Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00735/09.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/17/2011
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Catarina Alexandra Amaral Azevedo Almeida e Sousa
Descritores:IMPOSTO ESPECIAL DE JOGO
IRC
DESPESAS CONFIDENCIAIS
CONTRATO DE CONCESSÃO DA EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
ACTIVIDADE HOTELEIRA
Sumário:I. As empresas concessionárias dos jogos de fortuna ou azar não estão sujeitas à tributação em sede de IRC pelo exercício dessa actividade, visto que sobre os rendimentos daí decorrentes recai o imposto especial sobre o jogo.
II. Exercendo a impugnante - concessionária dos jogos de fortuna ou azar -apenas as actividades de exploração de jogos e hoteleira, sendo esta actividade relacionada com aquela e ambas decorrentes do contrato de concessão de exploração de jogo, as despesas confidenciais ou não documentadas, derivem elas de qualquer daquelas actividades, não estão sujeitas a IRC mas antes ao imposto especial de jogo.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:S..., S.A.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
1- RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença do TAF de Aveiro, datada de 6 de Janeiro de 2011, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por S…, respeitante à liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), do exercício de 2007, no montante de € 1.180.347,88, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
“1. De acordo com o preceituado no artigo lº do CIRC, o imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas incide sobre todos os rendimentos obtidos por determinadas pessoas colectivas durante um certo período de tempo.
2. A impugnante é uma sociedade comercial, sujeito passivo de IRC, pelo que os seus rendimentos estarão, em princípio, sujeitos à tributação daquele imposto.
3. O artigo 7° do CIRC determina que não estão sujeitos a IRC os rendimentos directamente resultantes do exercício de actividade sujeita ao imposto especial de jogo, pelo que todos aqueles que escapam ao campo de incidência deste imposto já estarão sujeitos a IRC.
4. A douta decisão recorrida, suportada na prova testemunhal produzida, concluiu que a impugnante exerce as actividades de exploração de jogo e hoteleiras.
5. Logo, estando esta última actividade sujeita a IRC, é evidente que tributação nesta sede terá necessariamente que abranger as despesas confidenciais
6. A douta sentença recorrida, partindo da inexistência de qualquer indício capaz de revelar outra actividade para além das que estão contempladas no contrato de concessão, exclui a possibilidade de tributação em sede de IRC, acabando por eleger como único critério para avaliar a conexão de uma actividade com a exploração do jogo, a simples circunstância da dita actividade ser ou não imposta pelas cláusulas do contrato de concessão.
7. Porém, o desenvolvimento da actividade económica do sector hoteleiro, ainda que esteja previsto no contrato de concessão, não se pode confundir com os rendimentos provenientes dos jogos de fortuna e azar, pois está sujeito e não isento de IRC.
8. A exclusão em sede de IRC, bem como a sua sujeição dos rendimentos oriundos do jogo a um regime distinto, prendem-se com a especial acuidade que deve estar subjacente a esta tributação.
9. Nada se sabendo quanto à natureza, origem e finalidade de tais despesas, as mesmas deverão ser tributadas autonomamente, por força do artigo 4°, n° 1, do Decreto-Lei n.° 192/90, de 9 de Junho e do artigo 31° da Lei n.° 87-B, de 31 de Dezembro, uma vez que a Impugnante não logrou provar que os encargos concretamente decorrentes destas despesas confidenciais estão relacionados com a exploração do jogo.
Nos termos vindos de expor e nos que Vas. Exªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a impugnação totalmente improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o Direito e a Justiça”.
A Recorrida contra-alegou, tendo, apresentado, por seu lado, as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou totalmente procedente a impugnação.
B. Para tal decisão, entendeu o tribunal a quo que nos autos foi produzida prova susceptível de permitir a constatação como facto de que “a impugnante exerce actividades de exploração de jogo e actividades hoteleiras” e de que “tais actividades derivam única e exclusivamente do contrato de concessão de exploração de jogo celebrado entre o Estado Português e a impugnante”. Para o referido tribunal ficou claro, pois, que “tendo em atenção o regime estipulado por tais contratos, a impugnante unicamente, mediante contrapartidas, explora a lucrativa actividade de jogo e, sequencialmente, também unicamente por força de tais contratos, desenrola actividade económica no sector hoteleiro”.
C. Com base nestas acepções, e no disposto no artigo 84° do Decreto-Lei n° 422/89, de 2 de Dezembro, concluiu o tribunal “que apesar da impugnante ser uma sociedade e, como tal, sujeita de IRC, uma vez que nenhum indício resulta de que exerce qualquer actividade económica que não aquelas a que está obrigada pelos já referidos contratos, não pode a mesma ser tributada em sede de IRC”, designadamente ao nível das suas despesas confidencias.
D. No entanto, entendeu a Fazenda Pública que, contrariamente ao decidido, e “admitindo que a impugnante desenvolvia a actividade de jogo e hoteleira, as despesas confidenciais que não se enquadrassem na primeira hipótese seriam tributadas em sede de IRC, de acordo com o regime geral”.
E. De acordo com a fundamentação respectiva, é imputado à impugnante, ora recorrida, o exercício de duas actividades, uma delas, de jogo, obviamente excluída de tributação em sede de IRC, e outra, de gestão hoteleira, que, não sendo directamente conexa com aquela, embora com dela directamente resultante - porque decorrente do mesmo contrato de concessão -, deve considerar-se sujeita e não isenta deste imposto.
F. Para reforço desta sua argumentação, veio a Administração fiscal colocar em crise o critério que presidiu à avaliação, pelo tribunal recorrido, daquele que considerou ser o elemento essencial à definição do correcto enquadramento fiscal dos encargos confidenciais incorridos pela impugnante. Com efeito, de acordo com a recorrente, o tribunal a quo avaliou mal o elemento “conexão de uma actividade com (a actividade de) exploração de jogo”: em vez de avaliar a conexão de uma actividade com a exploração do jogo com base na “simples circunstância da dita actividade ser ou não imposta pelas cláusulas do contrato de concessão”, o tribunal recorrido deveria, na opinião da Administração fiscal, tê-lo feito com base no critério da “confundibilidade” (isto é, o tribunal recorrido deveria ter verificado se “o desenvolvimento da actividade económica do sector hoteleiro, ainda que esteja previsto no contrato de concessão, [se pode ou não] confundir com os rendimentos provenientes dos jogos de fortuna e azar”).
G. Na sua alegação, a Fazenda Pública invoca, contudo, designadamente no ponto 9 das suas conclusões, matéria de facto que contraria a estabelecida no probatório. Esta circunstância obsta, desde logo, ao conhecimento do mérito do presente recurso por este Supremo Tribunal Administrativo, devendo, pois, este tribunal, a título prévio, ser declarado incompetente em razão da hierarquia.
H. Além disso, a recorrente erra na mobilização dos conceitos legais aplicáveis por força das disposições normativas convocadas na fundamentação jurídica da decisão recorrida.
J. O exercício que se impõe não é, por isso, o de aferir se os rendimentos gerados pelo exercício da actividade hoteleira são ou não “confundíveis” com os rendimentos gerados pelo exercício da actividade de jogo: eles são naturalmente especializáveis e susceptíveis de um apuramento analítico,
K. mas antes o de determinar se os rendimentos gerados pelo exercício da actividade hoteleira são directamente resultantes - se são causa de/gerados em virtude de - do exercício da actividade de jogo, sujeita a imposto especial de jogo.
L. E, naturalmente, esta aferição não pode ser desassociada da verificação in casu da circunstância de o exercício daquela primeira actividade constituir uma decorrência das obrigações assumidas pela impugnante no âmbito dos contratos de concessão que estão na base do exercício desta última.
M. Uma coisa é saber se as actividades em causa são confundíveis - bem como os respectivos rendimentos -, no sentido de que constituem partes de um todo indissociável. Coisa diferente é saber se as actividades em causa são relacionadas, se convivem numa relação de dependência do tipo causa/efeito, meio/resultado.
N. Ora, foi este o critério que o tribunal a quo utilizou na douta sentença que proferiu: o tribunal recorrido cuidou - e bem - da verificação dos factos que tornassem possível a aplicação em concreto do direito com base no qual o legislador fez depender a tributação em sede de IRC dos rendimentos provenientes de uma ou outra actividades (e, concomitantemente, a tributação nesta sede das despesas confidenciais relacionadas com qualquer uma delas).
O. Ao assentar na factualidade descrita nos pontos 1 a 15 do Capítulo III da sentença, o tribunal recorrido orientou a sua decisão no sentido de enquadrar fiscalmente os rendimentos provenientes do exercício das actividades de jogo e hoteleira à luz da configuração legal que lhe teria sido atribuída em termos contratuais (por força dos contratos de concessão que lhes dão causa). Nesta sede, concluiu que, nos termos dos contratos de concessão celebrados com o Estado português, à impugnante é concedida a exploração de jogos em determinadas circunscrições territoriais e, por causa dessa concessão, imposta a actividade de exploração hoteleira, como acessória ou estritamente conexa (relacionada/complementar) com aquela (de exploração de jogos).
P. Assim, o tribunal mais não fez do que ir ao encontro das exigências legais de configuração de ambas as actividades como actividades excluídas de tributação para efeitos de IRC: o tribunal subsume criteriosamente a situação fáctica ao direito mobilizável, concluindo que não estão sujeitos a IRC os rendimentos directamente resultantes do exercício de actividade sujeita ao imposto especial de jogo, entendendo-se estes como os rendimentos relativos ao exercício da actividade do jogo e de outra actividade a que a empresa concessionária está obrigada nos termos dos contratos de concessão e pelo período em que estes se mantenham em vigor.
Q. E esta é, no fundo, a conclusão que melhor assenta naquela que parece ter sido a racionalidade subjacente à opção do legislador tributário: excluir de tributação os rendimentos decorrentes da exploração da actividade de jogo, sujeitando-os, de forma clara, a outro imposto especial, com diferentes critérios de apuramento (tributa realidades distintas) e com taxas muito mais onerosas, e, bem assim, os rendimentos que decorram de actividade imposta em virtude e no contexto do exercício daquela - em estrita e directa relação com aquela.
R. Assim, bem decidiu o tribunal recorrido, de acordo com o qual, “uma vez que nenhum indício resulta de que exerce qualquer actividade económica que não aquelas a que está obrigada pelos já referidos contratos, não pode a mesma ser tributada em sede de IRC”, designadamente ao nível das suas despesas confidencias, devendo, por isso, ser considerada “procedente a presente impugnação”
S. Em consequência, nos termos acima assinalados, e nos mais de direito observados na sentença recorrida, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e à douta sentença recorrida reconhecida a sua conformidade com as disposições dos artigos 123° e 125° do CPPT e dos artigos 659° e 668° do CPC.
TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, E A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA INTEGRALMENTE MANTIDA”.
O presente recurso jurisdicional foi dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo (STA), tendo aí sido julgada a incompetência em razão da hierarquia desse Tribunal e determinada a competência deste Tribunal Central Administrativo Norte para dele conhecer.
Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
Questões a decidir:
A questão sob recurso, suscitada e delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, concretamente por errado enquadramento fiscal dado às despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas por sociedade concessionária da exploração de zonas de jogo, com violação do disposto nos artigos 4°, nº1, do Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de Junho e 31° da Lei 87-B/98, de 31 de Dezembro, tendo em consideração que, segundo a Recorrente, a Impugnante não logrou provar que os encargos concretamente decorrentes destas despesas confidenciais estão relacionados com a exploração do jogo.
2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1.Matéria de facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:
“III - Dos factos.
Factos Provados:
1. A impugnante, “S…, SA”, foi constituída por escritura pública lavrada no cartório Notarial de Espinho a 19 de Abril de 1972;
2. A Impugnante tem um capital social de € 30.000.000,00 (trinta milhões de euros);
3. A impugnante foi alvo de uma inspecção interna de âmbito parcial de IRC com referência ao exercício de 2007, que se iniciou a 10 de Dezembro de 2008;
4. A impugnante contabilizou na subconta “635-Despesas confidenciais”, o montante de € 2.305.120,25 (dois milhões e trezentos e cinco mil e cento e vinte euros e vinte e cinco cêntimos);
5. A Impugnante dispõe de contabilidade organizada;
6. A Impugnante não procedeu à entrega da Declaração Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2007;
7. A Impugnante foi notificada pessoalmente a 12 de Dezembro de 2008 para exercer o seu direito de audição, sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributário;
8. A Impugnante não exerceu o seu direito de audição;
9. A Impugnante celebrou dois contratos de concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar;
10. Os contratos referidos em 9), foram celebrados a 29 de Dezembro de 1988, referindo-se à zona de jogo permanente de Espinho e a 13 de Fevereiro de 1996, relativo à exploração de jogos de fortuna e azar nos casinos de Vilamoura, Barlavento e do Sotavento Algarvios;
11. Consta do Contrato de concessão à zona de jogo permanente de Espinho na cláusula sétima que “a concessionária obriga-se a assegurar a exploração, nos termos da legislação em vigor, dos estabelecimentos hoteleiros construídos por força do contrato de concessão anterior, durante todo o prazo de concessão”;
12. Consta dos Contratos de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar nos casinos de Vilamoura, Barlavento e do Sotavento, de 29 de Janeiro de 1996 e de 14 de Dezembro de 2001 na cláusula sétima que “a concessionária fica obrigada ao pagamento de um imposto especial pelo exercício da actividade do jogo, não sendo exigível qualquer outra tributação geral ou local relativa ao exercício dessa actividade ou de quaisquer outras a que esteja obrigada neste contrato, processando-se a respectiva liquidação e cobrança nos termos dos artigos 84º e seguintes do citado Decreto-Lei nº 422/89”;
13. Consta do Contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar nos casinos de Vilamoura, Barlavento e do Sotavento de 29 de Janeiro de 1996, na cláusula quarta, que “sem prejuízo do disposto na legislação aplicável à generalidade das zonas de jogo, a concessionária fica vinculada ao cumprimento das seguintes obrigações:
1 – Construir um casino ou instalá-lo em empreendimento hoteleiro, em local a aprovar pelo Ministro da Economia, no Barlavento Algarvio, situado a, pelo menos, 25 km a oeste de Vilamoura, dotado das características e requisitos de conforto e funcionalidade definidos na Portaria nº 51/95, de 20 de Janeiro (…).
2 – Executar obras de renovação, restauro e adaptação do edifício onde se situa o actual Casino de Monte Gordo, ou, em alternativa, construir ou instalar o casino em prédio a afectar exclusivamente a casino ou a integrar em empreendimento hoteleiro, sempre em termos que satisfaçam o disposto na Portaria nº 51/95, de 20 de Janeiro (…).”
14. Consta do Contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar nos casinos de Vilamoura, Barlavento e do Sotavento de 14 de Dezembro de 2001, na cláusula quarta, número quatro que “a concessionária obriga-se, nos termos dos citados Decreto-Lei nº 275/2001 e Decreto Regulamentar nº 1/95, a (…) manter também em funcionamento, durante o prazo da concessão, o empreendimento hoteleiro onde se encontra instalado o casino da Praia da Rocha e aquele onde venha a ser instalado o casino do Sotavento Algarvio, se esta vier a ser a opção da concessionária”.
15. A Impugnante foi notificada a 23 de Janeiro de 2009, da liquidação adicional de IRC nº 2009 8310000564, no valor de € 1.180.347,88 (um milhão e cento e oitenta mil e trezentos e quarenta e sete euros e oitenta e oito cêntimos) [e não “da liquidação adicional de IRC nº 2008 8310000203, no valor de € 1.196.233,81 (um milhão e cento e noventa e seis mil e duzentos e trinta e três euros e oitenta e um cêntimos)”, como por manifesto lapso de escrita consta dos factos fixados na sentença recorrida].
Factos não provados
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou, nomeadamente, que haja indícios de que a Impugnante exerça outra actividade que não aquelas resultantes das obrigações assumidas por imperativo da celebração dos contratos de concessão de exploração de jogo celebrados com o Estado Português.
Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas apresentadas pela Impugnante.
No que se refere à prova testemunhal, concluiu o Tribunal que existiu unanimidade entre as testemunhas no que se refere ao tipo de actividades a que se dedica a Impugnante e nenhuma das testemunhas declarou saber a que respeitam (pagamentos de bens ou prestação de serviços) as despesas confidenciais em causa.
Assim no que se refere à testemunha J…, Director Geral Adjunto da Impugnante, apesar de transparecer um certo nervosismo, depôs com um discurso que parecia já preparada, fazendo uma série de ressalvas, mantendo, porém, coerência nas afirmações por si realizadas. Não entrou em contradição com nenhuma testemunha. Por tal motivo, foi considerado credível. Referiu que as despesas confidenciais são típicas do sector e que a Impugnante apenas exerce as actividades de jogo e hoteleiro, sendo que no que se refere a esta última, apenas o faz por força do contrato assinado com o Estado.
Por sua vez, a testemunha M…, Chefe dos Serviços Administrativos da Impugnante depôs com um discurso fluído, frontal, transmitindo segurança nas respostas ao Tribunal, criando dessa forma ao Tribunal um forte sentimento de credibilidade nas respostas por si apresentadas quer nas questões suscitadas pela Impugnante quer pela Fazenda Pública. Referiu que a Impugnante não exerce outras actividades que não sejam as de exploração de jogo e hoteleiras no âmbito do contrato assinado com o Estado Português. Desconhece a que se referem as despesas confidenciais.
A…, Técnico Oficial de Contas da Impugnante, depôs de forma desinteressada, respondendo de forma clara e escorreita às questões que lhe foram colocadas, não caindo em contradição com as restantes testemunhas e dessa forma, foi o seu depoimento considerado credível. Referiu que de acordo com o seu conhecimento, a Impugnante apenas exerce as actividades de exploração de jogo e do ramo hoteleiro. Desconhece a que se referem as despesas confidenciais e que as mesmas são tratadas como um documento de uma saída de caixa assinado pela Administração.
H…, Consultor e A…, responderam às questões que lhe foram colocadas de forma directa, denotando conhecimento técnico sobre a questão em discussão mas de forma escorreita e por esse motivo foram considerados credíveis. Transmitiram ao Tribunal que as actividades da Impugnante se limitam à actividade de exploração de jogo e ao ramo hoteleiro”.
2.2. O direito
Como atrás se deixou dito, constitui objecto do presente recurso jurisdicional determinar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quanto ao enquadramento fiscal dado às despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas por sociedade concessionária da exploração de zonas de jogo, com violação do disposto nos 4°, nº1, do Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de Junho e 31° da Lei 87-B/98, de 31 de Dezembro, tendo em consideração que, segundo a Recorrente, a Impugnante não logrou provar que os encargos concretamente decorrentes destas despesas confidenciais estão relacionados com a exploração do jogo.
Vejamos.
Tanto quanto é do nosso conhecimento, sobre esta mesma situação e com respeito às mesmas partes, este TCAN já se pronunciou, pelo menos, em três acórdãos (acórdão de 19/11/09, proferido no processo n.º 967/04 Viseu, de 16/6/11, proferido no processo nº 236/09.9 BEVIS e de 22/6/11 proferido no processo nº 557/09.0), pelo que se recupera, em total concordância, o aí decidido quanto à questão em apreciação.
Passamos, pois, a reproduzir a fundamentação expendida no acórdão de 16/6/11, proferido no processo nº 236/09.9 BEVIS.
“Sustenta a Recorrente que, de acordo com o preceituado no artigo 1º do CIRC, o imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas incide sobre todos os rendimentos obtidos por determinadas pessoas colectivas durante um certo período de tempo.
No caso dos autos, a impugnante é uma sociedade comercial, sujeito passivo de IRC, pelo que os seus rendimentos estarão, em princípio, sujeitos à tributação daquele imposto,
O artigo 7° do CIRC determina que não estão sujeitos a IRC os rendimentos directamente resultantes do exercício de actividade sujeita ao imposto especial de jogo, pelo que todos aqueles que escapam ao campo de incidência deste imposto já estarão sujeitos a IRC.
A decisão recorrida, suportada na prova testemunhal produzida, concluiu que a impugnante exerce as actividades de exploração de jogo e hoteleiras, pelo que, estando esta última actividade sujeita a IRC, é evidente que tributação nesta sede terá necessariamente que abranger as despesas confidenciais.
A sentença recorrida, partindo da inexistência de qualquer indício capaz de revelar outra actividade para além das que estão contempladas no contrato de concessão, exclui a possibilidade de tributação em sede de IRC, acabando por eleger como único critério para avaliar a conexão de uma actividade com a exploração do jogo, a simples circunstância da dita actividade ser ou não imposta pelas cláusulas do contrato de concessão.
Porém, o desenvolvimento da actividade económica do sector hoteleiro, ainda que esteja previsto no contrato de concessão, não se pode confundir com os rendimentos provenientes dos jogos de fortuna e azar, pois está sujeito e não isento de IRC, sendo que a exclusão em sede de IRC, bem como a sua sujeição dos rendimentos oriundos do jogo a um regime distinto, prendem-se com a especial acuidade que deve estar subjacente a esta tributação.
No caso, nada se sabendo quanto à natureza, origem e finalidade de tais despesas, as mesmas deverão ser tributadas autonomamente, por força do artigo 4°, n° 1, do Decreto-Lei n.° 192/90, de 9 de Junho e do artigo 31º da Lei n.° 87-B, de 31 de Dezembro, uma vez que a Impugnante não logrou provar que os encargos concretamente decorrentes destas despesas confidenciais estão relacionadas com a exploração do jogo.
Vejamos.
É a seguinte a fundamentação constante da sentença recorrida:
“(…)
Despesas confidenciais são despesas que, “como a sua própria designação indica, não são especificadas, ou identificadas, quanto à sua natureza, origem e finalidade”.
Dispunha o artigo 41°, n° 1, ai. g) do Código de Impostos sobre o Rendimento da Pessoas Colectivas (entretanto alterado mas de idêntico conteúdo e constante actualmente do artigo 45°, n° 1, al. g) do CIRC) “não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício (...) os encargos não devidamente / documentados e as despesas de carácter confidencial”.
As expressões «despesas confidenciais» e «despesas de carácter confidencial» têm um alcance claramente idêntico.
Em qualquer caso, porém, tratar-se-á de encargos ou despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afectam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o, sendo o objectivo daquela alínea g) o de estabelecer que essa diminuição não é relevante para efeitos de determinação do lucro tributável.
Assim, despesas “confidenciais” e “não documentadas” são todas aquelas realizadas, desconhecendo-se a sua conexão com os custos incorridos no âmbito da respectiva actividade empresarial.
E só a estes custos incorridos no âmbito da respectiva actividade empresarial é que a lei fiscal dá plena relevância, por se apresentarem como “custos de proveitos”.
As sucessivas reformas fiscais têm vindo a agravar gradualmente o aproveitamento de “despesas confidenciais ou não documentadas”, com o propósito de desmotivar as empresas à sua utilização, já que “as despesas confidenciais ou não documentadas” se apresentam, as mais das vezes e pelas mais variadas formas, o meio mais eficiente de ocultação de rendimentos tributáveis.
Com a entrada em vigor do artigo 4° do Decreto-Lei n.° 192/90, de 09 de Junho, para além de aquelas despesas confidenciais e não documentadas não serem consideradas como custos para efeitos de determinar o lucro tributável, passaram a ser tributadas autonomamente com as taxas nele indicadas.
Actualmente, rege o artigo 88°, n° 1 do CIRC que dispõe “as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como custo nos termos do artigo 23º”.
Ora, sendo a Impugnante uma sociedade comercial, não há dúvidas de que é sujeito de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, como resulta da conjugação dos artigos 1° e 2° do CIRC, atendendo que o artigo 1° dispõe que “o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo quando provenientes de actos ilícitos, no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos, nos termos deste Código” e que o 2° do referido Código estão entre os sujeitos passivos do Imposto, as sociedades comerciais.
Porém, resulta da factualidade apurada pelo Tribunal de que a Impugnante exerce as actividades de exploração de jogo e actividades hoteleiras e, de acordo com a prova realizada - provas documental e testemunhal - tais actividades derivam única e exclusivamente do(s) contrato(s) de concessão de exploração de jogo / celebrado entre o Estado Português e a Impugnante. Na verdade, toda a prova realizada pela Impugnante foi nesse sentido e nenhum indício de que tal não corresponde à verdade foi carreado para os autos pela Fazenda Pública. Assim sendo, tendo em atenção o regime estipulado por tais contratos, a Impugnante unicamente, mediante contrapartidas, explora a lucrativa actividade de jogo e, sequentemente, também unicamente, por força de tais contratos, desenrola actividade económica no sector hoteleiro.
E, como decorre do elenco dos factos provados, por força do contrato de concessão celebrado com o Estado “a empresa concessionária obriga-se a assegurar a exploração, nos termos da legislação em vigor, dos estabelecimentos hoteleiros construídos por força do contrato de concessão anterior, durante todo o prazo de concessão”. Porém, por força do mesmo contrato “a concessionária fica obrigada ao pagamento de um imposto especial pelo exercício da actividade do jogo, não sendo exigível qualquer outra tributação geral ou local relativa ao exercício dessa actividade ou de quaisquer outras a que esteja obrigada neste contrato, processando-se a respectiva liquidação e cobrança nos termos dos artigos 84° e seguintes do citado Decreto-Lei n° 422/89”.
Ora, dispõe o artigo 84°, nº 1 do Decreto-Lei n° 422/1989 de 2 de Dezembro que “as empresas concessionárias ficam obrigadas ao pagamento de um imposto especial pelo exercício da actividade do jogo, o qual será liquidado e cobrado nos termos das disposições seguintes”. Dispondo o n° 2 do referido artigo que “não será exigível qualquer outra tributação, geral ou local, relativa ao exercício da actividade referida no número anterior ou de quaisquer outras a que as empresas concessionárias estejam obrigadas nos termos dos contratos de concessão e pelo período em que estes se mantenham em vigor”. Nesta conformidade, do probatório (sobretudo dos termos dos contratos) resulta que, para efeitos de tributação a actividade hoteleira não tem autonomia e sendo assim os lucros decorrentes do exercício desta actividade não têm tributação autónoma, pois estão englobadas na base tributável sobre que incide o imposto especial do jogo.
Daí que não haja lugar à liquidação de IRC, por conjugação das disposições já referidas e relativas ao contrato de concessão de jogo e ao preceituado no art.° 7.° do CIRC que estabelece que “não estão sujeitos a IRC os rendimentos directamente resultantes do exercício de actividade sujeita ao imposto especial de jogo”, tal como se verifica in casu.
Assim, conclui o Tribunal que apesar da Impugnante ser uma sociedade e, como tal, sujeita de IRC, uma vez que nenhum indício resulta de que exerce qualquer actividade económica que não aquelas a que está obrigada pelos já referidos contratos de concessão de jogo, não pode a mesma ser tributada em sede de IRC, conforme supra se expôs.
(...)“.
No mesmo sentido da sentença recorrida já havia decidido este TCAN, em Ac. datado de 19.NOV.09, in Rec. no 671/04.
Com efeito refere-se neste aresto jurisprudencial, a dado passo, o seguinte:
“(…)
Importa desde já assinalar e reiterar que em causa está o exercício por parte da impugnante, de duas actividades:
Uma, a de exploração de zona de jogo;
Outra de exercício de indústria hoteleira.
A primeira das actividades está sujeita a imposto especial de jogo “ex vi” do artigo 84 n° 1 e 2 do DL 422/89 de 02 Dezembro.
E a segunda das actividades, a hoteleira?
A resposta tem de buscar-se no contrato de concessão de exploração de jogo outorgado em 29.12.1988 entre o Estado Português e a impugnante e publicado no DR n°37111 Série de 14 02 1989.
Como se pode ver da cláusula 6° do referido contrato ficou acordado que a concessionária se obriga a assegurar a exploração nos termos da legislação em vigor dos estabelecimentos hoteleiros construídos por força do contrato de concessão anterior durante toda o prazo de concessão.
Pareceria assim que a par da exploração do jogo, a impugnante exerceria ainda a actividade hoteleira em paralelo com aquela.
Todavia, a cláusula 7° do mesmo contrato vem sujeitar o exercício de todas as actividades objecto desse contrato ao pagamento de um imposto especial pelo exercício da actividade de jogo não lhe sendo exigível qualquer outra tributação geral ou local relativamente ao exercício dessa mesma actividade (a de jogo) ou de quaisquer outras a que esteja obrigada por esse contrato.
Resulta dos autos e sobretudo dos termos do acordo que para efeitos de tributação a actividade hoteleira não tem autonomia e, sendo assim os lucros decorrentes do exercício desta actividade não têm tributação autónoma pois estão englobados na base tributável sobre que incide o imposto especial de jogo.
Daí que não haja lugar à liquidação de IRC por força das disposições combinadas já referidas e relativas ao contrato de concessão de jogo e ao preceituado também no art° 7º CIRC que expressamente dispõe:
Artigo 7°
Rendimentos não sujeitos
Não estão sujeitos a IRC os rendimentos directamente resultantes do exercício de actividade sujeita ao imposto especial de jogo.
(…)”
Nestes termos, em total concordância com a jurisprudência deste TCAN e, bem assim, com o teor da decisão recorrida, há que concluir que, no caso sub judice, as despesas confidenciais ou não documentadas em causa nos autos, não estão sujeitas a IRC.
Com efeito, resulta claro que a Impugnante exerce apenas duas actividades - a de exploração de jogos e a hoteleira - sendo certo que ambas as actividades decorrem dos contratos de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar e, bem assim, que a actividade hoteleira apresenta-se como uma actividade imposta pela concessão, como algo conexo e complementar da actividade de exploração de jogos.
Neste caso, portanto, as despesas confidenciais (derivem elas da exploração de jogos ou da actividade hoteleira), não estão sujeitas a IRC, já que, nos termos dos preceitos legais citados, ambas as actividades desenvolvidas pela Impugnante não estão sujeitas a este imposto mas sim ao imposto especial de jogo.
Como se vê, no entendimento jurisprudencial que vem sendo acolhido, é absolutamente irrelevante a consideração da Recorrente segundo a qual a impugnante não logrou provar que os encargos concretamente decorrentes destas despesas confidenciais estão relacionados com a exploração do jogo, pois que, como se referiu, mesmo admitindo a sua relação com a actividade hoteleira, a verdade é que esta actividade, na medida em que é imposta pela concessão da exploração de jogos, não está sujeita a IRC.
Nestes termos, improcedem todas as conclusões das alegações de recurso, impondo-se, em consequência, a manutenção da sentença impugnada.
3 - CONCLUSÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TACN em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 17 de Novembro de 2011
Ass. Catarina Alexandra Amaral Azevedo Almeida e Sousa
Ass. Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Ass. Irene Isabel Gomes das Neves