Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:0604/11.6BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/12/2018
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FARMÁCIA; CONCURSO; ACTO HOMOLOGATÓRIO; PEDIDO DE INSTALAÇÃO; ACTO REVOGATÓRIO; PROPRIEDADE DE VÁRIAS FARMÁCIAS; DECRETO-LEI Nº 307/2007, DE 31.08.
Sumário:
1. O acto que homologa o resultado de um concurso para a instalação de uma farmácia é um acto constitutivo de direitos para o classificado em primeiro lugar, único que pode requerer a instalação da farmácia.
2. O acto que homologa a classificação do concurso para instalação de uma farmácia é um acto final deste procedimento ou subprocedimento de concurso que antecede o procedimento ou subprocedimento para instalação da farmácia, propriamente dito.
3. A lei não restringe a hipótese de revogação de acto inválidos constitutivos de direitos (prevista no artigo 141º do Código de Procedimento Administrativo de 1991) como é o caso, a actos praticados no mesmo procedimento.
4. À data em que devia ter sido aberto o concurso e praticado o acto homologatório, em execução de julgado anulatório, a Autora não tinha o alvará de outra farmácia e, portanto, não existia qualquer impedimento legal para ser praticado o acto homologatório do concurso que a classificou em 1º lugar para a instalação de uma farmácia.
5. Por outro lado, não se verificando qualquer impossibilidade absoluta ou grave prejuízo para o interesse público na execução da sentença a legitimar a inexecução, nos termos do disposto no artigo 163º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, então em vigor, a revogação desse acto homologatório traduzida no acto que, na fase de instalação da farmácia, indeferiu o pedido de atribuição de alvará para o funcionamento da farmácia, com fundamento no facto de a Requerente ter já instalada uma farmácia.
6. Isto sendo certo que na data em que foi indeferido o pedido de instalação da nova farmácia estava em vigor o Decreto-Lei nº 307/2007, de 31.08, que veio permitir a propriedade simultânea de até quatro farmácias. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:INFARMED, I.P., Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P
Recorrido 1:MMTGM
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., veio interpor o RECURSO JURISDICIONAL do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel de 12.05.2017, pelo qual foi julgada procedente a acção administrativa especial intentada por MMTGM contra o ora Recorrido para anulação – e prática dos actos consequentes da anulação - da deliberação e do Conselho Directivo do Infarmed, datada de 07.04.2011, que atribuiu carácter definitivo à deliberação de 17.02.2011, daquele mesmo órgão, no sentido de que não poderá a Autora proceder à instalação de farmácia no Lugar da SG, freguesia de Vandoma, concelho de Paredes, distrito do Porto, e em que foram indicadas como Contra-Interessadas a Farmácia SG Unipessoal, L.da e MLCFMC.
Invocou para tanto, em síntese, que o Infarmed estava vinculado à prática do acto impugnado, pelo que não podia tomar outro sob pena de violação do princípio da legalidade e que o acto impugnado também não padece de nenhum vício por violação de princípios administrativos relacionados com a proteção da confiança, porquanto era do total conhecimento da Recorrida o conteúdo base II/3 da Lei 2125, que se encontrava em vigor à data em que a recorrida concorreu ao concurso em causa.
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A Farmácia SG Unipessoal, L.da e MLCFMC vieram interpor RECURSO JURISDICIONAL do mesmo acórdão.
Invocaram para tanto, em síntese, que a decisão recorrida incorreu em violação da alínea a), do n.º 1, do artigo 7.º da Portaria n.º 936-A/99, bem como da norma legal habilitadora dessa disposição regulamentar – a Base II, n.º 3, da Lei n.º 2125 –, e do artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo; que incorreu numa contradição insanável: por um lado, entende que o direito à instalação da farmácia se “cristalizou” no tempo; por outro lado admite que a fase concursal e a fase de instalação de farmácia fazem parte “de um só procedimento administrativo, composto por várias fases e no qual cabem a prática de diversos atos distintos, que culmina com a emissão do respetivo alvará”; errou também a decisão recorrida ao decidir que ius superveniens deve ser suscetível, de aplicação imediata à situação sob escrutínio, já que a regra geral – enunciada pela mais avalizada doutrina e citada pelo acórdão - é “a da atuação da Administração por referência ao passado e, portanto, da inaplicabilidade de normas não retroativas que possam ter surgido durante o período de tempo desde o momento da recusa ilegal”; que não fundamenta, por outro lado, a integração da situação sub iudice nas excepções que aquela regra comporta, concretamente a de surgirem “superveniências incontornáveis”, quando se “gerarem verdadeiras situações de impossibilidade legal de satisfazer as pretensões do interessado”; também a tese que de que, se tivesse havido decisão final mais cedo, a Recorrente, a partir de 2007, poderia ter adquirido 4 novas farmácias, olvida que, tivesse sido assim, hoje a Recorrida não teria – como tem – uma farmácia instalada na freguesia de Castelões de Cepeda obtida no âmbito de um concurso onde também era requisito não ser detentor de alvará de farmácia, pelo que não existem dúvidas de que a solução a dar este caso só pode passar pela aplicação ao caso sub iudice do regime anterior ao Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31.08; ao decidir como decidiu, desaplicando o regime jurídico anterior ao Decreto-Lei n.º 307/2007, o Tribunal a quo fez a decisão recorrida incorrer em violação da regra que estabeleceu a irretroatividade daquele diploma, inscrita no seu artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 307/2007; que não existiu qualquer violação do princípio da boa-fé administrativa, na vertente da proteção da confiança, já que a confiança que a Recorrida colocou na lista classificatória não deve ser tutelada pelo Direito, na verdade, a Recorrida não informou o IN de que Infarmed autorizou, ao abrigo de um concurso de 2005, uma farmácia; ora, esta sua grave omissão não permite que se possa considerar como digna de tutela a confiança que o Tribunal a quo entendeu, erradamente, ter sido violada; com mais este erro de julgamento, a decisão recorrida incorre em violação do artigo 6.º-A do Código de Procedimento Administrativo.
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A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso jurisdicional interposto pelo Infarmed:
1.ª O INFARMED encontrava-se vinculado à prática do ato impugnado, na medida em que, ao abrigo da legislação em vigor à data do concurso ora crise – Base II/3 da lei 2125 –, cada farmacêutico só podia ser proprietário de uma só farmácia.
2.ª Ora, considerando que a ora Recorrida já tinha procedido anteriormente à instalação de uma outra farmácia, por aplicação do princípio do tempus regit actum, o INFARMED estava vinculado a não autorizar a Recorrida a abrir uma nova farmácia.
3.ª Acresce que, o ato impugnado foi proferido em sede de execução de sentença anulatória, pelo que, só desta forma seria possível ao INFARMED reconstituir a situação que existiria se o ato anulado na referida sentença não tivesse sido praticado, sendo, também por este motivo, evidente a vinculatividade do ato ora impugnado.
4.ª Sendo o ato impugnado um ato de conteúdo vinculado, é evidente o erro de julgamento do Tribunal a quo ao anulá-lo.
5.ª O ato impugnado não padece de nenhum vício por ausência de norma habilitante, na medida em que, como já concluímos, o INFARMED estava vinculado a impedir a instalação da farmácia ora em crise, não só pelo estatuído na Base II/3 da Lei 2125, como pelo princípio da legalidade estatuído no artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo e artigo 266.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa.
6.ª Além disso, e contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o direito de instalação resultante do ato de homologação não é um direito absoluto, é um direito precário e dependente da verificação de diversos requisitos, como resulta dos artigos 12.º e seguintes da Portaria 936-A/99, nomeadamente requisitos de legalidade.
7.ª Por outro lado, o ato impugnado também não padece de nenhum vício por má interpretação do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 307/2007.
8.ª Isto porque, o ato ora impugnado foi proferido na sequência da reconstituição de situação atual hipotética na sequência da anulação de atos administrativos, pelo que teria obrigatoriamente de obedecer às disposições vigentes à data do ato anulado.
9.ª O ato impugnado também não padece de nenhum vício por violação de princípios administrativos relacionados com a proteção na confiança, porquanto era do total conhecimento da ora Recorrida o conteúdo base II/3 da Lei 2125, que se encontrava em vigor à data em que a recorrida concorreu ao concurso em causa.
10.ª Desta forma, sendo manifesta a vinculação do INFARMED a praticar o ato impugnado e não verificação dos vícios assacados pela ora Recorrida, mal andou o Tribunal a condenar o Recorrente a reconstituir a situação que existiria se o acto ora impugnado não tivesse sido praticado.

II - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso jurisdicional interposto pelas Contra-Interessadas.
A. Em primeiro lugar, o Tribunal a quo erra quanto à falta de habilitação legal para, no momento procedimental da instalação da farmácia, identificar um impedimento à concretização dessa instalação (e consequente emissão do Alvará).
B. Com efeito, é errado o entendimento de que após a (nova) lista de classificação do concurso de 2001, publicada em 08.10.2010, o INFARMED ficaria limitado à verificação das condições de localização, espaço e quadro de pessoal.
C. Tal entendimento significaria que se um farmacêutico fosse condenado por um crime relacionado com a sua profissão ou expulso da Ordem dos Farmacêuticos, ele poderia, ainda assim, instalar a farmácia, o que, naturalmente, o nosso ordenamento jurídico não consente.
D. Na verdade, o INFARMED está legalmente habilitado para, em situações de superveniência de impedimentos à titularidade de um alvará de farmácia, intervir, nomeadamente, evitando que a instalação da farmácia prossiga, como aconteceu no caso sub iudice.
D. Como ficou provado, o INFARMED, em momento posterior à publicação da lista final, tomou conhecimento de que a Recorrida havia instalado uma farmácia de Castelões de Cepeda, o que constituía um claro impedimento à apresentação do concurso sub iudice, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 7.º da Portaria n.º 936-A/99.
E. Então, andou bem o INFARMED em não permitir que fosse instalada a farmácia, no momento em que o fez, uma vez, como o próprio Tribunal a quo reconheceu, o concurso prévio e a fase de verificação da farmácia constituem “um só procedimento administrativo, composto por várias fases e no qual cabe a prática de diversos atos distintos”.
F. A relevância dos impedimentos ao longo de todo o procedimento é um princípio transversal em todo o direito público concursal: a perda, em sede de execução do contrato, dos “requisitos de ordem moral, técnica e financeira que vigoram à data da adjudicação e que dela foram determinantes” implica a habilitação do contraente público a resolver o contrato (cf. Andrade da Silva, Jorge, Código dos Contratos Públicos Anotado e Comentado, 5.ª Edição, Almedina, 2015, p. 687.).
G. Era a própria lei (e, claro está, o princípio da legalidade, consagrado no artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo) que obrigava a intervenção do INFARMED, uma vez que a Base II, n.º 3, da Lei n.º 2125, de 20 de março de 1967 que assim o exigia: a nenhum farmacêutico ou sociedade poderia ser concedido mais do que um alvará.
H. O julgamento do Tribunal a quo – sustentando a impossibilidade de uma tal intervenção corretiva por parte do INFARMED – redundaria num claro benefício da infratora: a Recorrida omitiu, no procedimento concursal sub iudice, que havia adquirido um outro alvará de farmácia.
I. A jurisprudência deste citada na decisão recorrida “quem for titular de um alvará está impedido desde logo de concorrer ao concurso para a instalação de uma nova farmácia”, tal como é claro o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.06.2002 (recurso n.º 754/02), no sentido da perfeita legitimidade para, na fase de instalação da farmácia, a reponderar a situação, nomeadamente no sentido de não emissão do alvará.
J. Ao ter interpretado erradamente a lei aplicável, assim como a jurisprudência dos nossos tribunais administrativos, o Tribunal a quo fez a decisão recorrida incorrer em violação da alínea a), do n.º 1, do artigo 7.º da Portaria n.º 936-A/99, bem como da norma legal habilitadora dessa disposição regulamentar – a Base II, n.º 3, da Lei n.º 2125 –, e, por fim, também em violação do artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo.
K. A decisão recorrida incorre numa contradição insanável: por um lado, entende que o direito à instalação da farmácia se “cristalizou” no tempo; por outro lado admite-se que a fase concursal e a fase de instalação de farmácia fazem parte “de um só procedimento administrativo, composto por várias fases e no qual cabem a prática de diversos atos distintos, que culmina com a emissão do respetivo alvará”.
L. Erra também a decisão recorrida ao decidir que ius superveniens deve ser suscetível, de aplicação imediata à situação sob escrutínio, já que a regra geral – enunciada pela mais avalizada doutrina e citada pela decisão - é “a da atuação da Administração por referência ao passado e, portanto, da inaplicabilidade de normas não retroativas que possam ter surgido durante o período de tempo desde o momento da recusa ilegal”.
M. O Tribunal a quo não fundamenta, por outro lado, a integração da situação sub iudice nas exceções que aquela regra comporta, concretamente a de surgirem “superveniências incontornáveis”, quando se “gerarem verdadeiras situações de impossibilidade legal de satisfazer as pretensões do interessado”.
N. De resto, nem o poderia fazer, uma vez que essa exceção não encontra aplicação no caso sub iudice: não existe qualquer impossibilidade legal de satisfazer as pretensões do interessado por força da superveniência normativa, já que não é a superveniência normativa que impossibilita seja o que for na reintegração da situação de facto que existiria se não fosse o ato anulado; essa impossibilidade decorre é de um facto superveniente: a instalação pela Recorrida, de uma farmácia na freguesia de Castelões de Cepeda.
O. Há também que censurar a tese, inscrita na decisão recorrida de que, se tivesse havido decisão final mais cedo, a Recorrente, a partir de 2007, poderia ter adquirido 4 novas farmácias; tal tese olvida que, tivesse sido assim, hoje a Recorrida não teria – como tem – uma farmácia instalada na freguesia de Castelões de Cepeda obtida no âmbito de um concurso onde também era requisito não ser detentor de alvará de farmácia.
P. Pelo que não existem dúvidas de que a solução a dar este caso só pode passar pela aplicação ao caso sub iudice do regime anterior ao Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31.08.
Q. Erra também o Tribunal a quo quando julga ser intolerável, em sede de princípio da legalidade e da igualdade perante a lei, que os factos novos pudessem impossibilitar a emissão do alvará; muito pelo contrário, o que seria intolerável – e o ato impugnado evita – é que a Recorrida possa deter duas farmácias, ambas atribuídas ao abrigo de concursos em que era impedimento a prévia detenção de farmácias.
R. Ao decidir como decidiu, desaplicando o regime jurídico anterior ao Decreto-Lei n.º 307/2007, o Tribunal a quo fez a decisão recorrida incorrer em violação da regra que estabelecer a irretroatividade daquele diploma, inscrita no seu artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 307/2007.
S. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não existiu qualquer violação do princípio da boa-fé administrativa, na vertente da proteção da confiança, já que a confiança que a Recorrida colocou na lista classificatória não deve ser tutelada pelo Direito.
T. Na verdade, a Recorrida não informou o INFARMED de que instalou, ao abrigo de um concurso de 2005, uma farmácia; ora, esta sua grave omissão não permite que se possa considerar como digna de tutela a confiança que o Tribunal a quo entendeu, erradamente, ter sido violada.
U. Com mais este erro de julgamento, a decisão recorrida incorre em violação do artigo 6.º-A do Código de Procedimento Administrativo.
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III – Matéria de facto.
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos sem reparos nesta parte:
A) Através do Aviso nº 7968-EZ/2001, publicado no Diário da República, II Série, nº 137, de 15.06.2001, foi aberto concurso para instalação de uma nova farmácia no lugar de SG, freguesia de Vandoma, concelho de Paredes, no distrito do Porto.
B) A Autora, bem como a Contrainteressada MLC, foram opositoras ao concurso identificado na alínea anterior.
C) Por deliberação de 27.09.2002, publicada no Diário da república, II Série, nº 240, de 17.10.2002, o Conselho Diretivo do Réu homologou a classificação final dos candidatos admitidos ao concurso público supra identificado, constando em 1º lugar a Contrainteressada MLC e em 2º lugar a Autora, ambas com 15 pontos.
D) A Autora apresentou recurso contencioso de anulação contra esta deliberação que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o nº 1154/02.
E) Por sentença proferida a 12.09.2007, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou verificado o vício de forma de preterição da realização de audiência prévia e anulou esta deliberação.
F) Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.04.2008, foi confirmado o teor da sentença acabada de referir.
G) A Autora intentou uma ação executiva contra o Réu, por não ter procedido este à execução espontânea da sentença, que correu os seus termos no TAF do Porto sob o nº 227/09.0BEPRT.
H) Por sentença datada de 26.06.2009, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a ação executiva parcialmente procedente e condenou o Réu a retomar o procedimento concursal e a dar cumprimento à formalidade omitida, proferindo depois nova decisão sobre a matéria, no prazo de 60 dias.
I) Por Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 11.02.2010, foi confirmada esta última sentença identificada.
J) Através do Aviso nº 19901/2010, constante do Diário da República, II Série, nº 196, de 08.10.2010, foi publicada a homologação da lista de classificação final dos candidatos ao concurso público acima referido, ficando a Autora classificada em 1º lugar, com 15 pontos, e a Contrainteressada em 2º lugar, com 10 pontos.
K) A 22.12.2010, a Autora procedeu à entrega junto do Conselho de Administração do Réu dos seguintes documentos: planta de localização da farmácia; declaração da concorrente do preenchimento dos requisitos respeitantes à distância previstos no nº 1 do artigo 2º da Portaria nº 1430/2007, de 02.11; identificação do diretor técnico e de outro farmacêutico e declaração da Ordem dos Farmacêuticos da respetiva inscrição, bem como certidão do registo criminal; memória descritiva da farmácia, incluindo a descrição das instalações, das divisões e das respetivas áreas; pedido de aprovação da designação da farmácia; declaração emitida pela Ordem dos Farmacêuticos da respetiva inscrição profissional e situação contributiva da requerente e da atividade profissional por si desenvolvida; e declaração do registo criminal da requerente, ora Autora.
L) A 17.02.2011, o Conselho Diretivo do Réu aprovou a deliberação nº 033/CD/2011, da qual consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) l) A candidata vencedora, MMTGM, veio, por requerimento com entrada no Infarmed, I.P., em 22 de dezembro de 2010, proceder à junção da documentação prevista no artigo 16º da Portaria nº 1430/2007, de 2 de novembro, com vista à instrução do processo de instalação da farmácia objeto do presente concurso; m) Ao abrigo do disposto no artigo 56º do Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de agosto, aos concursos públicos para licenciamento de farmácias aplica-se a legislação em vigor à data de abertura; n) Ao tempo da abertura do presente concurso, o Regime Jurídico das Farmácias de Oficina era regulado pela Lei nº 2125, de 20 de março de 1965, e pelo Decreto-Lei nº 48547, de 27 de agosto de 1968, sendo que a disciplina jurídica dos concursos públicos para instalação de novas farmácias obedecia ao disposto na Portaria nº 936-A/99, de 22 de outubro; o) A ratio subjacente ao regime jurídico então vigente era a de que só os farmacêuticos podiam ser proprietários de farmácia e que nenhum deles podia ser proprietário de mais de uma farmácia. O mesmo é dizer que o farmacêutico que fosse proprietário de farmácia não podia ver constituído na sua esfera jurídica o direito à propriedade de uma nova farmácia; p) Acresce que, no presente caso, estamos perante uma execução de sentença, que deve obedecer à legislação em vigor à data do ato administrativo anulado – in casu, a deliberação de homologação da lista de classificação final dos candidatos admitidos, datada de 27 de setembro de 2002; q) À data do ato administrativo anulado, a legislação em vigor (…) não permitia, em circunstância alguma, que o mesmo candidato obtivesse mais do que uma farmácia por concurso; r) A candidata MMTGM foi igualmente vencedora do concurso público aberto para instalação de uma nova farmácia na Área Urbana de Oural, freguesia de Castelões de Cepeda, concelho de Paredes, distrito do Porto, cujo Aviso de Abertura foi publicado do Diário da República, 2ª Série, nº 94, de 16 de maio de 2005; s) Em 10 de março de 2010, a candidata MMTGM procedeu à instalação da farmácia objeto do concurso identificado em r), à qual foi concedido o alvará nº 5225; t) Tanto o presente concurso como o concurso público para instalação de uma nova farmácia na área Urbana de Oural, freguesia de Castelões de Cepeda, concelho de Paredes, distrito do Porto, foram abertos ao abrigo da Portaria nº 936-A/99, de 22 de outubro; u) Pese embora tal legislação tenha sido entretanto revogada pelo Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de agosto, o qual veio permitir a propriedade simultânea de farmácias, até ao limite de 4 (quatro), a favor da mesma pessoa, a verdade é que tal diploma não deixou de contemplar, como norma transitória material, a prevista no seu artigo 56º, que, como se disse, manda aplicar aos concursos públicos para licenciamento de farmácias a legislação em vigor ao tempo da respetiva abertura – leia-se, abertura do concurso; v) Por já ter procedido previamente à instalação de uma farmácia no âmbito de outro concurso público igualmente aberto ao abrigo da Portaria nº 936-A/99, de 22 de outubro (Área Urbana de Oural), não poderá a candidata MMTGM vir a instalar a farmácia objeto do presente concurso, aberto em simultâneo com aquele, ao abrigo de uma legislação que em caso algum permitia a acumulação de farmácias obtidas através de concurso público, pese embora tenha ficado classificada em 1º lugar, Delibera, ao abrigo do disposto na alínea l) do nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 269/2007, de 26 de julho, o seguinte: 1 – Tendo em conta que a candidata MMTGM, 1ª classificada no presente concurso, foi igualmente vencedora do concurso público aberto para instalação de uma farmácia na área Urbana de Oural, (…), mais considerando que, à luz da legislação em vigor à data de abertura de ambos os concursos (…), ora aplicável ex vi artigo 56º do Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de agosto, o mesmo candidato não podia obter mais do que uma farmácia por concurso público, (…) o sentido provável da decisão do presente procedimento é o de que a candidata MMTGM não poderá, em consequência, proceder à instalação da farmácia no Lugar da SG, freguesia de Vandoma, concelho do Paredes, distrito do Porto, objeto do presente concurso; 2 – Deve a candidata MMTGM ser notificada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 100º e 101º do Código de Procedimento Administrativo (…)”;
M) A deliberação acabada de identificar foi comunicada à Autora, com a referência DIL/UL/11.1.1, por carta registada com aviso de receção, assinada a 28.04.2011.
N) A 14.03.2011, a Autora exerceu o seu direito de audiência prévia, invocando que a fase de instalação de uma farmácia é um procedimento administrativo subsequente e autónomo relativamente à fase do concurso público, não lhe sendo aplicável a lei antiga.
O) A 07.04.2011, o Réu comunicou ao mandatário da Autora, por carta registada com aviso de recepção assinado a 08.04.2011, o seguinte:
“(…) O que está em causa no presente procedimento é dar execução a uma decisão judicial que anulou a lista de classificação dos candidatos admitidos. Como é jurisprudência e doutrina pacífica dos nossos tribunais superiores, a reintegração da ordem jurídica violada na sequência da anulação de atos administrativos obedece às disposições vigentes à data do ato anulado. É esta a regra a que obedece a situação em causa. E tanto se aplica quanto à questão do concurso como da instalação, porque se trata do mesmo procedimento, que só se conclui – como também é jurisprudência pacífica – com a emissão do alvará. Acresce que, a regra do artigo 56º do Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de agosto, embora adjuvante do que aqui se diz, não é, sequer, decisiva, porque aquilo que a mesma visa garantir é que os procedimentos concursais iniciados ao abrigo da lei anterior sejam decididos ao abrigo da lei anterior. Ou seja, visa garantir a não aplicação a esses casos do princípio «tempus regit actum» - este implicaria que o procedimento concluído na vigência da lei nova fosse decidido com base na lei nova, o que conduziria a situações absurdas, dada a diferença de regras e filosofias. Por outro lado, no momento da abertura do concurso em causa, a V/constituinte não era proprietária de nenhuma farmácia e a única expetativa que a tinha era a de obter uma farmácia por concurso e não três farmácias. E foi por tal motivo que a V/constituinte teve legitimidade para impugnar contenciosamente três decisões administrativas de três concursos, porque, à data dessa impugnação, não era proprietária de nenhuma. Porém, não resultou do vencimento desses processos de contencioso administrativo o direito à instalação de 3 farmácias, mas apenas a anulação dos atos administrativos e a elaboração de nova lista de classificação final. Por fim, o facto de o Júri ter colocado a V/constituinte em 1º lugar da lista de classificação final, não lhe confere o direito à instalação, uma vez que lhe é aplicável o limite de 1 farmácia por proprietário vigente à data do ato anulado. Assim, não logrando a pronúncia apresentada colocar em causa o projeto de decisão, fica V. Exa. notificado da definitividade da Deliberação nº 033/CD/2011, de 17 de fevereiro de 2011, do Conselho Diretivo do INFARMED, I.P., no sentido de que não poderá a V/constituinte proceder à instalação da farmácia no lugar de SG, freguesia de Vandoma, concelho de Paredes, distrito do Porto. (…)”.
P) A 15.09.2011, o Conselho Diretivo do Réu proferiu a Deliberação nº 151/CD/2011, que confirmou o sentido da Deliberação nº 033/CD/2011, de 17.02.2011.
Q) A petição inicial foi apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a 31.08.2011.
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IV - Enquadramento jurídico.
1. O poder vinculado do Infarmed para a prática do acto impugnado.
Diz-se sobre este ponto, na decisão recorrida, em conclusão:
“Nos termos do referido, sendo o alvará o documento que titula o direito, então o direito titulado pelo alvará terá forçosamente de pré-existir na esfera jurídica do respectivo beneficiário em momento anterior àquele em que é proferido despacho a determinar a emissão do alvará. Diga-se a propósito que, nos termos do artº 12º/1 da Portaria 936-A/99, é ao concorrente posicionado em primeiro lugar na lista de classificação final que compete iniciar o processo de instalação da farmácia posta a concurso, mediante a apresentação dos documentos referenciados no mesmo preceito. Ou seja, a farmácia é atribuída apenas a um concorrente e quem beneficia da sua instalação (desde que satisfaça os demais requisitos exigidos relativos a essa instalação) é o concorrente que ficou classificado em 1º lugar. De realçar ainda que nos documentos exigidos ao “classificado em primeiro lugar” visando a instalação da farmácia posta a concurso, não figura nem é exigida a apresentação de qualquer documento comprovativo do facto de o beneficiário do alvará ser titular (ou não) de anterior alvará o que desde logo parece indiciar que esse documento não é exigido porque, quem for titular de um alvará está impedido desde logo de concorrer ao concurso para a instalação de uma nova farmácia. O alvará, como se referiu, terá assim e forçosamente de ser emitido a favor do candidato classificado em primeiro lugar após feita a vistoria, desde que satisfeitas as restantes condições exigidas pelos artºs 12º e 13º da Portaria 936-A/99, onde não é feita qualquer referência ao facto de o candidato ser ou não titular de anterior alvará. (…) A recorrente contenciosa poderia eventualmente interpor recurso contencioso de anulação do acto que ordenou a emissão do alvará, caso o mesmo comportasse vícios ou ilegalidades próprias ou ofensivas do procedimento previsto no artº 12º, 13º e 14º da Portaria nº 936-A/99. Mas já não podia invocar nesse recurso contencioso vícios derivados do facto de a candidata classificada em primeiro lugar ser titular de um alvará porque o momento próprio para se insurgir contra tal situação tinha de ser através da interposição do recurso contencioso previsto no artº 11º nº 2 da Portaria nº 936-A/99. Temos assim de concluir que o direito à atribuição do alvará deriva desde logo do facto de o respectivo beneficiário ter ficado posicionado em primeiro lugar na lista de classificação final homologada pelo acto contenciosamente impugnado, já que no momento da homologação é logo apontado como beneficiário titular do alvará o primeiro classificado no concurso.(…)” .
Vejamos.
Como se refere no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 08.05.2015, no processo 315/09 MDL, com o mesmo relator (sumário):
“1. O acto que homologa o resultado de um concurso para a instalação de uma farmácia é um acto constitutivo de direitos para o classificado em primeiro lugar, único que pode requerer a instalação da farmácia.
(…)
3. O acto que homologa a classificação do concurso para instalação de uma farmácia é um acto final deste procedimento ou subprocedimento de concurso que antecede o procedimento ou subprocedimento para instalação da farmácia, propriamente dito”.
Como se sustentou na sentença recorrida e já se sustentou nos acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte, também com mesmo relator, de 03.03.2012, processo 1053/11.1 PRT, e de 05.07.2012, processo 473/11.6 AVR.
O acto homologatório do concurso aqui em causa – que classificou a Autora em 1º lugar, com 15 pontos, e a Contrainteressada em 2º lugar, com 10 pontos - foi publicado no Diário da República em 08.10.2010 – factos provados sob as alíneas J).
Em relação a este - e só a este - se colocaria a questão, para aquilatar da sua validade, de saber quais os factos e o Direito a ter em conta em execução do julgado anulatório, a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 26.06.2009, nos termos em que foi confirmada pelo acórdão deste Tribunal Central Administrativo do Norte, de 11.02.2010 – factos provados sob as alíneas H), I) e J).
Questão que não se colocou em sede impugnatória dado que este acto não foi objecto de qualquer impugnação.
Este acto é o acto final do procedimento (ou subprocedimento), do concurso para instalação de uma farmácia.
O acto impugnado, a deliberação de 07.04.2011, pelo qual foi recusado à Autora o licenciamento para a instalação de uma farmácia no lugar da SG - factos provados sob as alíneas O), P, e Q) – já se insere no segundo procedimento ou subprocedimento e não é a execução de qualquer julgado anulatório.
A primeira questão que agora se coloca é a de saber se o facto invocado para recusar a pretendida licença de instalação de uma farmácia pela Autora, ora recorrida, é ou não superveniente à prática do acto final do primeiro procedimento, ou subprocedimento, de concurso.
Ora resulta da matéria provada que o Infarmed pelo menos em 10.03.2010 já sabia que a ora Autora tinha instalada outra farmácia pois concedeu o respectivo alvará, n.º 5225, nessa data – ver o teor da deliberação nº 033/CD/2011, de 17.02.2011, do Conselho Diretivo do Réu, a que se refere a alínea L).
Pelo que não se trata aqui de um pressuposto superveniente.
O que não significa que não pudesse ser atendido pelo Réu, como foi, com outro fundamento, o da sua invalidade.
Na verdade, os actos constitutivos de direitos podiam, à data da prática do acto impugnado, ser revogados no prazo de um ano com fundamento na respectiva invalidade – artigo 141º do Código de Procedimento Administrativo de 1991 (então em vigor) e artigo 58º, n.º2, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo.
E a lei não restringe esta hipótese de revogação de acto inválidos constitutivos de direitos, como é o caso, a actos praticados no mesmo procedimento.
No caso concreto, o que o Autor do acto impugnado, datado de 07.04.2011, fez, indeferindo o pedido de atribuição de alvará de instalação da nova Farmácia, foi revogar, invocando a respectiva invalidade, o seu anterior acto homologatório do resultado do concurso, de 08.10.2010. O prazo de um ano foi respeitado.
Resta apurar se é válido o fundamento da ilegalidade do acto homologatório do concurso para justificar a sua revogação.
O fundamento de facto foi o de que em 10 de março de 2010, a candidata MMTGM procedeu à instalação da farmácia objeto do concurso identificado em r), à qual foi concedido o alvará nº 5225”.
E os fundamentos jurídicos foram estes:
“Pese embora tal legislação tenha sido entretanto revogada pelo Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de agosto, o qual veio permitir a propriedade simultânea de farmácias, até ao limite de 4 (quatro), a favor da mesma pessoa, a verdade é que tal diploma não deixou de contemplar, como norma transitória material, a prevista no seu artigo 56º, que, como se disse, manda aplicar aos concursos públicos para licenciamento de farmácias a legislação em vigor ao tempo da respetiva abertura – leia-se, abertura do concurso; v) Por já ter procedido previamente à instalação de uma farmácia no âmbito de outro concurso público igualmente aberto ao abrigo da Portaria nº 936-A/99, de 22 de outubro (Área Urbana de Oural), não poderá a candidata MMTGM vir a instalar a farmácia objeto do presente concurso, aberto em simultâneo com aquele, ao abrigo de uma legislação que em caso algum permitia a acumulação de farmácias obtidas através de concurso público, pese embora tenha ficado classificada em 1º lugar, Delibera, ao abrigo do disposto na alínea l) do nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 269/2007, de 26 de julho, o seguinte: 1 – Tendo em conta que a candidata MMTGM, 1ª classificada no presente concurso, foi igualmente vencedora do concurso público aberto para instalação de uma farmácia na área Urbana de Oural, (…), mais considerando que, à luz da legislação em vigor à data de abertura de ambos os concursos (…), ora aplicável ex vi artigo 56º do Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de agosto, o mesmo candidato não podia obter mais do que uma farmácia por concurso público, (…) o sentido provável da decisão do presente procedimento é o de que a candidata MMTGM não poderá, em consequência, proceder à instalação da farmácia no Lugar da SG, freguesia de Vandoma, concelho do Paredes, distrito do Porto, objeto do presente concurso; 2 – Deve a candidata MMTGM ser notificada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 100º e 101º do Código de Procedimento Administrativo (…)”;
Sucede que estes pressupostos de facto e de direito são deslocados no tempo, situam-se adiante daquele que deve ser o quadro jurídico e de facto atendível para aferir da validade do acto homologatório do concurso e que se devia traduzir na reconstituição da situação, de facto e de direito, que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado - artigo 173º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, então em vigor.
Voltamos aqui ao explanado, com acerto, na decisão recorrida:
“Nos termos da factualidade dada como provada, optou o Réu por retomar o concurso público aberto em 2001, praticando, em sede de execução de sentença, as formalidades essenciais que não tinham sido observadas aquando da prática do ato anulado.
Como se depreende do probatório coligido, tomou o Réu em consideração, na prática do novo ato de homologação a situação de facto existente à data da prática do ato anulado, momento em que deveria ter atuado em cumprimento da lei.
Desde logo, e atendendo ao que já ficou dito, se impõe considerar que o ato de homologação da lista de classificação final, praticado em sede de execução de sentença e dotado de eficácia retroativa, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 173º do CPTA, é válido e cumpridor do bloco de legalidade que lhe é aplicável, sendo o ato ora impugnado, como antes se viu, um ato consequente daquele.”
À data em que devia ter sido aberto o concurso e praticado o acto homologatório a Autora não tinha o alvará de outra farmácia e, portanto, não existia qualquer impedimento legal para ser praticado o acto homologatório do concurso que a classificou em 1º lugar.
Por outro lado, como se sustenta na decisão recorrida, não se verifica qualquer impossibilidade absoluta ou grave prejuízo para o interesse público na execução da sentença a legitimar, nos termos do disposto no artigo 163º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, então em vigor, a inexecução.
O que se verificaria, por exemplo, se existisse legislação contemporânea do acto homologatório que o tornasse nulo, a permitir a declaração da respectiva nulidade e não a sua revogação – artigo 139º, n.º1, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo então em vigor.
Mas não é o caso, pelo contrário.
A legislação contemporânea do acto homologatório do concurso, em concreto o Decreto-Lei nº 307/2007, de 31.08, veio permitir a propriedade simultânea de até quatro farmácias, como, de resto, se refere no acto impugnado. Embora para afastar a respectiva aplicação ao caso concreto face à norma transitória do artigo 56º do Decreto-Lei nº 307/2007 que, como já adiantámos e de seguida se analisará mais em pormenor, aqui não se aplica.
Conclui-se, portanto, tal como decidido, que o acto impugnado era um acto vinculado, sim, mas de sentido oposto ao praticado, de deferimento e não de indeferimento.
O princípio da legalidade, consagrado no artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo e no artigo 266.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa, não impunha o indeferimento mas sim a atribuição do alvará.
Pelo que logo por aqui devia proceder, como procedeu, a acção improcedendo o recurso do Infarmed nesta parte.

2. Do erro de julgamento na aplicação do artigo 56º do Decreto-lei nº 307/2007.
Diz-se na decisão recorrida a este propósito, além do mais relevante:
“Nos termos do disposto no artigo 173º do CPTA (na redação em vigor à data), impõe-se então à administração, em sede de execução de decisão judicial transitada em julgado, a reconstituição do statu quo ante, ou seja, a reconstituição da situação que existiria caso o ato ilegal não tivesse sido praticado. No caso concreto, tal dever reconduz-se à substituição do ato ilegal sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas e que necessariamente, atento ao dispositivo da sentença exequenda, configurará um ato administrativo de conteúdo distinto do anulado.
Mais decorre da norma transcrita que a prática de tal ato se reportará à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado, isto é, considerando as normas em vigor bem como a factualidade existente aquando da prática do ato ilegal.
Ora, nos termos do disposto no artigo 56º do DL nº 307/2007, de 31 de agosto, que veio regular o regime jurídico das farmácias de oficina, e que revogou a Lei nº 2125, de 20 de março de 1965, “Aos concursos públicos para o licenciamento de farmácias aplica-se a legislação em vigor ao tempo da respetiva abertura.”
Nos termos da factualidade dada como provada, optou o Réu por retomar o concurso público aberto em 2001, praticando, em sede de execução de sentença, as formalidades essenciais que não tinham sido observadas aquando da prática do ato anulado.
Como se depreende do probatório coligido, tomou o Réu em consideração, na prática do novo ato de homologação a situação de facto existente à data da prática do ato anulado, momento em que deveria ter atuado em cumprimento da lei.
Desde logo, e atendendo ao que já ficou dito, se impõe considerar que o ato de homologação da lista de classificação final, praticado em sede de execução de sentença e dotado de eficácia retroativa, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 173º do CPTA, é válido e cumpridor do bloco de legalidade que lhe é aplicável, sendo o ato ora impugnado, como antes se viu, um ato consequente daquele.
Sobre a matéria da retroatividade dos atos administrativos praticados em sede de execução de sentença estritamente anulatória, desde que, como decorre daquele nº 2 do artigo 173º do CPTA, não imponham sanções ou restrição de direitos legalmente protegidos, se debruçou Mário Aroso de Almeida, na sua obra Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes (Coleção Teses, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 667 e seguintes), no seguinte sentido, posição que este Tribunal inteiramente sufraga: “(…) 242. O que nos conduz à segunda ideia enunciada, de que o princípio geral da irretroactividade dos actos administrativos não é absoluto e, pelo contrário, comporta limites que permitem a emissão de actos administrativos retroactivos. A afirmação da validade, neste domínio, do referido princípio nada nos diz, na verdade, quanto à possibilidade de existirem fundamentos autónomos nos quais se possa ou deva basear a eventual retroactividade de actos substitutivos - e, portanto, também renovatórios - de actos anulados. Pela nossa parte, pensamos que a reintegração da legalidade pode exigir que, na sequência da anulação, se proceda à substituição retroactiva do acto anulado - e, se for caso disso, à sua renovação retroactiva, no interesse de outrem que não o recorrente que obteve a anulação. Tal como no início do presente capítulo se tinha antecipado, do nosso ponto de vista, um acto subsequente à anulação é e pode ser retroactivo se for de entender que ele deve ser praticado por referência a um momento situado no passado, momento no qual encontra o fundamento jurídico (normativo) que impõe a sua retroactividade e que será aquele ao qual se fará, justamente, remontar a contagem dos seus efeitos. (…) Perspectiva em que assentam os dois últimos dos quatro argumentos que oportunamente foram extraídos da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e dos quais resulta que a Administração pode ficar constituída no dever de substituir o acto anulado por outro com eficácia retroactiva, desde que estivesse vinculada a praticar esse acto, e a praticá-lo em determinado momento. Com o que o próprio Supremo Tribunal Administrativo admite uma excepção à regra da irretroactividade do acto substitutivo do acto anulado que é totalmente independente da lógica da protecção da posição do recorrente que obteve a anulação. (…) Pode, assim, dizer-se que, na sequência da anulação, a Administração deve praticar actos administrativos reportados ao passado sempre que não tenha cumprido o dever que sobre ela impendia de os emitir no momento devido. Se for esse o caso, pode ser que os efeitos do acto que a Administração deve adoptar por referência ao passado se devam contar desde aí, pois a retroactividade “é legítima na medida em que assegura a satisfação do interesse com referência à data da sua constituição”. (…) Para além do que acaba de ser dito, refira-se que a retroactividade do acto substitutivo do acto anulado pode não ser legalmente imposta, mas ainda assim ser conveniente, por razões de interesse público. Não estaremos já, nesse caso, no domínio de intervenção dos argumentos em referência, mas nem por isso a retroactividade será de excluir, em termos gerais, desde que não seja lesiva dos interesses do recorrente ou de terceiros. E o que decorre do disposto no artigo 128.°, n.º2, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo. (…)”
Ora, no caso concreto está em causa, no entender deste Tribunal, precisamente uma situação cuja legalidade tem de ser aferida à data da prática do ato que foi anulado, sob pena de ineficácia e de prática de um ato completamente desenraizado da realidade. É que as circunstâncias da prática do ato, a sua razão de ser, têm por base uma factualidade existente em determinado momento e que hoje pode não ter qualquer suporte.
Pode assim dizer-se, sem margem para dúvidas, que o momento em que a situação (objeto do ato anulado e do ato substitutivo) deveria ter sido juridicamente disciplinada, é a do ato anulado. É que o preceito, ou seja, a lei que está na base do ato aqui em causa assim o impõe, o artigo 10º da Portaria nº 936-A/99, de 22 de outubro, que determina a classificação a atribuir a cada candidato a concurso público para instalação de novas farmácias, considerando parâmetros como sejam os da antiguidade no exercício profissional bem como os anos de residência habitual no concelho onde será instalada a nova farmácia, tem necessariamente por base um momento concreto impondo, por isso que os termos da situação devem ser impreterivelmente definidos em determinado momento.
Todavia, não pode o Tribunal não ponderar a alteração superveniente aos pressupostos de facto e dos pressupostos de direito.
Na verdade, como resultou provado e não foi posto nunca em causa, foi a Autora, em momento posterior ao do procedimento concursal aqui em análise, opositora a um outro concurso para concessão de alvará de instalação de uma farmácia na Urbanização de Oural, também no concelho de Paredes. Ficou a mesma classificada em primeiro lugar, tendo procedido à efetiva instalação da farmácia já em 2010. Todavia, foi a mesma opositora a tal concurso ainda em 2005, isto é, ainda na vigência da Lei nº 2125 e da Portaria nº 936-A/99.
No entender deste Tribunal, tal superveniência, porquanto não acarreta uma situação de impossibilidade absoluta ou grave prejuízo para o interesse público, não é impeditiva da prática do ato ora sob escrutínio em sede de execução de sentença anulatória.
Vejamos.
É certo que, de acordo com o ponto 3 da Base II da Lei nº 2125, a Lei de Bases da Propriedade da Farmácia, “A nenhum farmacêutico ou sociedade poderá ser concedido mais do que um alvará. Igualmente nenhum farmacêutico poderá pertencer a mais do que uma sociedade ou pertencer a ela e ser proprietário individual de uma farmácia. Nenhum farmacêutico, quando proprietário de uma farmácia ou gerente técnico de uma sociedade, pode desempenhar qualquer função incompatível com o exercício efetivo da atividade farmacêutica.”
Contudo, atenta a situação de facto existente em 2001, tal não era impedimento para a candidata classificada em 1º lugar, aqui Autora. Por outro lado, não é indiferente o facto de, em 2007, ter o legislador procedido a uma alteração da legislação aplicável a esta matéria de monta, permitindo não só que farmacêuticos possam ser titulares de mais que um alvará, até ao limite de quatro, mas também que este possa ser emitido em benefício de uma pessoa, individual ou coletiva, que não tenha a qualidade de farmacêutico.
A questão das superveniências normativas, não retroativas (como é o caso presente) no quadro específico da prática de atos subsequentes a uma sentença anulatória foi também tratada pelo Professor Mário Aroso de Almeida, na obra supra citada (páginas 729 e seguintes). Refere o ilustre doutrinador o seguinte: “(…) Afigura-se, no entanto, que, mesmo para além dos tipos específicos de situações que acabam de ser referidos, a regra deve ser, em geral, a da atuação da Administração por referência ao passado e, portanto, da inaplicabilidade das normas não retroativas que possam ter surgido durante o período de tempo decorrido desde o momento da recusa ilegal – salvaguardada, como foi dito, a eventualidade de superveniências incontornáveis, geradoras de verdadeiras situações de impossibilidade legal de satisfazer as pretensões do interessado, nos moldes que no parágrafo seguinte se procurarão traçar. Ou seja: sempre que o novo regime normativo entretanto sobrevindo, pela sua natureza e configuração, seja passível de não ser aplicado ao caso, deve presumir-se um direito do interessado a não ser objeto de tal aplicação. Como já foi referido, a questão que no contexto presentemente em análise se coloca é, basicamente, uma questão de interpretação do quadro normativo, para efeito de esclarecer se o ordenamento jurídico, na definição global que dá da relação na qual se inscreve o ato a praticar, pretende ou não a imediata aplicação de normas supervenientes. Como a determinação do momento a partir do qual vale uma lei é sempre arbitrária, é de admitir que, em abstrato, ela incumbe ao legislador que, sem atender a casos concretos, se exprime segundo pontos de vista gerais. Colocado, porém, nesse plano, o legislador não atende, em princípio, à eventualidade de atrasos inadmissíveis na aplicação da lei por parte da Administração e, por isso, tende a não se pronunciar especificamente sobre a hipóteses de, à data que ele formalmente estabelece para a entrada em vigor das novas normas, poderem existir situações patológicas de pendência que deveriam ter sido objeto da tempestiva aplicação do direito anterior, mas que não o foram porque a Administração atuou ilegalmente. (…) Ora, colocada a questão nestes termos, o problema deve ser, em nossa opinião, resolvido através da afirmação de uma regra como aquela que acaba se ser enunciada, ou seja, de que, em princípio, a Administração deve atuar por referência ao passado e, portanto, que ela só deve aplicar as normas não retroativas supervenientes cuja aplicação se revele incontornável, no sentido, já referido, de gerarem verdadeiras situações de impossibilidade legal de satisfazer as pretensões do interessado. Importa, na verdade, ter presente que a correta aplicação, no momento próprio, do direito vigente à data de recusa ilegal teria conduzido a que a situação do particular tivesse sido definida nos termos em que as normas aplicáveis nesse momento estabeleciam. Era isto que o ordenamento jurídico exigia que se tivesse feito, era a isto que deveria ter conduzido a sua observância por parte da Administração. Ora, se isto tivesse acontecido e, portanto, a Administração tivesse agido como devia, definindo validamente a situação no momento próprio, por aplicação das normas então vigentes, nem sequer teria sido nunca de equacionar a hipótese de aplicação faz novas normas à situação em causa, que já se encontraria resolvida à data em que essas normas entraram em vigor. (…) Na ausência de salvaguardas expressas deste tipo nas múltiplas leis que vão sendo aprovadas em direito administrativo, afigura-se incontornável a construção de um princípio de direito intertemporal do tipo daquele que acaba de ser sugerido. Trata-se, aliás, de uma exigência de interesse público, uma vez que se trata de dar corpo à reintegração da legalidade (anterior). De outro modo, estar-se-ia, na verdade, a branquear a ilegalidade cometida e, desse modo, a dar às situações que foram objeto de uma conduta ilegal da Administração um tratamento injustificadamente discriminatório em relação àquele que porventura tenha sido dado a outras do mesmo tipo que não tenham sido objeto de uma tal conduta – o que, a nosso ver, seria atentatório do princípio da igualdade, no clássico sentido de igualdade perante a lei – e sobretudo, a autorizar a Administração, em domínios tão importantes como o do urbanismo, a escolher arbitrariamente as normas ao abrigo das quais atua e, portanto, com base nas quais vem a definir as situações jurídicas individuais. (…)”
Assim, o princípio do tempus regit actum não deve ser visto de forma inarredável, em particular quanto a matéria procedimental, conforme decorre da indicada norma constante do artigo 56º da Portaria nº 936-A/99.
Mais se afirme que o ius superveniens, aplicando-se em matéria de direito substantivo (veja-se o disposto no artigo 15º do DL nº 307/2007, de 31 de agosto) e permitindo, efetivamente, em sede de uma situação duradoura, qual seja a propriedade e a contínua exploração de farmácias, a acumulação de mais do que um alvará de instalação, deve ser suscetível de aplicação imediata à situação sob escrutínio. De outra forma, incorrer-se-ia em violação do princípio da igualdade.
Na verdade, e apesar de ter o ato efeitos retroativos, não pode olvidar-se que foi praticado volvidos 10 anos da abertura do procedimento concursal. Se não tivesse o Réu incorrido em ilegalidade na prática do primitivo ato, já teria sido, há longos anos, atribuído o alvará de instalação da farmácia aqui em causa à Autora, sendo que esta, a partir de 2007, poderia proceder à instalação de mais farmácias, até ao limite de 4, nos termos da lei nova.
Afigura-se, assim, a este Tribunal intolerável, em sede de princípio da legalidade e da igualdade perante a lei, a consideração de que a superveniência factual ocorrida suscitasse a impossibilidade da emissão do alvará de instalação do alvará.
Na verdade, além das razões supra expostas quanto à preexistência de tal direito na esfera jurídica da Autora, por ter sido classificada em 1º lugar na homologação da lista de classificação final, acresce uma outra. De facto, apesar de reportado ao ano de 2001, tendo sido o ato praticado em 2011, deve atender-se ao facto de a lei nova ter permitido o acolhimento daquela possibilidade de acumulação de alvarás, aplicando-se a mesma à parte substantiva em discussão, sob pena de se gerar uma impossibilidade legal de praticar o ato que era desde o início o devido, por referência ao momento em que ele deveria ter sido validamente praticado.
Tampouco colhe o argumentado pelas Contrainteressadas quanto à impossibilidade da Autora ser opositora noutros concursos, já que tal configuraria uma intolerável violação dos princípios constitucionais da livre iniciática económica e do livre exercício da profissão. Reforce-se que o novo bloco de legalidade aplicável, e, consequentemente, considerado “melhor” pelo legislador, veio taxativamente liberalizar este mercado, permitindo, se bem que a posteriori, a titularidade de mais que um alvará.
Resumindo e concluindo, a norma transitória do artigo 56º do Decreto-Lei nº 307/2007 não se aplica ao caso, ao contrário do que consta do acto impugnado como seu fundamento pois o acto homologatório do concurso destinou-se a reconstituir a situação que existira se o anterior acto judicialmente anulado não tivesse sido praticado, ou seja, reportou-se a 2001.
Este diploma apenas teria relevo, enquanto contemporâneo do acto homologatório do concurso, se dele constasse a defesa de qualquer interesse público com tal relevo que impedisse, com a sanção de nulidade, a titularidade de mais do que um alvará.
Mas pelo contrário, o Decreto-Lei nº 307/2007, de 31.08, no seu artigo 15º permite a acumulação, até 4, de mais do que um alvará de instalação de farmácia.
Pelo que também neste ponto se mostra inválido o acto impugnado e procedente a acção e, logo, improcedentes ambos os recursos.

3. Da violação do princípio da boa-fé, na sua vertente de protecção da confiança
Mais uma vez aderimos à decisão e sua argumentação constantes da decisão recorrida e que ora se reproduzem:
Sobre este ponto discorre a decisão recorrida.
Veio ainda a Autora alegar que a conduta assumida pelo Réu está inquinada por violação do princípio da boa-fé, já que a deixou incorrer em todas as despesas necessárias para a instalação de uma farmácia e que só quatro meses volvidos da homologação da lista de classificação final é que deliberou que não poderia proceder a tal instalação. Invoca que a atitude do Réu criou uma legítima confiança, ao atribuir-lhe o direito de proceder à instalação da farmácia aqui em causa, sendo que a posterior deliberação que a julgou impedida de assim proceder inquina o ato impugnado de anulabilidade, por violação do disposto no artigo 6º-A do CPA.
Em sede de contestação, vem o Réu defender-se por impugnação, arguindo que foi a Autora quem decidiu candidatar-se a outro concurso para instalação de uma outra farmácia, bem sabendo que as regras em vigor à data não lhe permitiam instalar mais do que uma farmácia, tendo antes atuado em defesa da legalidade.
Também em sede de contestação, arguiram as Contrainteressadas que foi a Autora quem violou o princípio da boa-fé, conhecedora que era esta da lei aplicável à presente situação.
Cumpre decidir.
Dispõe o artigo 6º - A do CPA (em cumprimento do constitucionalmente previsto, em sede do nº 2 do artigo 266º da CRP) que:
“1 – No exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé.
2 – No cumprimento do disposto nos números anteriores, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial:
a) A confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa;
b) O objetivo a alcançar com a atuação empreendida.”
De imediato cabe perguntar: foi a deliberação ora sob escrutínio violadora do referido princípio, porquanto goraram legítimas expetativas criadas na Autora?
A resposta que se impõe é no sentido positivo.
Dá-se aqui por reproduzido o que atrás ficou dito quanto à violação de lei por erro nos pressupostos de direito, particularmente no referente ao facto de ser o alvará um mero título de um direito preexistente na esfera jurídica da Autora, e que lhe foi atribuído pela deliberação de homologação da lista de classificação final.
Também como ficou abundantemente exposto supra, a emissão do indicado alvará só poderia ser negado caso os elementos referentes à localização, área, quadro de funcionários, entre outros, se revelassem inaptos à instalação e manutenção em funcionamento de uma farmácia.
Contudo, e perscrutada a deliberação, resulta que a fundamentação do ato impugnado não se prendeu com tais matérias mas antes com uma situação cuja pronúncia quanto à (i)legalidade já transitou em julgado.
É, pois, legítimo considerar que a notificação à Autora daquela deliberação de homologação da lista de classificação final gerou nela uma fundada expectativa de proceder à instalação da referida farmácia. Aliás, resultou provado que de imediato procedeu aquela à entrega junto dos serviços do Réu dos documentos exigidos pelo artigo 16º da Portaria nº 1430/2007.
Consequentemente, decorre dos factos dados como provados que o Réu, ao deliberar no sentido ora impugnado gorou as legítimas expectativas da Autora, violando, com a sua atuação, a confiança suscitada nesta última.
Apelando ao critério do bom pai de família, é razoável afirmar que sabia o Réu que, ao praticar aquele primitivo ato, ia criar tal confiança na esfera jurídica da Autora, verificando-se que esta de imediato encetou as diligências devidas para a emissão do alvará de instalação, plena e legalmente convicta da licitude da sua atuação, atento ainda o facto de tal matéria estar já decidida e transitada em julgada.
Posto isto, temos que também se verifica preenchido o parâmetro subjetivo do princípio da boa-fé, no sentido de proteção da legítima confiança.
Assim, e face ao exposto, procede o alegado vício assacado ao ato impugnado…”.
Em síntese, no caso concreto foi violada uma expectativa legítima, sim, a da Autora, na medida me que com a homologação da lista de classificação final ficou com a fundada expectativa de proceder à instalação da referida farmácia.
Sendo certo que nenhum interesse público inultrapassável se perfilava em contrário.
Tudo como ficou também analisado nos dois pontos anteriores. Pelo que também neste ponto se mostra procedente a acção e, logo, improcedente o recurso das Contrainteressadas.
Concluindo, embora por fundamentos não exactamente coincidentes, impõe-se manter a decisão recorrida que decidiu com acerto ao julgar procedente a acção pelos vícios que considerou verificados.
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V- Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO aos dois recursos jurisdicionais, pelo que mantêm a decisão recorrida.
Custas de cada recurso pelos respectivos Recorrentes.
Porto, 12.10.2018
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Alexandra Alendouro