Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02050/19.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/18/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:COMPETÊNCIA MATERIAL; COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA/TRIBUTÁRIA
Sumário:1 – Estando predominantemente em causa na presente Ação o facto do Serviço de Finanças ter notificado o aqui Recorrente do indeferimento do Requerimento que apresentara naquele serviço no sentido de proceder à “discriminação matricial do identificado prédio”, o que visava o seu fracionamento em duas parcelas autónomas, o que veio a merecer o indeferimento por parte do referido Serviço de Finanças, tal ato consubstancia-se em matéria da competência dos Tribunais Administrativos.

2 – Como tem sido reafirmado pelo Tribunal de Conflitos, são questões fiscais todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objetivamente conexas, o que não está aqui em causa.

3 - Em qualquer caso, a competência dos tribunais tributários não existirá sempre que seja pedida ao tribunal a resolução de uma questão de natureza fiscal, mas só existirá quando o ato objeto de impugnação respeitar a uma questão fiscal (artigos 26.° e 38.° do ETAF).
Em concreto, na PI não se invocam normas de natureza fiscal, afirmando-se singelamente que se intenta “Ação administrativa para a impugnação ou condenação à prática de ato administrativo legalmente devido/ilegalmente omitido ou recusado e Reconhecimento do bem fundado da pretensão do ora impetrante/autor/recorrente”.

4 – A questão fiscal, para efeitos de delimitação de competência entre os tribunais tributários e os tribunais administrativos é a que exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjetivo, para resolução de questões sobre matéria respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública.

5 - A competência material do tribunal afere-se em função do modo como o Autor configura a ação, mais concretamente, pelos termos em que se mostra estruturado o pedido e os seus fundamentos/causa de pedir, esta entendida como o facto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.
Saber se a configuração fáctica e jurídica que os interessados dão à sua pretensão é ou não correta, ou se procedem as razões por eles invocadas, é questão que contende com o mérito do processo e que não deve interferir na decisão sobre a competência do tribunal ou da jurisdição. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:D.
Recorrido 1:Autoridade Tributária – Serviço de Finanças de (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório

D., devidamente identificado nos autos, intentou Ação Administrativa contra a Autoridade Tributária – Serviço de Finanças de (...), tendente a ser a Entidade Demandada condenada:

a) A proceder à discriminação matricial do acima referido imóvel / prédio rústico, situado em Lugar da (...), (...) ou (...), em conformidade com a sua representação topográfica, constante da planta que instruiu a supra assinalada petição de 15-11-2011 (vide cit. doc. 2), e cuja área, composição e confrontações, bem como, respetivas inscrições de propriedade ou titularidade, constam da ficha 865-freguesia da Várzea, da Conservatória do Registo Predial de Barcelos (vide cit. doc. 4);
b) A cumprir o dever de emitir ato administrativo que resulta diretamente da lei (artigos 108º e 130º do CIMI), e praticar o ora reclamado e exigido ato devido omitido, mediante execução da recusada ou indeferida discriminação matricial do predito imóvel / prédio rústico, no máximo, no prazo procedimental de 90 dias, sob pena de aplicação de sanção pecuniária compulsória, a ser fixada segundo critérios de razoabilidade, de acordo com o douto e criterioso arbítrio do Tribunal, por forma a assegurar a efetividade da tutela judicial ora requerida por parte do Autor, conforme previsto no nº 2, do arº 3º do CPTA;
c) A reparar, nos termos e ao abrigo do disposto na alínea f), do nº 2, do artº 4º do CPTA, danos patrimoniais decorrentes da impossibilidade de capitalização do valor do imóvel / prédio rústico aqui em apreço, e despesas em deslocações, obtenção de documentos e honorários suportados com a impugnação da omissão do supra mencionado ato devido, bem como, reparar danos morais causados ou ocasionados com a obstinada recusa da entidade demandada em executar a pretensão regularmente formulada pelo ora Autor, cuja devida indemnização, não sendo ora possível apurar o montante global do prejuízo sofrido, deverá ser liquidada em sede de execução de sentença.”.

O Tribunal Administrativo de Braga, proferiu Sentença em 11 de maio de 2020, na qual se decidiu julgar materialmente incompetente o Tribunal Administrativo, “sendo competente o Tribunal Fiscal”.

Inconformado com a decisão proferida, veio o Autor/D. apresentar Recurso daquela decisão para esta instância, em 27 de maio de 2020, no qual concluiu:
“1 - A decisão recorrida padece de erro de apreciação, quer do alcance do petitório deduzido no caso vertente, quer da causa de pedir que lhe serve de fundamento, e bem assim, incorre em manifesto erro de interpretação e aplicação do direito;
2 - A decisão proferida nos presentes autos posterga “princípios sistémicos, estruturantes do Estado de Direito”, nomeadamente, o princípio de acesso ao direito e à justiça e à proteção/tutela jurisdicional efetiva - arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa - CRP, artº 2.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos - CPTA, arts. 1.º e 2.º do Código de Processo Civil - CPC/2013, e bem assim, olvida e oblitera o direito fundamental de propriedade privada (art. 62º CRP);
3 - O objeto da presente demanda é a sindicância de decisão proferida por órgão da administração fiscal, que indeferiu pretensão regularmente apresentada pelo ora Recorrente, e visa a condenação da administração fiscal a agir em determinado sentido, intimá-la à realização do ato devidamente requerido e ilegitimamente indeferido, recusado ou omitido;
4 - No caso concreto, a matéria que fundamenta e motiva a pretensão deduzida, resulta de ato de indeferimento/recusa de pedido de discriminação matricial apresentado pelo Autor ora Recorrente junto da administração tributária,
5 - Contrariamente ao sentenciado pelo Tribunal a quo, o litígio objeto dos autos não respeita a nenhuma questão fiscal, nem envolve diretamente a interpretação e aplicação de quaisquer disposições de direito fiscal, ou que se situem no campo da atividade tributaria, pois, a inscrição matricial tem significado meramente fiscal e não acarreta nenhuma presunção de natureza civil, e, na realidade, a questão que está na base do caso vertente traduz-se em saber se a pretensa discriminação matricial, solicitada pelo Autor ora Recorrente, à Administração Fiscal/Serviço de Finanças de (...), em 15-11-2011, contende ou não com as normas que impõe restrições de interesse público ao fracionamento de prédios rústicos, o que, antes de mais, suscita a questão prévia de se saber se aquele, efetivamente, pretende ou não dividir prédio rústico do qual é único proprietário, conforme, aliás, resulta não só dos termos da p.i., mas também da posição da Entidade Demandada, plasmada no artº 13º da sua contestação;
6 - A matéria da presente causa trata de litígio emergente da atuação/omissão da Administração Pública, mais precisamente, da existência de uma relação jurídica administrativa entre, por um lado, um órgão da administração fiscal, o Serviço de Finanças de (...), e, por outro lado, um particular, o Autor ora Recorrente;
7 - O que está em causa nos presentes autos é a legitimidade da recusa da entidade demandada, em dar satisfação ao direito ou interesse legalmente protegido do Autor ora Recorrente, indeferindo e omitindo, assim, a legitimamente requerida e devida discriminação/inscrição matricial de imóvel do qual este último é único proprietário ou exclusivo titular, dado essa expressa recusa, ato de indeferimento ou omissão da entidade demandada ter sido oportunamente impugnada, e ser autonomamente sindicável através da presente ação administrativa, tanto mais que, a questionada recusa e impugnado indeferimento da entidade demandada é imediatamente lesiva do legítimo interesse e supra assinalado direito de propriedade Autor ora Recorrente, pois, impedindo, injustificadamente, a necessária harmonização do teor matricial com a descrição predial, obsta à transmissão do predito imóvel do qual aquele é exclusivo legítimo proprietário.
8 - Considerando os termos do disposto, quer nos art.°s 212º, nº 3, 266º nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, quer no artº 4º do Código de Procedimento Administrativo, quer nos art.°s 1º, nº 1, e artº 4º, nº1, a) e o), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, quer ainda nos art.°s 3º, nº 1 e 2, 51º, nº 1, 50, nº 1, 66º, nº 1 e 2, e 67º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, temos por evidente, salvo o devido respeito pela opinião contrária, que cabe ao tribunal administrativo a competência material para julgar a Ação Administrativa deduzida nos presentes autos;
9 - De resto, segundo a mais abalizada jurisprudência, “no contencioso administrativo vigora o princípio da suficiência da jurisdição administrativa, ou seja, o princípio desta jurisdição poder decidir todas as questões necessárias que constituam o objeto das ações da sua competência, mesmo que, para o efeito, seja necessário decidir matérias para cujo conhecimento (autónomo) seja competente outra jurisdição.” (AC. TCAN, de 04-10-2017; Relator(a): Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão; disponível in http://www.dgsi.pt), e, o acesso a uma tutela judicial efetiva impõe a prevalência de decisões de mérito face a decisões de forma, pelo que, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia, o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não pode eximir-se de dirimir a relação material controvertida que lhe aportou o aqui recorrente.
10 - Seja como for, e conforme previsto no artº 14º do supra citado CPTA, “1 - Quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente, o processo é oficiosamente remetido ao tribunal administrativo ou tributário competente. 2 - Quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente, sem que o tribunal competente pertença à jurisdição administrativa e fiscal, pode o interessado, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que declare a incompetência, requerer a remessa do processo ao tribunal competente, com indicação do mesmo. 3 - Em ambos os casos previstos nos números anteriores, a petição considera-se apresentada na data do primeiro registo de entrada, para efeitos da tempestividade da sua apresentação.”
11- A decisão recorrida afasta, infundadamente, o princípio do contraditório, pelo que, salvo o devido respeito, encontra-se inquinada de nulidade, por violação do princípio da proibição de decisões-surpresa, tanto mais que a (in)competência material do Tribunal a quo não foi sequer questionada pela Entidade Demandada (vide contestação de fls…).
12 - O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não pode e jamais deveria decidir “…que este foro não é materialmente competente para apreciar a questão, a qual outrossim deverá ser apreciada pelo Tribunal Fiscal…”, nomeadamente, “…absolver a Entidade Demandada da instância” (vide decisão recorrida, pág. 3/4), sem, primeiramente, ouvir o Autor ou conceder a este efetiva possibilidade de pronunciar-se sobre essa específica ou concreta eventualidade, tanto mais que, a decisão recorrida opta por uma solução jurídica que não foi configurada por nenhuma das partes, e não toma em consideração as suas exposições, factuais e jurídicas;
13 - Não tendo possibilitado ao Autor ora recorrente, efetiva oportunidade para pronunciar-se, concretamente, sobre a decretada exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir, o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, incorre em violação do princípio da proibição de decisões-surpresa (art. 3/3 do CPC), e inerente nulidade processual [art. 195º, nº1, do CPC], cuja arguição, para os devidos e legais efeitos, ora se julga oportuno invocar;
Nos termos expostos, e nos mais que V.Exª.s suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, como é de direito e Justiça.”

A Recorrida/Autoridade Tributária veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso e 18 de junho de 2020, nas quais não incluiu Conclusões.

O Recurso veio a ser admitido por despacho de 26 de junho de 2020.

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 8 de julho de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Vem suscitada relativamente à decisão recorrida a necessidade de verificar se ficou devidamente decidida a questão da competência material dos tribunais Administrativos para julgar a presente questão, à luz do Artº 4º do ETAF, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
Não foi em 1ª Instância fixada qualquer matéria de facto dada como provada e não provada.
Efetivamente, e em qualquer caso, sempre teria de ter sido fixada a factualidade que serviu de suporte e ponto de partida à declarada incompetência material, pelo que a sua ausência constitui, só por si, uma nulidade, nos termos do Artº 607º nº 4 e 615º nº 1 alínea b) CPC.

IV – Do Direito
D. veio interpor recurso da decisão que julgou o Tribunal Administrativo materialmente incompetente para conhecer dos pedidos por si formulados para que a AT proceda à “ à discriminação matricial do acima referido imóvel”, o que se consubstancia, no essencial, na pretensão de fracionar o identificado prédio rustico.

Discorreu-se em 1ª Instância, no que ao direito concerne e no que aqui releva, o seguinte:
“(...) Visto o pedido e a causa de pedir que sustenta a pretensão do Autor, temos que, não é este o Tribunal competente em razão da matéria.
Com efeito, a apreciação do peticionado, por se relacionar com um pedido de discriminação de um artigo predial rústico, em dois artigos matriciais, envolve questões de natureza fiscal, que este Tribunal está vedado de apreciar.
Assim, a primeira questão a analisar, desde já, será a incompetência em razão da matéria. E isto porque, se se concluir que estamos perante uma “questão fiscal”, competente é o Tribunal Fiscal, o que configura exceção dilatória de conhecimento oficioso que precede todas as outras (artigo 13.º CPTA), sendo inútil por absolutamente desnecessário, fazer atuar o princípio do contraditório sobre a exceção agora oficiosamente suscitada, pois, tratando-se de um caso relativamente simples quanto a saber se o mesmo se insere no âmbito da jurisdição administrativa, face à forma como foi formulado o pedido, o meio e os normativos indicados, considera-se manifestamente desnecessária a atuação de tal princípio – Cfr. n.º 3, do artigo 3.º, do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
O artigo 212.º, n.º 3 da CRP, define genericamente a jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais, determinando que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
O que significa que, a delimitação do poder jurisdicional atribuído aos tribunais administrativos faz-se, pois, segundo um critério material, ligado à natureza da questão a dirimir, tal como resulta do artigo 214.º, n.º 3 da Constituição.
A lei ordinária, tal como o ETAF, acolheu estes princípios constitucionais, nomeadamente no seu artigo 1.º, ao determinar que os Tribunais da Jurisdição Administrativa e Fiscal conhecem dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
Conforme jurisprudência reiterada e uniforme, a competência dos Tribunais é aferida em função dos termos em que a ação é proposta (vide, entre outros o Acórdão do TCAN de 22.04.2010, processo 00774/09.3BEVIS).
Como acima adiantado, o que está em causa nos autos é um pedido de discriminação de um artigo predial rústico, em dois artigos matriciais que correm termos nos Serviços de Finanças.
Deste modo, estando perante uma matéria fiscal e sem necessidade de tecer maiores considerações, temos de concluir pela exclusão do litígio sob juízo do âmbito da jurisdição administrativa, sendo este Tribunal incompetente, em razão da matéria, para dele conhecer, cabendo, assim, pelos motivos supra expendidos, ao Tribunal Fiscal.
Tal facto consubstancia uma exceção dilatória, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa dando lugar à absolvição da instância, sem prejuízo do disposto no artigo 99.º do CPC.
Entende-se, assim, que este foro não é materialmente competente para apreciar a questão, a qual outrossim deverá ser apreciada pelo Tribunal Fiscal [nos termos dos artigos 99.º, 278.º, n.º 1, alínea a), 279.º, 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPTA e artigo 89.º, n.º 1, 2 e 4 alínea a) do CPTA].
Assim, declinando a competência deste Tribunal Administrativo para conhecer da matéria versada nos autos, cumpre absolver a Entidade Demandada da instância.”

Vejamos:
Está predominante e designadamente em causa na presente Ação o facto do Serviço de Finanças de (...), ter notificado o aqui Recorrente do indeferimento do Requerimento que apresentara naquele serviço no sentido de, em síntese, proceder à “discriminação matricial do identificado prédio”, o que, como se disse já, visava o seu fracionamento em duas parcelas autónomas.

O Serviço de Finanças indeferiu a pretensão do aqui Recorrente, em síntese, por ter entendido que a referida pretensão determinava a alteração da matriz, através do fracionamento ilícito de prédio rustico.

A competência do tribunal afere-se pela forma como o autor configura a ação, definida pelo pedido e pela causa de pedir.

Como ficou dito no Acórdão do Tribunal de Conflitos nº 012/09 de 08-10-2009, “A competência (ou jurisdição) de um tribunal afere-se pela forma como o autor configura a ação, definida pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pelos objetivos com ela prosseguidos.”

Nos termos dos Artºs 211° n° 1 da CRP, 40° n° 1 da Lei n° 62/2013 de 26 de Agosto (LOSJ) e 64° do CPC são da competência dos Tribunais Judiciais todas as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

Correspondentemente, o ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), aprovado pela Lei 13/2002, de 19.02, e no seguimento de todas as alterações entretanto introduzidas, designadamente pelo DL nº 214-G/2015, definiu a competência dos tribunais Administrativos e Fiscais.

Assim, o seu art°. 4° n° 1 elenca, exemplificativamente tipos de litígios cujo objeto os insere na esfera de competência da justiça administrativa, excluindo nos seus nºs 2, 3 e 4 a sua legitimidade quanto a outros.

O ETAF consagrou um critério de definição de competência que deixou de assentar nos atos de gestão pública ou de gestão privada, entroncando, agora, em conceitos como a relação jurídica administrativa e a função administrativa.

A atribuição de competência à jurisdição administrativa depende da existência de uma relação jurídica em que um dos sujeitos, pelo menos, seja ente público (administração intervindo com poderes de autoridade, com vista à realização do interesse público), regulada por normas de direito administrativo.

Na realidade, a jurisprudência do Tribunal de Conflitos tem entendido como questões fiscais, “todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objetivamente conexas” Acórdão do Tribunal de Conflitos de 26/09/2006, proc. n.º 14/06).

O indeferimento da requerida “discriminação matricial de prédio” está bem de ver que se é certo que se reveste de natureza autoritária, não constitui nem pressupõe um qualquer ato de natureza tributária.

Efetivamente, a repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais fiscais tem como critério a apontada natureza da relação jurídica de onde emergem as questões submetidas à apreciação dos tribunais: relação jurídica administrativa ou relação jurídica tributária.

Em concreto, atendendo aos pedidos e causa de pedir formulados pelo Autor, aqui Recorrente, refira-se desde já que entendemos que a relação material controvertida emerge de uma relação jurídica administrativa, pois que é regulada predominantemente por normas de natureza administrativa.

Nos termos do disposto no artigo 212. °/3 da CRP e 144. °/1 da LOSJ, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Por sua vez, os tribunais judiciais, que são os tribunais comuns em matéria cível e criminal, exercem a jurisdição em todas áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (artigo 211.º/1 da CRP e artigo 40.º/1.º da LOSJ — Lei 62/2013, de 26 de Agosto).

Para determinação da competência dos tribunais administrativos e fiscais valem as regras dos artigos 1.º/1 e 4.º do ETAF.

O aqui Recorrente, reitera-se, pretende questionar judicialmente o ato de indeferimento da sua requerida “discriminação matricial”, com vista ao fracionamento do prédio rústico identificado.

Questão fiscal, para efeitos de delimitação de competência entre os tribunais tributários e os tribunais administrativos é a que «exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjetivo, para resolução de questões sobre matéria respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública» (CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, I volume, página 230, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).

Em qualquer caso, a competência dos tribunais tributários não existirá sempre que seja pedida ao tribunal a resolução de uma questão de natureza fiscal, mas só existirá quando o ato objeto de impugnação respeitar a uma questão fiscal (artigos 26.° e 38.° do ETAF).

Em bom rigor, na PI não se invocam normas de natureza fiscal, afirmando-se aliás, que se intenta “Ação administrativa para a impugnação ou condenação à prática de ato administrativo legalmente devido/ilegalmente omitido ou recusado e Reconhecimento do bem fundado da pretensão do ora impetrante/autor/recorrente”.

Em concreto, verifica-se pois que o Autor, aqui Recorrente, apresentou a presente ação administrativa contra a Autoridade Tributária, peticionando discriminadamente a sua condenação, designadamente a:
a) A proceder à discriminação matricial do prédio rústico, situado em Lugar da (...), (...) ou (...), em conformidade com a sua representação topográfica, bem como, respetivas inscrições de propriedade ou titularidade, constantes da ficha 865-freguesia da Várzea, da Conservatória do Registo Predial de Barcelos;
b) A emitir ato administrativo e praticar o ora reclamado, mediante execução da recusada discriminação matricial do predito prédio rústico, o que se consubstancia na prática de ato devido.

No entanto, o tribunal a quo, de acordo com a argumentação que aduziu, veio a considerar que o tribunal materialmente competente para julgar a presente Ação seria o Tribunal Tributário e não o tribunal Administrativo, entendimento que não acompanhamos.

Se é certo que o peticionado se reveste de alguma imprecisão e insuficiência descritiva, tal não significa que possamos qualificar o peticionado como materialmente da competência dos Tribunais tributários, uma vez que, em bom rigor não estamos em presença de atos de natureza tributária, nem serão de aplicar normativos de natureza fiscal.

Como se viu já, a questão fiscal, para efeitos de delimitação de competência entre os tribunais tributários e os tribunais administrativos é a que «exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjetivo, para resolução de questões sobre matéria respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública» (CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, I volume, página 230, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
Como se sumariou já neste TCAN, no Acórdão nº 504/15.0BEAVR, de 23.11.2018, “A competência material do tribunal afere-se em função do modo como o Autor configura a ação, mais concretamente, pelos termos em que se mostra estruturado o pedido e os seus fundamentos/causa de pedir, esta entendida como o facto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.
Saber se a configuração fáctica e jurídica que os interessados dão à sua pretensão é ou não correta, ou se procedem as razões por eles invocadas, é questão que contende com o mérito do processo e que não deve interferir na decisão sobre a competência do tribunal ou da jurisdição (...)”

A pretendida “discriminação matricial do prédio rústico”, sempre constituiria um mecanismo tendente a um fracionamento de prédio rústico, o que, independentemente das consequências que pudesse vir determinar em termos tributários para o seu titular, não deixaria nunca de ser uma operação de cariz urbanístico e administrativo, sujeita a normas de natureza cível e administrativa.

Com plena naturalidade, o controvertido litígio não encerra qualquer questão fiscal, não envolvendo sequer a interpretação e aplicação de quaisquer disposições de direito fiscal, ou que se situem no campo da atividade tributária, estando singelamente por saber se a requerida discriminação matricial poderá, ou não, operar, e se terá consequências de natureza urbanística, mormente em termos de fracionamento de prédio.

A questão controvertida prende-se pois apenas com a omissão da Autoridade Tributária, a qual tem subjacente uma relação jurídica administrativa entre Serviço de Finanças de (...), enquanto órgão da administração fiscal, e um particular, o aqui Recorrente.

O que simplesmente está aqui em casa, independentemente da procedência, ou não do requerido, é a legitimidade da recusa da entidade demandada, em dar satisfação à requerida discriminação/inscrição matricial de prédio do qual o Recorrente é titular.
O facto da requerida operação poder ter para o seu promotor ulteriores consequências tributárias, não determina que estejamos perante um ato de natureza fiscal ou parafiscaI.

Em face de tudo quanto precedentemente se discorreu, entende-se que a competência para dirimir a questão controvertida suscitada pelo aqui Recorrente, caberá ao Tribunal Administrativo.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, devendo os autos baixar ao Tribunal Administrativo de Braga para prosseguimento da sua tramitação, se a tal nada mais obstar.

Custas pela Entidade Recorrida/AT.

Porto, 18 de setembro de 2020


Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa