Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00498/14.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA/SEGURANÇA SOCIAL; ACUMULAÇÃO DAS PRESTAÇÕES DE SUBSÍDIO DE DOENÇA COM O EXERCÍCIO DE ACTIVIDADE PROFISSIONAL; FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO; PRESCRIÇÃO;
PRESSUPOSTOS DA ANULAÇÃO DA ATRIBUIÇÃO DAS PRESTAÇÕES DE DOENÇA
Recorrente:O.
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

O., residente na Rua (…), instaurou acção administrativa contra o Instituto da Segurança Social, IP, com sede na Rua da (…).
Pediu que se declare o acto administrativo em causa - decisão do Instituto da Segurança Social, Centro Distrital de (...), pela qual declarou a nulidade do acto de atribuição das prestações de subsídio de doença nos períodos compreendidos entre 02/01/2006 a 31/10/2006, 27/11/2006 a 18/01/2009 e 26/03/2009 a 22/04/2010 por se ter verificado a acumulação com o exercício de actividade profissional - ineficaz, nulo ou, no mínimo, anulável bem como as notas de reposição (6901256 e 70919419) emitidas na sequência daquela decisão.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção e absolvida do pedido a Entidade Demandada.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:

Considerou a decisão recorrida que não estava verificada a falta de fundamentação do acto administrativo alegada pelo recorrente, todavia não pode concordar-se com esse entendimento.

Com efeito não basta dizer que o recorrente em “determinado momento” conferiu e assinou 42 faturas da sociedade A., Lda. Pois tal afirmação afigura-se genérica e imprecisa, uma vez que não indica quando tais facturas teriam sido conferidas e para que efeito o foram sendo certo que a mera conferência de tais documentos não poderá nunca sem mais traduzir acto profissional de gestão.

Considera assim o recorrente que nada foi alegado na decisão administrativa impugnada e muito menos provado relativamente à concreta data em que esses documentos teriam sido conferidos e assinados pelo recorrente, ou a finalidade de tal conferência.

Por conseguinte a decisão recorrida não deu como provado em que data essas faturas foram conferidas e assinadas e para que finalidade, limitando-se à genérica fórmula “determinado momento”, sendo tal facto decisivo para saber se o recorrente com tal acto praticou de facto actividade profissional em simultâneo com a incapacidade por doença de que demonstradamente padeceu.

Ora a falta de alegações de tais factos na decisão impugnada, constitui na perspetiva do recorrente, uma insuficiência na fundamentação do acto que importa a sua nulidade. A decisão Administrativa impugnada não está suficientemente fundamentada, e os parcos fundamentos apresentados são genéricos e insuficientes, não identifica os concretos actos praticados e qualificados como actos alegadamente profissionais, pelas datas da sua ocorrência.

Face ao exposto, considera-se ocorrer ausência, de modo suficiente, de fundamentação ou motivação do acto impugnado, já que o mesmo não contém os fundamentos de facto e de direito que permitam com total clareza, suficiência e coerência dar a conhecer ao destinatário as razões por ter decidido neste sentido e não noutro, tal como impõe o art. 125º nº1 do CPA.

A falta de fundamentação (vide obrigatoriedade da mesma no art. 124º nº1 al. a) CPA., inquina o acto administrativo de ilegalidade o que determina a sua anulabilidade (vide neste sentido Ac. TCANorte de 10-02-2012 in www.dgsi.pt)

Deste modo mal andou a sentença recorrida ao considerar que o acto administrativo impugnado comportaria fundamentação suficiente, decisão que violou o disposto no art. 124º n. 1 al. a) do CPA.

