Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00373/07.4BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/31/2012
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:OPOSIÇÃO
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
CARTA REGISTADA DEVOLVIDA
ÓNUS
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:1. Em regra, não tem lugar a presunção de notificação prevista no artigo 39.º, n.º 1 do CPPT se a carta registada é devolvida.
2. É sobre a administração tributária, enquanto entidade exequente, que recai o ónus de demonstrar os pressupostos da reversão, designadamente a regularidade da notificação da liquidação que constitui a quantia exequenda.
3. Não ficando demonstrado nos autos a regularidade da notificação daquela liquidação, a dívida é inexigível, o que constitui fundamento de oposição à execução fiscal nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Comércio de sucatas..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I- Relatório
COMÉRCIO DE SUCATAS…, LDA., NIPC 5…, com sede no C…, 3885-000 Esmoriz, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a oposição por si deduzida contra a execução fiscal n.º 3760200701000470 do Serviço de Finanças de Ovar 2, interpôs o presente recurso concluindo da seguinte forma as suas alegações:
«1. A douta sentença padece de vícios e erros na apreciação da oposição apresentada e da factualidade, pois a sentença não demonstrou que a recorrente tenha sido notificada da liquidação.
2. Se não existe prova, é porque foi dispensada.
3. A liquidação de IRC que originou a dívida exequenda não foi validamente notificada à recorrente antes da instauração da execução, sendo que essa falta de notificação, provocando a ineficácia do acto tributário de liquidação, torna tal dívida inexigível.
4. Pelo que deve a execução fiscal ser extinta, por falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade, Artº 204°, nº 1, alínea e), do CPPT.
NESTES TERMOS, Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na procedência da Oposição e consequente extinção da execução fiscal e com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA.».
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.
As questões a decidir:
a) Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto.
b) Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao considerar que a liquidação foi validamente notificada à ora recorrente dentro do prazo de caducidade.
II- Fundamentação
II.1. De facto
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro fixou o seguinte quadro factual:
«Factos provados
1. A 18 de Janeiro de 2007 foi instaurado o processo de execução fiscal nº 3760200701000470 contra a sociedade “Comércio de Sucatas…, Lda.” para cobrança coerciva da quantia de € 14.248,99 (catorze mil e duzentos e quarenta e oito euros e noventa e nove cêntimos) referente a IRC de 2002;
2. A oponente foi citada a 1 de Fevereiro de 2007;
3. A presente oposição deu entrada a 1 de Março de 2007;
4. A liquidação de IRC que deu origem à presente execução resultou de uma acção de fiscalização;
5. Na sequência da inspecção referida em 4), a oponente foi notificada para exercer o seu direito de audição;
6. A oponente interpôs pedido de revisão, após a fixação da matéria tributável.
7. O oponente foi notificado da liquidação do IRC de 2002 por carta registada a 27 de Novembro de 2006.
Factos não provados
*
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou.
*
Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo.».
II.2. De direito
II.2.1. Erro de julgamento de facto
A recorrente não se conforma com a factualidade assente no ponto 7 dos factos provados na sentença recorrida – inconformismo que se retira da conjugação das conclusões com o ponto 1 das suas alegações de recurso («1. Salvo melhor opinião, a douta sentença não efectuou uma correcta apreciação da matéria de facto na medida em que o facto referido em 7 não pode ser dado como provado uma vez que a oponente, ora recorrente, não foi notificada da liquidação de IRC de 2002 por carta registada a 27.11.2006»).
Alega a recorrente que jamais recebeu a liquidação que é dada como provada no ponto 7, nem a demonstração de compensação, nem a demonstração da liquidação de juros compensatórios. E acrescenta que do documento junto pelo Representante da Fazenda Pública consta que a carta para notificação da liquidação foi devolvida. E pede que aquele facto seja alterado em conformidade.
Apreciando.
O facto em discussão tem a seguinte redacção: «7. O oponente foi notificado da liquidação do IRC de 2002 por carta registada a 27 de Novembro de 2006.».
Da leitura do facto e da motivação da sentença facilmente se conclui que nele foi incluída matéria de direito. Na verdade, o Tribunal recorrido deu como provada a notificação naquela data fazendo para tanto a presunção do n.º 1 do artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que estabelece que as notificações efectuadas por carta registada presumem-se efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
Ora, ao probatório apenas devem ser levados factos e não conclusões de facto ou de direito - cfr. artigo 511.º. n.º 1 do Código de Processo Civil e 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
E os factos que relevam são o envio da carta para notificação da liquidação e a data do seu registo.
Assim, altera-se a redacção daquele facto de forma a que nele passe a constar:
7- Para notificação da liquidação – nota de cobrança que constitui a quantia exequenda foi remetida à oponente carta sob o registo RY386600991PT de 22-11-2006 – fls. 56.
Assente tal facto deve ainda levar-se ao probatório, porque resulta dos documentos juntos pela Fazenda Pública, como faz notar a recorrente, o seguinte facto:
8- A carta referida em 7 foi devolvida – fls. 57.
II.2.2. Erro de julgamento de direito
A oposição foi deduzida com fundamento na falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Alegava a oponente na petição inicial que não foi notificada por carta registada com aviso de recepção (artigo 6.º da petição inicial) para depois afirmar que não foi notificada do acto de liquidação e que só teve conhecimento da sua existência com a execução fiscal (artigo 8.º da petição inicial).
Na contestação a Fazenda Pública defendeu que a notificação não tinha de ser efectuada através de carta registada com aviso de recepção por a situação se enquadrar não no n.º 1 do artigo 38.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, mas no seu n.º 3 por a liquidação resultar de correcções à matéria colectável que tinham sido objecto de notificação para o efeito do direito de audição e que a carta para notificação foi registada em 22-11-2006, funcionando a presunção do artigo 39.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Esta tese foi acolhida na sentença recorrida que se socorreu do disposto no artigo 39.º, n.º 1 para concluir que a notificação se presume efectuada no 3º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil, acrescentando que a oponente não ilidiu a presunção legal.
Em sede de recurso a oponente já não defende que a notificação havia de ter sido feita por carta registada com aviso de recepção, quedando-se agora pela afirmação que não recebeu a carta para notificação da liquidação, tanto que aquela que a Fazenda Pública diz que remeteu foi devolvida.
E a questão que se coloca é saber se se aplica ao caso dos autos a presunção de notificação do n.º 1 do artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quando a oponente ora recorrente afirma que nunca foi notificada.
Dispõe o artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (na redacção anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro):
«1 - As notificações efectuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
2 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção.
3 - Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
4 - O distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.
5 - Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.
6 - No caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.(Redacção dada pelo artº 2º do Dec.-Lei n.º 160/03, de 19 de Julho)
7 - Quando a notificação for efectuada por telefax ou via Internet, presume-se que foi feita na data de emissão, servindo de prova, respectivamente, a cópia do aviso de onde conste a menção de que a mensagem foi enviada com sucesso, bem como a data, hora e número de telefax do receptor ou o extracto da mensagem efectuado pelo funcionário, o qual será incluído no processo. (Redacção dada pelo artº 2º do Dec.-Lei n.º 160/03, de 19 de Julho - anterior 6)
8 - A presunção referida no número anterior poderá ser ilidida por informação do operador sobre o conteúdo e data da emissão. (Redacção dada pelo artº 2º do Dec.-Lei n.º 160/03, de 19 de Julho - anterior 7)
9 – O acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.».
Sendo a notificação efectuada por carta registada diz a lei que se presume efectuada a notificação no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (n.º 1 do artigo 39.º).
Esta presunção legal, juris tantum, pode ser ilidida pelo interessado, solicitando aos correios a informação sobre a data da efectiva entrega, para assim fazer prova que a recebeu posteriormente.
Mas esta presunção apenas funciona se a carta não for devolvida. A carta só é devolvida ao remetente quando não chega ao destinatário, quando lhe não é entregue. E se não lhe é entregue não se pode, em regra, presumir a notificação.
Este tem sido um entendimento pacífico na jurisprudência – por todos o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31-01-2012, processo n.º 017/12, onde se lê:
«… a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil (cfr. nº 1 do art. 39º do CPPT e nº 6 do art. 45º da LGT). O registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando.
A atribuição legal de certa relevância ao registo da carta não permite porém inferir a certeza de que o seu destinatário a recebeu naquele prazo. Como tal forma de notificação não exclui o risco da carta não ser efectivamente recebida pelo destinatário, o nº 2 do artigo 39º permite que o notificado possa ilidir tal presunção «quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida», solicitando à administração tributária e ao tribunal que requeiram aos correios a informação sobre «a data efectiva da recepção». Esta norma põe em luz o efeito que a lei quer atribuir ao registo: trata-se de uma presunção juris tantum da demora que levará a fazer a comunicação postal (cfr. Ac do STA, de 2/3/2011, rec nº 0967/10). Se o registo da carta liberta a administração tributário do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, este tem o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente.
Mas se a carta for devolvida, em regra, não se pode inferir que o registo faz presumir que ela foi colocada na esfera de cognoscibilidade do destinatário. Se nenhum aviso foi deixado no domicilio do notificando, nem sequer há a garantia da cognoscibilidade da existência da carta; e se o aviso foi deixado, vicissitudes várias, como a ausência temporária do domicílio (vg. trabalho, férias, doença, etc.), podem impedir o acesso à carta. Daí que a presunção legal só pode funcionar se a carta for recebida no domicílio do notificando. A consequência lógica que a lei deduz do registo da carta, ou seja, que se presume que demora três dias a ser posta alcance do destinatário, deixa de poder ser feita, pelo menos com o mesmo grau de probabilidade, se a carta for devolvida. Certamente por isso, o nº 2 do art. 39º apenas prevê a possibilidade da prova em contrário na situação em que a notificação ocorre em data posterior à presumida, sem aludir à situação em que não há notificação. Desde há muito, e pelo menos no que se refere aos particulares, a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a defender que «a presunção do nº 2 do artigo 39º do CPPT, não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida», quer na situação de carta registada (cfr. acs. de 18/2/87, rec nº 004015, de 2/6/99, rec. 022529, e mais recentemente, acs. de 6/5/2009, rec nº 0270/09 e de 13/4/2011, rec. nº 0546/10), quer na situação de carta registada com aviso de recepção, devolvida sem assinatura deste e sem nada se dizer a respeito de não ter sido reclamada ou levantada (cfr. acs. de 21/5/2008, rec nº 01031/07 e de 8/7/2009, rec nº 0460/09).».
Não funcionando a presunção de notificação, então também não recai sobre o contribuinte qualquer ónus no que toca à sua ilisão.
Por outro lado, não nos é colocada a questão da perfeição da notificação na sequência da carta registada devolvida (tratada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que com a devida vénia transcrevemos), uma vez que perante a devolução da carta a administração fiscal nada mais fez (ou pelo menos não consta do processo), e por isso dela não tratamos.
Deste modo temos no caso em apreço uma notificação imperfeita, que não produz os efeitos legais, ou seja, ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido, a carta registada devolvida não faz actuar a presunção de notificação do n.º 1 do artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
E é sobre a administração fiscal que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária – artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil – designadamente a regularidade da notificação da liquidação, ou então que foi atingido o fim por ela visado de transmitir aos destinatários o teor da liquidação – cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª edição, Vol. I., nota 5 ao artigo 39.º. p. 384 – ónus que não cumpriu.
Assim, haverá que ter-se como não efectuada a notificação à oponente ora recorrente da liquidação que está ser objecto de execução, o que constitui fundamento de oposição nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Na verdade, se a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação (regular) do acto de liquidação, este acto é ineficaz e, por isso, não produz efeitos em relação aos seus destinatários (artigos 77.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária e 36.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributários), não podendo com base nele exigir-se coercivamente o pagamento da dívida liquidada – cfr. Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 07-07-201, processo 545/09.
O recurso merece, assim, provimento.
III- Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição procedente, extinguindo-se a execução contra a ora recorrente.
Custas pela Fazenda Pública na 1ª instância.
Porto, 31 de Maio de 2012
Ass. Paula Ribeiro
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Álvaro Dantas