Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00891/09.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/08/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO
CAPACIDADE PROFISSIONAL
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
Sumário:I. O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.
II. Incumbe à Segurança Social, na qualidade de exequente e titular do direito de reversão, o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o administrador/gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efetivo exercício da gerência de facto em conformidade com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respetivos factos constitutivos (artigo 342º, nº 1, do CC e artigo 74º, nº 1, da LGT).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:E...
Recorrido 1:Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, E..., contribuinte n.º 1…, não conformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a oposição deduzida no âmbito da execução fiscal n.º 1801200801036238 instaurada contra a sociedade R…– Transportes Unipessoal, Lda., e contra ela revertida, para pagamento da quantia de € 3 599,48 respeitante a contribuições e juros para a Segurança Social no período de março de 2005 a outubro de 2006, interpôs o presente recurso.

A Recorrente no recurso jurisdicional formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1º A recorrente/oponente deduziu oposição à execução fiscal, invocando a ilegitimidade para a execução (no qual foi chamada por reversão) por nunca ter exercido funções de gerência de facto na sociedade comercial, R…, com sede em Viseu.

2º Assim não foi considerado pelo I. Tribunal a quo que julgou improcedente a oposição deduzida por entender que o exercício da atividade de transporte rodoviário de mercadorias exigia que o gerente com capacidade profissional dirigisse efetivamente a dita empresa, pelo menos durante cinco anos, o que justifica a existência das declarações de remuneração, tendo concluído que os 7500€ que havia recebido do sócio da dita empresa (testemunha nos autos) seriam para esse efeito.

3º Decisão, com a qual a recorrente não pode concordar.

4° O I. Tribunal não poderia ter considerado como factos índice do exercício efetivo da gerência o elencado nos artigos antecedentes destas conclusões porque constituem apenas um juízo conclusivo, com o devido respeito por opinião contrária.

5° Não foi mencionado ou descrito na douta sentença qualquer ato que possa consubstanciar o exercício efetivo da gerência pela recorrente.

6° A oponente/recorrente ficou a constar como gerente da sociedade comercial originariamente devedora porque a mesma era detentora da capacidade profissional exigível para o efeito, mas apenas de direito.

7° Como foi referido pelo efetivo gerente de facto (testemunha J…), era ele que tomava decisões na empresa, que mandava, que executava todos os atos típicos de gestão de uma sociedade, não tendo a oponente qualquer função na mesma.

8º O pagamento que lhe foi efetuado não foi para que esta gerisse de facto a sociedade, mas apenas para que a própria constasse como gerente na mesma para a sua constituição.
9° Mesmo, como foi entendido pelo I. Tribunal, que os 7500€ referidos fossem pagos com o intuito da recorrente permanecer como sua gerente durante os cinco anos tal não significa, que fosse para exercer a gerência de facto.

10° Essa gerência caracteriza-se, como já se disse em sede de motivação “no efectivo exercido das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros”.

11º Não consta na douta sentença qualquer ato que tenha sido praticado pela recorrente que possa ser classificado como exercício da gerência de facto porque efetivamente nunca praticou nenhum.

12º O que vem a ser confirmado pela ata da renuncia à gerência (datada dois dias após a constituição da mesma).

13º A recorrente desconhece a que título as declarações de rendimentos foram efetuadas pela sociedade, tanto assim é que na sua declaração não as fez constar e a própria sociedade não comunicou esses valores à Fazenda Publica, conforme foi afirmada pela testemunha Paula.

14º A responsabilidade desse pagamento Segurança Social impendia sobre a sociedade e em regime subsidiário, sobre a sua gerência de facto, que ficou mais do que provado em Audiência de Julgamento que não pertencia à recorrente (da própria sentença não consta qualquer facto).

15º Face à prova produzida, designadamente às declarações das testemunhas J… e P…, bem como à falta de prova pela prática de atos de gerência de facto pela oponente, a resposta ao ponto E e F teria de ser diferente ou seja:

Deve ser retirado do ponto E “… para assumir o cargo de gerente durante cinco anos. Entregando-lhe para o efeito a quantia de sete mil e quinhentos euros” e o ponto F deverá ser considerado por não provado ou então a resposta ao ponto E, teria de ser diferente, ficando a constar “…para assumir o cargo de gerente de direito durante cinco anos, entregando-lhe para o efeito a quantia de sete mil e quinhentos euros.”

16º Efetivamente a recorrente sempre constou como gerente da sociedade (a ata de renuncia não foi sujeita a registo), no entanto tal só prova de que a mesma é gerente de direito.

17º Competia à exequente, Segurança Social a prova da gerência de facto da recorrente, o que não foi conseguido, como resulta da própria sentença, que não descreve qualquer ato concreto do exercício efetivo da mesma - de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos - cf. art. 342.°, n.º 1 do CC e art. 74°, n° 1, da LGT, mostrando-se por isso violados estes preceitos legais pela Douta Sentença recorrida.

18º O artigo 24° da LGT permite que uma sociedade seja gerida fora do contrato social, podendo efetivamente o seu gerente de facto não constar no dito pacto (o que acontece no caso em apreço, como se afere pelas declarações da testemunha J.., que confirma que efetivamente foi o gerente de facto da sociedade.

20º Ao assim não ter sido entendido pelo I. Tribunal e não considerando a ilegitimidade da recorrente para a presente execução por não ser responsável pelo pagamento em causa, por nunca ter sido gerente de facto da devedora originária foram na douta sentença recorrida violados os artigos 24° 1. alínea a) e b) da LGT, 260° 1 e 4 do CSC e 204º, n° 1. alínea b) do CPPT.

Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso proceder por provado e a Douta Sentença ser revogada e ser substituída por outra Douta Decisão que:

- Julgue procedente por provada a oposição à execução deduzida extinguindo-se a execução que corre contra a recorrente, devendo ser declarada a sua ilegitimidade para a execução, por não ser responsável pelo pagamento da dívida peticionada fazendo assim, aliás como sempre. V.Exas., JUSTIÇA!! . (…)”


O Ministério Público junto deste tribunal teve vista nos autos emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, ao considerar a Recorrente parte legítima na execução fiscal, uma vez que exerceu de facto a gerência da executada originária.

3. JULGAMENTO DE FACTO
No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efetuado nos seguintes termos:
“(…) III I Factos provados
Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Na Secção de Processo executivo de Viseu do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social foi instaurada a execução fiscal n.º 1801200801036238, contra a sociedade “R…– Transportes Unipessoal, Lda.”, para pagamento da quantia de € 3 599,48 respeitante a contribuições para a SS do período de março de 2005 a outubro de 2006 e acrescidos, cfr. cabeçalho da petição inicial (PI) e primeiras folhas do processado que contêm cópia das primeiras folhas do processo executivo, incluindo a certidão de dívida;
B) Execução onde a Oponente e outro foram notificados para exercerem o direito de audição, tendo-o apenas exercido a Oponente esgrimindo argumentos similares aos apresentados neste processo, foi proferido despacho de reversão, em 06-03-2009, comunicado à revertida por carta recebida em 13-03-2009, vide docs. imediatamente antecedentes da PI e outros, nomeadamente o de fls. 38 e segs. do processo físico;
C) A reversão teve como base os seguintes fundamentos: “… a renúncia à gerência nos termos da lei é um facto sujeito a registo.

Não provou que no período em causa não lhe foi imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias.
… a exponente no período da dívida foi gerente de direito ou de facto, pelo que se considera responsável subsidiário do devedor principal.”, idem anterior, “ máxime” as duas folhas antes da PI;
D) A Petição Inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentada, via fax, em 18 de abril de 2009, vide elementos constantes na parte superior das folhas da PI;
E) Na constituição da originária devedora, verificada no início de 2005, mas com início de atividade apenas em março, por imperiosa necessidade de alvará, J…, único sócio, contatou para o efeito a Oponente, detentora de certificado de capacidade profissional para transportes rodoviários de mercadorias nacionais e internacionais, para assumir o cargo de gerente durante cinco anos, entregando-lhe para o efeito a quantia de sete mil e quinhentos euros, vide Ata n.º 2, a certidão de constituição da sociedade constante dos elementos que a Entidade exequente remeteu com o processo e o depoimento da testemunha J…. O depoimento deste, da forma como foi prestado, em completo despojamento, assumindo e esclarecendo o que se passou convenceu o Tribunal. O convencimento é reforçado pelo uso das regras de experiência que adiante melhor se explicarão;
F) Por essa razão foram comunicadas à SS declarações de remuneração da Oponente como membro estatutário da originária devedora pelo menos entre março de 2005 e outubro de 2006, cfr. documento que a Entidade Exequente juntou com a contestação;
G) Nas declarações de rendimentos da Oponente relativos aos anos de 2005 e 2006 apenas declarou rendimentos de trabalho dependente originados noutra entidade que não a originária devedora, vide docs. que a Oponente juntou em 29 de abril de 2010 conjugados com o n.º de contribuinte que deles consta como entidade pagadora ser diverso do n.º de contribuinte da originária devedora e ainda o depoimento da segunda testemunha;
H) Dois dias depois da referida data de início de atividade, a Oponente renunciou ao cargo de gerente da originária devedora fato que não foi objeto de registo no registo comercial, cfr. ata nº 3 e certidão de registo comercial.
III II Factos não provados
Inexistem.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, na consideração dos factos provados, no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas dos factos provados e no demais descrito nas respetivas notas. Deu-se reduzido relevo ao depoimento da segunda testemunha pois sobre os fatos com efetiva relevância nestes autos ela manifestou desconhecimento:
“Nada sabe da “R…. Nunca soube nada disso”.
“(…)
Ao abrigo do disposto no art.° 712.º do CPC, oficiosamente, reformula-se o facto da alínea C) seguintes termos:

C) Em 06.03.2009 foi proferido despacho de reversão como base os seguintes fundamentos: “
(...) 3. DOS FACTOS.
Da análise da cópia da escritura de constituição de sociedade bem como das inscrições registadas na Conservatória do Registo Comercial resulta que E... foi nomeada gerente não tendo sido registada qualquer renúncia de gerência. Por outro lado da informação constante na base de dados da Segurança Social de Janeiro de 2001 a Outubro de 2006 procedeu à entrega de declaração de remuneração reportando-se as mesmas ao exercício do cargo de gerente.

4. DO DIREITO
A renúncia à gerência nos termos da lei é um facto sujeito a registo.
Por outro lado foi a própria E… que declarou remunerações para efeito de descontos na Segurança Social.
Não provou que no período em causa não lhe foi imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias.
(...)
Como se verifica o exponente no período da dívida foi gerente de direito ou de facto, pelo que se considera responsável subsidiário do devedor principal (...).”,

4. JULGAMENTO DE DIREITO

4.1. A principal questão que cumpre resolver, consiste em apreciar se houve erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida ao ter decidido que a Recorrente é parte legítima na execução fiscal, por ter exercido a gerência efetiva ou de facto na sociedade originária devedora.

Importa relembrar que a execução fiscal tem por objeto a cobrança coerciva por dívidas provenientes de contribuições e juros à Segurança Social, nos períodos de março de 2005 a outubro de 2006.

Nesta data estava em vigor o artigo 24.º da Lei Geral Tributária, na redação da lei n.º 30-G/2000 de 29 de dezembro, no qual se estabelece o seguinte: “1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Resulta do citado normativo, que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício efetivo do cargo de gerente e reportada ao período do respetivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.

Incumbe à Segurança Social, na qualidade de exequente e titular do direito de reversão, o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o administrador/gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efetivo exercício da gerência de facto em conformidade com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respetivos factos constitutivos (artigo 342º, nº 1, do CC e artigo 74º, nº 1, da LGT). Deste modo, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efetivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a administração tributária e só quem goza de uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350º, nº 1, do CC).

A inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal (cf. artigo 11º do Código do Registo Comercial) de que é gerente de direito, não de que exerce efetivas funções de gerência.

A prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respetiva alegação e subsequente prova. (cfr. Acórdão n.º 1132/06, do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.02.2007)

No caso sub judice importa apurar se os factos dados como provados na sentença recorrida, permitem afirmar que a Recorrente exerceu a gerência de facto da sociedade R...– Transportes Unipessoal, Lda.

Antes de mais, cumpre salientar que a gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efetivo exercício das funções que lhe são próprias e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de bancárias e outras entidade, e com os trabalhadores, tudo em nome, e no interesse e em representação dessa sociedade.

Para que se verifique a administração / gerência de facto é indispensável que o administrador / gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho, Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, anotado e comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, p. 139 - citado, entre outros, nos acórdãos do TCAN de 18/11/2010 e de 20/12/2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respetivamente.

Desempenha funções de administrador / gerente de facto quem exterioriza a vontade das sociedades nos seus negócios jurídicos, quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, praticando atos que produzem efeitos na esfera jurídica desta.

A Segurança Social, procedeu à reversão da dívida contra a Recorrente com base na escritura de constituição de sociedade, nas inscrições registadas constantes do Registo Comercial da quais resulta que E... foi nomeada gerente e na informação constante na base de dados da Segurança Social relativa à entrega de declaração de remuneração reportando-se as mesmas ao exercício do cargo de gerente. (janeiro de 2001 a outubro de 2006).

Em sede de oposição à execução a Recorrente veio alegar que nunca exerceu a gerência de facto da sociedade, somente concordou em ser gerente da sociedade, para permitir à sociedade desenvolver a sua atividade e que em 04.03.2005, (dois dias após a constituição da mesma) renunciou à gerência facto que não foi levado a registo da Conservatória do Registo Comercial o que desconhecia.

A sentença recorrida considerou que, a sociedade executada, cujo objeto social é transportes rodoviários de mercadorias, nacionais e internacionais, estava condicionada pelas exigências do art.º 3.º 4.º e 6.º do Dec-Lei n.º 38/99 de 6 de fevereiro, e a atividade da mesma só foi possivel através da capacitação profissional dada pela Recorrente, sendo certo que o detentor da capacidade técnica profissional tem que dirigir em permanêmcia e efetividade a referida sociedade conjugados com outros elementos existentes nos autos, nomeadamente as declarações de remunerações e registos eram factos indices de gerência efetiva.

Da matéria de facto, consta [(alíneas E) e F)] que “Na constituição da originária devedora, verificada no início de 2005, mas com início de atividade apenas em março, por imperiosa necessidade de alvará, J…, único sócio, contatou para o efeito a Oponente, detentora de certificado de capacidade profissional para transportes rodoviários de mercadorias nacionais e internacionais, para assumir o cargo de gerente durante cinco anos, entregando-lhe para o efeito a quantia de sete mil e quinhentos euros.” E que “Por essa razão foram comunicadas à SS declarações de remuneração da Oponente como membro estatutário da originária devedora pelo menos entre março de 2005 e outubro de 2006.”

As alíneas E) e F) são conclusivas na medida em que, um juízo de facto é um julgamento baseado em análise isenta de valores ou interpretações subjetivas identificando somente aquilo que é visível comprovado ou objetivo e como tal impõe-se a sua eliminação dos factos provados.

Compulsada a matéria de facto dada como provada, não se vislumbra qualquer facto suscetível de consubstanciar a gerência de facto bem pelo contrário, pois foi dado como provado que a Recorrente renunciou à gerência, dois dias após a constituição da sociedade, pese embora não tenha sido levado a registo.

Ficou por provar atos ou comportamentos concretos que indiciassem o exercício efetivo por parte da Recorrente, ónus que competia à exequente.

Acresce ainda referir que, embora a Recorrente admita que através da sua capacidade profissional facilitou (“ofereceu”) a obtenção do alvará de transportes nacionais e internacionais, a quem não podia, face às exigências do Decreto-lei n.º 38/99 de 6.2, isso, por si só não, indicia a gestão de facto (sem prejuízo de configurar infrações de outra natureza que não cabem no objeto do presente autos).

O diploma em causa consagra o regime jurídico da atividade de transportes rodoviário de mercadorias, os especificados artigos artºs. 3.º, 4.º e 6.º, versam sobre a capacidade profissional para o exercício da atividade de transporte rodoviário de mercadorias e respetiva certificação, de tais normativos não se retira qualquer presunção legal do efetivo exercício da gerência de facto, para efeitos do disposto no art.º. 24.º, n.º 1, da LGT. (Cfr. Acórdão do TCAS n.º 08654/1 de 10.07.2015).

Erra o Tribunal quando entende que, a Recorrente exerceu a gerência de facto, por força do requisito imposto pelo Decreto-lei n.º 38/99 de 6.2, (artºs. 3.º, 4.º e 6º), relativamente à atividade de transportador de mercadorias exigindo que o gerente com capacidade profissional dirija “em permanência e efetividade”, pois assim, está a presumir a gerência de facto de uma gerência de direito.

E como supra se disse, é entendimento uniforme e pacifico que a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respetiva alegação e subsequente prova.

Resumindo, a Segurança Social não produziu prova, como lhe competia, do exercício de facto da gerência da sociedade executada originária e por parte da revertida.

Competindo-lhe, na qualidade de exequente o ónus a prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária da gerente, nomeadamente, sobre o efetivo exercício de gestão e não tendo logrado tal desiderato, contra si terá de ser valorada a falta de prova.

Destarte, a matéria de facto dada como provada, nos presentes nos autos não é suficientes para infirmar a prática de atos de direção efetiva pela Recorrente.

Face ao supra decidido ficam, prejudicadas as demais questões equacionadas pelo Recorrente.

4.2.E assim formulam-se a seguintes conclusões:

I. O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.

II. Incumbe à Segurança Social, na qualidade de exequente e titular do direito de reversão, o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o administrador/gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efetivo exercício da gerência de facto em conformidade com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respetivos factos constitutivos (artigo 342º, nº 1, do CC e artigo 74º, nº 1, da LGT).

5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão judicial recorrida julgar-se extinta a instância executiva.

Extrai-se certidão da petição inicial, e do presente acórdão e remeta-se ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P. (IMTT), para conhecimento da atuação da Recorrente e para os efeitos que entender por convenientes.

Sem custas.

Porto, 08 de março de 2018

Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Cristina Travassos Bento