Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00949/05.4BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/13/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rosário Pais
Descritores:IRS; MAIS-VALIAS; FALTA DE INFORMAÇÕES OFICIAIS; OMISSÃO DE PRONÚNCIA; NEGÓCIO SIMULADO
Sumário:I - A nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não haja resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.

II - Apenas constitui nulidade insanável em processo judicial tributário a “falta de informações oficiais referentes a questões de conhecimento oficioso no processo”(cfr. alínea b), do n.º 1, do artigo 98.º do CPPT), a qual pode ser oficiosamente conhecida ou suscitada a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. n.º 2, do mesmo artigo). A mera falta de informações oficiais (sem respeitar a questões de conhecimento oficioso) não constitui nulidade insanável do processo judicial tributário, podendo configurar uma nulidade secundária, a suscitar pelas partes, nos termos gerais.

III – De acordo com o artigo 39.º, n.º 1, da LGT, em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação real recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado sendo que, por força do n.º 2 deste artigo, a tributação do negócio constante de documento autêntico é feita sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à AF, que lhe são conferidos nos termos dos artigos 58.º, 74.º e 90.º da LGT.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:M., e Outros
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

1.1. M., A., J. e O., devidamente identificados nos autos, vêm recorrer da sentença proferido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 22.12.2012, pela qual foi julgada a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2001, no valor de €7.639,92, respeitante a mais-valias pela venda dos artigos urbanos 779 e 1456 e rústico 2505, da freguesia de (...), concelho de (...).

1.2. Os Recorrentes terminaram as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

1.ª — Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 141/173 que julgou improcedente a impugnação judicial de fls. 2/62, deduzida contra o acto de liquidação de IRS, ano de 2001, mantendo a liquidação impugnada.
2.ª — Os Impugnantes/Recorrentes sucederam, como seus únicos filhos, à contribuinte J.(fls. 125),
3.ª — falecida em 04-12-2002 (fls. 27).
4.ª — A falecida J. e os ora Recorrentes eram legítimos donos de dois prédios urbanos e um prédio rústico, todos no Lugar (...), freguesia de (...), concelho de (...), devidamente identificados a fls. 30/34 e 54/56,
5.ª — prédios que possuíam em comunhão hereditária.
6.ª — No dia 15 de Novembro de 2001, J. e os ora Recorrentes outorgaram, como vendedores, a escritura notarial de compra e venda dos prédios referidos na conclusão 4.ª,
7.ª – outorgando como compradora, na mesma escritura, a sociedade S., Lda. (fls. 30/34).
8.ª – No mesmo dia 15 de Novembro de 2001, os mesmos outorgantes da escritura notarial referida nas cláusulas 6.ª e 7.ª, celebraram o contrato de empreitada com dação em cumprimento que está nos autos a fls. 54/56, designado, impropriamente, por “PROMESSA” (fls. 54) e “PERMUTA DE CONSTRUÇÃO” (fls. 55).
9.ª – Nenhuma dúvida pode restar de que o negócio querido entre Partes é o que está titulado no documento de fls. 54/56.
10.ª – titulando a escritura de fls. 30/34 um acto que, no contexto dos autos, se revela incontroversamente simulado.
11.ª – Na realidade mais não houve do que a entrega dos prédios à S. para que esta empreendesse tudo quanto fosse necessário para ser autorizado o loteamento que permitisse a construção das edificações previstas, parte das quais constituiriam a contrapartida a receber por J. e pelos Recorrentes.
12.ª – Até então (e até hoje) nada foi por eles recebido (fls. 151, n.º 13).
13.ª – Os factos dados por provados a fls. 151 (n.ºs 13, 14, 15 e 16); a fls. 152 (n.ºs 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 23) comprovam que o negócio querido entre as Partes é o que consta do doc. de fls. 54/56.
14.ª – Sobre a MOTIVAÇÃO das respostas dadas pelo Tribunal (fls. 153), escreveu-se: “Os factos dados como provados descritos em 13 a 23 de 3.1. supra resultaram da convicção formada com base no depoimento das testemunhas, que se mostrou seguro, convicto e sincero, não obstante a primeira ter sido gerente da S., Lda., e a segunda ser Técnico Oficial de Contas da mesma empresa.
Ambas as testemunhas conhecem pessoal e directamente os agora impugnantes e a sociedade S., Lda., o que lhes permitiu ter acesso à informação sobre a qual prestaram depoimento.”
15.ª – Não tendo decidido nesta conformidade, a sentença recorrida não fez a apreciação devida da matéria de facto, violando a norma do n.º 2 do art. 653.º do CPC.
16.ª – Pelo ofício de fls. 40, o Serviço de Finanças de (...)-2 dirigiu-se a J.– entretanto falecida há mais de dois anos, como era do conhecimento oficioso daquele Serviço de Finanças –, por “aparentemente” não ter declarado “Ganhos ou proveitos da categoria G (mais valias)” – cit. ofício de fls. 40.
17.ª – Os ora Recorrentes responderam, no exercício do direito de audição, nos termos do seu requerimento de fls. 47/48, informando não ter sido realizada qualquer mais-valia,
18.ª — o que teve o despacho inconclusivo de fls. 49/52.
19.ª — Em 14-02-2005, procedeu a AT à liquidação adicional de IRS, ano de 2001 (fls. 22).
20.ª — A liquidação e respectiva notificação foram feitas a J. (fls. 22, 21 e 23), assim considerada sujeito passivo do imposto, não obstante a liquidação datar de 2005 e o sujeito passivo ter falecido em 2002.
21.ª — E deviam tê-lo sido ou à herança indivisa, na pessoa do cabeça de casal, ou aos ora Recorrentes.
22.ª — Não tendo interpretado assim o direito aplicável, a sentença recorrida violou, entre outras, as normas dos arts. 64.º do CIRS; 15.º e 18.º/3 da LGT e 68.º/1 do CC, sendo nula a notificação endereçada a J. por ter um objecto impossível [art. 133.º/2-c) do CPA], nulidade que é de conhecimento oficioso (art. 134.º/2 do CPA).
23.ª — Nem o requerimento de fls. 35/39, nem o direito de audição exercido nos termos do requerimento de fls. 47/48 obtiveram despacho que apreciasse e decidisse as questões neles suscitadas, sendo certo que a AT está, no procedimento tributário, subordinada ao cumprimento das regras do princípio do inquisitório (art. 58.º da LGT) e do princípio da verdade material [art. 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT)].
24.ª — Ao decidir como decidiu (a fls. 161), a sentença sob recurso inobservou o disposto nos arts. 267.º/5 da CRP; 60.º e 58.º da LGT; e 6.º do RCPIT.
25.ª — Não tendo havido qualquer pagamento feito por S. aos Recorrentes (fls. 151 e documento de fls. 54/56), não houve, obviamente, o alegado ganho, ou incremento patrimonial, ou mais-valia (arts. 1.º/1 e 10.º do CIRS), que constituiria a matéria tributável que esteve na base da liquidação impugnada.
26.ª — Decidindo como decidiu, a fls. 171 a sentença recorrida não fez correcta interpretação e aplicação das normas dos arts. 103.º/2 e 104.º/1 da CRP; e 1.º e 10.º do CIRS.
27.ª — Não fazem parte dos presentes autos as informações oficiais.
28.ª — A sua falta constitui nulidade insanável (art. 98.º/2 do CPPT).
29.ª — Não se tendo pronunciado sobre a falta de informações oficiais, a sentença recorrida é nula [arts. 125.º/1 do CPPT e 668.º/1-d), 1.ª parte, do CPC].
30.ª — Julgando como julgou, a sentença sob recurso inobservou e violou as normas que ao longo destas alegações foram sendo identificadas nos lugares próprios e, designadamente, as disposições dos arts. 103.º/2, 104.º/1 e 267.º/5 da CRP; 1.º, 10.º e 64.º do CIRS; 68.º do CC; 15.º, 18.º/3, 58.º e 60.º da LGT; 125.º/1 do CPPT; 653.º/2 e 668.º/1-c) e d) do CPC; e 6.º do RCPIT.
Nestes termos e nos demais, de direito, aplicáveis, deve ser concedido provimento ao presente recurso e proferido ACÓRDÃO que revogue a sentença de fls. 171/173, com as inerentes consequência legais, para que assim se cumpra a LEI e se faça JUSTIÇA.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal.

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia quanto à falta de informações oficiais, bem como de erro de julgamento quanto à existência de facto tributário, à regularidade da notificação dirigida à autora da herança, há muito falecida, e à violação do artigo 60.º da LGT.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:

3.1 Matéria de facto dada como provada.
Com base nos documentos junto aos autos e no processo administrativo (PA) apenso considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. Em 23-4-2002, na 2ª Repartição de Finanças de (...) foi apresentada a declaração de rendimentos (mod. 3 do IRS) do ano 2001 relativa a J., da qual fazia parte o anexo F onde se declarou a “renda recebida” no valor de 9.297,59 euros proveniente do prédio inscrito na matriz da freguesia de (...) sob o artigo nº 1805 – fls. 28 e 29 dos autos;
1. Em 15-11-2001, no Cartório Notarial de (...), fora lavrada escritura pública designada de “Compra e venda” onde consta que J., por si e em nome de J., O., A., M., como primeiros outorgantes, “declararam (...) que pela presente escritura vendem” a S., LDA, como segunda outorgante, “pelo preço global de cinquenta milhões de escudos, os seguintes bens: UM- POR DEZASSETE MILHÕES E QUINHENTOS MIL ESCUDOS, prédio urbano, sito no lugar de Praia, freguesia de (...), (...), inscrito na matriz respectiva sob o artigo 779, com o valor patrimonial de 6.349$00, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob número três mil duzentos e cinquenta de (...) e ai inscrito a favor dos vendedores em comum e sem determinação de parte ou direito sob o numero G-um. DOIS- POR DEZASSETE MILHÕES E QUINHENTOS MIL ESCUDOS: prédio urbano, sito no lugar de Praia, freguesia de (...), (...), inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1456, com o valor patrimonial de 55.411$00, descrito na mesma Conservatória sob número três mil duzentos e cinquenta e um (...) e aí inscrito a favor dos vendedores em comum e sem determinação de parte ou direito sob o número G-um. TRÊS- POR QUINZE MILHÕES DE ESCUDOS, prédio rústico, sito no lugar de praia, freguesia de (...), (...), inscrito na matriz respectiva sob o artigo 2505, com valor patrimonial de 54$00, descrito na dita Conservatória sob número três mil duzentos e cinquenta e dois de (...) e aí inscrito a favor dos vendedores em comum e sem determinação de parte ou direito sob o número G-um. Que, do referido preço já receberam dez milhões de escudos, e que o remanescente no valor de quarenta milhões de escudos, será pago no prazo máximo de três anos a contar deste acto. Declararam os segundos outorgantes: -Que, aceitam este contrato para a sua representada, e que esta as destinam a revenda.” – fls. 30 a 34 dos autos;
2. Com data de 15-11-2001 foi subscrito documento designado “Promessa” onde consta “Entre: Primeiros: a) J. (...), por si e na qualidade de procurador de: J. (...),b) O. (...), c) A. (...), d) M. (..) E SEGUNDOS: S., Lda (...) foi CELEBRADO O SEGUINTE ACORDO:
1. Os Primeiros eram os proprietários de dois prédios urbanos e um rústico, situados na Praia de (...), freguesia de (...), concelho de (...), inscritos na matriz sob os artigos 779, 1456, urbanos e 2.505 rústico, descritos na competente Conservatória sob os números 3.250, 3.251 e 3.252, respectivamente;
2. Por escritura pública de 15/11/2001, os Primeiros venderam à representada dos Segundos Outorgantes os referidos prédios, ficando expresso na dita escritura que o preço de venda é de Esc. 50.000.000$00, tendo sido pagos no acto da escritura Esc. 10.000.000$00, e os restantes Esc. 40.000.000$00 serão pagos até 36 meses após a data da outorga da referida escritura;
3. Na realidade, e por conveniência de todos os Outorgantes, a forma do negócio acordada entre as partes não corresponde ao que ficou declarado na escritura pública. Assim,
4. A “S.”, nada pagou no acto da escritura e não terá de pagar os restantes 40.000.000$00 que se declaram na escritura, nem os Primeiros Outorgantes receberam, nem pretendem receber os referidos valores;
5. Trata-se de um acordo de PERMUTA DE CONSTRUÇÃO, e que se baseia nos seguintes princípios:
5.1. A escritura foi efectuada a favor da “S.”;
5.2. A “S.” compromete-se a organizar e a custear todos os projectos necessários ao desenvolvimento de um empreendimento imobiliário destinado a habitação nos prédios atrás identificados;
5.3. A “S.” compromete-se a organizar e a desenvolver todo o processo negocial com os inquilinos dos referidos prédios no mais curto espaço de tempo;
5.4. Da área de construção acima do solo, que a “S.” aprovar e construir nos prédios aqui referidos, entregará aos Primeiros Outorgantes 20% da área de construção, escolhida na proporção das tipologias e pelos pisos que vier a conter;
5.5. O valor de indemnização que a “S.” vier a atribuir aos inquilinos e de acordo com os Primeiros Outorgantes, será deduzida nos 20% de área de construção que estes tenham de receber. Para efeitos de cálculo e conversão do valor de indemnização na percentagem da área de construção considerar-se-á o valor de m2 de habitação a preços de mercado e/ou os de tabela de venda a praticar;
5.6. A cada habitação que venha a caber dentro dos 20% de área de construção, deduzido o valor de indemnização aos inquilinos, será atribuído um lugar de garagem;
5.7. A Segunda Outorgante compromete-se a entregar a área de construção a atribuir aos Primeiros, até 30 meses após a emissão do Alvará de Licença de construção ou da data em que se encontre em pagamento;
5.8. As fracções autónomas que resultarem da aplicação do cálculo da área de construção a atribuir aos Primeiros Outorgantes serão escrituradas, a favor dos Primeiros Outorgantes após a obtenção do Alvará de habitabilidade, pelo que a Segunda deverá comunicar com antecedência de 15 dias, a hora, dia e local da sua realização;
5.9. A venda das fracções atrás referidas são vendidas livres de ónus ou encargos, com exclusão dos resultantes com sisa, escrituras e registos de aquisição,
5.10. Ambos os Outorgantes dispensam o reconhecimento notarial;
5.11. Como garante do bom cumprimento pela Segunda Outorgante das condições atrás expostas, esta entrega aos Primeiros uma letra do montante de 40.000.000$00, de seu aceite e aval” – fls. 14 a 17 do PA;
3. Em 24-6-2002 deu entrada na Câmara Municipal de (...), sob o nº 1709, um requerimento de S. e outros, onde consta que “vêm na qualidade de proprietários, sendo os da alínea a) dos artigos 779, 1456 e 2505 descritos na Conservatória sob os nos 3250, 3251 e 3252 respectivamente e os da alínea b) do artigo 2506 requerer a V. Exa se digne deferir o licenciamento da operação de loteamento, sito na Rua (...), Lugar (...), freguesia de (...). Mais requer o andamento do processo sem respectiva certidão, estando a ser efectuado respectivo registo, comprometendo-se o requerente a apresentar a mesma antes da emissão do Alvará de Loteamento.” – fls. 110 dos autos;
4. Em 2-1-2003 foi lavrado no Serviço de Finanças de (...) 2 “Termos de declaração” onde consta que “A. (...), na qualidade de herdeiro, pretendia declarar que no dia 04 de Dezembro de 2002, faleceu, no estado de viúva, com 88 anos, sua mãe, J., sem deixar testamento nem nenhuma outra disposição de bens de sua última vontade, ficando a suceder-lhe na herança os seguintes: 1º O declarante; 2º J. (...); 3º M. (...); 4º O (..), Descendentes. Prova de parentesco efectuada no proº 1873.” – fls. 124 a 130 dos autos;
5. Em Ofício nº 001777, de 06-12-2004, do Serviço de Finanças de (...) 2 dirigido a J., consta:
Assunto: IRS DO ANO DE 2001 FISCALIZAÇÃO NOS TERMOS DO ARTIGO 132.º DO CIRS - Carta registada com AR - Ganhos ou proveitos da categoria G (Mais valias):
Aparentemente V. Ex.a não declarou para efeitos de IRS do ano de 2001 a situação abaixo descrita.
Por isso deve apresentar a declaração modelo 3 do IRS (primeira ou de substituição), no prazo de 10 (dez) dias, aproveitando a redução de coima. Face à inexistência de resposta, e sempre com a ressalva dos meios legais de defesa a que entenda recorrer, este serviço levantará o auto de notícia para punição da infracção cometida e apuramento do imposto devido, nos termos do artigo 65.º/4 do CIRS
Venda: 2 Prédios Urbanos e 1 Rústico, Artigo Urbanos 779 e 1456, Rústico 2505, da Freguesia de (...)
Artigo 123.º do CIRS — Cartório Notarial de (...) - 15/11/2001Sisa n.º Isento Deverá ter em conta que a presente notificação corresponde ainda ao princípio da participação na formação das decisões — artigo 60.º da LGT -, ou seja, no mesmo prazo, e por escrito, usará se assim o entender, do direito de audiência prévia que lhe assiste. Com os melhores cumprimentos,” – fls. 40 dos autos;
6. Em 17-12-2004 foi apresentada na 2ª repartição de Finanças de (...) uma declaração de rendimentos (mos. 3 de IRS) relativa ao ano 2001, em nome de J., assinada por A., onde se inclui anexo A, anexo F, este relativo ao artigo U-1805, anexo G relativo aos artigos U-779, U-1456 e R-2505 e U-3818, fracções D, F, L, O e anexo H – fls. 41 a 46 dos autos;
7. Em 17-12-2004 foi apresentado no Serviço de Finanças de (...) 2 requerimento onde consta:
J., contribuinte nº (…) e residente na Rua (…) — (...), à data do seu falecimento em 04-12-2002, tendo sido notificada para os termos do ofício referenciado supra e feita que foi, nesta data, a entrega da declaração modelo 3 de IRS, vem exercer o direito de audição, por intermédio do representante A., contribuinte nº (…) e residente na Rua (…) — (...), pronunciando-se nos termos seguintes:
1. A Notificada J., e seus filhos J., A., O. e M., intervieram como vendedores na escritura notarial referida no ofício acima referenciado.
2. Todavia, daquela titulada venda não resultou para a Notificada (nem para nenhum dos restantes vendedores) a realização de qualquer mais-valia, pela razão simples de que nem eles (vendedores) quiseram vender, nem os outorgantes compradores quiseram comprar.
3. Daí que nem os vendedores tivessem recebido o preço (ou qualquer parte deste) nem os compradores o tivessem pago.
4. Tudo isto foi claramente explicado ao Sr. DIRECTOR DE FINANÇAS DE AVEIRO, por requerimento apresentado no Serviço de Finanças de Espinho em 18 - 06-2003 (doc. anexo).
5. Nesse requerimento, foi solicitada informação sobre:
a) — a existência, ou não, de qualquer tributação decorrente da compra e venda titulada pela escritura mencionada no ofício de V.Exia., referenciado supra;
b) — qual a tributação incidente sobre a ora Notificada e os demais intervenientes-vendedores na escritura referida em a), decorrente do contrato de empreitada com dação em cumprimento, assumindo os vendedores a qualidade de donos da obra e sendo o preço da empreitada pago à sociedade construtora mediante a transferência, para a propriedade dela, de fracções imobiliárias por ela construídas.
6. Até à presente data, não recebeu a Notificada, nem qualquer dos seus filhos, a informação solicitada no requerimento referido em 4 supra e aqui junto, por fotocópia (doc. anexo).
7. A apresentação que a Notificada faz, por intermédio do seu representante, nesta data, da declaração modelo 3 de IRS, ano 2001, (cfr. intróito deste requerimento), obedece ao propósito de querer, de sua parte, dar cumprimento a todas as obrigações, mesmo às declarativas, que sobre a Notificada possam recair, como contribuinte fiscal.
8. O que se faz sem prejuízo, obviamente, de ser esclarecida a concreta situação tributária da Notificada, sabendo-se como se sabe que o acto titulado pela escritura notarial referida no supra citado ofício de V.Excia. não trouxe para a Notificada qualquer benefício imediato, muito menos uma qualquer mais-valia. Representou tão-só o primeiro acto formal de uma negociação que prossegue, procurando a Notificada, como é seu direito, e por intermédio do seu representante, defender-se da eventualidade de vir a ser agora tributada e, também, de vir a sê-lo no futuro (contrato de empreitada com dação em cumprimento), incidindo a tributação, em sobreposição, sobre a mesma realidade económica.
9. Atento o exposto, deverá a liquidação derivada da declaração de IRS, ano de 2001, agora apresentada, aguardar pela informação pedida no documento anexo.
Termos em que requer a junção deste ao processo respectivo.
Junta: 1 documento com 5 folhas
O Requerente, na qualidade de representante da notificada” – fls. 47 e 48 dos autos;
8. Em 20-1-2005, no Serviço de Finanças de (...) 2 foi emitida “informação” “Relativamente à exposição apresentada (...) no dia 17 de Dezembro de 2004 pelo sujeito passivo J.,” no sentido “de que a pretensão não tem provimento. No entanto, o mesmo sujeito passivo, J., apresentou declaração de substituição de IRS ano de 2001, neste Serviço de Finanças em 2004-12-17. Esta declaração irá produzir liquidação de IRS que abrirá prazo para poder deduzir reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos dos artigos 70º e 102º do CPPT” – fls. 50 a 52 dos autos;
9. Em 14-2-2005 foi feita a liquidação nº 2005 500046604 de IRS do ano 2001, em nome de J., na qual se apurou imposto a pagar no montante de € 27.726,77 – fls.22 dos autos;
10. Em 18-2-2005 foi efectuada “Demonstração de Compensação” nº 2005 00001820451, com notificação com data limite de pagamento até 30-3-2005, onde consta: “Estorno Liq. De 2001 – Liq. 2003 5003963793 + 23.043,95 €
Acerto Liq de 2001 – Liq. 2005 5000046604 - 27.726,77
Juros Compensatórios, Liq. 2005 00000075793 - 2.957,10
Saldo a Pagar: 7.639,92” – fls. 21 e 23 dos autos;
11. Em ofício nº 29, de 4-3-2005, da Câmara Municipal de (...), dirigido a S., LDA, consta: “Notificação: Para os devidos efeitos, fica V.Exª notificado, por este meio, de que o requerimento apresentado nesta Câmara e registado sob o nº 167, em 19-1-2005. Procº 1709/2002, teve a seguinte deliberação de reunião de Câmara, datada de 03/03/05: Deliberado, por unanimidade, aprovar o projecto de loteamento nos termos do parecer do Director do DPEU” – fls. 25 dos Autos;
12. Em 9-5-2012 a Câmara Municipal de (...) emitiu “Certidão” onde consta que “a operação de loteamento apresentado na Câmara Municipal de (...) pela empresa S., Lda, para o prédio situado na Rua (...) – Lugar (...) – freguesia de (...) e correspondente ao processo número mil setecentos e nove de dois mil e dois, foi aprovada por deliberação de reunião de Câmara de três de Março de dois mil e cinco, encontrando-se actualmente caducada por não ter dado seguimento ao mesmo dentro dos prazos legalmente previstos.” – fls. 109 dos autos;
13. A família S. não recebeu qualquer importância referida na escritura mencionada em 1, nem mais nada – 1º e 2º testemunhas;
14. Além dum terreno havia duas casas velhas que estavam a ser usadas por inquilinos – 2º testemunha;
15. Entre a família S. e S. Lda foi acordado que seria mais apropriado ficar esta última com a tarefa de negociar com os inquilinos e com as autoridades públicas com vista à execução do loteamento e construção de edifício, o qual ainda abrangeria outros terrenos vizinhos – 1º e 2º testemunhas;
16. A S., Lda negociou com os inquilinos das habitações velhas e demoliu-122as – 2º testemunha;
17. As indemnizações aos inquilinos foram pagas pela S., Lda – 2º testemunha;
18. A S., Leda actuou com vista à legalização na Câmara Municipal dos terrenos para construção, negociou com os proprietários de terrenos confinantes e requereu o loteamento – 2º testemunha;
19. Os terrenos em causa foram contabilizados no património da S., Lda – 2º testemunha;
20. Ainda existe na contabilidade da S., Lda um saldo de 50.000.000$00 a favor da família S. – 1º e 2º testemunhas;
21. A S., Lda é “empreendedor imobiliário” no sentido de que manda construir imóveis – 2º testemunha;
22. A S., Lda planeava contratar um empreiteiro para executar a construção a efectuar em propriedade horizontal – 2º testemunha;
23. A contraprestação do negócio seria a entrega à família S. de fracções a construir – 2º testemunha;

3.2 Matéria de Facto dada como não provada:
Não há factos a considerar como não provados com relevância para a boa decisão da questão.
Motivação:
A convicção do tribunal quanto aos factos assentes teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respectivos articulados, e análise global dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que se dão como integralmente reproduzidos.
Os factos dados como provados descritos em 13 a 23 de 3.1. supra resultaram da convicção formada com base no depoimento das testemunhas, que se mostrou seguro, convicto e sincero, não obstante a primeira ter sido gerente da S., Lda e a segunda ser Técnico Oficial de contas da mesma empresa.
Ambas as testemunhas conhecem pessoal e directamente os agora impugnantes e a sociedade S.. Lda, o que lhes permitiu ter acesso à informação sobre a qual prestaram depoimento..

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Na conclusão 29.ª, sustentam os Recorrentes que a sentença é nula por omissão de pronúncia sobre a falta de informações oficiais.

Ocorre omissão de pronúncia quando «O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)» - cfr. alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

Este vício está relacionado com a norma que disciplina as “Questões a resolver - ordem de julgamento” (cf. artigo 608.º n.º 2 do CPC) da qual resulta que o juiz «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».

A nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não haja resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Portanto, esta nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal não tome posição sobre alguma questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. (Cfr. acórdãos do STA n.ºs 574/11 de 13.07.2011 e 01200/12 de 12.02.2015 e do TCAN nos acórdãos n.ºs 01903/12.5 BEBRG de 26.09.2013, 1481/08.0BEBRG de 10.10.2013, 02206/10.5BEBRG de 16.10.2014 e 03589/04 - Aveiro).

No caso vertente, foi referida, nas alegações apresentadas nos termos do artigo 120.º do CPPT, a falta de incorporação nos autos das informações oficiais (cfr. ponto 3, na página 3, das ditas alegações), mas sobre tal questão nada foi ponderado na sentença em crise.

Ora, desde logo, apenas constitui nulidade insanável em processo judicial tributário a “falta de informações oficiais referentes a questões de conhecimento oficioso no processo”(cfr. alínea b), do n.º 1, do artigo 98.º do CPPT), a qual pode ser oficiosamente conhecida ou suscitada a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. n.º 2, do mesmo artigo).

Sucede que, no caso, os Recorrente apenas aludem à falta de “informações oficiais”, não esclarecendo qual ou quais as questões de conhecimento oficioso no processo que justificavam a necessidade de tais informações, nem, de resto, nós as vislumbramos.

Assim, por um lado, não está evidenciada a existência da nulidade insanável prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 98.º do CPPT, por não se vislumbrarem questões de conhecimento oficioso que implicassem a necessidade de tais informações, nem tal nulidade foi arguida, pois que a mera falta de informações oficiais (sem respeitar a questões de conhecimento oficioso) não constitui nulidade insanável do processo judicial tributário.

Mas ainda que fosse de considerar que estava arguida uma nulidade secundária, a verdade é que a mesma devia ter sido suscitada no prazo de 10 dias (cfr. artigos 201.º, 202.º, 203.º e 205.º, do anterior CPC, aqui aplicável por força do artigo 2.º, alínea e) do CPPT) a contar do dia em que, depois de a mesma ter sido cometida, a parte teve intervenção em algum ato no processo ou for notificado para qualquer termo dele.

Tendo presente que as informações oficiais devem ser remetidas ao Tribunal com o PA (cfr. artigo 111.º, n.º 2, do CPPT) que, por sua vez, deve ser apresentado com a contestação ou dentro do prazo desta (cfr. artigo 110.º, n.º 4, do CPPT), logo se intui com facilidade que a arguição da nulidade efetuada nas alegações previstas no artigo 120.º do CPPT é intempestiva.

Por assim ser, pese embora se verifique a apontada omissão de pronúncia, concenhecendo em substiuição (nos termos do artigo 665.º, n.º 1, do CPC) é de julgar que não se verifica a arguida nulidade processual, pelo motivos supra expostos.

3.2.2. Do erro de julgamento

Os Recorrentes sustentam, em resumida síntese, que, em face da factualidade provada nos autos impunha-se concluir pela ilegalidade da liquidação em crise, por inexistir facto tributário.

Atentemos na fundamentação de direito constante da sentença recorrida:
«(…)
III - vício de violação de lei por tributação de rendimento inexistente
A AT analisou o facto tributário do ponto de vista legal de acordo com a perspectiva formal a que tinha acesso. Para a AT apenas era perceptível a existência de um contrato de compra e venda de imóveis, a mãe dos agora impugnantes, juntamente com estes, transmitiu o seu direito de propriedade sobre os identificados prédios a favor da sociedade S., Lda e que tal transmissão expressamente destinou os imóveis para construção urbana. Essa situação passou a estar descrita na declaração de rendimentos apresentada em substituição da primeira, em 17-12-2004 (facto 6 do probatório) e enquadra-se nas regras de sujeição da categoria G do IRS.
Os Impugnantes consideram que não existe facto tributário, não existe sujeição à tributação impugnada, porque não houve qualquer ganho, não houve contrato de compra e venda, não houve contraprestação do negócio, dado que a designação da escritura como “compra e venda” não corresponde à vontade real dos outorgantes, tal como não corresponde o valor declarado como preço do negócio; o contrato que as partes tiveram em vista foi celebrar “contrato de empreitada com dação em cumprimento”, em que os impugnantes e a falecida mãe eram donos da obra e a S. era responsável pela construção e pela burocracia associada, pelo que o acto viola o art. 103º/2 CRP (52º a final da p.i.).
No ponto 5 do documento subscrito pelos contratante sob epígrafe “Promessa” o mesmo negócio foi qualificado como “acordo de permuta de construção”, ali se especificando que a S., Lda daria aos alienantes, livres de ónus ou encargos, em contraprestação dos prédios cedidos: 20% da área de construção (5.4) até 30 meses após a emissão do alvará de licença de construção (5.7) e as fracções autónomas que resultarem dessa área, após a obtenção do alvará de habitabilidade (5.8). (ver facto 2 do probatório).
A principal questão a resolver é a de saber como qualificar o negócio em causa: é uma compra e venda (como defende a AT), uma permuta ou contrato misto de empreitada com dação em cumprimento (como sucessivamente vem sendo defendido pelos Impugnantes).
Na interpretação e integração dos negócios jurídicos a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (nº 1 do artigo 236º do C. Civil).
A escritura pública refere-se a um contrato de compra e venda e ao pagamento parcial do respectivo preço. Qualquer intérprete é levado a acreditar que o negócio real corresponde ao negócio declarado.
Mas será necessariamente assim?
Não há dúvida de que a escritura pública pertence à categoria dos documentos autênticos (cf. nº2 do art. 363º do C. Civil).
Quanto à força probatória dos documentos autênticos, o nº 1 do art. 371º do C. Civil estatui que “ os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim com dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”.
Significa que o documento autêntico só faz prova plena:
a) Dos factos que o documento refere como praticados pela própria entidade documentadora; e
b) Daqueles, que não tendo sido praticados pelo documentador, foram por ele atestados com base nas suas percepções.
Daqui podemos concluir, então, para o caso vertente que aquela escritura pública (documento autêntico) faz prova plena de que, na presença do notário, pelas pessoas identificadas foram proferidas as declarações nela inseridas.
Mas tal escritura já não prova plenamente a veracidade do que os outorgantes disseram, nem que a sua vontade não estivesse viciada por erro, dolo ou coacção, nem que o acto negocial declarado não fosse simulado ou feito sob reserva mental ou que tais declarações sejam válidas ou eficazes.
Ou seja, não fica plenamente provado que as declarações dos outorgantes não se encontram afectadas por vícios do consentimento ou que não se tenha verificado a uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real dos outorgantes.
É sabido que a força probatória dos documentos autênticos – na parte em que ela exista, como acima se descreve - só pode ser ilidida com base na respectiva falsidade (cfr. nº1 do artigo 372º do CC), mas quando se pretenda provar que o conteúdo da declaração atestada em documento autêntico não corresponde à verdade ou que esta declaração é simulada, ou proferida por erro, dolo ou coacção não se torna necessário arguir a falsidade (cfr. Ac. STJ de 29.3.1976 (RLJ, ano 111, pág. 297 e segs. com anotação de Vaz Serra a págs. 301 e segs.).
Acontece que, no caso dos autos, para além da declaração de compra e venda também subsiste a declaração de recebimento de parte do preço por parte dos Impugnantes e da sua mãe, declaração inserta na aludida escritura pública, que configura uma verdadeira declaração confessória à luz do art. 352º do C. Civil.
De acordo com o nº2 do art. 358º do C. Civil «a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.»
Por seu turno, o nº3 estabelece «A confissão extrajudicial não constante de documento não pode ser provada por testemunhas nos casos em que não é admitida prova testemunha; quando esta seja admitida, a força probatória da confissão é livremente apreciada pelo tribunal».
No caso em apreço estamos perante uma declaração confessória exarada em documento autêntico (escritura pública) e à luz do citado nº 2 do art. 358º tem força probatória plena.
E neste caso e de harmonia com o nº 2 do art. 393º do C. Civil «não é admitida prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena”.
A respeito da interpretação deste normativo os Prof. Pires de Lima e A. Varela in C. Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 2ª ed. 1979, pág. 318, aconselham uma interpretação nos justos termos referindo que “nada impede que se recorra à prova testemunhal para demonstrar a falta de vícios da vontade, com base nos quais se impugna a declaração documentada.
O documento prova, em dados termos, que o seu autor fez as declarações dele constantes; os factos compreendidos na declaração consideram-se provados, quando sejam desfavoráveis ao declarante. Mas o documento não prova nem garante, nem podia garantir, que as declarações não sejam viciadas por erro, dolo, ou coacção ou simuladas.
Por isso mesmo a prova testemunhal se não pode, neste aspecto, considerar legalmente interdita”.
Voltando ao caso dos autos, os factos relacionados com o vício da declaração ou confissão, não foram provados, pelo que à luz das disposições conjugadas dos art. 371º nº1, 358º nº2 e 393 nº2 do C. Civil, temos de dar como provados os factos compreendidos naquela declaração confessória ou seja, o recebimento parcial do preço por parte dos Impugnante e sua mãe.
Todavia, já não sucede o mesmo quanto às declarações relativas à materialidade do negócio.
Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida – nº 2 do artigo 236º do C. Civil. Ou seja, se as partes conhecem o real sentido da declaração negocial é esta que prevalece, mesmo que seja divergente do sentido da declaração efectivamente exteriorizada. O sentido da declaração negocial real e conhecido pelas partes prevalece, mesmo nos negócios formais, se a forma utilizada corresponder ainda ao negócio real (nº 2 do artigo 238º do C. Civil).
Também a permuta e a dação em cumprimento de imóveis são negócios formais.
No presente caso, os Impugnantes confessam que existiu divergência entre a vontade declarada e a vontade real das partes intervenientes no negócio (artigo 56º da p.i.) Essa divergência declarativa foi acordada entre os declaratários (artigo 60º e 64º da p.i.). Esse acordo visou alegadamente conferir legitimidade à S., Lda para proceder a diligências negociais e legais que de outro modo pertenceriam aos Impugnantes e à sua mãe (artigo 63º da p.i.).
Além disso, desse acordo resultariam inevitavelmente consequências fiscais, como isenções de sisa ou outras, que poderiam não ocorrer na ausência do dito acordo. Tais consequências fiscais eram previsíveis mas as partes, se não as visaram especialmente, conformaram-se com elas.
Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiro, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado – nº 1 do artigo 240º do C. Civil. Esse negócio é nulo – nº 2 do mesmo artigo – pelo que este vício aproveita a qualquer interessado e pode ser oficiosamente declarada a todo o tempo (artigos 286º e seguintes do C. Civil). A nulidade do negócio também pode ser arguida pelos próprios simuladores e pelos herdeiros (artigo 242º C. Civil).
Porém, a nulidade do negócio proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé – nº 1 do artigo 243º do C. Civil.
Embora sem efeitos práticos na lei civil, a lei distingue entre simulação inocente e simulação fraudulenta (ver parte final do nº 1 do artigo 242º do C. Civil).
A simulação pode ser absoluta, se sob a capa do negócio declarado não existe qualquer negócio, ou relativa, quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, aplicando-se a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem a dissimulação – nº 1 do artigo 241º do C. Civil – só sendo válido se relativamente ao negócio dissimulado tiver sido observada a forma exigida pela lei – mº 2 do mesmo artigo.
Em matéria tributária, no caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado - nº 1 do artigo 39º da LGT.
Daqui se conclui que a simulação é fiscalmente irrelevante, na medida em que não obsta à tributação do negócio real (de acordo com as regras de incidência eventualmente existentes) nem permite a tributação do negócio simulado.
Também seria esta a solução para efeitos de tributação em sisa, conforme resulta do artigo 162º do respectivo CIMSISD, em vigor na data dos factos.
Ou seja, a tributação do negócio simulado, desde que verificados os respectivos pressupostos relativos à “incidência”, não carece de prévia declaração de simulação e respectiva nulidade do negócio, a proferir na jurisdição competente.
No caso não se coloca, portanto, qualquer litígio quanto à jurisdição.
Portanto, em sede administrativa é legítimo fazer-se a qualificação dos factos tributários, divergindo, se necessário, da forma atribuída pelas partes ao concreto acto sujeito a imposto.
Já vimos que os Impugnantes provaram, com recurso a testemunhas, que o objecto do negócio constante da escritura pública tinha um conteúdo diverso daquele que foi declarado pelos outorgantes, exigindo-se que a respectiva qualificação seja feita em conformidade com a verdade material dos factos.
Na busca da verdade material, a que o procedimento e o processo tributário estão subordinados (artigos 50º do CPPT e 58º e nº 1 do artigo 99º da LGT), a interpretação dos factos tributários deve fazer-se, em caso de dúvida, dando prevalência à substância económica sobre a forma adoptada na sua prática – nº 3 do artigo 11º da LGT.
De acordo com os factos provados, o negócio real subjacente ao acordo dos declaratários reconduzia-se à cedência definitiva e onerosa, por parte da mãe dos Impugnantes e destes, na proporção dos respectivos direitos, de três prédios destinados a construção urbana, a favor da declaratária S., LDA, para que esta, revestida da legitimidade de proprietária, a final dos procedimentos e actos materiais necessários, loteasse e edificasse fracções autónomas de prédio em propriedade horizontal e cedesse definitivamente aos agora interessados, em contrapartida dos prédios deles recebidos, a propriedade de algumas dessas fracções autónomas.
Nos termos do artigo 874º do C. Civil, “Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”.
A referência ao preço, pelo menos no âmbito dos contratos de compra e venda, embora signifique o objecto da obrigação assumida pelo comprador em contrapartida da coisa (elemento funcional), impõe-se que tal obrigação seja satisfeita através da entrega de uma quantia em dinheiro (elemento material) – ver Raúl Ventura, O Contrato de compra e Venda no Código Civil, ROA, 40º - 606. Ver também artigos 883º e seguintes do C. Civil.
Quando a contraprestação do imóvel recebido é constituída pela entrega de outro imóvel, o contrato designa-se por permuta ou troca – ver artigo 1378º, 1379º C. Civil, - embora também se use o termo escambo com o significado de troca directa (artigos 1723º e 2069º do C. Civil)
A permuta é, no direito privado, um contrato atípico ao qual são aplicáveis as normas relativas à compra e venda por força do disposto no artigo 939º do C. Civil.
No direito fiscal, o contrato de permuta está tipificado no § 1º do artigo 8º do CIMSISD, segundo o qual “entender-se-á de troca ou permuta o contrato em que as prestações de ambos os permutantes compreendam imóveis, ainda que uma das prestações compreenda bens futuros, salvo tratando-se de promessa de troca com tradição dos bens apenas para um dos contratantes, a qual será havida por compra e venda” (ver, em termos semelhantes, o disposto no artigo 4º do CIMT, em vigor desde 2004, segundo o qual “Nos contratos de troca ou permuta de bens imóveis, qualquer que seja o título por que se opere, o imposto é devido pelo permutante que receber os bens de maior valor, entendendo-se como de troca ou permuta o contrato em que as prestações de ambos os permutantes compreendem bens imóveis, ainda que futuros”)
Por não existir qualquer definição de permuta para efeitos de IRS, mas estando em causa a cedência da propriedade de imóveis por ambos os contratantes, deve aplicar-se a este imposto a noção que resulta do artigo 8º do CIMSISD (ou do artigo 4º do CIMT) – ver artigo 12º da LGT.
No caso dos autos, os Impugnantes cederam a título definitivo a propriedade de bens imóveis de que eram titulares e alegadamente pretendiam receber em troca (ou em contraprestação) bens relativamente futuros, a serem construídos nesses terrenos sob responsabilidade da outra contratante, S., LDA.
À qualificação deste contrato como “permuta (de bens presentes por bens futuros)“ não obsta o facto de se ter dado como provado, nos termos acima expostos, que uma parte do preço já foi pago em dinheiro, porque a parte essencial do negócio ainda se caracteriza pela troca de bens imóveis, devendo considerar-se que “III - Constitui troca ou permuta o contrato cujo núcleo essencial consiste na prestação de um imóvel por outro, pese embora se constate a existência de uma compensação em dinheiro que não é, pela sua importância, o objecto principal do contrato, funcionando apenas como complemento pecuniário da prestação principal” ou como garantia do cumprimento integral, nos termos do Acórdão STA 0529/12, de 28-11-2012, disponível em www.dgsi.pt, que se acompanha.
É de afastar, no caso, a qualificação agora defendida pelos Impugnantes, como contrato misto, composto por uma empreitada e dação em cumprimento.
São as partes que confessam que não houve qualquer construção e, logo não houve empreitada, pelo que a entrega dos seus imóveis não visou a dação em cumprimento de uma obrigação sua, que ainda não nasceu.
A dação em cumprimento implica a existência prévia de uma dívida e consiste na entrega pelo devedor ao credor de uma coisa diversa daquela que constituía o objecto da obrigação, com o objectivo de extinguir por esse meio a dívida, dando-se a sub-rogação real.
No caso dos autos, os Impugnantes cedem, numa primeira fase, os seus direitos de propriedade sobre os imóveis para construção, ficando numa situação de credores – e não de devedores. Pelo que essa entrega à S. nunca poderá ser entendida como dação em pagamento.
Por outro lado, comprovadamente ainda não ocorreu a empreitada (realização de obra, encomendada a terceiro especialmente habilitado, mediante um preço), alegadamente porque a S., Lda não conseguiu cumprir todas as diligências indispensáveis. Essa empreitada haveria de ser encomendada pela S., Lda, a expensas suas, a um terceiro (o empreiteiro).
Se tivesse havido empreitada (prestada à S., Lda) e esta tivesse ficado em dívida ao empreiteiro, uma das formas de cumprir a respectiva obrigação poderia ser a dação em cumprimento. Nesse caso o devedor seria a S., Lda., que teria de fazer dação de alguma coisa ao empreiteiro.
No caso dos autos sucedeu algo muito diferente. A S., Lda ficou devedora aos Impugnantes e ainda não cumpriu a respectiva contraprestação (tendo ficado reconhecido pelas testemunhas, ligadas a essa empresa, que esta ainda mantem na sua contabilidade o registo desse débito).
Portanto, conclui-se que originalmente os outorgantes declararam que faziam uma escritura de compra e venda mas pretendiam materialmente fazer uma permuta de bens presentes por bens futuros.
Sendo assim, e se a AT tivesse sabido da verdade dos factos, nomeadamente se o sujeito tivesse feito as declarações fiscais (Sisa e IRS) em conformidade, a tributação teria sido feita de forma diferente, levando-se em conta o disposto na alínea a) do nº 1, nº 2 e nº 3 do artigo 44º do CIRS.
A AT tributou o negócio como se tivessem ocorrido as circunstâncias que justificam a aplicação das regras de incidência e apuramento da matéria tributável de mais-valias (Categoria G do IRS) em casos de compra e venda de imóveis, em vez de considerar as equivalentes regras de incidência e determinação da matéria tributável de mais-valias em caso de permuta de bens presentes por bens futuros.
Porém, vieram os Impugnantes demonstrar que, não obstante já terem decorrido cerca de 12 anos, os bens “futuros” ainda não se tornaram nem existe perspectiva de virem a tornarem-se “presentes”.
Ou seja, a situação actual corresponde a uma pura compra e venda: o sujeito passivo impugnante alienou o seu direito sobre os imóveis que entregou à S., Lda e esta, decorrido tanto tempo, continua a ser proprietária de facto e de direito desses imóveis. As diligências efectuadas pela S. Lda, com vista ao loteamento e futura construção, encontram-se caducadas e não consta que exista possibilidade ou interesse no prosseguimento dessa intenção.
Os Impugnantes também se mostram conformados com essa situação.
Os Impugnantes não requereram a anulação do contrato nem exigem o seu integral cumprimento pela S., Lda.
Os Impugnantes limitam-se a atacar a liquidação efectuada pela AT, com fundamento no facto de terem entregado os prédios (sob um título atributivo do direito de propriedade designado “compra e venda”) e não terem recebido a respectiva contraprestação, mas pretendendo qualificar a situação actual com recurso a uma figura que, sendo aceite, equivaleria a dar como pacificada a relação obrigacional privada.
No entanto, não pode olvidar-se que a AT, em representação da comunidade tributária portuguesa, também tem interesse no efectivo desfecho dessa relação contratual, na medida em que algum (ou ambos) desses sujeitos também integra, por causa desse contrato, uma relação jurídico-tributária, de natureza pública.
Portanto, na eventualidade dos contratantes terem visado efectivamente coisa diferente daquela que declararam na escritura de compra a venda de 15-11-2001, a verdade é que a situação que acabou por subsistir na realidade da vida (e que se manterá enquanto o contrato resultante da vontade declarada não for anulado nem o contrato simulado for integralmente cumprido) equivale a uma compra e venda: os Impugnantes e sua mãe cederem o direito de propriedade que detinham sobre os imóveis, a favor da S., Lda, que passou a ser proprietária mediante o pagamento de um preço, sem que essa contraprestação ocorresse mediante a entrega de bens imóveis.
Situação que os Impugnantes parecem ter interesse em não alterar, excepto quanto às consequências tributárias.
Nestas circunstâncias, tem de se considerar que:
Por força das circunstâncias históricas, o contrato simulado reverteu ao contrato resultante da vontade declarada perante o notário.
O eventual incumprimento do contrato (não anulado), tal como ele subsiste, não altera a sua natureza.
Na prática, a tal contrato continuam a aplicar-se as regras civis e tributárias relativas aos contratos de compra e venda de bens imóveis.
A falta de pagamento, total ou parcial, do preço convencionado não obsta à tributação do respectivo facto tributário em sede de IRS (categoria G ou mais-valias), sem prejuízo dos direitos de acção do credor sobre o devedor que ainda possam subsistir.
Sendo assim, de acordo com o princípio do aproveitamento dos actos, como princípio geral do direito que se exprime pela máxima latina utile per inutile non vitiatur, também designado princípio antiformalista, da economia dos actos públicos ou aproveitamento dos actos administrativos, considera-se que o acto tributário impugnado acabou sendo feito de acordo com a substância do negócio subsistente na realidade da vida. Razão pela qual deve ser mantido na ordem jurídica.
Pelo que, pelo exposto, improcede o fundamento em análise.
(…)”.
Tal não corresponde, porém, ao entendimento já firmado por este TCAN, no âmbito acórdão proferido no processo n.º 00856/05.0BEVIS em 10.03.2016, disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/3cd6a32c927c824e80257f99002e5b4b?OpenDocument - no qual era Impugnante e Recorrente M. (também aqui Recorrente) - invocado pelos aqui Recorrentes por estar igualmente em causa a liquidação de IRS de 2001 referente mais valias geradas pelo mesmo facto tributário (venda dos imóveis a que estes autos se reportam - artigos urbanos 779 e 1456 e rústico 2505, da freguesia de (...), concelho de (...)), recurso esse em que eram invocados essencialmente os mesmos fundamentos de facto e de direito. Recorde-se que, nos presentes autos, a dita M. (e seus irmãos) intervém(êm) na qualidade de herdeira(os) de sua mãe (sujeito passivo do tributo impugnado), ao passo que, naqule outro processo, era ela o sujeito passivo, uma vez que os prédios em questão eram propriedade sua, bem como de sua mãe e irmãos, cuja “venda” gerou o IRS a pagar.
Naquele aresto, do qual não vemos razão válida para divergir e aqui acompanhamos, tendo em vista a aplicação uniforme do direito, até por estar em causa o mesmíssimo facto tributário, , considerou-se o seguinte:
«(…) há que ter em conta que [o] art. 39º nº 2 da LGT normativo que dispõe que:
“1 – Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação real recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado.
2 – Sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à administração tributária, a tributação do negócio jurídico real constante de documento autêntico depende de decisão judicial depende de decisão judicial que declare a sua nulidade.”

Assim, deste nº 2 decorre que os actos ou negócios jurídicos nulos ou anuláveis constantes de documentos autênticos produzem os correspondentes efeitos jurídicos – tributários enquanto não houvesse decisão judicial a declará-los nulos ou anuláveis, salvo as excepções expressamente previstas nas leis tributárias.

Assim sendo, a AT não pode ignorar tais negócios jurídicos enquanto não for declarada a sua nulidade ou anulabilidade, mas não está impedida de proceder às correcções à matéria colectável, introduzindo as que forem pertinentes face aos elementos apurados.

No Manual dos Contratos em Geral, fls. 151 e segs., definia o Prof. Galvão Teles os vários tipos de simulação. Assim:
1. – simulação: divergência entre a vontade real e a declaração, estabelecida por acordo entre as partes com o intuito de enganar terceiros;
2. – simulação absoluta: quando na aparência se celebra um contrato, mas na realidade nenhum contrato se quer;
3. – simulação relativa: dá-se quando as partes pretendem realizar, e de facto realizam, um contrato, mas para iludir terceiros o ocultam, o encobrem, com um contrato diverso pela sua função e natureza, ou divergente em algum aspecto.

O Prof. Leite de Campos (Simulação dos negócios jurídicos, Problemas fundamentais do Direito Tributário, fls. 224), após referir a necessidade da via judicial para declarar a nulidade do negócio jurídico simulado, escreve “Isto não impede, nos termos da primeira parte do nº2 (do artigo 39º da Lei Geral Tributária), que a Administração Fiscal corrija a matéria tributável revelada pelo negócio real, nos termos indicados na última parte do nº2”.

Aliás, mal se compreenderia que, consagrando a Lei Geral Tributária a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas à Administração Fiscal, e nem por isso lhe proibindo o recurso a métodos presuntivos (artigo 75°), atribuísse às declarações prestadas perante outro oficial público - o notário - valor superior, tal que a Administração ficasse manietada, dependente da obtenção de uma declaração judicial de nulidade. Não se vislumbra razão para conferir maior força à declaração feita perante um notário do que àquela que é produzida perante a Administração Fiscal.

Tal realidade é, aliás, a acolhida pelo art. 39º da LGT, onde, como se viu, se estipula o seguinte:
"l. Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado.
2. Sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à administração tributária, a tributação do negócio jurídico real constante de documento autêntico depende de decisão judicial que declare a nulidade".
Como se diz no nº 2 desse preceito, a tributação do negócio constante de documento autêntico é feita sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à AF, poderes que, lhe são conferidos nos termos dos artigos 58º, 74º e 90º da LGT.

Ora, é isto de que fala a AT na passagem do RIT citada na decisão recorrida quando se aponta que “a escritura não reflectiu efectivamente a vontade das partes, tendo sido um negócio jurídico simulado. (…) A verdade material e a intenção das partes nunca foi a compra e venda, mas sim uma permuta por bens futuros. (…) À luz dos artºs 38º e 39º da LGT, será de considerar o negócio jurídico praticado (escritura de compra e venda) como ineficaz no âmbito tributário, afastando-se assim a sua tributação dentro da categoria G/Incrementos patrimoniais (Mais-Valias) do IRS; (…) A sua tributação incidirá, sim, nos termos do referido artº 39º, como se de uma permuta se tratasse, mostrando-se necessárias diligências junto das entidades competentes para apuramento e tributação do negócio jurídico real”, sendo totalmente inoperante o argumento utilizado para ultrapassar uma realidade que a mesma tinha já devidamente reconhecido, parecendo agora querer inverter a situação, impondo aos interessados o ónus de obter tal declaração de nulidade, matéria que, como vimos, não tem qualquer sentido a partir do momento em que a AT tinha todas as condições para actuar em conformidade com o supra exposto.

Depois, não vemos que a entrega da declaração de substituição traduza o reconhecimento pela Recorrida de que haja praticado qualquer acto que a devesse sujeitar à tributação em IRS, por realização de mais-valias, conforme pretende a AT, pois que a entrega da aludida declaração é acompanhada pelo exercício do direito de audição em que a ora Recorrida sustenta a inexistência de fundamento para tributação de mais-valias, sendo que a leitura da Recorrente, tal como defende a Recorrida, viola o princípio da indivisibilidade da confissão (art. 360º do Código Civil).

Finalmente, temos o argumento da situação de facto que se prolonga no tempo, sem que os interessados tenham providenciado pela alteração da mesma, de modo que, subsiste aquilo que a Recorrente denomina como realidade da vida por referência ao exposto em decisão judicial a que faz apelo ao longo das suas alegações.

No entanto, não cremos que este seja o caminho mais adequado em termos de análise, porquanto, não se vislumbra que o decurso do tempo possa alterar a tal realidade da vida.

A partir daqui, se é própria Recorrente que, em tempo oportuno, aceitou que estava em causa um negócio simulado, ideia que não é afastada no âmbito dos presentes autos, resulta claro que a situação de facto permanece inalterada e não é o simples decurso do tempo que pode alterar esta realidade, além de que a AT sabe qual é o negócio efectivamente em causa, verificando-se que, tal como se refere no RIT, a sua tributação incidirá, sim, nos termos do referido art. 39º, como se de uma permuta se tratasse, mostrando-se necessárias diligências junto das entidades competentes para apuramento e tributação do negócio jurídico real.

Ora, se a AT tem uma clara noção do que está em causa e tem todas as condições para avançar com a correspondente tributação, é manifesto que a conduta prosseguida é totalmente incompreensível, para não dizer inaceitável, pois que, detendo o domínio do facto, enveredou por um caminho que estava condenado ao insucesso, na medida em que, como bem refere a decisão recorrida, apesar de se reconhecer que a tributação em sede de mais-valias não deveria existir, por não ser esse o negócio real celebrado entre as partes, avançou com a liquidação impugnada, o que significa que a mesma padece de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que tem um verdadeiro efeito de implosão sobre o presente recurso, dado que, este elemento é suficiente para suportar a decisão recorrida, de nada valendo a bondade do exposto quanto às questões formais acima analisadas, ficando ainda prejudicado o conhecimento da nulidade suscitada pela Recorrida em sede de contra-alegações.».

Aplicando ao caso vertente, mutatis mutandi, esta jurisprudência, temos de concluir que o ato de liquidação impugnado enferma do erro nos pressupostos de facto que lhe foi imputado, razão pela qual se não pode manter a sentença recorrida que, assim, importa revogar, julgando-se procedente a impugnação judicial deduzida.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida e julgando procedente a impugnação judicial deduzida pelos Recorrentes, com a consequente anulação da liquidação de IRS a que estes autos se reportam.
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Custas a cargo da Recorrida, em ambas as instâncias, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, que não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.
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Porto, 13 de maio de 2021

Maria do Rosário Pais – Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Ana Patrocínio – 2.ª Adjunta