Considerou a sentença recorrida improcedente a excepção de prescrição invocada pelo recorrente, todavia sem razão, pois tal entendimento comporta uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 3º do D. L. nº 133/88 de 20/04.
10º
Do teor decisão recorrida resulta evidente que o Tribunal “a quo” não respondeu à questão enunciada pelo recorrente, ou seja, passou ao lado da questão de saber qual é o prazo legal para que a Segurança Social proceda à interpelação para restituição dos valores alegadamente indevidos a que se refere aquela art. 3º, cingindo-se apenas à questão da prescrição do direito após tal interpelação. É que necessariamente existem dois momentos distintos, o momento após o recebimento da quantia, mas antes da interpelação realizada pela Segurança Social e o momento após a realização dessa interpelação.
11º
O regime prevenido no D. L. 133/88 de 20/04 é omisso relativamente ao prazo legal dentro do qual a recorrida Segurança Social deverá efectuar a respectiva interpelação ao devedor para efectuar a restituição, O prazo para despoletar a interpelação não pode ser discricionário e sem limite, pois de outro modo teríamos de concluir que o prazo de 10 anos de prescrição do direito à restituição nunca teria o seu início, sendo esse início precisamente o acto de interpelação, o que colidiria frontalmente com os princípios da segurança e certeza jurídica que informam o Estado de Direito.
12º
Por conseguinte, atenta a indiscutível omissão verificada no regime do D. L. 133/88 de 20/04, torna-se necessário lançar mão do regime geral prevenido no Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.07, regime que rege para todas as situações em que devam ocorrer reposições de quantias recebidas indevidamente.
13º
Com efeito a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas indevidamente prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento, nos termos do n.º1, do artigo 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.07, diploma que aprovou o Regime de administração financeira do Estado. Ou seja, a segurança social deveria ter despoletado a interpelação com vista à reposição de quantias indevidas no prazo de 5 anos a contar do recebimento, e uma vez realizada tal interpelação o direito prescrevia no prazo de 10 anos.
14º
Deste modo o artigo 3º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20.04, deverá ser interpretado no sentido de que o limite temporal estabelecido no n.º 1, do artigo 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.07, é aplicável sempre que não ocorra interpelação para o pagamento dentro desse limite temporal.
15º
Ora, conforme flui dos autos entre o pagamento ao recorrente da última prestação ocorrido em 22/04/2010, constata-se que a recorrida não despoletou qualquer interpelação válida para obter o pagamento dentro do prazo de cinco anos, já que só em 04/08/2015 ou seja mais de cinco anos depois é que o recorrente foi interpelado nesse sentido.
16º
Por conseguinte logo se vê que o direito à restituição estaria prescrito pelo decurso do referido prazo legal de cinco anos, por falta de interpelação nesse sentido dentro desse prazo legal - cfr. Ac. do TCAN de 30/11/2012 in www.dgsi.pt,
17º
Deste modo mal andou a decisão recorrida ao julgar improcedente a invocada prescrição, fazendo uma errada aplicação do disposto no art. 3º do D. L. nº 133/88 de 20/04.
18º
A decisão recorrida, estribada no facto de o recorrente ter conferido e assinado 42 faturas, “em determinado momento” sem concretizar que momento foi esse, concluído por isso que exerceu actividade profissional em acumulação com o subsídio de doença, conclusão, que o recorrente considera errada.
19º
O acto de conferir 42 faturas, sem se demonstrar que o mesmo se circunscreveu no âmbito da gerência, não permite concluir pela prática de qualquer actividade profissional do recorrente. Com efeito essa faturas poderiam ter sido conferidas pelo recorrente para os mais diversos fins, alheios ao giro da sociedade, ou na sua qualidade de sócio, em virtude da aprovação das contas da sociedade, actuação que se inscreve na sua qualidade de sócio e que escapa à sua qualidade de gerente.
20º
Acresce que não se tendo provado em que data esses documentos foram conferidos e assinados pelo recorrente não poderia a decisão recorrida concluir que tal acto ocorreu durante o período de incapacidade do recorrente. Tal conclusão não encontra nos factos provados sustentação possível,
21º
Mas inda que assim não fosse, tais actos, pela sua natureza, não se subsumem no conceito de actividade profissional a que se alude na lei. Os actos assim praticados em nada constituem exercício de qualquer tipo de actividade profissional nos termos prevenidos na lei, uma vez que o cargo de gerente não constituir por natureza actividade profissional, na medida em que se traduz na representação orgânica de uma pessoa colectiva, que de outro modo ficaria inoperativa.
22º
De qualquer modo e sempre sem conceder, a decisão de anulação integral do direito ao subsídio de doença constitui uma decisão desproporcional, desequilibrada e injusta, pois priva o recorrente do direito ao subsídio de doença durante todo o longo período de tempo em que esteve demonstradamente incapacitado para o trabalho, em razão de ter conferido e assinado 42 faturas, sem que se saiba quando é que isso sucedeu.
23º
Deste modo, a decisão recorrida ao julgar a acção improcedente e ao confirmar o acto administrativo de anulação do direito do recorrente ao subsídio de doença, comporta um tal grau de ofensa dos direitos da recorrente da justiça e do Estado de Direito, merecedora de censura.
24º
É pois infundado e destituído de todo o sentido interpretativo (ver art. 9 do CC) da norma legal do art. 24º, nº 1 al. c) do D. L. 28/2004 de 04/02, a tese de que os actos praticados pelo gerente na estrita representação da sociedade que representa, devem sem mais ser considerados actividade profissional para efeito da referida norma.
25º
Tais actos estão obviamente excluídos da previsão normativo do art. 24º, nº 1 al. c) do D. L. 28/2004 de 04/02 que expressamente se refere ao exercício de actividade profissional, situação que o cargo de gerente não constitui.
26º
A interpretação que a decisão recorrida fixou aquela norma legal, conduziria à conclusão de que o gerente de uma sociedade nunca poderia estar em situação de incapacidade por doença beneficiando do respectivo subsídio, situação que configura uma clara violação dos direitos liberdades e garantias constitucionalmente protegidos.
27º
Afigura-se inconcebível que o gerente de uma sociedade pudesse deixar de cumprir as obrigações da sociedade que representa tais como salários, impostos, prestações bancárias entre outras, justificando esse incumprimento numa situação de incapacidade por doença que o impediria de tais actos. Se assim fosse estava encontrada uma justificação aparentemente legal para que as sociedades e outras pessoas colectivas deixassem de cumprir as suas obrigações atempadamente a coberto das incapacidades por doença dos seus representantes, para não verem retirado o subsídio de doença!!!
28º
Deste modo afigura-se evidente que o recorrente, de qualquer modo, não exerceu, relativamente àquela sociedade A., Lda., qualquer actividade profissional, não tendo a decisão recorrida conforma uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 24, nº 1 al. c) do D. L. 28/2004, sendo por isso ilegal e injusta.
29º
Por assim ter sido a sentença recorrida que julgou improcedente a acção confirmando o acto administrativo de cessação / anulação das prestações de subsídio por doença proferido pela recorrida padece de ilegalidade, o que gera a sua nulidade, [violação dos arts. 63.º e 64.º da CRP - direito/garantia de acesso à proteção da saúde e apoio na doença; infração dos arts. 02.º e 14.º do DL n.º 28/2004, bem como estão feridas de nulidade as notas de reposição que dela emanam.
30º
Deve, pois, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente e consequentemente seja anulado o acto administrativo de cessação / anulação das prestações de subsídio por doença impugnado, com todas as consequências legais.
TERMOS EM QUE SE REQUER QUE CONCEDAM PROVIMENTO
AO PRESENTE RECURSO E CONSEQUENTEMENTE REVOGUEM A
SENTENÇA RECORRIDA SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGUE A
ACÇÃO PROCEDENTE, DECLARANDO O ACTO ADMINISTRATIVO
IMPUGNADO INEFICAZ, NULO, OU NO MÍNIMO ANULÁVEL, BEM
COMO AS NOTAS DE RESTITUIÇÃO QUE DELE EMANARAM MANTENDO
SE O DIREITO AO BENEFÍCIO DO SUBSÍDIO DE DOENÇA NOS PERÍODOS
EM QUESTÃO RELATIVAMENTE AO RECORRENTE E ASSIM SE
REALIZARÁ,
JUSTIÇA.

O Réu juntou contra-alegações, concluindo:

1 - A sentença recorrida considerou que o ato praticado pelo recorrido não padece de falta de fundamentação, que não ocorreu prescrição do direito à restituição das prestações de doença e que se verificaram os pressupostos da anulação da atribuição das prestações de doença ao recorrente;
Com efeito,
2 - A Meritíssima Juíza “a quo” considerou como provado, no ponto 2 da sua lista dos factos provados, que “o recorrente é gerente da A. desde 2/08/2004 e, ainda, no ponto 5 da mesma lista, que “a representação da A. compete a um ou mais gerentes sendo necessária apenas a assinatura de um deles para a vincular.”
3 - A Meritíssima Juiz considerou ainda como provado que “são sócios da A. o A. e a sua esposa” (facto 6 dos factos provados), “o A. foi consultado por médico que determinou a sua incapacidade para o trabalho” nos períodos constantes da sentença ora impugnada (facto 7 dos factos provados), “por via disso o A. auferiu prestações de doença” (facto 9 dos factos provados),
4 - Mais considerou provado que, “pese embora a situação clínica de incapacidade para o trabalho o A., na qualidade de gerente da A., conferiu e assinou alguns documentos relativos ao normal giro desta sociedade, que a responsável pela contabilidade lhe solicitou que assinasse” (facto 10 dos factos provados),
5 - “Durante os períodos que esteve em situação de doença subsidiada o A. assinou quarenta e duas facturas, com datas compreendidas entre 31/01/2006 e 26/02/2010, cfr. fls. 93 do p.a. e fls. 97 a 138 do anexo II do p.a.” (facto 12 dos factos provados),
6 - “O Departamento de Fiscalização, (da recorrida) no âmbito de processo de averiguações emitiu relatório final no qual concluiu que o A. esteve no exercício de uma actividade normalmente remunerada em contravenção com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do artigo 24ºdo Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4/2 por ter exercido actividade profissional independentemente da não existência de remuneração, cfr. fls. 19 a 21 do p.a.” (facto 13 dos factos provados).
7 - Mais resultou provado (factos 15 e seguintes dos factos provados) que o recorrido cumpriu a marcha do procedimento notificando o recorrente do projecto de decisão e decisão final, dando também cumprimento à decisão proferida em sede de recurso hierárquico reformulando o procedimento em conformidade.
8 - A assinatura e conferência das 42 facturas reporta-se a um período concreto (31/01/2006 a 26/02/2010), devidamente datado, traduzindo-se num facto provado (facto 12) que se estribou no exame da prova documental carreada para o p.a. pelos serviços de fiscalização da recorrida e das informações oficiais constantes também do p.a.
9 - As facturas em causa são relativas ao giro da sociedade e não à vida particular do recorrente. As datas em que foram assinadas e conferidas consta das mesmas e inserem-se no período em que o recorrente se encontrava incapacitado para o trabalho, sendo certo que o recorrente nunca invocou que tais facturas fossem destinadas a gerir aspectos da sua vida particular.
10 - Do facto provado 10 decorre explicitamente que as facturas em causa estão assinadas pelo gerente da sociedade A. e que se tratam de documentos relativos ao normal giro da sociedade
11 - A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do ato administrativo, exigindo-se que, perante o itinerário cognoscitivo e valorativo constante daquele ato, um destinatário normal possa ficar a saber por que se decidiu em determinado sentido. Ac. do TCAN de 12/10/2018 proferido pela 1ª seção de contencioso administrativo no proc. n.º 02730/13.8BEPRT
11 – O ora recorrente está perfeitamente ciente do que está em causa e dos fundamentos do ato proferido uma vez que recorreu hierarquicamente do mesmo, tendo-lhe sido dada razão e o recorrido repetido o procedimento em conformidade, aprofundando ainda mais os fundamentos já originariamente veiculados.
12 - Entendemos que perante o ato praticado a sentença ora em crise produziu prova bastante da sua fundamentação, inclusive a prova do período em que as facturas, destinadas ao giro da sociedade, foram assinadas, as quais continham datas apostas que coincidiam com os períodos em que o recorrente se encontrava de baixa. Cremos assim que foi correctamente aplicado o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 124º do CPA.
13 - Estabelece o artigo 13º do Decreto-Lei n.º 133/88 de 20 de abril, em vigor por força do disposto no artigo 109º da Lei n.º 4/2007, de 16/1, que aprovou as bases gerais do sistema de segurança social, que “o direito à restituição do valor das prestações indevidamente pagas prescreve no prazo de 10 anos a contar da data da interpelação para restituir.”
14 - É este o regime aplicável à situação concreta sem necessidade de recorrer a regimes subsidiários, a juízos de analogia ou a integração de conceitos.
15 - Basta atentar no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 155/92, bem como na secção onde se insere o artigo 40º, para verificarmos que este preceito nada tem a ver com a matéria em apreço e não pode ser entendido para afastar a norma específica, constante do Decreto-Lei n.º 133/88, no que toca à prescrição do direito à restituição de prestações, ou seja o seu artigo 13º.
16 - O artigo 40º vem regular a prescrição no que toca ao prazo para repor quantias recebidas que devam reentrar nos cofres do Estado e que foram, indevidamente ou erradamente, pagas a funcionários ou agentes da Administração Pública. Cfr artigos 36º e segs. do referido diploma legal.
17 - A prescrição apenas ocorre 10 anos volvidos sobre a interpelação para restituir, considerando a última notificação dirigida ao recorrente em 2/12/2016, sempre teremos de concluir que o direito à restituição das prestações de doença indevidamente pagas não se encontra prescrito.
18 - O recorrente que, em caso de doença, como em todas as actividades profissionais, está incapacitado para o trabalho não pode, pura e simplesmente, continuar a actividade e, ao mesmo tempo auferir subsídio de doença, uma vez que a sua atribuição pressupõe essa mesma incapacidade que se traduz, tal como encerra a própria etimologia da palavra, a impossibilidade de exercer a sua actividade.
19 - Sendo a esposa do recorrente sócia gerente o problema da incapacidade do recorrente para acorrer ao giro da sociedade estava naturalmente resolvido e, caso assim não o pretendesse poderia o recorrente acorrer aos meios legais disponíveis para suprir a incapacidade do gerente, tal como também refere a Meritíssima Juiz do processo na sentença ora em crise.
20 - A recorrida evidencia, por um lado, desconhecer em que se traduz a gerência e, por outro, os mecanismos legais para suprir as incapacidades, ou impedimentos do gerente para o exercício da sua atividade, bem como o regime jurídico que sustenta a atribuição de subsídio de doença no sistema de segurança social.
21 - “a gerência é, por força da lei e salvo casos excecionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir atuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. In Ac. do TCAN de 15/05/2014 - Proc. n.º 273/07.8BEMDL - www.dgsi.pt.
22 - Quer uns quer outros atos, compõem o órgão gerência, sendo os seus titulares que a exercem e esse exercício consubstancia, sem dúvida, uma atividade profissional.
23 - Sendo esta atividade profissional que permite, em caso de doença, a atribuição do respetivo subsidio cuja natureza não mais é do que a atribuição de prestações substitutivas da remuneração pela impossibilidade da prática da atividade profissional.
24 - A não ser qualificada como atividade profissional, como pretende o recorrente, estaria excluída a relação jurídica contributiva e deixaria todo e qualquer gerente de poder ser remunerado, efetuar descontos para o sistema de segurança social e beneficiar de proteção na doença.
25 - Nos termos do artigo 259º do CSC, os gerentes, no âmbito da sua atividade profissional, devem praticar os atos que forem necessários ou convenientes para a realização do objeto social, com respeito pelas deliberações dos sócios, nomeadamente atos de gestão corrente, como por exemplo o pagamento de débitos. Isto não significa que, em situação de incapacidade, não possam esses atos ser praticados por outros gerentes, através da faculdade de delegação de competências, ou através do mecanismo da ratificação, o que no caso em apreço nem teria de suceder, uma vez que a outra sócia e gerente já detinha poderes para vincular a sociedade de per si.
26 - Não pode proceder o entendimento do recorrente de que o gerente da sociedade por estar doente deixaria de cumprir com as obrigações da sociedade que representa, de que o mesmo recorrente não tenha exercido relativamente à sociedade A. Lda. qualquer actividade profissional e que a sentença ora em crise tenha interpretado erradamente a alínea c) do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4/2.
27 - O recorrente cumulou o exercício de atividade profissional com a atribuição de subsídio de doença, determinando-se assim a cessação da atribuição do subsídio ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 24º da Lei n.º 28/2004, de 4/2.
28 - Os serviços do recorrido apenas poderiam ter tomado conhecimento dessa situação se o recorrente, tal como lhe competia, informasse que se encontrava a trabalhar o que decorre dos factos dados como provados e do teor da norma legal a cujo cumprimento o recorrido está adstrito.
29 - Compete ao recorrente a restituição de todos os montantes recebidos indevidamente uma vez que, nos termos do artigo 3º, do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril, a preterição desse seu dever de informar os serviços do recorrido acarreta a obrigatoriedade da respetiva restituição na totalidade dos montantes recebidos, independentemente do período de tempo da respetiva concessão.
30 - Andou bem a Meritíssima Juiz “a quo” ao considerar, na sentença proferida em 20/05/2019, que não se verificam nenhum dos vícios invocados pelo recorrente no que toca à prolação do ato ora em crise, devendo o mesmo ser considerado válido e eficaz e, consequentemente, as notas de reposição emitidas para sua execução, uma vez que não se mostram violadas as normas constantes dos artigos 24º alínea c) do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4/2, o artigo 3º e 13º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20/4, artigo 40º do Decreto- Lei n.º 155/92 de 28/7 e artigos 63º e 64 da CRP, por terem sido correctamente aplicadas.
Assim, deverá ser mantido o aresto produzido, continuando a considerar-se totalmente improcedente a acção administrativa intentada pelo ora recorrente por nada haver a apontar ao acto praticado pelo recorrido que declarou a nulidade do ato de atribuição das prestações de subsídio de doença.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, proferindo-se acórdão que esteja em conformidade com as conclusões formuladas e, a final, ser a sentença mantida, por o ato praticado pelo recorrido estar conforme aos preceitos legais que regulam a matéria.
Com o que se fará justiça!

A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO


Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. O Autor exerce o cargo de gerente na sociedade G., Lda., desde 01.05.2001, cargo que é remunerado e efectua o pagamento das contribuições para a segurança social.
2. O Autor é gerente da sociedade A. , Lda., desde 02.08.2004.
3. As funções de gerente que exerce relativamente a esta sociedade A., Lda., não são remuneradas, não efectuando o pagamento de qualquer contribuição para a segurança social, por conta desta entidade.
4. A esposa do Autor encontra-se, tal como aquele, qualificada como membro de órgão estatutário das referidas sociedades, desde 01.01.2004 (no referente à G.) e desde 02.08.2004 (no referente à A.).
5. A representação da sociedade A., Lda. compete a um ou mais gerentes, sendo necessária apenas a assinatura de um deles para a vincular.
6. São sócios da sociedade A., Lda., o aqui Autor e a sua esposa.
7. O Autor foi consultado por médico que determinou incapacidade para o trabalho nos períodos de 02/01/2006 a 13/01/2006, de 14/01/2006 a 12/02/2006, de 13/02/2006 a 14/03/2006, de 15/03/2006 a 13/04/2006, de 14/04/2006 a 13/05/2006, de 14705/2006 a 12/06/2006, de 13/06/2006 a 12/07/2006, de 13/07/2006 a 02/08/2006, de 03/08/2006 a 01/09/2006, de 02/09/2006 a 01/10/2006, de 02/10/2006 a 31/10/2006, de 27/11/2006 a 08/12/2006, de 09/12/2006 a 07/01/2007, de 08/01/2007 a 06/02/2007, de 07/02/2007 a 08/03/2007, de 09/03/2007 a 07/04/2007, de 08/04/2007 a 07/05/2007, de 08/05/2007 a 06/06/2007, de 07/06/2007 a 06/07/2007, de 07/07/2007 a 05/08/2007, de 06/08/2007 a 04/09/2007, de 05/09/2007 a 04/10/2007, de 05/10/2007 a 03/11/2007, de 04/11/2007 a 03/12/2007, de 04/12/2007 a 02/01/2008, de 03/01/2008 a 01/02/2008, de 02/02/2008 a 02/03/2008, de 02/04/2008 a 01/05/2008, de 02/05/2008 a 31/05/2008, de 01/06/2008 a 30/06/2008, de 01/07/2008 a 30/07/2008, de 31/07/2008 a 29/08/2008, de 30/08/2008 a 28/09/2008, de 29/09/2008 a 28/10/2008, de 29/10/2008 a 27/11/2008, de 28/11/2008 a 27/12/2008, de 28/12/2008 a 18/01/2009, de 29/03/2009 a 27/04/2009, de 28/04/2009 a 27/05/2009, de 28/05/2009 a 29/06/2009, de 27/06/2009 a 26/07/2009, de 27/07/2009 a 25/08/2009, de 26/08/2009 a 24/09/2009, de 25/09/2009 a 24/10/2009, de 25/10/2009 a 23/11/2009, de 24/11/2009 a 23/12/2009, de 24/12/2009 a 22/01/2010, 23/01/2010 a 21/02/2010, de 22/02/2010 a 23/02/2010, de 22/02/2010 a 23/03/2010 e de 24/03/2010 a 22/04/2010 – cfr. fls. 111 a 160 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8. Nos referidos períodos, o Autor estava autorizado pelo médico a ausentar-se do domicílio das 11 horas às 15 horas (ou das 12 às 14 horas) e das 18 horas às 21 horas - cfr. fls. 111 a 160 do PA.
9. Por conta dos períodos referidos em 7., o Autor auferiu prestações de doença.
10. Pese embora a situação clínica de incapacidade para o trabalho, o Autor, na qualidade de gerente da sociedade A., Lda., conferiu e assinou alguns documentos relativos ao normal giro desta sociedade, que a responsável pela contabilidade lhe solicitou que conferisse e assinasse.
11. Os documentos correspondem a facturas emitidas pela sociedade A., Lda., que, em determinado momento, foram conferidas e subscritas pelo Autor.
12. Durante os períodos em que esteve em situação de doença subsidiada, o Autor assinou quarenta e duas facturas, com datas compreendidas entre 31.01.2006 e 26.02.2010 - cfr. fls. 93 do PA e fls. 97 a 138 do Anexo II do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13. A 16.12.2010, o Departamento de Fiscalização, no âmbito de processo de averiguações, emitiu relatório final no qual conclui que o Autor esteve no exercício de uma actividade normalmente remunerada em contravenção do estatuído na al. c) do nº 1 do art. 24º do DL nº 28/2004 de 04.02, por ter exercido actividade profissional, independentemente de não existência de remuneração – cfr. fls. 19 a 21 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
14. A 27.12.2010, a Directora de Unidade de Prestações e Atendimento do Centro Distrital de (...) proferiu despacho no sentido de ser criado débito à data de início por desconformidade com o disposto no nº 1 do art. 24º do DL nº 28/2004 de 04.02 - cfr. fls. 17 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
15. Por despacho de 05.01.2011, o Director da Segurança Social proferiu despacho de intenção de cessação do subsídio de doença com fundamento em ter o Autor exercido actividade profissional no período de incapacidade para o trabalho (al. c) do nº 1 do art. 24º do DL nº 28/2004 de 04.02) - cfr. fls. 27 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16. Por ofício de 05.01.2011, foi o Autor notificado da intenção de cessação do subsídio de doença com fundamento em ter exercido actividade profissional no período de incapacidade para o trabalho (al. c) do nº 1 do art. 24º do DL nº 28/2004 de 04.02) - cfr. fls. 26 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
17. A 24.01.2011, o Autor responde à referida comunicação – cfr. fls. 11 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
18. Por ofício datado de 10.03.2011, a Directora de Unidade de Prestações e Atendimento do Centro Distrital de (...) notifica o Autor de que “sobre os mesmos factos já foi emitida decisão no nosso ofício nº 1053 de 05.01.2011” - cfr. fls. 10 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
19. A 04.04.2011, o Autor apresentou recurso hierárquico da referida decisão – cfr. fls. 1 a 6 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
20. Por decisão de 17.11.2014, foi dado provimento ao recurso interposto pelo Autor – cfr. fls. 52 a 61 e 63 a 66 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
21. O Autor foi notificado do provimento do recurso - cfr. fls. 62 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
22. Por despacho de 01.07.2015 do Director do Núcleo de Prestações, foi reformulado o projecto de decisão em conformidade com a decisão constante do recurso hierárquico – cfr. fls. 67 e 83 a 90 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
23. O Autor foi notificado do projecto de decisão por ofício de 03.08.2015 - cfr. fls. 67 e 83 a 90 do PA.
24. A 12.08.2015, o Autor pronunciou-se sobre o referido projecto de decisão - cfr. fls. 104 a 110 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
25. A 11.11.2015 foi proferida informação no sentido da declaração de nulidade das prestações atribuídas a título de doença nos períodos compreendidos entre 02/01/2006 e 31/10/2006, 27/11/2006 e 18/01/2009 e 26/03/2009 e 22/04/2010, por se ter verificado a acumulação com exercício de actividade profissional - cfr. fls. 163 a 173 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
26. A 17.11.2015, pelo Director do Núcleo de Prestações foi proferido parecer com o seguinte teor “Concordo, devendo-se notificar o beneficiário … Declarada a nulidade das prestações, nos termos propostos, e notificado o beneficiário, promover os actos com vista à restituição do valor das prestações indevidamente pagas, ao abrigo do DL nº 133/88 de 24/04” - cfr. fls. 163 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
27. A 18.11.2015, o Director da Unidade de Prestações e Contribuições proferiu despacho de concordância com os fundamentos e nos termos invocados no parecer – cfr. fls. 163 do PA.
28. O Autor foi notificado da referida decisão por ofício de 02.12.2015 - cfr. fls. 174 a 184 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
29. Por ofício de 23.12.2015, foi o Autor notificado das notas de reposição nºs 6901256 e 7091941 resultantes da decisão final - cfr. fls. 202 a 208 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
X

DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador da sentença:
Com a instauração da presente acção, o Autor visa obter a declaração de nulidade ou a anulação da decisão que declarou a nulidade do acto de atribuição das prestações de subsídio de doença, nos períodos compreendidos entre 02/01/2006 a 31/10/2006, 27/11/2006 a 18/01/2009 e 26/03/2009 a 22/04/2010, bem como as notas de reposição emitidas na sequência daquela decisão.
A decisão de declaração de nulidade do acto de atribuição das prestações de subsídio de doença tem por fundamento a acumulação com o exercício de actividade profissional.
À decisão em crise, o Autor imputa os seguintes vícios: falta de fundamentação, prescrição do direito à restituição das prestações de doença e não verificação dos pressupostos da anulação da atribuição das prestações de doença.
Antes de analisar cada um dos vícios, importa convocar as normas legais pertinentes ao caso em apreço.
O decreto-lei nº 28/2004 de 04.02 define o regime jurídico de protecção social na eventualidade doença no âmbito do subsistema previdencial.
Nos termos do art. 1º, nº 2 do referido diploma, a protecção na eventualidade doença realiza-se mediante a atribuição de prestações destinadas a compensar a perda de remuneração presumida, em consequência de incapacidade temporária para o trabalho.
Preceitua-se no seu art. 3.º que a “proteção social regulada no presente diploma abrange os beneficiários do subsistema previdencial integrados no regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem e dos trabalhadores independentes, desde que o respetivo esquema de proteção integre a eventualidade doença”.
Estabelece o art. 5º que “O direito às prestações é reconhecido aos beneficiários que, à data do início da incapacidade temporária para o trabalho, reúnam as respectivas condições de atribuição.”
Nos termos do artigo 8º, a “atribuição do subsídio de doença depende da verificação do prazo de garantia, do índice de profissionalidade e da certificação da incapacidade temporária para o trabalho, nos termos previstos no presente diploma.”.
Estabelece o art. 24º, nº 1, al. c) que “O direito ao subsídio de doença cessa quando for atingido o termo do período constante do certificado de incapacidade temporária para o trabalho ou, durante o referido período, desde que (…) O beneficiário tenha exercido actividade profissional, independentemente da prova de não existência de remuneração;
(…)”.
Nos termos do art. 28º, nº 2, al. d), os beneficiários abrangidos pelo regime de protecção na doença devem comunicar à instituição de segurança social o exercício de actividade profissional, independentemente de prova da inexistência de remuneração.
Por sua vez, estabelece o artigo 29º que “A comunicação dos factos a que se refere o artigo anterior deve ser feita, por declaração do próprio ou de quem o represente, no prazo de cinco dias úteis a contar da data do início da situação de incapacidade temporária ou da ocorrência do facto, no caso de este se verificar subsequentemente.”
Por fim, preceitua o art. 30º que “O incumprimento dos deveres dos beneficiários determina os efeitos previstos no presente diploma, sem prejuízo das sanções contraordenacionais fixadas em lei especial.”
O DL 133/88 de 20.04. define as normas jurídicas referentes a situações de concessão indevida de prestações de segurança social, tanto no que respeita à responsabilidade emergente do pagamento de prestações indevidas como no que se refere à revogação dos actos de atribuição das prestações.
O recebimento indevido de prestações no âmbito dos regimes de segurança social dá lugar à obrigação de restituir o respectivo valor, sem prejuízo da observância do regime de revogabilidade dos actos administrativos – cfr. art. 1º do DL 133/88 de 20.04.
No caso de o pagamento indevido das prestações resultar de alterações do condicionalismo da sua atribuição, cujo conhecimento por parte das instituições de segurança social dependa de informação dos interessados, a obrigatoriedade da respectiva restituição respeita à totalidade dos montantes indevidos, independentemente do período de tempo da respectiva concessão – cfr. art 3º do DL 133/88 de 20.04.
O direito à restituição do valor das prestações indevidamente pagas prescreve no prazo de dez anos a contar da data da interpelação para restituir – cfr. art. 13º do DL 133/88 de 20.04.
Feito este enquadramento legal, vejamos os vícios imputados ao acto em crise, iniciando a nossa análise pela alegada falta de fundamentação.
O artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, concretizado nos artigos 124.º e 125.º do Código de Procedimento Administrativo, consagra o dever de fundamentação.
O objectivo da fundamentação “ (…) é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado ato, ato esse que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa já que o que importa é que, de forma sucinta, se conheçam as premissas do ato e que se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório (…)” - cfr. acórdão do TCAN de 14.02.2014, processo n.º 00756/07.0BEPRT, publicado em www.dgsi.pt).
Pretende-se, por um lado, a obrigação a uma ponderação e, por conseguinte, à formação de uma vontade mais esclarecida por parte da Administração, e, por outro, a conformação ou sindicância do acto praticado por parte do particular.
Para que cumpra as suas funções, a fundamentação deverá permitir que um destinatário médio consiga reconstituir o iter cognoscitivo, bem como as razões, de facto e de direito, que determinaram a adopção de um acto com determinado conteúdo - Cfr. Acórdão STA de 10/09/08, processo nº 65/08, publicado em www.dgsi.pt).
Ora, no caso em apreço, a factualidade apurada permite concluir que o acto se encontra devidamente fundamentado quanto às circunstâncias de facto e de direito que o motivaram.
De resto, é manifesto – quer pelo teor da petição inicial apresentada nesta sede quer pelas diversas pronúncias do Autor no procedimento administrativo - que o Autor conhece bem as razões de facto e de direito pelas quais a Entidade Demandada decidiu como decidiu. Coisa diferente é a sua discordância relativamente às mesmas.
Termos em que improcede a argumentação do Autor, neste tocante.
*
Alega o Autor que o direito à restituição das prestações de doença pagas se encontra extinto por manifesta prescrição. Sustenta que a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas indevidamente prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento, nos termos do n.º1, do artigo 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.07, diploma que aprovou o Regime de administração financeira do Estado; que o artigo 3º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20.04, sempre deverá ser interpretado no sentido de que o limite temporal estabelecido no n.º1, do artigo 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.07, é aplicável sempre que não ocorra interpelação para o pagamento dentro desse limite temporal; que, tendo a ultima prestação sido paga ao Autor em 22/04/2010, e tendo o requerido sido notificado do projecto de decisão em 04/08/2015, logo se vê que o direito à restituição estaria prescrito pelo decurso do referido prazo legal de cinco anos.
A Entidade Demandada rejeita a prescrição do direito em causa, com fundamento no disposto no art. 13º do AL nº 133/88 de 20.04, que refere ser o regime aplicável à situação concreta, sem necessidade de recurso a regimes subsidiários, a juízos de analogia ou a integração de conceitos.
É nosso entendimento que a razão está do lado da Entidade Demandada. Com efeito, estando consagrado um regime específico de prescrição quanto ao pagamento indevido de prestações da segurança social será este o aplicável – cfr. Acórdão do STA de 12.07.2017, Proc. nº 0667/16, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Assim, assente que a prescrição ocorre apenas volvidos 10 anos sobre a interpelação para restituir, é forçoso concluir, atenta a factualidade apurada, pela manifesta não prescrição do direito à restituição das prestações.
Em face do exposto, improcede igualmente o presente argumento do Autor.
*
Vejamos agora da alegada falta de verificação dos pressupostos da anulação.
Neste tocante, afirma o Autor que a Entidade Demandada faz uma errada interpretação das normas jurídicas aplicadas, designadamente do art. 24º, nº 1, al. c) do Dl 28/2004 de 04.02).
Depois de confirmar que, pese embora a situação clínica de incapacidade para o trabalho, na qualidade de gerente da sociedade A., Lda., tenha, de facto, conferido e assinado alguns documentos relativos ao normal giro desta sociedade, que a responsável pela contabilidade lhe solicitou que conferisse e assinasse, afirma o Autor que tais actos, pela sua natureza, não se subsumem no conceito de actividade profissional, nos termos prevenidos na lei, uma vez que o cargo de gerente não constitui por natureza actividade profissional, na medida em que se traduz na representação orgânica de uma pessoa colectiva, que de outro modo ficaria inoperativa.
Resulta da factualidade apurada que, durante os períodos em que esteve em situação de doença subsidiada, o Autor exerceu actividade de gestão na empresa “A., Lda.”, consubstanciada na assinatura de quarenta e duas (42) facturas, com datas compreendidas entre 31.01.2006 e 26.02.2010.
A actividade de gerência de uma sociedade, ainda que não remunerada, consubstancia uma actividade profissional.
Estando o Autor incapaz (por razões de saúde) para gerir uma sociedade e, por isso, auferindo prestações de doença, está naturalmente impedido de gerir essa ou outra sociedade, aqui não relevando se recebe ou não remuneração nem tão pouco a natureza dos actos praticados (representação ou administrativos). Defender coisa distinta afigura-se nos infundado.
Estando o Autor doente e incapaz para a prática da actividade profissional, os actos de gerente terão naturalmente de ser exercidos através dos meios legalmente previstos para o efeito. No caso concreto, a situação do Autor até era simples na medida em que a outra sócia e gerente (a sua esposa) detinha poderes para vincular a sociedade de per se.
Assim, conclui-se que o Autor cumulou o exercício de actividade profissional com a atribuição de subsídio de doença.
*
Por fim, argumenta o Autor que, caso se entenda que houve acumulação indevida, apenas poderia estar em causa o concreto dia em que tal acto teria sido praticado e já não todos os períodos de incapacidade.
Afirma a Entidade Demandada que os seus serviços apenas poderiam ter tomado conhecimento da situação em apreço se o Autor, como lhe competia, informasse que se encontrava a trabalhar. Donde, nos termos do art. 3º do DL. 133/88 de 20.04., cabe ao Autor a restituição de todos os montantes indevidamente recebidos.
Atenta a factualidade apurada e o teor da norma legal convocada já transcrita supra, conclui-se que a razão está do lado da Entidade Demandada.
Aqui chegados, e tendo presente que, neste âmbito, a Administração actua no exercício de poderes vinculados, é forçoso concluir que não podia a Entidade Demandada decidir de forma diferente, tendo-se limitado a cumprir o legalmente estipulado.
*
Soçobrando o pedido de invalidade da decisão em crise, naturalmente decai o pedido de invalidade das notas de reposição que dela emanaram.

X


É univocamente entendido pela doutrina e foi consagrado quer pela lei processual quer pela jurisprudência que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente, da respectiva motivação, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim sendo analisadas as conclusões, resulta que o Recorrente assaca à decisão erro de julgamento de direito.

Todavia, sem razão.

O Autor alicerçou a sua versão na acção nos seguintes vícios: falta de fundamentação, prescrição do direito à restituição das prestações de doença e não verificação dos pressupostos da anulação da atribuição das prestações de doença.

Da transcrição que fizemos da sentença resulta que todos estes pontos foram enfrentados/escalpelizados pela Senhora Juíza, em termos que neles nos revemos por inteiro.

Na verdade, a Senhora Juíza, depois de convocar o quadro normativo aplicável ao caso, sintetizou e sentenciou:
O DL 133/88 de 20.04. define as normas jurídicas referentes a situações de concessão indevida de prestações de segurança social, tanto no que respeita à responsabilidade emergente do pagamento de prestações indevidas como no que se refere à revogação dos actos de atribuição das prestações.
O recebimento indevido de prestações no âmbito dos regimes de segurança social dá lugar à obrigação de restituir o respectivo valor, sem prejuízo da observância do regime de revogabilidade dos actos administrativos - cfr. art. 1º do DL 133/88 de 20.04.
No caso de o pagamento indevido das prestações resultar de alterações do condicionalismo da sua atribuição, cujo conhecimento por parte das instituições de segurança social dependa de informação dos interessados, a obrigatoriedade da respectiva restituição respeita à totalidade dos montantes indevidos, independentemente do período de tempo da respectiva concessão - cfr. art 3º do DL 133/88 de 20.04.
O direito à restituição do valor das prestações indevidamente pagas prescreve no prazo de dez anos a contar da data da interpelação para restituir - cfr. art. 13º do DL 133/88 de 20.04.

Nesta sede recursiva, o Recorrente não questiona a factualidade tida por assente; reitera os vícios imputados ao acto impugnado.

Vejamos:
Da fundamentação do acto -

Como é sabido, a fundamentação constitui um dever genérico da Administração, na sua actuação com os administrados.

Com efeito, o artigo 124º do anterior Código do Procedimento Administrativo (artigo 153º do NCPA), na esteira do nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, consagra um dever geral de fundamentação dos actos administrativos, dever que é concretizado no artigo 125º do mencionado Código.

Preceitua este artigo 125º - sob a epígrafe “Requisitos da fundamentação” - nos nºs 1 e 2:
“1.A fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.
2.Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.”.

Assim, a fundamentação de um concreto acto, para que possa desempenhar em pleno a principal função subjacente à previsão da respectiva exigência, tem que ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou e, ademais, congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.

Tal como tem sido jurisprudência uniforme do STA, a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, na posição do interessado em concreto, não tenha dúvidas acerca das razões que motivaram a decisão - cfr., por todos, o Acórdão do Pleno de 14/05/97, segundo o qual, a fundamentação, “(...) varia consoante o tipo legal de acto administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dados a funcionalidade do instituto e os objectivos essenciais que prossegue: habilitar o destinatário a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade (objectivo endo-processual) a assegurar a transparência, a serenidade, a imparcialidade e a reflexão decisórias (objetivos exa ou extra-processuais)”.

A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer o particular e permitir-lhe o controlo do acto.
O que significa que o administrado deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, o que traduz a exigência de que a administração deve dar-lhe, ainda que de forma sucinta, nota do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para a tomada de decisão.

Na verdade, só assim o particular pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo; também só por essa via, ele fica munido dos elementos essenciais para poder impugnar a decisão.
É que, só sabendo quais os factos concretos considerados pela Administração, ele pode argumentar se eles se verificam ou não; só conhecendo os critérios valorativos da Administração sobre esses factos, ele pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma; finalmente, só em face das normas legais invocadas, ele pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso.

Com a fundamentação visa-se, pois, que o destinatário fique ciente do modo e das razões por que a administração decidiu num e não noutro sentido.

Sobre esta problemática da fundamentação, no âmbito específico dos actos administrativos proferidos no âmbito da actividade discricionária da Administração, pronunciou-se o Acórdão do STA, de 12/04/2007, no proc. 0941/05, onde sumariou: “ (…) IV - No domínio do exercício dos poderes discricionários a Administração tem de agir tendo sempre em vista a satisfação do interesse público e tal passa não só pela adopção do comportamento mais racional e mais ajustado aos fins que se visa prosseguir, como também pelo respeito dos princípios da legalidade, da igualdade, da imparcialidade, da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé. V - Quanto mais alargados forem os poderes discricionários maior é a obrigação do acto ser acompanhado de uma fundamentação clara, precisa e suficientemente desenvolvida pois que só assim se dá as necessárias garantias de defesa do administrado.”.

Na mesma linha ditou o mesmo Supremo Tribunal:
A fundamentação - como resulta do que se disse - visa responder às necessidades de esclarecimento do Administrado destinando-se a informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto e a permitir-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro. E, sendo assim, pode dizer-se que não só a insuficiência, a obscuridade e a contradição da fundamentação equivalem a falta de fundamentação, uma vez que as mesmas impedem o devido esclarecimento, como também que um acto está devidamente fundamentado quando o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal - o bonus pater familias do artº 487º, nº 2 do CC - fica a saber das razões que o motivaram cfr. nº 3 do artº 268º da CRP, e artº 124º do CPA - entre muitos outros, os seguintes Acórdãos do STA de 19/3/81, proc. 13.031, de 27/10/82/AD 256/528, de 25/7/84/AD 288/1386, de 4/3/87/AD 319/849, de 15/12/87/AD 318/813 e na doutrina Marcello Caetano “Manual”, pág. 477 e Esteves de Oliveira em “Direito Administrativo”, pág. 470.

Voltando ao caso concreto, como concluído no aresto em referência, a factualidade apurada permite concluir que o acto se encontra devidamente fundamentado quanto às circunstâncias de facto e de direito que o motivaram.
De resto, é manifesto - quer pelo teor da petição inicial apresentada nesta sede quer pelas diversas pronúncias do Autor no procedimento administrativo - que o Autor conhece bem as razões de facto e de direito pelas quais a Entidade Demandada decidiu como decidiu. Coisa diferente é a sua discordância relativamente às mesmas.

Assim:
-A fundamentação do acto administrativo, no que toca à clareza e suficiência, deve ter como padrão um destinatário normal, de modo a ficar habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legítimos/legalmente protegidos;
-A fundamentado não tem que ser prolixa, basta que seja suficiente;
-dito de outro modo, é de considerar suficiente a fundamentação do acto quando o seu destinatário demonstra bem ter compreendido os motivos determinantes daquele, dos quais se limita a discordar, isto é, a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação - v. o Prof. Vieira de Andrade, em “O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, pág. 138;
-O grau de fundamentação há de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado;
-Na hipótese vertente, perante o acto praticado, a sentença ora em crise produziu prova bastante da sua fundamentação, inclusive a prova do período em que as facturas, destinadas ao giro da sociedade foram assinadas, as quais continham datas apostas que coincidiam com os períodos em que o Recorrente se encontrava de baixa;
-Logo, o vício assacado ao acto não se descortina, sendo que não se ignora que uma coisa é a falta/insuficiência de fundamentação do acto e outra, bem distinta, é a discordância relativamente a essa mesma fundamentação, o que ora sucede.
As conclusões do presente recurso também atestam que o Recorrente se mostra perfeitamente ciente do teor e argumentos, de facto e de direito, do despacho administrativo em causa.

Da prescrição -

No que tange a este ponto, quer o regime legal específico, quer a jurisprudência deixam, de forma clara, regulado o prazo para a restituição do valor das prestações indevidamente pagas.

Com efeito estabelece o artigo 13º do DL 133/88, de 20 de abril, em vigor por força do disposto no artigo 109º da Lei 4/2007, de 16/1, que aprovou as bases gerais do sistema de segurança social, que “o direito à restituição do valor das prestações indevidamente pagas prescreve no prazo de 10 anos a contar da data da interpelação para restituir.”.

É, pois, este o regime aplicável à situação concreta sem necessidade de recorrer a regimes subsidiários, a juízos de analogia ou a integração de conceitos ou juízos subtis.

O Recorrente traz à colação diplomas que não têm aplicação ao caso sub judice.

Com efeito, o artigo 3º do DL 133/88, de 20/4 deve ser interpretado, compaginado com o disposto no artigo 40º do DL 155/92, de 28/7, neste sentido: ”No caso de o pagamento indevido das prestações resultar de alterações do condicionalismo da sua atribuição, cujo conhecimento por parte das instituições de segurança social dependa de informação dos interessados, a obrigatoriedade da respetiva restituição respeita à totalidade dos montantes indevidos, independentemente do período de tempo da respetiva concessão, até ao limite máximo de cinco anos.”.

O que está em causa é uma limitação imposta pela obediência ao princípio constitucional da segurança jurídica, ao consignar, no referido artigo 3º do DL 133/88, e para evitar que, em determinadas situações que não a dos autos, a administração, ao fim de quinze anos, venha pedir a restituição de verbas indevidamente recebidas, de um período superior a 5 anos, mesmo que o pagamento indevido seja imputável ao beneficiário.

Para esta interpretação lançou-se mão do nº 1 do artigo 40º do DL 155/92, de 28 de julho, que regula o regime de administração financeira do Estado, atento o facto de o artigo 3º do DL 133/88, de 20 de abril, permitir a restituição, independentemente do período de tempo.

Basta atentar no preâmbulo do DL 155/92, bem como na seção onde se insere o artigo 40º, para se verificar que este preceito nada tem a ver com a matéria em apreço e não pode ser entendido para afastar a norma específica, inserta no DL 133/88, de 20/4, no que toca à prescrição do direito à restituição de prestações, ou seja, o seu artigo 13º.

Efetivamente o artigo 40º vem regular a prescrição no que tange ao prazo para repor quantias recebidas que devam reentrar nos cofres do Estado e que foram, indevida ou erradamente, pagas a funcionários ou agentes da Administração Pública - cfr artigos 36º e segs. do referido diploma legal. No mesmo sentido decidiu a Senhora Juíza, norteando-se pela posição expressa no Acórdão do STA de 12/7/2017, no proc. 0667/16, cujo sumário reza assim:

Nos termos do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de Abril, a obrigação de restituição do pagamento indevido de prestações à segurança social prescreve no prazo de dez anos a contar da data da interpelação para restituir.
Assente que a prescrição ocorre (apenas) volvidos 10 anos sobre a interpelação para restituir, forçoso era concluir, vista a factualidade apurada e não posta em causa, pela manifesta não prescrição do direito à restituição das prestações.

Improcede este segmento do recurso.

Da alegada falta de verificação dos pressupostos da anulação –

O Recorrente vem sustentar a falta de verificação dos pressupostos para a anulação do ato “Depois de confirmar que, pese embora a situação clínica de incapacidade para o trabalho, na qualidade de gerente da sociedade A., Lda., tenha, de facto, conferido e assinado alguns documentos relativos ao normal giro desta sociedade, que a responsável pela contabilidade lhe solicitou que conferisse e assinasse, afirma o Autor que tais actos, pela sua natureza, não se subsumem no conceito de actividade profissional, nos termos prevenidos na lei, uma vez que o cargo de gerente não constitui por natureza actividade profissional, na medida em que se traduz na representação orgânica de uma pessoa colectiva, que de outro modo ficaria inoperativa.
Resulta da factualidade apurada que, durante os períodos em que esteve em situação de doença subsidiada, o Autor exerceu actividade de gestão na empresa “A., Lda.”, consubstanciada na assinatura de quarenta e duas (42) facturas, com datas compreendidas entre 31.01.2006 e 26.02.2010.

(…).
O Recorrente entende que tais atos, pela sua natureza, não se subsumem ao conceito de actividade profissional, na medida em que se traduz na representação orgânica de uma pessoa colectiva que de outro modo ficaria inoperativa. Defende, pois, que a sua actividade, enquanto gerente, não constitui uma actividade profissional.

Não perfilhamos este entendimento.

Tal como se explanou na sentença, a actividade de gerência de uma sociedade é uma actividade profissional.

O Autor transcreve vários preceitos do DL 28/2004 de 4/2 para extrair dos mesmos que é descabida a tese que os atos praticados pelo gerente na estrita representação da sociedade que representa possam ser considerados atividade profissional para efeitos do disposto noa alínea c) do n.º 1 do artigo 24º do referido diploma.

Refere que a interpretação da norma mencionada, fixada na sentença sob recurso, conduziria à conclusão de que um gerente nunca poderia estar numa situação de incapacidade por doença, beneficiando do respectivo subsídio, o que configura uma clara violação dos direitos liberdades e garantias. Mais aduz “…que o gerente, mesmo doente e de baixa, tem a obrigação de continuar a zelar pelo giro da sociedade que representa.”

Como advogado nas contra-alegações, esta afirmação constitui, em si mesmo, uma contradição.

De facto, não considerando a actividade do gerente como uma actividade profissional, o Recorrente consegue descobrir a indispensabilidade dessa mesma actividade para que a sociedade prossiga o seu giro.

Porém, em caso de doença, como em todas as actividades, está o gerente incapacitado para o trabalho e não pode, pura e simplesmente, continuar a actividade e, ao mesmo tempo, auferir subsídio de doença, uma vez que a sua atribuição pressupõe essa mesma incapacidade que se traduz, tal como encerra a própria etimologia da palavra, na impossibilidade de exercer a sua actividade.

De sublinhar que o subsídio de doença mais não é que uma prestação substitutiva dos rendimentos do trabalho.

Aliás, sendo a esposa do Recorrente sócia gerente, o problema da incapacidade deste para acorrer ao giro da sociedade estava naturalmente resolvido e, caso assim não o pretendesse, poderia o mesmo acorrer aos meios legais disponíveis para suprir a sua incapacidade - de gerente -, como bem observa a Senhora Juíza - Estando o Autor doente e incapaz para a prática da actividade profissional, os actos de gerente terão naturalmente de ser exercidos através dos meios legalmente previstos para o efeito. No caso concreto, a situação do Autor até era simples na medida em que a outra sócia e gerente (a sua esposa) detinha poderes para vincular a sociedade de per se.

Deste modo não pode acolher-se a leitura do Recorrente na medida em que esta esbarra, por um lado, naquilo em que se traduz a gerência e, por outro, nos mecanismos legais para suprir as incapacidades ou impedimentos do gerente para o exercício da sua atividade, bem como no regime jurídico que sustenta a atribuição de subsídio de doença no sistema de segurança social.

Relativamente à natureza dos atos praticados sempre se dirá que “a gerência é, por força da lei e salvo casos excecionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir atuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objeto social), com a simples exceção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (v. artigos 260º/1 e 409º/1 do Código das Sociedades Comerciais).

O gerente/administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o ato em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário se o ato respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o ato em causa tem apenas eficácia interna estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o ato tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.” - Acórdão deste TCAN de 15/05/2014 no âmbito do proc. 00273/07.8BEMDL.

Todavia, quer uns, quer outros atos, compõem o órgão gerência, sendo os seus titulares que a exercem e esse exercício consubstancia, sem dúvida, uma atividade profissional.

Ademais, na base da relação jurídica contributiva está sempre uma atividade profissional que, no caso, corresponde à prática de atos típicos das funções de gerência de uma sociedade comercial, sendo esta atividade profissional que permite, em caso de doença, a atribuição do respetivo subsídio cuja natureza mais não é do que a atribuição de prestações substitutivas da remuneração pela impossibilidade da prática da atividade profissional.

Não se perfilha, assim, que os aludidos atos não constituam o exercício efetivo de atividade profissional, mas, apenas, uma forma de cuidar que a empresa se mantenha em funcionamento, uma vez que a sociedade (que formalmente não tem outros trabalhadores ao serviço para além dos seus dois gerentes), se vincula pela assinatura de qualquer um deles.

A não ser qualificada como atividade profissional, como pretende o Recorrente, estaria excluída a relação jurídica contributiva e deixaria todo e qualquer gerente de poder ser remunerado, efetuar descontos para o sistema de segurança social e beneficiar de proteção na doença - afirma-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.

Assim, independentemente da qualificação dos atos praticados pelo Recorrente como de administração, gestão ou representação, a verdade é que tal prática implica, ou tem inerente, o exercício da correlativa atividade profissional.

Dito de outro modo, todos os atos de gerência, fossem eles de mera representação ou de administração teriam de passar pelo Recorrente ou pela outra sócia gerente, sendo certo que no seu impedimento (por doença) deveriam ter sido necessariamente praticados pela sua mulher, repete-se, sócia gerente, que também vinculava a sociedade e já assinava outros documentos, como sejam os relatórios de gestão juntos ao processo administrativo.

Nos termos do artigo 259º do CSC os gerentes, no âmbito da sua atividade profissional, devem praticar os atos que forem necessários ou convenientes para a realização do objeto social, com respeito pelas deliberações dos sócios, nomeadamente atos de gestão corrente, como por exemplo o pagamento de débitos.

Contudo, isso não significa que, em virtude de uma situação de incapacidade, não possam esses atos ser praticados por outros gerentes, através da figura da delegação de competências ou através do mecanismo da ratificação, o que no caso vertente nem teria de suceder, uma vez que a outra sócia e gerente já detinha poderes para vincular a sociedade de per si.

Deste modo, não se secunda o entendimento do Recorrente de que a sentença recorrida tenha interpretado erradamente o DL 28/2004, de 4/2.

Tendo o Recorrente cumulado o exercício de atividade profissional com a atribuição de subsídio de doença, tal determina a cessação da atribuição do subsídio, ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 24º da Lei 28/2004, de 4 de fevereiro.

In casu a Administração actuou no exercício de poderes vinculados, pelo que inevitável é a conclusão de que não poderia ter decidido de modo diferente.

Andou bem a Senhora Juíza ao considerar que não se verificam os vícios assacados ao ato em crise.

O Recorrente apela a princípios constitucionais que não se olvida que emanam do Estado de Direito.

Contudo, o apelo aos direitos, liberdade e garantias constitucionalmente tutelados tem de ser articulado com a necessidade de prevenir e reforçar os mecanismos de combate à fraude na obtenção do subsídio de doença, conforme decorre do preâmbulo do DL 28/2004, que acentua: “Num outro plano, as normas ora criadas visam prevenir e reforçar os mecanismos efectivos de combate à fraude na obtenção do subsídio de doença, tendo em conta os reflexos significativos de tais práticas na sustentabilidade financeira do sistema público de segurança social”.
Como bem aponta o Ministério Público, foi sem dúvida intenção do legislador obstar a que se verifiquem situações, como o caso dos autos, em que beneficiários de subsídio de doença não estão de facto impedidos de exercer a sua actividade profissional em benefício próprio ou de outrem, tanto assim que efectivamente o fazem.
E continua: se o conseguem fazer, mesmo sem retribuição, é porque estão de facto aptos a realizar actividade e a produzir, o que invalida a decisão do estado de incapacidade para o trabalho.

Improcedendo as conclusões do Apelante, manter-se-á na ordem jurídica a sentença sob escrutínio que dissecou, de forma correcta e cabal, os instrumentos normativos aplicáveis ao caso.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
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Custas pelo Recorrente.
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Notifique e DN.
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Porto, 05/02/2021


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas