações é posta em causa até pela própria testemunha da Alfândega de Braga, quando diz nos seus depoimentos: Será que ele tinha a noção do que declarou?
XXXII. - O que resulta dos depoimentos dessa única testemunhas da Alfandega C… que em sede de julgamento quando questionada sobre se o arguido teria consciência que legalizou o carro ao abrigo da transferência da residência, respondeu “eu deu-me a sensação não sei se sabia que legalizou o carro ao abrigo da transferência da residência” e “será que ele tinha a noção do que declarou”.
XXXIII. - No que se refere ao cônjuge do arguido ora recorrente e à sua ocupação, ela é analfabeta sem saber ler nem escrever e ao arguido com a terceira classe antiga, nem um nem outro podiam exercer quaisquer funções de gestores de condomínio ou de receber as rendas,
XXXIV. - É um país onde se fala e escreve outra língua que não a portuguesa e, o mais que poderia ser é tratar das limpezas das partes comuns e do lixo.
XXXV. Com o devido respeito se deve entender que há mais do que lapso nas declarações prestadas à Autoridade Tributária ou erro na redacção há lapso e inconsciência por parte do arguido no dito auto de declarações junto ao processo.
XXXVI. - Não nos parece que o facto de a testemunha D… não saber nada sobre a multa aqui em discussão nem da situação ocorrida por via da legalização do veículo e de não saber que a mulher do arguido se encontrava a trabalhar ou se não sabia ler ou escrever contrarie as regras da experiência.
XXXVII. - Pode-se ser cliente de um estabelecimento assíduo e não haver relação de amizade para contar essas coisas. Aliás nenhuma testemunha ao longo do seu depoimento falou em amizades.
XXXVIII. - Também não se descortinam indícios nos autos de o arguido mencionar “esses factos” relacionados com as ocupações e habitações literárias da mulher perante terceiros quando foi fiscalizado.
XXXIX. - Podem-se mencionar factos (voluntariamente ou involuntariamente) perante terceiros, podia haver gente à volta quando as declarações foram prestadas que tenham até ouvido e o arguido não o ter confidenciado à testemunha.
XL. - O facto de não confidenciar às pessoas dados sobre a actividade ou habilitações literárias (analfabetismo) das nossas esposas, não contraria em nada as regras da experiência comum e da normalidade da vida.
XLI. No recurso da decisão proferida pela Autoridade tributária Alfandega de Braga é bem explícito que as declarações foram tomadas no local da operação na estrada nacional 207,
XLII. - De intenso tráfico rodoviário, sem condições de isolamento acústico, num estado psicológico do arguido de muita pressão e nervosismo, como a própria testemunha funcionária da Alfandega de Braga afirma no seu depoimento.
XLIII. - A questão de comer doces ou não, com o devido respeito não nos parece relevante. Aliás,
XLIV. - A alegada doença do arguido, tanto quanto foi dito pela testemunha Dilermando este diz (ver gravações) que sabe que tem problemas de saúde, não sabe que problemas de saúde são.
XLV. - Ainda sobre a saúde do arguido, a testemunha S… diz que ele é reformado e que tem problemas de asma e Mais adiante diz: ele é doente dos pulmões... parece que é asma. Portanto,
XLVI. - Uma doença de asma ou de pulmões não impede as pessoas de comer doces e com algumas dificuldades se admite qual a razão que tivesse levado a testemunha a alterar o seu depoimento no que respeita à alegada rotina alimentar do arguido.
XLVII. - Também se tem dificuldades em entender como o Tribunal chegou á conclusão que do testemunho do S… se intui que o arguido só de desloca esporadicamente a Portugal quando o mesmo diz no seu depoimento de forma clara e convincente que o mesmo vive em Portugal há uns cinco anos e vai de vez em quando a França
XLVIII. - Deve-se chegar à conclusão contrária, ou seja, deve-se chegar à conclusão que o arguido só se desloca esporadicamente à França e, quando se refere aos recibos de renda diz: vi-o entregar o recibo e o caseiro a pagar mas não vi quanto era, sem nunca referir se foi no mês de Agosto ou Setembro como consta na douta decisão que julgou o recurso improcedente.
XLIX. - O art. 19.° n.°3 da Lei qual Tributária que também é referida na fundamentação da decisão ora recorrida para dizer que o recorrente não provou como lhe competia que não recebeu tal notificação, não tem nada a ver com o ónus da prova.
L. Recorrendo às provas designadamente ao depoimento das testemunhas D… e S… e ao atestado da Junta de Freguesia, documento autêntico e oficial que não foi impugnado,
LI. - A residência do arguido é e sempre foi desde que foi transferida em Portugal deslocando-se a França de vez em quando para visitar a sua mulher que ainda lá ficou até se reformar e ir ao médico,
LII. - Depois de ter estado tanto tempo em França para tratar da sua saúde como decorre da normalidade da vida dos ex- emigrantes da sua velhice - que para eles, na França tratam melhor da saúde. Quem não sabe disso?
LIII. - Os benefícios fiscais (isenção do pagamento de imposto) que o arguido obteve por via da legalização do seu veículo ao abrigo da transferência da residência para Portugal, tal isenção foi revogada e liquidado e pago o respectivo imposto de 6.235,52 € que já se encontra pago.
LIV. - Da análise conjugada com os documentos constantes no processo para os quais a decisão remete, com a prova testemunhal e com a análise da fundamentação feita pelo Tribunal aos meios de prova e à sua influência para formar a convicção do Tribunal, resulta claramente a insuficiência da prova como provada e naturalmente falta ou insuficiência de fundamentação.
LV. - O ponto 5 dos factos provados não pode servir de suporte ou fundamentação pelas razões já invocadas,
LVI. O Arguido não foi notificado pelo menos em tempo para apresentar a sua defesa e juntar elementos probatórios nem tão pouco para pagar a coima no seu mínimo
LVII. Quem injustamente pagou 6.235,52, para não ter mais transtornos também pagaria se lhe tivesse sido dada a oportunidade de pagar mais 250,00 €, o mínimo da coima como a lei permite.
LVIII. - O ponto 7 dos factos dados como provados também não pode ser tido em consideração atento que na resposta dada pela “Mairie” sobre a residência do arguido não diz que sabe se a residência do arguido foi transferida para Portugal mas também não diz que não foi informação dada pela Mairie não se pode concluir com segurança que o arguido não transferiu o seu endereço para Portugal.
LIX. - O referido (documentos de fls. 21) ponto 9 também não pode valer como meio atento que tal documento faz referência à revogação do benefício fiscal obtido na regularização fiscal do veículo Citroen Xsara, matrícula LH por incumprimento do ónus de intransmissibilidade e no presente caso trata-se de incumprimento da transferência da residência do arguido para Portugal.
LX. - O ponto 11 também não prova nem fundamenta atento que o ofício remetido pela Alfandega de Braga sob registo para França com aviso de recepção com vista à notificação do arguido da acusação não foi recebido pelo arguido para pagar a coima no mínimo e se pronunciar.
LXI. - O ponto 12.° também se impugna e não pode provar em desfavor do arguido atento que o facto de ostentar a assinatura “N...” não prova que o arguido dele tenha tido conhecimento, pelo menos em tempo útil para se defender, juntar provas e/ou pagar a coima no mínimo.
LXII. - O ponto 13.° dos factos provados também não tem qualquer, relevância nem faz qualquer prova apenas diz respeito à revogação da isenção concedida e ao pagamento de imposto, que foi liquidado e pago no montante de 6.235,52€
LXIII. - E também o foi pago porque quando o arguido teve conhecimento já era tarde, também já não se pode defender, se não, tê-lo-ia feito como está agora a fazer e não teria pago tal montante.
LXIV. - Sobre o ponto 14.º dos factos dados como provados (fundamentação diz respeito a um ofício remetido pela Alfandega de Braga sob registo para França para a antiga residência do arguido com aviso de recepção também se diz o que se disse sobre os pontos 11 e 12, o facto de o aviso de recepção ter sido assinado e ostentar a assinatura L... N..., não permite com toda a segurança concluir que a notificação tenha sido recebida e chegado as mãos do arguido pelo menos na data constante no mesmo aviso de recepção. Aliás,
LXV. Comparando as duas assinaturas ostentadas nos dois avisos de recepção referidos no ponto 11 como nos pontos 14 e 15 não são as mesmas. Uma ostenta a assinatura “N...” e outra ostenta a assinatura “L... N...C…”
LXVI. - O documento junto aos autos pelo Réu que é um atestado da Junta de freguesia de Fornelos a atestar que o arguido vive em Portugal e deve relevar a favor do arguido porque é um documento oficial, emitido pela Junta de Freguesia e não foi impugnado nem o documento nem a letra.
LXVII. - Como se disse não podem ser estes argumentos que levam á condenação ou à sustentação da condenação do arguido. Pelo menos existem dúvidas que pesam a favor do Arguido.
LXVIII. - As declarações do arguido, como único suporte, como único meio de prova para sustentar a decisão, só que como se diz no recurso, não foram prestadas em condições adequadas nem de lugar nem de tempo com tudo o que se passou, nem de condições psicológicas por parte cio arguido e, mesmo que assim não fosse.
LXIX. Pelo que deve o recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ser julgado procedente e o arguido absolvido ou, se assim se não entender deve-lhe ser permitido o pagamento da coima pelo mínimo.
Termos que deve o recurso da decisão proferida pelo tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ser julgado procedente alterando a matéria de facto dada como provada e o arguido absolvido ou, se assim se não entender deve-lhe ser permitido o pagamento da coima pelo mínimo.

O Digno Magistrado do MP junto do TAF de Braga respondeu ao recurso, pugnando pela procedência parcial do recurso.

A entidade recorrida não contra-alegou.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se a fls. 151 dos autos, no sentido da procedência parcial do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

No artigo 75.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
Não obstante, este tribunal apreciará e decidirá as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que importa decidir o invocado erro de julgamento na decisão da matéria de facto e a possibilidade de pagamento da coima pelo valor mínimo.
Caberá, ainda, verificar da aplicabilidade do regime excepcional de regularização das dívidas da administração fiscal, consagrado no Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro, nos termos suscitados pelo Ministério Público.

III – FUNDAMENTAÇÃO

III - 1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

1. O arguido, ora recorrente, em 15/12/2010, requereu a atribuição de matrícula portuguesa para o veículo ligeiro de passageiros, marca Citroen, Modelo Xsara Picasso, chassis nº …, anteriormente detentor de matrícula francesa, mediante a DAV nº 6975.4, ao abrigo da transferência de residência prevista no artigo 58º e seguintes da Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho.
2. No processo aludido em 1, o arguido apresentou um certificado de mudança de residência, datado de 30/11/2010, emitido pela autarquia de Saint-Leu-La- Foret, do qual consta que L... N...da Costa reside no nº 31, Rue…, e declara residir em Portugal, a partir de 30/10/2010, para a Rua…, Fornelos, Fafe.
3. A Alfandega de Braga atribuiu matrícula portuguesa LH ao veículo identificado em 1, e concedeu ao arguido isenção de pagamento do imposto correspondente, ao abrigo da transferência de residência prevista no artigo 58º e seguintes da Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho.
4. O arguido, em 13/6/2012, foi interceptado numa acção de fiscalização em Fornelos-Fafe, e conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, Marca Renault, Modelo Traffic, Chassis nº …, de matrícula francesa, tendo apresentado o certificado de matrícula desse veículo, datado de 20/7/2011, do qual consta que a residência do arguido é na Rue …, e carta de condução da qual consta a mesma residência.
5. Dá-se por reproduzido o auto de declarações que consta a fls. 6 do processo apenso, datado de 13/6/2012, lavrado no decurso da acção de fiscalização aludida em 4, do qual se extracta “reside em França com a sua esposa. Desde que reside em França, há 42 anos apenas vem a Portugal ocasionalmente pela época das férias, nunca cá passou períodos longos de 1 ano ou mais. Desde 1989 que recebe em França uma pensão de invalidez. Presentemente não possui qualquer documento de renda em como tem lá habitação dado que a esposa exerce a actividade de gestão de condomínio residindo no prédio onde exerce essa actividade. Como a esposa apesar de ter actividade, não sabe escrever é o Sr. L... que trata disso nomeadamente de receber a renda dos condóminos e dos assuntos dessa actividade.
A sua residência em França, segundo a carta de condução apresentada e o certificat de matriculation do veículo controlado, Renault Trafic, Furgão, 3 lugares, chassis nº …, datado de 20/07/2011 e segundo declaração do Sr. L... é o nº 31, Rue….”.
6. Dá-se por reproduzido o “print” de fls. 7 do processo apenso que consubstancia a “visão do contribuinte” do qual consta como domicílio fiscal “31 Rue…, França”, e como representante fiscal “M…”.
7. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 8/9 que consubstancia o pedido de informação efectuado e resposta da “Mairie de Saint Leu La Foret” que, na sequência de diligências efectuadas, deu conta da inexistência de elementos que permitam confirmar que a transferência de residência do arguido, de França para Portugal, se tenha efectuado.
8. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 10/14 que consubstancia o pedido de informação efectuado e resposta da Administração Regional de Saúde Norte a dar conta que o arguido se encontra inscrito no Centro de Saúde de Fafe, “com o tipo de inscrição esporádica”, e que não existem registos de consultas efectuadas pelo arguido, nos anos de 2011 e 2012.
9. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 20/21 relativo à revogação do benefício fiscal obtido na regularização fiscal do veículo Citroen Xsara, matrícula LH.
10. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 23/25, 26/27 relativa à liquidação do Imposto sobre Veículos do veículo Citroen Xsara, matrícula LH, e subsequente notificação para pagamento.
11. A Alfândega de Braga remeteu ao arguido, sob registo postal com aviso de recepção, para “L... N...C…, 31, Rue…”, o ofício nº 1346, datado de 22/2/2013, que consta a fls. 29 e se dá por reproduzido, com vista à notificação do arguido do despacho de acusação e anexos, e para pagar a coima pelo mínimo legal, nos termos do disposto nos artigos 70º e 75º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
12. O aviso de recepção relativo ao ofício identificado em 11 foi assinado em 5/3/2013, e ostenta a assinatura “N...”.
13. Dá-se por reproduzida a decisão condenatória que consta a fls. 32/35 do processo apenso.
14. A Alfândega de Braga remeteu ao arguido, sob registo postal com aviso de recepção, para “L... N...C…, 31, Rue…”, o ofício nº 2040, datado de 21/3/2013, que consta a fls. 36 do processo apenso e se dá por reproduzido, com vista à notificação do arguido da decisão condenatória identificada em 13.
15. O aviso de recepção relativo ao ofício identificado em 14 foi assinado em 22/4/2013, e ostenta a assinatura “L... N...C…”.
16. Dá-se por reproduzido o documento que consta a fls. 57 dos autos que consubstancia um atestado da Junta de Freguesia de Fornelos, datado de 18/2/2013, do qual consta que o arguido reside na Rua…, em Fornelos.
17. O arguido não actuou com o cuidado a que estava obrigado, face às circunstâncias apuradas, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
18. O presente recurso foi apresentado em 20/5/2013.
Relativamente aos factos não provados, mencionou o seguinte:
Não resultaram provados quaisquer outros factos relevantes para a boa decisão da causa.
Motivação da decisão de facto
A decisão quanto à matéria de facto resultou da análise crítica da documentação junta aos autos, e da ponderação efectuada ao depoimento das testemunhas inquiridas.
A testemunha D…, proprietário de um café em Fafe, declarou que o arguido frequenta o seu café, onde toma o pequeno-almoço desde há 5 ou 6 anos, e vive sozinho em Portugal. O seu depoimento não convenceu o tribunal uma vez que não encontrou explicação para as declarações prestadas pelo arguido que contrariam o seu depoimento, na parte em que declarou residir em França e só vir esporadicamente a tribunal. Por outro lado, sendo alegado frequentador assíduo daquele café, nunca falaram da “multa” aqui em discussão, nem da situação ocorrida por via da legalização do veículo, o que contraria as regras de experiência comum e de normalidade da vida. De resto, esta testemunha até declarou não saber que a mulher do arguido se encontrava a trabalhar, em que se ocupava, e se sabia ler ou escrever, desconhecimento que não se justifica dado o relacionamento que se estabelece com um alegado cliente regular de 5/6 anos. Recorde-se que o arguido mencionou esses factos perante terceiros, quando foi fiscalizado, pelo que se estranha que nunca os tivesse mencionado à testemunha com quem alegadamente mantém um relacionamento de vários anos enquanto cliente do estabelecimento. Além disso, quando confrontado com uma doença do arguido, e o tribunal o questionou se podia comer doces, esta testemunha logo alterou o depoimento no que respeita à alegada rotina alimentar do arguido.
A testemunha S…, trabalhador da construção civil, declarou que desde há 5/6 anos vê o arguido mais vezes, no café e no quintal, e viu-o entregar o recibo de rendas ao caseiro, em Agosto ou Setembro. Nada sabia do veículo em causa nos autos, e nunca viu o arguido nas feiras ou na Igreja daquele local. Deste testemunho se intui que o arguido só se desloca esporadicamente a Portugal.
A testemunha C…, Técnica Verificadora Principal da Alfândega de Braga, relatou os factos ocorridos na operação de fiscalização na “rotunda de Fornelos”, e que o arguido, de forma convincente, insistiu que vivia em França, como resultava da documentação exibida, e só se deslocava a Portugal nas férias, tanto assim que não levantou um auto pela condução de um veículo de matrícula francesa.
Deu conta das diligências efectuadas, quer no decurso da acção de fiscalização, mediante recurso aos meios informáticos, e posteriormente junto da “Mairie” e Administração Regional de Saúde, todas conduzindo à conclusão de que o arguido não tinha transferido a residência de França para Portugal, como de resto afirmou, por várias vezes, no decurso da fiscalização.

III – 2. O Direito

O regime dos recursos jurisdicionais em processo contra-ordenacional tributário é o que resulta do disposto no artigo 83.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e dos artigos 74.º e 75.º do RGCO, com aplicação subsidiária do regime do processo penal – cfr. artigo 74.º, n.º 4 do RGCO.
Vigora, assim, no processo contra-ordenacional tributário português, no que diz respeito às regras de apreciação da prova, o regime jurídico estabelecido para o processo penal.
Importa analisar as questões que no entender do recorrente foram incorrectamente julgadas, referentes às provas produzidas, e que poderão impor decisão diversa da recorrida, salientando que o reexame da decisão em matéria de facto em sede de recurso não se confunde com um segundo julgamento, impossível pela inexistência de oralidade e imediação. Corresponde a um remédio jurídico para eventuais erros de procedimento ou de julgamento, mas que passa pela apreciação efectiva de cada uma das questões concretamente colocadas.
O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (artigo 430.º do Código de Processo Penal - CPP) – que não foi solictada pelo recorrente, uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – cfr. artigo 412.º do CPP.
O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos no recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.
Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão-só a sindicação da já proferida, sendo certo que no exercício dessa tarefa o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuado pelo tribunal recorrido – cfr. Acórdão do STJ, de 12-06-2005, proferido no âmbito do processo n.º 1577/05.
O artigo 127.º do CPP consagra o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual, o juiz aprecia a prova produzida de acordo com a sua própria convicção, não se encontrando o julgador sujeito às regras rígidas da prova tarifada, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional. Significando que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.
Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão”, confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida - cfr. alínea b) do n.º3 do citado artigo 412.º do CPP.
Assim, “o princípio da imediação limita a tarefa de reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, que só pode ser modificada se ocorrer erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi anteriormente considerado (…)” - cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15/05/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07623/14.
Com a alteração do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 48/07 de 29.8, mantém-se actual a jurisprudência supra aludida, com a ressalva de que o tribunal a quem deve agora proceder ao exame das provas produzidas em audiência através da audição das passagens indicadas (artigo 412.º n.º 6 do CPP), constantes, no caso dos autos, do registo digital dos depoimentos prestados efectuado em CD.
O erro de julgamento de facto ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.
Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Passemos, então, a conhecer dos fundamentos do recurso.
Percorrendo todos os pontos em crise, verifica-se que, afinal, quanto aos factos considerados provados na decisão recorrida, em rigor, nenhum se afasta do que resulta da prova documental produzida.
Por outro lado, a sentença recorrida também não discrimina qualquer facto não provado.
O que é dado como provado é, efectivamente, o que consta do elemento de prova de referência. Coisa distinta é a valoração que desses factos é feita pelo Tribunal a quo, mas tal não se confunde com o apontado erro de julgamento.
Assim, a discordância do recorrente limita-se à valoração da prova pelo Tribunal, valoração essa, livremente formada e fundamentada. Ora, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão” – cfr. jurisprudência uniforme dos tribunais superiores neste sentido.
Vejamos em concreto.
Tendo em vista demonstrar que não foi notificado para apresentar defesa no momento próprio do procedimento contra-ordenacional, tendo estado, por isso, impossibilitado de pagar a coima nesse prazo para beneficiar de redução da mesma, o recorrente refere nas conclusões das suas alegações de recurso que quanto ao ofício aludido em 11, ficou apenas dado como provado que o mesmo foi enviado pela Alfandega de Braga para L... N...C..., 31 Rue..., França com vista à notificação do arguido e que o aviso de recepção relativo a tal ofício foi assinado em 05/03/2013 e ostentava a assinatura “N...”. Menciona na Conclusão V não ter sido dado como provado que o mesmo foi recepcionado (no sentido de recebido) pelo arguido ou seja, o facto de aviso de recepção ter sido assinado e ostenta a assinatura “N...” não permite com toda a segurança concluir que a notificação tenha sido efectivamente recebida ou que tenha chegado em tempo às mãos do arguido – cfr. Conclusão VI das alegações de recurso.
Ora, “ter o ofício sido recepcionado pelo recorrente” é uma conclusão de facto que o julgador poderá retirar ou não, é uma ilação de facto que, depois, o juiz poderá subsumir às normas aplicáveis.
Efectivamente, na decisão da matéria de facto somente deverão discriminar-se factos simples e não conclusões de facto ou de direito, nem juízos de valor, sejam eles apreciações de facto ou de direito.
Portanto, manifestamente, o problema não reside na factualidade assente nos pontos 11. e 12. da decisão, mas no julgamento de direito que eventualmente se tenha efectuado com base nestes factos.
Compulsados os autos, verifica-se que o recorrente, na sua petição inicial, se limita a referir que a notificação não lhe foi devida e directamente dirigida, pelo facto de se encontrar em Portugal na morada indicada na decisão final e não em França. Por este motivo, ter-lhe-ia sido vedada a possibilidade de, por um lado, apresentar defesa escrita e meios probatórios, por outro lado, de beneficiar do regime estipulado no artigo 75.º do RGIT.
Note-se que o recorrente não questionou a genuinidade da assinatura constante do aviso de recepção, nem foi solicitada ou produzida qualquer prova no sentido de averiguar se tal assinatura, constante do aviso de recepção do ofício referido no item 11. da factualidade assente, pertence ao recorrente.
O mesmo é válido para os pontos 14. e 15. da matéria de facto apurada.
O recorrente refere na Conclusão LV que o ponto 5 dos factos provados não pode servir de suporte ou fundamentação para decisão recorrida, pois da análise conjugada com os documentos constantes no processo para os quais a decisão remete, com a prova testemunhal e com a análise da fundamentação feita pelo Tribunal aos meios de prova e à sua influência para formar a convicção do Tribunal, resulta claramente a insuficiência da prova como provada e naturalmente falta ou insuficiência de fundamentação – cfr. Conclusão LIV das alegações de recurso.
Ora, os argumentos do recorrente têm implícito que o tribunal a quo não podia ter valorado determinadas provas em detrimento da prova testemunhal produzida, não sendo legítimo concluir que o recorrente residisse em França quando havia transferido a sua residência para Portugal.
O recorrente apela também para o valor probatório do documento oficial emitido pela Junta de Freguesia de Fornelos a atestar que reside em Portugal, sustentando que, pelo menos, existem dúvidas que pesam a favor do recorrente – cfr. conclusões LXVI, LXVII e LXVIII das alegações de recurso.
Na verdade, retira-se da motivação da decisão da matéria de facto que a mesma se terá fundado na análise crítica da documentação junta aos autos e na ponderação efectuada ao depoimento das testemunhas inquiridas.
Nesta fundamentação expressamente se escreveu que o depoimento da primeira testemunha não convenceu o tribunal, uma vez que não encontrou explicação para as declarações prestadas pelo arguido que contrariam o seu depoimento, na parte em que declarou residir em França e só vir esporadicamente a Portugal (por lapso de escrita, certamente, escreveu-se “esporadicamente a tribunal”). Quanto à segunda testemunha, o tribunal intuiu que o recorrente só se desloca esporadicamente a Portugal. No concernente à última testemunha, C…, Técnica Verificadora Principal da Alfândega de Braga, tudo indica ter procedido à concatenação do teor do seu depoimento com os elementos documentais constantes dos autos, pois relatou os factos ocorridos na operação de fiscalização na “rotunda de Fornelos”, e que o arguido, de forma convincente, insistiu que vivia em França, como resultava da documentação exibida, e só se deslocava a Portugal nas férias, tanto assim que não levantou um auto pela condução de um veículo de matrícula francesa.
Deu conta das diligências efectuadas, quer no decurso da acção de fiscalização, mediante recurso aos meios informáticos, e posteriormente junto da “Mairie” e Administração Regional de Saúde, todas conduzindo à conclusão de que o arguido não tinha transferido a residência de França para Portugal, como de resto afirmou, por várias vezes, no decurso da fiscalização.
Efectivamente, o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.
Essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; devendo obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
Assim, a livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso.
Como fica patente da análise da motivação de facto supra transcrita, o tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, e os raciocínios aí expendidos merecem a concordância deste Tribunal.
Na verdade, o ponto 5 da factualidade não pode deixar de ser um ponto de partida, dado tratar-se de um auto de declarações do próprio recorrente, que consta a fls. 6 do processo de contra-ordenação apenso, datado de 13/6/2012, lavrado no decurso da acção de fiscalização aludida em 4, do qual se extracta “reside em França com a sua esposa. Desde que reside em França, há 42 anos apenas vem a Portugal ocasionalmente pela época das férias, nunca cá passou períodos longos de 1 ano ou mais. Desde 1989 que recebe em França uma pensão de invalidez. Presentemente não possui qualquer documento de renda em como tem lá habitação dado que a esposa exerce a actividade de gestão de condomínio residindo no prédio onde exerce essa actividade. Como a esposa apesar de ter actividade, não sabe escrever é o Sr. L... que trata disso nomeadamente de receber a renda dos condóminos e dos assuntos dessa actividade.
A sua residência em França, segundo a carta de condução apresentada e o certificat de matriculation do veículo controlado, Renault Trafic, Furgão, 3 lugares, chassis nº …, datado de 20/07/2011 e segundo declaração do Sr. L... é o nº 31, Rue….”.
Mais uma vez, concluir se o recorrente tem residência habitual em França ou em Portugal pode consubstanciar uma conclusão de direito ou uma conclusão de facto, depende da perspectiva.
Por isso, é nossa convicção que da matéria assente não podia constar mais do que já está discriminado, atenta a prova produzida e a alegação do recorrente.
Na petição inicial o recorrente somente refere que desde Outubro de 2010 até à presente data residiu definitivamente em Portugal, na residência indicada na declaração que apresentou de legalização de veículo, que atestava a transferência da sua residência. Mais disse que, encontrando-se reformado, ora passava uma temporada em Portugal, ora em França, mantendo sempre a sua residência em Portugal. Que durante as temporadas passadas em França, aproveitava para ter as consultas médicas necessárias para a medicação referida na decisão de aplicação de coima, daí a desnecessidade de consultas junto ao centro de saúde, mas sempre mantendo a sua residência em Portugal.
Assim, basicamente, limita-se a afirmar que reside em Portugal desde Outubro de 2010, sem invocar quaisquer factos simples, não conclusivos, susceptíveis de prova, de que se pudesse inferir a sua residência em Portugal.
Como se expõe na sentença recorrida, o conceito de residência habitual (que coincide com o conceito de domicílio voluntário), deve buscar-se no direito interno, consubstanciando-se como o local onde uma pessoa singular normalmente vive e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos (artigo 82º do Código Civil). Igualmente a lei fiscal faz coincidir o conceito de residência habitual com o conceito de domicílio fiscal, no que se refere às pessoas singulares (artigo 19º, nº 1, alínea a), da Lei Geral Tributária) – Vide Ac. Do TCAS de 11/12/2012, Processo nº 5810/12.
Ora, na data da fiscalização, como consta do ponto 6. da factualidade assente, o recorrente tinha como domicílio fiscal uma morada em França, com indicação de representante fiscal.
Logo, não vislumbramos qualquer erro grosseiro na valoração da prova, mostrando-se adequada a fundamentação constante da sentença recorrida:
A versão do recorrente que, a partir da reforma passou temporadas ora em Portugal ora em França, mas manteve a residência em Portugal, sendo em França que efectuou consultas médicas, é desmentida pela declaração assinada pelo arguido, vertida no auto de declarações, e demais declarações prestadas perante a testemunha da Alfândega, que ficou convencida da veracidade das mesmas, tanto assim que não autuou o arguido pela condução de um veículo de matrícula francesa e pela não actualização da morada inscrita na carta de condução. De resto, não se compreende como pode ocorrer o alegado equívoco decorrente das declarações serem prestadas no local onde decorreu a fiscalização uma vez que tais declarações evidenciam pormenores que não podem prestar-se ao alegado equívoco. Na verdade, só o arguido podia fornecer as informações constantes do auto de declarações no que respeita à ocupação do seu cônjuge, situação de analfabetismo justificativa da necessidade do arguido residir em França para a auxiliar nos assuntos relativos à sua actividade de porteira, e inexistência de recibo de renda daquele local ocupado gratuitamente em razão das funções exercidas pela sua mulher. Assim sendo, encontra-se afastada a tese do “lapso nas declarações prestadas à Autoridade Tributária”, que manifestamente não ocorreu, bem sabendo o arguido o que declarou, e insistiu em declarar perante a testemunha da Alfândega, e comprovou pela exibição dos documentos do veículo e da carta de condução contendo a residência em França, que seguramente não se deve a desleixo do recorrente.
Deste modo, todos os elementos de facto constantes dos autos apontam para a conclusão que o local onde o arguido vive, onde mantém o seu agregado familiar, de onde se ausenta por períodos curtos e em férias, e onde efectua consultas médicas segundo alegação do próprio, é em França e não em Portugal.
Destarte, é manifesto que o arguido, ora recorrente, preencheu o tipo legal acima mencionado porquanto obteve benefício fiscal que consistiu na isenção do pagamento do Imposto sobre Veículos da viatura matrícula LH, mediante falsa declaração de alteração da sua residência de França para Portugal, ao abrigo do estatuído no artigo 58º e seguintes da Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho.”
Também o atestado de residência apresentado na audiência de discussão e julgamento, referido no ponto 16 da factualidade provada, emitido pela Junta de Freguesia de Fornelos, em 18/2/2013, muito depois da prática dos factos em 2010 e da fiscalização em 2012, não permite, com a segurança e certeza exigíveis, extrair a conclusão de que o recorrente na data da legalização do veículo tinha transferido a sua residência para Portugal. Sendo do conhecimento comum, como alerta o juiz a quo, que a generalidade desses documentos é emitida apenas com base nas declarações dos requerentes. Aliás, do referido documento não consta qualquer elemento de facto donde possa extrair-se a conclusão nele vertida.
Assim, não obstante este tribunal ter ouvido a gravação dos depoimentos registados digitalmente em CD, não vislumbra quaisquer outros factos simples susceptíveis de integrar a decisão da matéria de facto, designadamente, que se possam extrair da prova testemunhal, uma vez que a prova documental se apresenta vertida na decisão.
Ora, como se viu, a decisão recorrida proferida pelo Tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova. Acrescenta-se, ainda, não se alcançar qualquer défice instrutório nos presentes autos, nem qualquer laivo de dúvida que possa pesar a favor do recorrente – cfr. Conclusão LXVII das alegações de recurso.
Pelo que nunca poderia ter funcionado o princípio in dubio pro reo - na dúvida o tribunal devia tê-lo absolvido.
Cumpre acentuar que o tribunal não se socorreu do princípio in dubio pro reo que apenas significa que perante factos incertos, a dúvida favorece os arguidos, porque não teve quaisquer dúvidas da valoração da prova e, ficou seguro do juízo de censura ao arguido.
No caso vertente, tal princípio só teria sido violado se da prova produzida e documentada resultasse que, ao condenar o arguido com base em tal prova, o juiz tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor do arguido.
Ora, se a fundamentação não viola o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objectiva, e de harmonia com a experiência comum, não pode concluir-se que a mesma prova gera factos incertos, que implique dúvida razoável que afaste a valoração efectuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo, por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto.
Como vimos, no caso dos autos a livre apreciação da prova não conduziu nem poderia conduzir à subsistência de qualquer dúvida razoável sobre a existência do facto e do seu autor. Por isso, não há lugar a invocar aqui o princípio do in dubio pro reo.

Nas suas conclusões de recurso, o recorrente solicita, ainda, para o caso de lhe ser negado provimento, ser-lhe permitido o pagamento da coima pelo mínimo.
Tendo somente sido dado como provado o que consta da decisão da matéria de facto e dos respectivos elementos de prova de referência, cabe, agora, verificar se o recorrente ainda pode proceder ao pagamento de uma coima reduzida.
No entanto, haverá que sindicar a valoração que dos factos foi efectuada pelo Tribunal a quo para conhecimento desta questão.
Na verdade, na sua petição inicial, a este propósito, o recorrente havia suscitado a nulidade prevista no artigo 63.º, n.º 1, alínea c) do RGIT, para concluir que ainda deveria ser notificado para apresentar defesa e para pagamento antecipado da coima nos termos do artigo 70.º e 75.º do RGIT.
Sobre esta questão foi decidido o seguinte na decisão recorrida:
“O recorrente invocou a nulidade prevista no artigo 63º, nº 1, alínea c), do RGIT, porquanto só foi notificado da decisão final e não foi notificado nos termos e para efeito do disposto nos artigos 70º e 75º do RGIT.
Porém, não lhe assiste razão uma vez que a Administração Tributária remeteu para o seu domicílio fiscal o ofício aludido em 11 da factualidade assente, destinado à notificação do arguido do despacho de acusação e anexos, e para pagamento da coima pelo mínimo legal, nos termos do disposto nos artigos 70º e 75º do Regime Geral das Infracções Tributárias, e este foi recepcionado pelo arguido como decorre da assinatura aposta no correspondente aviso de recepção.
De resto, a decisão condenatória foi remetida para o mesmo local, e aí foi recepcionada pelo arguido, que deduziu tempestivamente o presente recurso.
Além disso, o recorrente não demonstrou que alterou o seu domicílio fiscal pelo que a eventual não recepção daquela missiva não poderia ser imputada à Administração Tributária, que dirigiu tal notificação para o local mencionado como sendo o seu domicílio fiscal, e aquela não foi devolvida, sendo certo que o recorrente não provou, como lhe competia, que não recebeu tal notificação (artigo 19º, nº 3, da Lei Geral Tributária).
Improcede, pois, a nulidade invocada que manifestamente não ocorre.”
A conclusão que se retira na sentença recorrida de que o recorrente recepcionou o ofício aludido em 11 é legítima, dado que o aviso de recepção referente ao mesmo ostenta a assinatura “N...”.
Dado que naquela data o domicílio fiscal que a Administração Tributária conhecia do recorrente era em França e foi assinado o respectivo aviso de recepção, não se vislumbra como se poderá concluir que o recorrente não recepcionou tal ofício enviado para morada em França – cfr. pontos 6, 11 e 12 da factualidade apurada.
Relembra-se, como referimos supra, que o recorrente não impugnou os documentos de referência à prova produzida a este respeito nem a genuinidade da assinatura aposta no aviso de recepção.
Logo, é adequada a conclusão de recepção do ofício pelo recorrente em França, no seu domicílio fiscal, uma vez que também não comunicou qualquer alteração do mesmo à Administração Tributária (tendo sido devidamente dirigido para a residência em França) – cfr. artigo 19.º da LGT.
Tendo o recorrente sido regulamente notificado – cfr. pontos 6, 11 e 12 da matéria assente – em 05/03/2013, já não poderá, agora, pagar a coima no prazo para a defesa, que já se mostra ultrapassado.
Nesta conformidade, é inaplicável à situação concreta o benefício previsto no artigo 75.º do RGIT.
Atento ao exposto, e em suma, o juiz a quo não errou na apreciação e valoração da prova, não se verificando o invocado erro de julgamento.

Por último, importa verificar da aplicabilidade do regime excepcional de regularização das dívidas da administração fiscal, consagrado no Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro, nos termos suscitados pelo Ministério Público.
Sem prejuízo da aplicabilidade do disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea a) deste diploma às circunstâncias concretas, cujo teor se transcreve:
“2 - As coimas não aplicadas ou não pagas, associadas ao incumprimento do dever de pagamento de imposto cuja regularização ocorreu antes da entrada em vigor do presente decreto -lei, são reduzidas, consoante o caso:
a) 10% do mínimo da coima prevista no tipo legal, não podendo resultar um valor inferior a 10,00 EUR, caso em que será este o montante a pagar;
b) 10% do montante da coima aplicada, no caso de coimas pagas no processo de execução fiscal, não podendo resultar um valor inferior a 10,00 EUR, caso em que será este o montante a pagar.”
O certo é que para o recorrente poder beneficiar dessa redução teria que ter efectuado o respectivo pagamento da coima (reduzida) em causa nos autos até 20/12/2013 ou, até à mesma data, identificado o processo de contra-ordenação onde está a ser aplicada a coima:
“3 - Para beneficiar da redução prevista no número anterior, o contribuinte deve proceder ao respetivo pagamento até 20 de dezembro de 2013 ou, até à mesma data, identificar o processo de contraordenação onde está a ser aplicada a coima.”
Desconhece este tribunal se tais pressupostos se encontram presentes no caso concreto, uma vez que os autos não os ostentam. Contudo, tal não invalida que o recorrente possa beneficiar desta redução se, efectivamente, esses requisitos se verificarem.

Conclusões/Sumário

I - No processo contra-ordenacional tributário português, no que diz respeito às regras de apreciação da prova, vigora o regime jurídico estabelecido para o processo penal.
II - O artigo 127.º do Código de Processo Penal consagra o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual, o juiz aprecia a prova produzida de acordo com a sua própria convicção.
III - Nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos, devendo proceder ao exame das provas produzidas em audiência através da audição das passagens indicadas (artigo 412.º n.º 6 do Código de Processo Penal).
IV - Essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; devendo obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
V - Se a fundamentação da decisão da matéria de facto não viola o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objectiva, e de harmonia com a experiência comum, não pode concluir-se que a mesma prova gera factos incertos, que implique dúvida razoável que afaste a valoração efectuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo, por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto.
VI - No caso dos autos, a livre apreciação da prova não conduziu nem poderia conduzir à subsistência de qualquer dúvida razoável sobre a existência do facto e do seu autor. Por isso, não há lugar a invocar aqui o princípio do in dubio pro reo.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente.
Porto, 27 de Novembro de 2014
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves