Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01939/12.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/28/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Vital Lopes
Descritores:IMI
AEROGERADORES
INSCRIÇÃO OFICIOSA NA MATRIZ PREDIAL
Sumário:1. O acto de inscrição oficiosa na matriz predial de uma determinada realidade física, por ter sido qualificada como prédio, é imediatamente lesivo e autonomamente sindicável através da acção administrativa especial, sendo a impugnação judicial o meio próprio para sindicar a liquidação do IMI a que tal acto dê origem.
2. Os elementos constitutivos de um parque eólico (os aerogeradores, os elementos de ligação, a estação de comando e a subestação) não se subsumem à figura de “prédio” de acordo com a definição constante no CIMI, atenta a falta de valor económico próprio.
3. O acto de inscrição oficiosa na matriz predial urbana de um aerogerador de parque eólico enferma de ilegalidade por erro nos pressupostos, vício determinante da sua anulação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira e Empreendimento Eólico..., Lda.
Recorrido 1:Empreendimento Eólico..., Lda. e Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento aos recursos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

Empreendimento Eólico…, Lda., recorreu do douto despacho de fls.150/156 que na verificação do erro na forma do processo, ordenou a convolação em Acção Administrativa Especial da impugnação judicial apresentada da “inclusão na matriz do artigo urbano 1… da freguesia 030503 Borba da Montanha”.

No requerimento de recurso apresentou alegações e concluiu nos seguintes termos:

«1. O meio processual adequado para discutir a legalidade do indeferimento da reclamação da matriz fundada em incorreção da matriz predial é a impugnação judicial e não a ação administrativa especial como entendeu o tribunal a quo,
2. Na interpretação do tribunal a quo, o art. 134° nº 3 CPPT sã compreende a impugnação das incorreções nas inscrições matriciais que consubstanciem “meras irregularidades materiais com repercussão na veracidade da inscrição matriciais” o que é de todo incompatível com a letra e o espírito da lei.
3. O art. 134° n°3 CPPT é claro quando determina que da incorreção da inscrição matricial cabe impugnação judicial (desde que tenham sido previamente esgotados os meios graciosos, o que, no caso, significa a apresentação de reclamação da matriz predial – art. 134° nº 7 CPPT).
4. O mesmo tem entendido a doutrina (Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado) em anotação ao artigo 134° CPPT afirmando, perentoriamente, depois de enunciar os fundamentos da reclamação da matriz nos termos do art. 130° n°3 CIMI (entre os quais a indevida inclusão do prédio na matriz) que: “se a reclamação não for decidida nos referidos prazos de 90 e 180 dias a contar da sua entrada no serviço competente da administração tributária, ela presume-se indeferida, podendo o interessado deduzir impugnação judicial no prazo de 30 dias a contar do termo do prazo para a decisão (n°s 3 e 6 deste art. 134° e n°5 do art. 57° da LGT)”.
5. A lei não distingue entre os fundamentos da reclamação da matriz quando no art. 134° n° 3 CPPT determina que da incorreção da inscrição matricial cabe impugnação judicial, pelo que não pode o intérprete distinguir.
6. Acresce que não existiria nenhuma razão objetiva que justificasse que nos casos de erro material se seguisse o processo de impugnação e em todos os restantes fundamentos da reclamação da matriz fosse seguida outra forma de processo (nomeadamente a ação administrativa especial), sendo certo que em nenhum dos casos está em causa um ato de liquidação.
7. O art. 134° CPPT constitui norma especial que, por isso, se aplica com prevalência sobre as normas gerais, como seja o art. 97° CPPT, pelo que, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo nunca seria aplicável a ação administrativa especial já que a lei refere especialmente o processo de impugnação como meio adequado para discutir as situações de incorreções nas inscrições matriciais.
8. A jurisprudência do STA e do TCA Sul também tem exarado o entendimento de que a impugnação judicial é o meio adequado para discutir uma questão de direito, como seja, o erro sobre os pressupostos de direito do ato praticado, por falta de previsão normativa para a avaliação ordenada considerando, sem quaisquer distinções entre erros materiais e outros fundamentos da reclamação da matriz, que a impugnação é sempre o meio adequado nas situações em que se discute a nulidade das inscrições matriciais.
9. Em suma, o meio utilizado no presente processo, a impugnação do indeferimento expresso da reclamação da matriz, é o meio adequado, nos termos da norma especial contida no art. 134° n° 3 CPPT pelo que deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente com todas as consequências legais.
Nestes termos, e nos demais de Direito julgados aplicáveis, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida pelo TAF de Braga, assim se fazendo a boa e costumada JUSTIÇA!».

O recurso do despacho interlocutório foi admitido por douto despacho de fls.173, com subida a final.

Não foram apresentadas contra-alegações.

No seguimento dos autos e após cumprimento de demais formalidades, foi elaborada douta sentença de fls.322 a 329, que julgou procedente a Acção Administrativa Especial, anulando inscrição na matriz do prédio urbano U-1… da freguesia de Borba da Montanha, com todas as consequências legais.

Da douta sentença foi interposto recurso, agora pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Com a interposição do recurso a Recorrente apresentou alegações, que culmina com as seguintes «Conclusões:

1 – Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que determinou a procedência da acção administrativa especial, e consequentemente, anulou os actos de inscrição na matriz predial urbana sob o artigo P-1… da freguesia de Borba da Montanha, actos praticados pelo Chefe do Serviço de Finanças de Celorico de Bastos
2 - A douta sentença concluiu que um aerogerador não alcança nem possui, sem que esteja ligado aos demais equipamentos, que por sua vez também configurarão edificações de natureza vária e com carácter permanente, a susceptibilidade ou potencialidade de gerar rendimentos, pelo que não tem valor dito económico para efeitos deste artigo 2.º do CIMI.
3 - Assim, entendeu que não se verificando o elemento económico, por falta de preenchimento deste pressuposto, não poderá um aerogerador, individualmente considerado, ser qualificado como prédio para efeitos de IMI.
4 - Entende a Recorrente que a sentença para além de proceder a uma errónea apreciação e interpretação do conceito de prédio para efeitos fiscais, em manifesta e clara violação do disposto no art.º 2.º do CIMI, enferma de erro de base nas premissas em que escorou a sua fundamentação, sendo violadora dos princípios constitucionais da justiça, equidade e segurança fiscais.
5 - O conceito fiscal de prédio afasta-se da noção civilista, o artigo 2º do CIMI estabelece um conceito específico para a determinação da incidência do IMI, mais amplo do que o constante no artigo 204º do Código Civil, explica NUNO SÁ GOME que, parece resultar da comparação entre o conceito civil de imóvel consagrado no art. 204.º do Código Civil, com o conceito fiscal de prédio, previsto no art. 2.º do CIMI, que este último parece não abranger todas as realidades que são consideradas imóveis, para efeitos civis. É o que sucede, v.g., com os direitos inerentes aos imóveis, que não tendo a referida estrutura física, nunca serão prédios. Sendo assim, parece que, para efeitos da Reforma de Tributação do Património, o conceito civil de imóvel não coincide com o conceito fiscal de prédio.
6 - O conceito fiscal de prédio prevê a existência de três requisitos necessários para que se possa estar perante o conceito de prédio: o elemento de natureza física, o elemento de natureza jurídica e o elemento de natureza económica, pois só da confluência destes três vectores podemos qualificar determinada realidade como “prédio” para efeitos de enquadramento em sede de IMI.
7 – A douta sentença deu como verificados para efeitos de inscrição do aerogerador como prédio na matriz predial, o elemento de natureza física e o elemento de natureza jurídica, não tendo considerado como verificado o elemento de natureza económica, por considerar, que um aerogerador por si só não tem valor económico, sendo um componente do parque eólico o qual é essencial para injectar na rede publica energia eólica.
8 – Mas tal argumento é claramente infundado, tendo em conta a composição do parque eólico, o qual é constituído por aerogeradores assíncronos (torres eólicas), subestações (edifícios de comando), redes de cabos que ligam os primeiros aos segundos e respectivos acessos, dai que, cada aerogerador é uma unidade independente em termos funcionais, constituindo prédio urbano para efeitos do Código do IMI, e atendendo á sua natureza, é qualificado como prédio urbano do tipo “Outros”, preenchendo os requisitos estatuídos no art.º 2.º do CIMI.
9 - Nos termos do art.º 203.º do Código Civil, as coisas podem ser, entre outras, móveis ou imóveis, simples ou compostas e de acordo com o art.º 206.º do mesmo Código, é havida como coisa composta, ou universalidade de facto, a pluralidade de coisas móveis que pertencendo à mesma pessoa, têm um destino unitário.
10 - Atendendo às definições de coisa simples e composta e, às realidades físicas em causa, é possível inferir que contrariamente ao raciocínio sufragado na sentença, que cada aerogerador constitui uma unidade independente e possui valor económico, na medida em que cada aerogerador admite um único direito e opera como uma unidade, tratando-se de coisa simples, que abrange uma coisa com várias peças que perderam a autonomia com a sua junção. Com vista à prossecução de um fim unitário: a produção de energia eléctrica.
11 - Cada aerogerador (“coisa simples” formada pela junção dos seus componentes: sapata de betão, torre, cabine e pás), constitui uma unidade funcional independente (dado que o aproveitamento energético do vento pode ser efectuado por uma só unidade), e o parque eólico, com os seus elementos e estruturas principais (torres eólicas, redes de cabos, acessos e edifício de comando) constitui uma “coisa composta”, isto é, engloba várias “coisas” simples, pertencentes à mesma pessoa e com um destino unitário, e embora possa ser objecto de actos jurídicos unitários.
12 - Para efeitos de subsunção ao conceito de prédio ínsito no art.º 2.º do CIMI, cada aerogerador deve ser considerado como realidade distinta, pelo que à revelia da douta sentença os aerogeradores devem ser qualificados como prédios, de acordo com o disposto no art.º 2.º do CIMI, constituindo realidades físicas distintas ou autónomas dos terrenos em que se encontram implantadas, as quais possuem, claramente, valor económico.
13 – Verifica-se, de forma clara, o preenchimento dos requisitos estatuídos na lei para o aerogerador ser considerado como prédio para efeitos fiscais, incluindo o elemento económico, não considerado pela sentença a quo.
14 - Quanto ao elemento de natureza económica (patrimonialidade) a sentença sufragou que o mesmo não se encontra verificado por o aerogerador pertencer a um parque destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública, não se verificando o requisito da existência do valor económico, em relação a cada um dos aerogeradores, mas apenas em relação a este, na sua unidade atenta a sua finalidade.
15 - O elemento de natureza económica encontra-se associado ao requisito de patrimonialidade, o bem tem que ter valor económico, ser susceptível de gerar rendimento ou outro tipo de utilidade para o seu titular. (v.d. ALFARO, Martins – O conceito de prédio no IMI e algumas contradições normativas.
16 - Resulta dos autos, o preenchimento do elemento económico através da licença de estabelecimento, emitida pela Direcção Geral de Energia e Geologia.
17 - Um aerogerador possui valor económico de per se, por força da sua natureza intrínseca e individual, bem como pela função que desempenha no conjunto, no parque eólico.
18 - Um aerogerador, por si só, é um bem que, em circunstâncias normais, tem valor económico, susceptível de expressão monetária, seja qual for a perspectiva de análise – o mercado, a utilidade económica potencial ou os fluxos rendimento esperados – por conseguinte preenche todas os requisitos legais que habilitam à qualificação `como ‘prédio’, para efeitos da incidência do IMI.
19 - A construção em que consubstancia um aerogerador é uma realidade física e económica completa, que desempenha autonomamente uma função produtora, portanto, dotada de valor económico, e aliás, mesmo na perspectiva contabilística, o ‘parque eólico’ não é tratado individualmente como um activo.
20 - As estruturas que, no âmbito de um parque eólico têm como função a conversão da potência da energia eléctrica produzida pelo aerogerador e a sua injecção no ramal da rede pública de energia eléctrica, desempenham funções complementares da função nuclear que é a produção.
22 - Considerar que um aerogerador integrado num parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública, não tem valor económico próprio, é esvaziar a dimensão económica da actividade desenvolvida na fase nuclear – a produção - do circuito económico da energia.
23 - Diferentemente do que é sustentado na jurisprudência citada, não é o parque eólico que é remunerado, o que é objecto de venda, nos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005, de 16.02 (que alterou o Decreto-Lei n.º 339-C/2001, de 29.12) é a electricidade produzida por cada centro produtor (aerogerador), cujo volume e valor depende do número de aerogeradores concentrados em cada local designado por ‘parque eólico’.
24 - O preenchimento do requisito da autonomia económica encontra-se verificado, traduzindo-se na susceptibilidade do aerogerador gerar rendimentos, através da comercialização da energia gerada com o parque eólico ou outro tipo de utilidades para o seu titular.
25 - O aerogerador deve ser qualificado como prédio, de acordo com o disposto no art.º 2.º do CIMI, constituindo uma realidade física distinta ou autónoma do terreno em que se encontra implantado - possuindo valor económico.
26 - Segundo Vasco Branco Guimarães (in sobre o conceito fiscal de prédio, Estudo feito por ocasião da comemoração do L aniversário do Centro de Estudos Fiscais, publicado na Ciência e Técnica Fiscal, n.º 433 pág. 201) “uma vez que as torres eólicas não podem ser prédios rústicos terão de ser prédios urbanos. A doutrina publicada enquadra-os na qualificação: Outros. De entre os urbanos deverão ser considerados como Outros. Esta é a solução que corresponde á correcta interpretação do normativo em vigor.”
27 - A sentença a quo procede a uma errada interpretação do disposto no art.º 2.º do CIMI, na medida em que um aerogerador preenche todos os pressupostos legais (elementos jurídico, económico e físico) para ser considerado como prédio para efeitos fiscais.
28 - O entendimento propugnado na sentença enferma ainda de um erro nas suas premissas, ofendendo claramente os mais basilares princípios constitucionais da equidade, justiça e segurança fiscais.
29 - Com efeito, a sentença aquilatou que o aerogerador integrado num parque eólico não tem, valor económico próprio: pelo contrário, é no próprio parque eólico que se encontra a manifestação da capacidade contributiva que releva a existência de tal valor, motivo pelo qual é o parque eólico, e não o aerogerador que é remunerado e objecto de tributação.
30 - Considerando que apenas o parque eólico deve ser objecto de tributação uma vez que apenas aquele preenche os requisitos para ser qualificado como prédio para efeitos de IMI, perguntar-se-á de que modo tal entendimento é compaginável com parques eólicos que se encontram inseridos em vários concelhos, cuja taxa de IMI é claramente díspar em todos eles? Qual então a taxa a aplicar? E como se tributa e inscreve tal realidade na matriz? Apenas num concelho? Onde se encontrem situados o maior número de componentes? Através de rotatividade?
31 - O entendimento propalado na sentença é claramente violador do princípio da justiça, equidade e segurança fiscal, bastando para o efeito pensar-se que a seguir-se tal entendimento, e a tributar-se o parque eólico ao invés dos seus componentes (aerogeradores), originaria que em parque eólicos cuja área de circunscrição abrange vários concelhos, com taxas diferentes, fosse o parque eólico apenas inscrito num só concelho, ou no concelho que tivesse mais componentes, em detrimento de ou do concelho limítrofe com menos componentes.
32 - O entendimento vertido na sentença viola os mais elementares princípios da equidade, segurança e justiça fiscal, consignados no art.º 5.º da LGT e art.º 103.º e 104.º ambos da CRP.
33 - O entendimento vertido pela Recorrente é transversal em países da União Europeia, desde logo, e a título meramente exemplificativo veja-se o caso de Espanha no qual os parques eólicos são tributados em sede de Impuesto sobre Construcciones, Instalaciones y Obras (Inclusión en la base imponible del valor de las placas solares o de los aerogeradores), e em sede de BICES (Impuesto sobre Bienes Inmuebles de Caracteristicas Especiales, antes IBI), o qual se paga todos los años y se aplica al conjunto de la instalación. Se aplica sobre un valor catastral que determina Hacienda (ligado a las inversiones y las amortizacones), sobre el que los ayuntamientos aplican un impuesto que va del 0,4 al 1,3% (de entre 800 y 2.000 euros por Mwh al año. Para un parque de 50Mw, supone entre 40.000 y 130.000 euros a año.)
34 - De igual modo, no ordenamento jurídico francês La cotisation fonciére des entreprises (CFE) constitui um imposto baseado em valores de aluguer de propriedade a que os parques eólicos se encontram sujeitos.
35 - Conclui-se que o aerogerador reúne todos os requisitos legais para que seja qualificado como prédio para efeitos das normas de incidência em sede de IMI, razão pela qual a sentença procede a uma errada interpretação e apreciação do art.º 2.º do CIMI, colidindo tal entendimento com os princípios constitucionais da segurança, equidade e justiça fiscal.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, por errada interpretação e aplicação do art.º 2.º do CIMI, e por manifesta violação dos princípios constitucionais da segurança, equidade e justiça fiscal, com todas as legais consequências».

A Recorrida, Empreendimento Eólico…, Lda., apresentou contra-alegações, que termina com as seguintes «Conclusões:

1. Nas suas Conclusões a AT circunscreve o objeto do recurso à sua discordância com a interpretação que foi feita pelo tribunal a quo de questões estritamente jurídicas pelo que sendo a questão a apreciar no presente recurso meramente de direito verifica-se uma infração das regras da competência em razão da hierarquia que determina a incompetência absoluta do TCA SUL para conhecer do presente recurso.
2. A sentença recorrida não merece qualquer reparo ao ter considerado que os aerogeradores, se considerados isoladamente, não têm per se autonomia funcional que permita que sejam destacados da estrutura em que estão inseridos e portanto inexiste o elemento económico para que se possa considerar, isoladamente, um aerogeradores como “prédio” para efeitos de IMI.
3. A tese da AT de considerar os aerogeradores como prédios para efeitos de IMI funda-se num entendimento completamente contrário à realidade e desconsidera aquilo que foi objeto de avaliação e de inscrição na matriz pela própria AT sendo certo que grande parte do argumentário da AT se prende com a qualificação do aerogerador e do parque eólico como coisas simples ou compostas quando na realidade essa qualificação é irrelevante se o aerogerador ou o parque eólico não puderem sequer ser qualificados como construções, elemento sobre que a sentença recorrida não se pronunciou especificamente e que, de resto, não está verificado.
4. No que respeita ao elemento de natureza física e o elemento de natureza jurídica, ao contrário do invocado pela AT, a sentença recorrida não se pronunciou sobre a verificação, no caso concreto de tais elementos, tendo o tribunal a quo considerado, e bem, que a falta de verificação do elemento económico era suficiente para considerar que os aerogeradores não são prédios para efeitos de IMI prejudicando assim, implicitamente, a necessidade de conhecer da existência ou não dos restantes elementos cumulativos previstos no art. 2º CIMI.
5. Não se pode admitir a afirmação da AT de que em circunstâncias normais um aerogerador estará apto a gerar rendimentos ou outro tipo de utilidades para o seu titular pois, por um lado, um aerogerador instalado num terreno desligado de todas as infraestruturas que compõem o parque eólico, de nada serve, já que não produz qualquer energia e portanto é completamente inútil do ponto de vista da finalidade a que se destina – a produção de energia eólica e, por outro lado, a AT não especifica que utilidades são essas que advém para o titular pelo que terá de se concluir pela improcedência do argumento.
6. O facto de existirem parques eólicos só com um aerogerador não significa que cada aerogerador seja uma unidade independente em termos funcionais (ou que “o aproveitamento energético possa ser efetuado por uma só unidade” como invoca a AT ) porque só pode produzir energia elétrica conjuntamente com os restantes equipamentos que fazem parte do parque eólico.
7. A AT pretende concluir que “em circunstâncias normais um aerogerador estará apto para produzir energia elétrica” e por isso teria valor económico próprio para efeitos de qualificação como prédio, mas aquilo que foi avaliado pela AT e é objeto do presente processo, são apenas torres e sapatas de aerogeradores, realidades que, manifestamente, “em circunstâncias normais não serão aptas para produzir qualquer energia elétrica” porque uma torre e uma sapata em nenhumas circunstâncias produzem qualquer tipo de energia elétrica (se desligadas dos restantes elementos que compõem o aerogerador e o parque eólico).
8. Pretende a AT defender “o preenchimento do elemento económico através da licença de estabelecimento emitida pela DGEG” quando não existe qualquer licença de estabelecimento que seja emitida aos aerogeradores e a licença de exploração existente não é emitida para cada aerogerador de forma individual sendo que, no presente caso, nem sequer consta dos factos provados qualquer facto que permita retirar consequências jurídicas da licença de exploração sendo desconhecido nos autos o respetivo conteúdo
9. Não é admissível a pretensão da AT de cobrar simultaneamente IMI e a renda do DL nº 168/99 porque isso poria em causa a igualdade entre os cidadãos em claro prejuízo dos promotores de parques eólicos que assim se veriam sujeitos a dois impostos com o mesmo
objeto e a mesma ratio o que se consubstanciaria numa indevida e ilegal locupletação de património da Impugnante e uma dupla remuneração dos municípios patentemente atentatória da proibição do confisco e da justiça fiscal tudo nos termos da Constituição da Republica portuguesa pelo que quaisquer exemplos de legislações estrangeiras em sentido contrário sempre teriam de ser afastados por contrariarem o disposto na CRP.
10. Em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a sentença recorrida que não merece qualquer censura e procede a uma adequada subsunção dos factos ao direito.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo o que é de lei e de JUSTIÇA!».

Foi ordenada a subida dos autos por douto despacho de fls.423.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal apôs o seu visto (fls.429).

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelos Recorrentes, o objecto do recurso interlocutório consiste em saber se se verifica o apontado erro na forma do processo, sendo a impugnação judicial o meio próprio para tutela da pretensão formulada; o objecto do recurso da sentença consiste, nuclearmente, em indagar se existirá incidência em sede de IMI relativamente aos Parques Eólicos, sem olvidar a questão de incompetência em razão da hierarquia suscitada pela Recorrida.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:

«A) FACTOS PROVADOS:
1. A Autora, por via de cessão da posição contratual do anterior arrendatário, tomou de arrendamento o terreno denominado “Sorte…”, registado na matriz predial rústica com o nº 6…, freguesia de Borba de Montanha, concelho de Celorico de Basto (cfr. docs. fls. 42 a 50 do suporte físico dos autos).
2. A Autora instalou um aerogerador para produção de energia eléctrica no aludido terreno do qual é arrendatária (facto não controvertido).
3. Em 04.07.2011, o Serviço de Finanças de Celorico de Basto procedeu à instauração oficiosa do procedimento tributário tendente à inscrição na matriz predial urbana do referido aerogerador [“um aerogerador, sito na freguesia de Borba de Montanha”] (cfr. fls. 21 e ss. do processo administrativo apenso aos autos).
4. O referido aerogerador foi inscrito sob o artigo urbano 1…, com a categoria de “outros” e avaliado em €491.700,00 (cfr. fls. 26/27 do processo administrativo apenso aos autos).
5. A Autora apresentou reclamação graciosa das liquidações de IMI de 2007, 2008, 2009 e 2010, relativas ao prédio urbano 1… da freguesia Borba da Montanha (facto não controvertido).
6. Essa reclamação graciosa foi indeferida (facto não controvertido).
7. Em 18.04.2012, a Autora apresentou recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa (facto não controvertido).
8. No dia 02.08.2012, a Autora apresentou no Serviço de Finanças de Celorico de Basto, reclamação da referida inscrição matricial (cfr. fls. 4 e ss. do processo administrativo apenso aos autos).
9. Através do ofício nº 1032, datado de 21.11.2012, a Autora foi notificada nos seguintes termos: “Relativamente à reclamação da inscrição na matriz predial urbana do artigo 1… da freguesia de Borba da Montanha, concelho de Celorico de Basto, informo que sobre este assunto já foi interposto recurso hierárquico, pelo que por este serviço nada mais há a dizer”.
10. Em 26.11.2012, foi apresentada a petição inicial que deu origem aos presentes autos (cfr. fls. 2 do suporte físico dos autos).

B) MOTIVAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS:
A convicção do Tribunal alicerçou-se nos documentos supra identificados».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Começando pela apreciação do recurso do despacho interlocutório, tendo em conta que o objecto do mesmo é a errónea indicação e tramitação da forma do processo, que se consubstancia numa nulidade principal, vejamos se a mesma se verifica ou foi acertada a decisão recorrida.

O objecto da impugnação judicial consubstanciava-se no acto de inscrição oficiosa na matriz predial urbana de uma realidade física constituída por um aerogerador para produção de energia eléctrica em terreno rústico de que a impugnante é arrendatária na freguesia de Borba da Montanha.

É este o conteúdo do despacho interlocutório recorrido, no segmento que verdadeiramente importa para os autos:
«A presente impugnação judicial é intentada contra a indevida inclusão na matriz do artigo urbano 1… da freguesia de Borba da Montanha.
Sustenta a Impugnante que o aerogerador que instalou naquela freguesia não é subsumível na incidência específica do CIMI, pelo que não pode ser inscrito na matriz predial como um prédio urbano. Acresce que, no seu entender, o aerogerador, em si mesmo considerado e desligado do terreno no qual está implantado, também não pode ser qualificado como um prédio nos termos do artigo 2º do CIMI e para os efeitos previstos no artigo 1º do CIMI.
Vejamos.
Do princípio da tipicidade das formas processuais resulta que a todo o direito corresponde um tipo de acção adequada à efectivação do direito em causa (artigo 2º, nº 2 do CPC).
Assim, a forma de processo escolhida pelo autor deve ser a adequada à pretensão que deduz e deve determinar-se pelo pedido que é formulado e, adjuvantemente, pela causa de pedir1.
1 Neste sentido, cfr. ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, I volume, 2.ª ed., Almedina, p. 280.
No âmbito do direito processual tributário, dispõe o artigo 97.º/1 do CPPT:
“ O processo judicial tributário compreende:
a) A impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;
b) A impugnação da fixação da matéria tributável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo;
c) A impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos actos tributários;
d) A impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação;
e) A impugnação do agravamento à colecta aplicado, nos casos previstos na lei, em virtude da apresentação de reclamação ou recurso sem qualquer fundamento razoável;
f) A impugnação dos actos de fixação de valores patrimoniais;
g) A impugnação das providências cautelares adoptadas pela administração tributária;
h) As acções para o reconhecimento de um direito ou interesse em matéria tributária;
i) As providências cautelares de natureza judicial;
j) Os meios acessórios de intimação para consulta de processos ou documentos administrativos e passagem de certidões;
l) A produção antecipada de prova;
m) A intimação para um comportamento;
n) O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal;
o) A oposição, os embargos de terceiros e outros incidentes e a verificação e graduação de créditos;
p) O recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação;
q) Outros meios processuais previstos na lei.
Como explica o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no seu “CPPT Anotado e Comentado” (vol. II, Áreas Editoras, 2011, p. 53), em anotação à norma em causa, “deste artigo resulta claramente que, nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação (acto de indeferimento de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico interposto da decisão que a aprecie ou acto de apreciação de pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT) o meio adequado é o processo de impugnação.
No entanto, se se estiver perante um acto administrativo que não comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, nem sempre a acção administrativa especial será o meio processual adequado, uma vez que, se assim fosse, não se compreenderia o uso da expressão «impugnação» para referenciar o meio processual para impugnar actos que não comportam essa apreciação, como é o caso dos actos de fixação da matéria colectável, de agravamento à colecta, de fixação de valores patrimoniais, de providências cautelares adoptadas pela administração tributária [alíneas b), e), f) e g), deste artigo]”.
Assim, pretendendo o contribuinte sindicar a legalidade do acto de liquidação, constituirá meio próprio o processo de impugnação judicial (artigo 97º, nº 1, alínea a) do CPPT), o mesmo sucedendo quando a lei utiliza a expressão “impugnação”, como é o caso dos actos de fixação da matéria colectável, de agravamento à colecta, de fixação de valores patrimoniais e de providências cautelares adoptadas pela administração tributária.
Nos termos do artigo 134º, nº 3 do CPPT, é também a impugnação judicial a forma processual correcta para reagir contra as “incorrecções nas inscrições matriciais de valores patrimoniais”.
Todavia, tal como defende a FP, trata-se aqui de meras irregularidades materiais, com repercussão na veracidade da inscrição matricial, o que não sucede no caso dos autos em que se discute o conceito jurídico de prédio para efeitos de IMI.
Em sentido idêntico, pronunciou-se o STA no Acórdão de 05.12.2012, processo 0830/12, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário parcialmente se transcreve:
“I - Da interpretação conjugada dos arts. 134º, nº 3, do CPPT e 130º, nº 3, do CIMI, resulta um alargamento quanto aos fundamentos do pedido de correcção nas inscrições matriciais que podem ter por base quaisquer erros materiais que afectam a veracidade de características previamente definidas e demais dados respeitantes aos imóveis a inscrever nas respectivas matrizes.
II - Não estamos perante uma situação de mero erro material com repercussão na veracidade da inscrições matricial, como é exigido pela análise conjugada dos preceitos atrás mencionados, se o que está em causa é um vício substancial, quanto à qualificação jurídica de duas parcelas, em resultado da eventual errónea interpretação e aplicação dos arts. 3º a 6º do CIMI.
III - Estando em causa a impugnação judicial do despacho do órgão da administração fiscal, que indeferiu a inscrição de duas parcelas de terreno na matriz predial rústica, por considerar tratar-se de prédios urbanos, a situação não se enquadra em nenhuma daquelas para as quais o art. 97º, nº 1, do CPPT prevê a impugnação judicial, e, porque não está em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação, o meio processual adequado é a Acção Administrativa Especial, regulada nos arts. 46º ss. do CPTA.”
Em face do exposto, importa concluir que o meio processual adequado in casu para reagir contra o acto em crise não é a impugnação judicial, mas sim a acção administrativa especial, nos termos da parte final da alínea p) do artigo 97º, supra transcrita.
O processo enferma, assim, de nulidade, por erro na forma de processo utilizada [cfr. artigo 98.º, n.º 4, do CPPT, inserido na secção relativa às nulidades do processo judicial tributário, e artigos 193.º e 198.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, também aplicáveis, por via subsidiária, ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT].
Ora, da conjugação do disposto no artigo 98º, nº 4 do CPPT, com o estatuído no artigo 97º, nº 3 da LGT, resulta que o juiz deve ordenar a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei, desde que o pedido formulado e a causa de pedir invocada se ajustem à forma adequada do processo, e a tal não obste a eventual caducidade do direito de acção.
Na situação vertente, e como já se adiantou, o pedido e a causa de pedir constantes da petição inicial, revelam-se, do ponto de vista substancial, adequados à forma processual Acção Administrativa Especial, não se mostrando a mesma intempestiva, à luz do disposto no artigo 58º do CPTA, ex vi artigo 97º, nº 2 do CPPT.
Pelo que se determina a convolação da presente acção em Acção Administrativa Especial».

A nosso ver, o despacho recorrido andou bem ao concluir pela verificação do erro na forma do processo, tendo decidido em linha com o que julgamos ser a jurisprudência estabilizada do STA.

Com efeito, esse alto tribunal já por várias vezes o afirmou, «o acto de inscrição oficiosa na matriz de uma determinada realidade física, por ter sido qualificada como prédio, é imediatamente lesivo dado que provoca uma alteração e significativa na esfera jurídica da recorrente, conferindo-lhe a qualidade sujeito passivo de IMI e nessa qualidade o sujeitando a várias obrigações tributárias, incluindo a obrigação de imposto.
Daí que as eventuais ilegalidades decorrentes de tal acto prévio de inscrição oficiosa de prédio na matriz como prédio urbano da espécie “outros", possam ser objecto de impugnação autónoma, através de acção administrativa especial» - vd., entre outros, o Ac. do STA, de 20/05/2015, tirado no proc.º0933/13.

O que resulta da jurisprudência citada é que o acto impugnado, de inscrição oficiosa na matriz de uma determinada realidade física, por ter sido qualificada como prédio, é imediatamente lesivo e, nessa medida, a Recorrente pode, querendo, sindicá-lo autonomamente através da Acção Administrativa Especial, se o não quiser sindicar em sede de impugnação judicial da liquidação do tributo.

Tendo a Recorrente optado por sindicar imediatamente o acto de inscrição oficiosa do aerogerador na matriz predial a Acção Administrativa Especial mostra-se, de facto, o meio processual próprio, estando a impugnação judicial reservada para a impugnabilidade do acto tributário de liquidação originado por aquele acto prévio lesivo de inscrição matricial.

O art.º134.º, n.º4 do CPPT, de que a Recorrente se socorre em defesa da sua posição, respeita à impugnação judicial das incorrecções nas inscrições matriciais dos valores patrimoniais, não à impugnabilidade de erros de qualificação das realidades inscritas (como prédios), oficiosamente, nas mesmas matrizes, com imediata repercussão na esfera jurídica dos contribuintes, de que trata o caso em apreço. Ou seja, por outras palavras, não está em causa qualquer acto de determinação do valor patrimonial do aerogerador.

Assim, pelas aduzidas razões, nega-se provimento ao recurso interlocutório e confirma-se o despacho recorrido.

Entrando na apreciação do recurso da sentença, desde logo importa apreciar a questão suscitada pela Recorrida e de conhecimento oficioso que é a incompetência do TCAN em razão da hierarquia para conhecer do recurso.

A competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria - art.º13º do CPTA.

Significa isto que é um pressuposto de conhecimento oficioso, quer se trate de incompetência absoluta (em razão da matéria ou da categoria do tribunal), quer se trate de incompetência relativa (em razão do território) e que o seu conhecimento tem prioridade sobre qualquer outro assunto.

Ora, nos termos do art.º280º n.º1 do CPPT, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Da leitura das conclusões de recurso, acima transcritas e que delimitam o âmbito e o objecto do presente recurso, não resulta, porém, que a Recorrente questione apenas a interpretação e aplicação da lei feita na sentença recorrida, caso em que a questão seria meramente de direito.

Com efeito, é impugnada a decisão de direito (a não qualificação do aerogerador como prédio para efeitos do IMI), mas com fundamento no inconformismo quanto às ilações de facto que o tribunal retirou do probatório, como se alcança, nomeadamente do ponto 7 das Conclusões em que se refere: «A douta sentença deu como verificados para efeitos de inscrição do aerogerador como prédio na matriz predial, o elemento de natureza física e o elemento de natureza jurídica, não tendo considerado como verificado o elemento de natureza económica, por considerar, que um aerogerador por si só não tem valor económico, sendo um componente do parque eólico o qual é essencial para injectar na rede publica energia eólica» e do ponto 8, em que se consigna: «Mas tal argumento é claramente infundado, tendo em conta a composição do parque eólico, o qual é constituído por aerogeradores assíncronos (torres eólicas), subestações (edifícios de comando), redes de cabos que ligam os primeiros aos segundos e respectivos acessos, dai que, cada aerogerador é uma unidade independente em termos funcionais, constituindo prédio urbano para efeitos do Código do IMI, e atendendo á sua natureza, é qualificado como prédio urbano do tipo “Outros”, preenchendo os requisitos estatuídos no art.º 2.º do CIMI».

Neste entendimento e salvo o devido respeito, o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, o que determina a competência deste Tribunal Central Administrativo para conhecer do recurso.

Improcede, pelas aludidas razões, a questão de incompetência suscitada pela Recorrida.

Passamos de imediato ao conhecimento das questões suscitadas no recurso.

Como dissemos, a controvérsia central dos autos reconduz-se a saber se os aerogeradores dos parques eólicos podem ser qualificados como prédios para efeitos de incidência do IMI (tese da Recorrente, Autoridade Tributária e Aduaneira); ou, pelo contrário, não existe incidência do IMI sobre tais realidades físicas (como sustenta a sentença e propugna a Recorrida).

A questão foi já apreciada quer nos Tribunais Centrais Administrativos (ac. do TCAS n.º 516/15.4BELLE de 26-01-2017 e TCAN acórdãos de 14/06/2017 proferido no processo 649/15.7BEVIS e de 14/09/2017, proferido no proc.º 286/15.6BEMDL, ambos inéditos, ao que sabemos) quer no Supremo Tribunal Administrativo através dos acórdãos 0140/15 de 15/3/2017 e 01417/16 de 07-06-2017, convergindo todos no mesmo sentido, ou seja, de que os aerogeradores não podem ser classificados como prédio para efeitos de I.M.I., uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores.

Assim, e por semelhança ao caso sub judice, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito, acolhemos a argumentação jurídica expressa no acórdão do STA n.º 0140/15 de 15/3/2017 (também sufragada no ac. do STA n.º 01417/16 de 07-06-2017), a cuja fundamentação aderimos e que, por isso, com a devida vénia, nos limitamos a transcrever:
“(...) o conceito fiscal de “prédio”, para efeitos de incidência do IMI, afasta-se da noção civilística contida no art.º 204º do Código Civil, corporizando um conceito mais amplo, «porquanto prevê a existência de um elemento de natureza física (o território, o qual deve ser autónomo e ter um carácter de permanência); um elemento de natureza jurídica (resultante da necessidade do prédio fazer parte do património de uma pessoa física ou jurídica) e um elemento de natureza económica (traduzido na exigência de possuir um valor económico em circunstâncias normais), sendo «que só com a confluência dos três elementos podemos qualificar determinada realidade como prédio para efeitos de enquadramento em sede de IMI».
Entendimento que se mostra correto, na medida em que o art.º 2º do CIMI define o conceito de prédio do seguinte modo:
«1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.».
Temos, assim, que para efeitos deste imposto, “prédio” é toda a fracção de território (elemento físico), abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência, que faça parte do património de pessoa singular ou coletiva (elemento jurídico) e que em circunstâncias normais tenha valor económico (elemento económico).
Posto isto, e vista a importância vital do elemento de natureza económica, traduzido na necessidade de a fracção de território em causa possuir, por si só, valor económico para poder ser qualificado como “prédio” para efeitos de incidência objectiva de IMI, a problemática reside, desde logo, em saber se, à luz desta norma, um “parque eólico” pode ser classificado como “prédio” nos termos e para os efeitos da inscrição na matriz predial e consequente avaliação e tributação neste imposto municipal sobre o património imobiliário.
O que passa, necessariamente, por saber o que é um parque eólico.
Da leitura de obras técnicas da especialidade (Cfr., entre outras, a dissertação de mestrado de YESMARY CAROLINA DA SILVA GOUVEIA, no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa - Área Departamental de Engenharia Civil, intitulado “Construção de um Parque Eólico Industrial” e bibliografia aí citada.) decorre, de forma clara, que o objetivo final de um parque eólico consiste no aproveitamento da velocidade do vento para a produção de energia elétrica, sendo que, para que tal aconteça, é necessário que o parque seja constituído por alguns elementos essenciais, nomeadamente por um conjunto de aerogeradores que são interligados por cabos de média tensão e cabos de comunicação ligados a uma subestação e a um edifício de comando, que se liga a uma (habitualmente aérea) rede elétrica de transporte.
Deste modo, um parque eólico é constituído por um conjunto obrigatório e interligado de bens, equipamentos e infraestruturas – aerogeradores (Cada um composto por uma sapata de betão ou “fundação”, uma estrutura metálica ou “torre”, uma naceile, um rotor, e três pás.), postos de transformação, edifícios de comando e de subestação, rede elétrica de cabos subterrâneos com ligação entre os aerogeradores e o edifício de comando/subestação e, no caso de existência de várias subestações, linhas elétricas de ligação destas, bem como caminhos de acesso - tudo com vista a converter a energia cinética do vento em energia elétrica e a injectá-la no sistema eléctrico de potência, sendo que os grandes parques eólicos exigem a construção de várias subestações e de linhas de transmissão para a conexão ao sistema elétrico de potência, sendo esta injeção ou conexão ao sistema elétrico um dos principais parâmetros de um parque eólico.
Em suma, um parque eólico é uma fracção de território (terrestre ou marítimo) organizado e estruturado com variados e interligados elementos constituintes e partes componentes – onde se destacam os aerogeradores conectados em paralelo (no mínimo cinco), um ou mais edifícios onde se localizam a(s) subestação(ões) e o centro de operação e manutenção – com ligação ao solo e com carácter de permanência, sendo todo esse conjunto de bens e equipamentos imprescindível à atividade económica em questão: atividade de transformação da energia eólica em energia elétrica, sua injeção no sistema elétrico de potência e consequente venda desta eletricidade à rede elétrica de acordo com a tarifa regulada em Portugal para o sector eólico em geral.
O que significa que cada um desses elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não pode, de per si, ser considerado um prédio urbano (“outros”), na medida em que não constitui uma parte economicamente independente, isto é, não tem aptidão suficiente para, por si só, desenvolver a aludida atividade económica (A mesma razão leva a que não possam ser considerados como “prédios” (nem a AT ousa considerá-los como tal) os diversos elementos e estruturas que integram um estádio de futebol (as balizas, as bancadas, a estrutura coberta, os balneários, etc.) ou que integram um campo de golfe (o green, o tee, o fairway, os obstáculos, o edifício de atendimento, etc.), já que cada um dessas estruturas e elementos, que se encontram interligados e conexionados com vista ao mesmo objetivo e finalidade económica, não possuem autonomia económica em relação à fração de território ocupada, pese embora seja incontroverso que tanto o estádio de futebol como o campo de golfe constituem, à luz do mencionado preceito do CIMI, prédios urbanos para efeitos de incidência objetiva de IMI.)
Por conseguinte, e em suma, caracterizando-se como elementos ad integrandum domum, sem autonomia económica relativamente ao todo de que fazem parte, fica afastada a possibilidade de classificar como “prédios” autónomos cada um dos diversos elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico, não só porque o seu destino normal não é diferente de todo o prédio, como, também, porque não é possível avaliá-los separadamente, na medida em que não são partes economicamente independentes.
Razão por que consideramos inteiramente correta a posição expressa pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 26/02/2017, no acórdão prolatado no processo nº 516/15 (onde se discutia a legalidade da inscrição e avaliação como prédio urbano de um aerogerador), segundo o qual «Em circunstâncias normais, um aerogerador integrado num parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública, não tem valor económico próprio. Pelo contrário, é no próprio parque eólico que se encontra a manifestação de capacidade contributiva que revela a existência de tal valor, motivo pelo qual é o parque eólico, que não o aerogerador, que é remunerado (…).
Pelo que à míngua do terceiro pressuposto, não se pode concluir que um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública seja um prédio para efeitos de I.M.I., uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores ou de qualquer outro elemento que compõe o parque eólico (porque individualmente nenhum deles é, por si só, em circunstâncias normais, idóneo para produzir e injectar a energia na rede pública), mas apenas em relação a este (o parque eólico), na sua unidade, atenta a sua finalidade.».
Assiste, pois, razão à impugnante, ora recorrente, quando advoga que os elementos constitutivos de um parque eólico (os aerogeradores, os elementos de ligação, a estação de comando e a subestação) não se subsumem à figura de “prédio” de acordo com a definição constante no CIMI, atenta a falta de valor económico próprio.
O que faz soçobrar o entendimento vertido pela Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis na Circular nº 8/2013, onde se veiculou o entendimento de que cada aerogerador e cada subestação são unidades independentes em termos funcionais, devendo, por isso, ser considerados como prédios autónomos e qualificados como prédios urbanos do tipo "outros".”.

Aplicando esta reiterada jurisprudência ao caso vertente, é de concluir que o impugnado acto de inscrição oficiosa na matriz predial urbana da freguesia de Borba da Montanha sob o artigo 1… de um aerogerador de parque eólico enferma de ilegalidade por erro nos pressupostos, vício determinante da sua anulação.

A sentença recorrida, que no mesmo sentido decidiu, não incorreu no apontado erro de julgamento, pelo que é de confirmar, assim se negando provimento ao recurso da Autoridade Tributária e Aduaneira.

5 - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a. Negar provimento ao recurso do despacho interlocutório;
b. Negar provimento ao recurso interposto da sentença.
Custas a cargo dos respectivos Recorrentes.
Porto, 28 de Setembro de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro