Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00768/10.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/30/2017
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DIREITO DE AUDIÇÃO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Enquanto as nulidades de processo “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais”, as nulidades da sentença são apenas as taxativamente previstas no artigo 668.º, n.º 1 do CPC (actual artigo 615.º) e que contém sempre “vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada”.
II - Mesmo no caso de se entender que o juiz deve proferir despacho a dispensar a produção de prova, a omissão do mesmo apenas traduz a preterição de uma formalidade legal eventualmente geradora de uma nulidade processual [artigo 201.º (actual 195.º) do CPC], a qual, não sendo do conhecimento oficioso [artigo 202.º (actual 196.º) do CPC], tem de ser tempestivamente arguida pela parte [artigo 205º (actual 199.º) do CPC].
III - O direito de audição no procedimento tributário não se esgota com a possibilidade de o contribuinte se pronunciar sobre todas as questões (de facto e de direito) que são objecto do procedimento antes da decisão final, englobando também a faculdade de requerer a realização de diligências e juntar documentos.
IV - A violação do direito de audição, na vertente do direito de o contribuinte requerer a realização de diligências complementares, só ocorrerá se for omitida a realização de diligências que, por serem convenientes para averiguar factos cujo conhecimento seja necessário para a justa e rápida decisão do procedimento, deveriam ter sido realizadas.
V – Se, fundamentadamente, a Administração Tributária não realiza as diligências de prova, por entender não serem indispensáveis à descoberta da verdade material, não incorre em qualquer ilegalidade por violação do direito de audição.
VI - Tendo o procedimento tributário como objectivo a descoberta da verdade material, a Administração Tributária, que dirige o procedimento, e com vista a essa descoberta, tem o dever de apurar todos os factos, independentemente de os mesmos serem ou não desfavoráveis ao sujeito passivo e do requerimento deste nesse sentido.
VII – A recusa pela Administração Tributária de praticar diligências requeridas pelo contribuinte ou a não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, consubstancia um vício procedimental, que é fundamento de ilegalidade do acto tributário ou em matéria tributária e susceptível de determinar a sua anulação.
VIII - Isto não significa, porém, que a Administração Tributária esteja obrigada a realizar todas as diligências requeridas pelo contribuinte, pois aquela não está condicionada na condução do procedimento às pretensões dos contribuintes.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:S..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

S…, Ld.ª, pessoa colectiva n.º 5.., com sede na Rua…, Campo, Valongo, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 06/06/2013, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa das liquidações adicionais de IVA de 2006 e respectivos juros compensatórios, no montante global de €48.731,68.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1ª – A prova documental produzida nos autos, nomeadamente os cheques juntos, demonstra à evidência a incorrecção da douta decisão da matéria de facto, na parte em que julgou não provado que “1) As facturas emitidas pelas Construções L… e Construções E... referidas em C), registadas na contabilidade da impugnante, correspondem a serviços efectivamente prestados”;
Com efeito,
2ª – Da citada prova documental, corroborada pelas declarações, supra transcritas, prestadas na audiência de 20 de Fevereiro de 2012, pelas testemunhas J... e C..., resulta, de forma clara e inquestionável, que pelo menos parte dos serviços descritos nos documentos contabilísticos referidos em C) foram pagos e, portanto, efectivamente prestados;
3ª – A decisão da Administração Tributária em impugnação, que indeferiu a reclamação graciosa das liquidações adicionais de IVA do ano de 2006, consubstancia uma grosseira violação dos direitos de audição da recorrente;
Efectivamente,
4ª – A Administração Tributária recusou a realização das diligências probatórias requeridas na própria reclamação e, posteriormente, no exercício do direito de audição prévio da decisão final, com base numa interpretação ilegal, por injustificadamente restritiva, do estatuído, nomeadamente, no artigo 60º da Lei Geral Tributária;
Por outro lado,
5ª – A Administração Tributária violou ainda, pela citada decisão, os deveres impostos pelo princípio do Inquisitório, estatuído no artigo 58º da Lei Geral Tributária;
6ª – Assim não entendendo, a douta sentença recorrida interpretou de forma incorrecta o ordenamento jurídico aplicável, maxime os dispositivos dos artigos 58º e 60º da Lei Geral Tributária;
7ª – A douta sentença recorrida padece ainda de nulidade por omissão de pronúncia sobre as diligências de prova requeridas pela requerente, maxime a constante da petição inicial, complementada com o requerimento de 20 de Abril de 2011;
Termos em que,
E nos mais de Direito,
Por V. Excelências doutamente supridos,
Concedendo provimento ao presente recurso e, consequentemente,
Declarando a nulidade da douta sentença recorrida, ou, caso assim se não entenda e sem prescindir,
Revogando a sentença em recurso,
Substituindo-a por outra que julgue provada e procedente a impugnação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa das liquidações adicionais do ano de 2006 e respectivos juros compensatórios,
V. Excelências farão a habitual
JUSTIÇA!”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro no julgamento de facto ao não ter dado como provado que os serviços constantes das facturas emitidas pelas sociedades identificadas nos autos foram efectivamente prestados; em erro de julgamento ao concluir pela não violação do direito de audição da Impugnante (artigo 60º da LGT) e do princípio do inquisitório (artigo 58º da LGT) por parte da administração tributária; e se padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre as diligências probatórias requeridas, maxime as constantes da petição inicial, complementadas com o requerimento de 20 de Abril de 2011.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:

“Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:

A) A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva ao IVA e IRC dos exercícios de 2005 e 2006 (fls. 28 a 51 verso do processo de reclamação graciosa (PRG)).

B) A acção inspectiva teve origem na verificação, pelos serviços de inspecção tributária (SIT), da existência de indícios da impugnante utilizar facturas que não correspondiam a operações económicas reais (fls. 29 verso do PRG).

C) Nos exercícios de 2005 e 2006, a impugnante registou na sua contabilidade as seguintes facturas e recibos emitidos pelas Construções L… e Construções E… (fls. 36, 37 e 37 verso do PRG):

Da Construções L…:

Factura n.º 130, datada de 30/6/2005, no valor de €60.824,30, com IVA no valor de €11.556,62, no total de €72.379,92, a que corresponde o recibo n.º 132 de 30/68/2005, no valor de €72.379,92, conforme quadro n.º 6 do RIT, junto a fls. 36 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

Da Construções E…:

No exercício de 2005 registou as facturas emitidas entre 25/3/2005 e 26/12/2005, nas datas e valores discriminados no quadro n.º 7 do RIT, junto a fls. 37 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido, no valor global de €571.300,15, sem IVA, a que corresponde o IVA de €115.935,19, que perfaz o valor total de €686.597,90, sendo que o valor do IVA constante da factura n.º 167 era de €745,96, mas foi registado na contabilidade, por lapso da impugnante, um IVA dedutível no valor de €1.383,40, bem como os respectivos recibos também aí discriminados, cujo teor também aqui se dá por reproduzido, no valor total de €686.597,90; e

No exercício de 2006 registou as facturas emitidas entre 27/1/2006 e 30/6/2006, nas datas e valores discriminados no quadro n.º 8 do RIT, junto a fls. 37 verso do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido, no valor global de €190.777,67, sem IVA, a que corresponde o IVA de €40.063,30, que perfaz o valor total de €230.840,97, bem como os respectivos recibos também aí discriminados, cujo teor também aqui se dá por reproduzido, no valor total de €230.840,97.

D) A impugnante utilizou tais facturas para efeitos de dedução de IVA, contabilizando o IVA constante dessas facturas nas contas 62111 – “subcontratos com IVA dedutível”, conta 2432312 – “IVA Dedutível – Outros bens e serviços – Taxa Normal 19%”, conta 268001 – “Construções F. L…, Ld.ª” e conta 2681 – “Construções E…, Ld.ª” e incluído tais montantes nas respectivas declarações periódicas (fls. 35 verso a 37 verso do PRG).

E) A impugnante registou o pagamento na sua contabilidade através do crédito na conta 11.1 – “caixa sede” (fls. 37 verso do PRG).

F) Com base nas constatações transcritas no RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, os SIT consideraram que a factura emitida pela Construções L…, referida em C), registada na contabilidade da impugnante, não titulava serviços efectivamente prestados pela emitente e que não menciona o serviço realizado, quantidade e o preço unitário, não satisfazendo os requisitos do artigo 36.º, n.º 5, alínea b), do CIVA (fls. 28 a 51 verso do PRG).

G) Com base nas constatações transcritas no RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, os SIT consideraram ainda que as facturas emitidas pela Construções E..., referidas em C), registadas na contabilidade da impugnante não titulam serviços efectivamente prestados pela emitente e que as facturas n.ºs 149, 191 e 200, de 25/3/20005, 20/7/2005 e 30/9/2005,e as facturas n.ºs 231, 232, 233, 235, 237, 238 e 239, de 28/4/2006, as três primeiras, 31/5/2006 e 30/6/2006, as três ultimas, melhor discriminadas nos quadros n.ºs 12 e 13 do RIT, junto a fls. 41 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido, não mencionam o serviço realizado, quantidade e o preço unitário, não satisfazendo os requisitos do artigo 36.º, n.º 5, do CIVA (fls. 28 a 51 verso do PRG, 150 a 182, a contrario sensu e 184 e seguintes dos autos).

H) A administração tributária considerou que o IVA constante dessas facturas foi indevidamente deduzido pela impugnante, pelos motivos constantes do relatório de inspecção tributária junto de fls. 28 a 51 verso do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

I) Em consequência procedeu à correcção meramente aritmética do IVA indevidamente deduzido, apurando IVA em falta no valor de €139.048,43, no ano de 2005, e €43.129,46, no ano de 2006 (fls. 28 verso 30 do PRG).

J) O IVA em falta no exercício de 2006 ascende a €43.129,46, correspondente ao valor das liquidações de IVA impugnadas (fls. 29 e 58 do PRG).

K) A impugnante foi notificada do projecto do RIT e para exercer o direito de audição, que exerceu por requerimentos apresentados em 12 e 13/10/2009 (fls. 49 verso a 72 do PRG).

L) A impugnante apresentou a reclamação graciosa que consta de fls. 2 a 7 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

M) Sobre a reclamação graciosa foi proferida a informação, o parecer e o projecto de despacho da decisão de indeferimento de fls. 67 a 71 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

N) A impugnante foi notificada para exercer o direito de audição sobre o projecto de decisão de indeferimento (fls. 72 e 73).

O) A impugnante exerceu o direito de audição pelo requerimento de fls. 74 a 77 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

P) Sobre esse requerimento foi proferido o parecer e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa de fls. 79 a 82, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado:

1) As facturas emitidas pelas Construções L… e Construções E…referidas em C), registadas na contabilidade da impugnante correspondem a serviços efectivamente prestados.

3.1.1 – Motivação.

O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e no processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos.

Além disso foi considerada a prova testemunhal que, como veremos, não foi suficientemente consistente para abalar ou infirmar a prova documental. Por isso, para a convicção do tribunal, a prova testemunhal não foi bastante para infirmar os factos invocados no RIT sustentados nos documentos invocados pela administração tributária, bem como para abalar a objectividade das constatações invocadas no RIT e as suas conclusões.

A matéria de facto não provada resultou da falta de prova.

Sendo factos alegados pela impugnante recaía sobre ela o respectivo ónus da prova (art. 74.º, n.º 1, da LGT).

A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art. 516.º do CPC).

Para prova do facto essencial alegado por si – a prestação efectiva dos serviços constantes das facturas emitidas pela Construções L… e Construções E…, a impugnante juntou documentos que já constavam do RIT e que tinham sido recolhidos pelos SIT como resulta dos documentos que fazem parte do processo de evidência de trabalho, entretanto juntos aos autos pela Fazenda Pública, que corroboram as constatações verificadas pelos SIT nesses documentos e arrolou três testemunhas, que depuseram simultânea e indistintamente em relação aos serviços alegadamente prestados pela Construções L… e Construções E… invocados nestes autos e no processo de impugnação judicial n.º (PIJ) 748/10.1 BEPNF, relativo à impugnação da liquidação adicional do IVA do 2.º trimestre de 2005.

Os documentos juntos só por si, desacompanhados de outros documentos e de prova testemunhal suficientemente consistente, conjugados com a prova produzida pela administração tributária no relatório da inspecção (que os infirmam), são manifestamente insuficientes para comprovar a prestação efectiva dos serviços constantes das referidas facturas.

Com efeito o que está em causa é a materialidade das prestações de serviços constantes dessas facturas e dos documentos conexos, contratos, recibos e autos de medição, isto é, se os serviços que constam dessas facturas foram efectivamente prestados pelas Construções L… e Construções E… à impugnante. Nessa parte, os documentos não comprovam a prestação efectiva de serviços, limitam-se a revelar o aspecto formal da alegada transacção económica subjacente. Todavia, os documentos não revelam a prestação efectiva desses serviços. Mesmo os documentos das prestações de serviços da impugnante às suas clientes – donas das obras – não revelam que esses serviços foram prestados por aquelas empresas. Quando muito revelam que esses serviços foram prestados pela impugnante às suas clientes, mas não revelam quem é que efectivamente realizou as referidas obras. Isto é, o facto das obras existirem e terem sido construídas pela impugnante não significa que foram as Construções L… e Construções E… que as realizaram por conta da impugnante. A impugnante apesar de alegar que não tinha pessoal para realizar as obras e que necessitava de subcontratação de serviços não logrou demonstrar que foram essas empresas que trabalharam para si na construção das obras, porquanto os documentos não o comprovam e a prova testemunhal que poderia corroborar a consistência dos referidos documentos e atestar a sua correspondência com a realidade não teve consistência bastante para convencer o tribunal desses factos.

O depoimento das testemunhas não se revelou suficientemente coerente e verosímil para convencer o tribunal do facto julgado não provado, conforme se referirá abaixo na fundamentação da matéria de facto e da matéria de direito na parte relativa à ilegalidade da liquidação.

Como se foi adiantando, o facto determinante é a materialidade das operações económicas reais discriminadas nas facturas, ou seja, é a demonstração que foram as Construções L… e Construções E… que na realidade prestaram à impugnante os serviços que delas constam e que tiveram o seu pessoal em obra a prestar esses serviços.

Por isso, o elemento essencial do depoimento das testemunhas era o conhecimento directo, in loco nas obras, a verificação da prestação efectiva dos serviços que constavam das facturas. Daí que os depoimentos da primeira e terceira testemunhas, J..., contabilista da impugnante, e P…, funcionária administrativa da impugnante, não relevassem para o julgamento da matéria de facto porquanto não tinham conhecimento directo dos factos, não os tendo presenciado. Estas testemunhas limitaram-se a descrever o que lhes foi transmitido pelos gerentes da impugnante. Eles não presenciaram ou verificaram por si qualquer prestação de serviços realizada pelas referidas Construções L… e E…, não iam às obras, não assistiram à celebração de contratos, à realização dos autos de mediação e a pagamentos. Em suma, não verificaram, em concreto, qualquer facto que revele a prestação efectiva de qualquer serviço à impugnante. Limitaram-se a declarar aquilo que lhes foi transmitido pela impugnante através dos seus sócios gerentes. Note-se que a testemunha P… nem sequer via os pagamentos. Era a D. F… e o marido, Sr. M…, gerentes da impugnante, que faziam os pagamentos e que lhe diziam que os tinham realizado.

O depoimento de J… além de ser irrelevante por limitar-se a confirmar o teor dos documentos que lhe eram entregues para a contabilidade, não demonstrando ter conhecimento directo dos factos descritos nos referidos documentos, por não os ter presenciado, apresenta uma incongruência relevante que abala a sua credibilidade. Esta testemunha afirmou ter visto os autos de medição que foram entregues aos SIT assinados pela Construções L… e Construções E…, cujos originais ficaram em poder da impugnante. Todavia, a impugnante. depois de ter sido notificada para o efeito, juntou os autos de medição que tinha em seu poder e cuja cópia tinha sido entregue aos SIT e veio a verificar-se que o depoimento da testemunha não correspondia à realidade porquanto os referidos autos de medição efectivamente não estão assinados pela Construções L... e Construções E.... Os autos de medição são meros documentos em poder da impugnante e subscritos por si, sem qualquer autenticação da parte que alegadamente terá prestado os serviços, o que abala não só a consistência do documento como do depoimento da testemunha, perante a contradição entre o seu depoimento e o teor do documento. Acresce ainda que esta testemunha não sabe em concreto o motivo e o destino dos levantamentos em dinheiro realizados pela impugnante, acrescentando, no entanto, que depreende-se que seria para o pagamento das facturas em causa nestes autos. Todavia, não sustenta esta sua presunção em qualquer facto real, não tendo qualquer sustentação verosímil para o seu depoimento.

Além disso, o depoimento destas testemunhas quanto à mudança da sede da impugnante e à alegada perda dos documentos e avaria do computador, porquanto além de serem irrelevantes para os factos em apreço, também nunca poderiam justificar ou fundamentar a alegada prestação efectiva de serviços pelas Construções L... e E.... Acresce que as testemunhas também não sabem, em concreto, que documentos desapareceram e se eram ou não relevantes para os factos em causa nestes autos.

Por sua vez o depoimento de C... não se revelou suficientemente consistente para convencer o tribunal. Apesar de ter conhecimento directo dos factos não prestou um depoimento suficientemente consistente para convencer o tribunal que na realidade as Construções L... e E... prestaram os serviços que constavam das facturas desconsideradas pela administração tributária.

Desde logo, quanto à factura em causa da Construções L..., porquanto a factura desconsiderada pelos SIT respeita a uma alegada prestação de serviços numa obra em Carnaxide (fls. 41 do PRG e 276 dos autos) e a testemunhas começou por declarar que nunca esteve a trabalhar em obras da impugnante em Lisboa ou nos seus arredores. O mesmo depoimento não releva quanto às restantes obras da impugnante nos arredores de Lisboa em que as Construções E... alegadamente prestou serviços, porque quanto a essas a testemunha não tem conhecimento directo, não sendo suficiente a mera alegação que ouvia falar que as Construções L... e E... também prestavam serviços nessas obras, sobretudo quando conjugado esse depoimento com os elementos objectivos carreados para os autos pela administração tributária que demonstram que essas empresas não tinham capacidade e meios humanos e materiais para os prestar.

Relativamente às obras da zona do Algarve o seu depoimento além de algumas incongruências, revelou-se demasiado vago e inconsistente para formar a convicção do tribunal. A testemunha refere a existência de dois alegados subempreiteiros nas obras do Algarve, realizadas entre 2005 e 2006, identificando-os como “E... e F… ou Fernando…”, não conseguindo identificá-los de forma assertiva, mesmo quando confrontado com nomes diferentes, incluindo o nome verdadeiro de Fernando L.... Acresce que este depoimento não se afigura verosímil porquanto além da impugnante não ter registado na sua contabilidade qualquer factura da Construções L... por serviços alegadamente prestados no ano de 2006 – quanto a esta empresa está em causa apenas uma factura emitida em 2005, por serviços alegadamente prestados em Carnaxide – pelo que não estão em causa quaisquer eventuais serviços prestados no ano de 2006, também não consta do RIT nem foi alegado pela impugnante que esta empresa tivesse prestado serviços ou tivesse emitido facturas de serviços alegadamente prestados na zona do Algarve, pelo que não se compreende esta referência da testemunha a este subempreiteiro.

O depoimento desta testemunha é ainda incongruente porquanto não consegue identificar nenhum funcionário daquelas alegadas empresas, mas afirma que eram portugueses, da zona norte do país, depoimento que contradiz as declarações prestadas pelo sócio gerente da impugnante que afirmou que os trabalhadores da Construções E... eram maioritariamente dos países de Leste, e também não se afigura verosímil pela forma vaga e imprecisa como descreveu a maneira como se processavam as medições (não sabendo se faziam documentos) e os pagamentos em dinheiro aos trabalhadores, declarando que via as medições e os pagamentos mas não participava nas medições e não sabia quem realizava os pagamentos, só sabia que estava o seu patrão e o subempreiteiro num contentor e que os trabalhadores dos subempreiteiros entravam no contentor e saíam já com o dinheiro do salário, mas não sabia quem pagava, explicações inverosímeis atendendo que, por um lado, apesar de não ver era natural que os trabalhadores falassem entre si e soubessem quem é que pagava e, por outro lado, não se compreende porque é que o gerente da impugnante estava no contentor e assistia aos pagamentos dos trabalhadores do subempreiteiro, quando alegou que ninguém assistia aos pagamentos em dinheiro.

Estas incongruências abalam a credibilidade do depoimento e não lhe conferem a consistência indispensável para sustentar a formação da convicção do tribunal. Acresce que temos ainda de conjugar esta falta de sustentabilidade da prova testemunhal, com a coerência e a objectividade da prova produzida pela administração tributária e as regras da experiência comum, que infirmam as declarações da testemunha.

Por isso, o tribunal não valorou o depoimento desta testemunha.

Apesar das testemunhas nos seus depoimentos corroborarem de forma genérica os factos alegados pela impugnante, o tribunal não lhes atribuiu credibilidade e consistência suficientes para julgar provada a matéria de facto que foi julgada não provada, porquanto a par da objectividade, consistência e coerência da prova carreada para os autos pela administração tributária (que sustenta a falta da prestação efectiva dos serviços constantes das facturas desconsideradas pela administração tributária) e da insuficiência da prova documental junta pela impugnante e pela administração tributária para demonstrar essa prestação efectiva de serviços (a prova junta ao processo tem de ser ponderada e valorada independentemente da parte que a apresenta, a prova apresentada pela administração tributária ou Fazenda Pública pode servir para provar factos alegados pela impugnante e vice-versa), J… e P… não têm conhecimento directo dos factos relativos à efectiva prestação de serviços, não presenciaram a celebração de contratos, a realização de pagamentos ou a execução de qualquer obra, limitando-se a reproduzir os factos que lhes foram transmitidos pelos sócios gerentes da impugnante ou que resultavam dos documentos que lhe eram exibidos ou entregues e C… prestou um depoimento com alguma falta de assertividade e espontaneidade e com contradições e inconsistências que abalam a sua credibilidade.

«As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos» (art. 341.º do CC).

No caso em apreço, a coerência e assertividade dos depoimentos das testemunhas não foi suficientemente consistente para convencer o tribunal que as Construções E... e Construções L... prestaram à impugnante os serviços que constam das facturas que foram desconsideradas pela administração tributária e a julgar provada a matéria de facto que foi julgada não provada.

Perante a prova objectiva, consistente e convincente que a administração tributária carreou para os autos para prova da inexistência das operações económicas subjacentes às facturas emitidas em nome das Construções E... e Construções L..., a impugnante não logrou fazer prova suficientemente consistente, coerente e verosímil para abalar a credibilidade dessa prova, e muito menos infirmá-la, e comprovar que as facturas emitidas em nome das Construções E... e Construções L... tinham subjacente a prestação efectiva dos serviços aí descritos.

Tanto mais, que a prova testemunhal apresentada pela impugnante tinha de provar a prestação efectiva dos serviços constantes das facturas desconsideradas pela administração tributária e abalar a prova da administração tributária que sustentava a falta de prestação efectiva desses serviços, suprindo ainda a insuficiência da prova documental decorrente dos contratos, dos autos de medição dos serviços realizados e de alguns meios de pagamento das facturas (cheques). Apesar de aparentemente demonstrarem a prestação dos serviços, estes documentos revelam apenas a aparência formal do negócio, mas materialmente não demonstram que os serviços constantes das facturas foram efectivamente prestados. Isto é, a prova documental da prestação dos serviços constituiu uma aparência da realidade. Todavia, no RIT a administração tributária fez prova que esses documentos não têm correspondência com a realidade. Por isso, o nível de exigência da consistência e coerência da prova testemunhal tem ainda de ser maior, sobretudo porque também visava abalar a coerência da prova documental e objectiva carreada para os autos pela administração tributária.

Porém, a prova produzida pela impugnante não só não revelou consistência suficiente para provar os factos alegados por si, como não logrou abalar a consistência da prova da administração tributária.

Na falta de produção de prova bastante, tais factos têm de ser julgados contra a impugnante, sobre quem recaía o respectivo ónus da prova (arts. 74.º, n.º 1, da LGT e 516.º do CPC).

Motivo pelo qual julgou não provado o facto constante da matéria de facto não provada.

A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa, sobretudo porque são factos que contendem com a motivação apresentada pela impugnante.

Porém, e sem prejuízo das demais considerações a realizar na fundamentação de direito, esses factos são irrelevantes, porquanto o que está concretamente em causa nestes autos é se as Construções E... e Construções L..., prestaram ou não à impugnante os serviços constantes das facturas e os factos que não foram julgados provados ou não provados, designadamente a falta de pessoal próprio para realizar os serviços contratados por si e o volume de negócios apresentado, as formas de pagamento, os contratos exibidos e os autos de medição são factos que podem relevar para justificar e motivar a decisão essencial da matéria de facto – para se julgar provada ou não provada a prestação efectiva do serviço – isto é são meios de prova e não factos autónomos relevantes para a decisão da causa.”

*
2. O Direito

As questões suscitadas, nestes autos, foram já objecto de decisões deste TCAN, salientando-se o acórdão proferido no processo n.º 748/10.1BEPNF, em 16/04/2015, em que a agora relatora subscreveu como primeira adjunta, onde também as partes e as questões a apreciar foram idênticas, referindo-se, contudo, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao 2.º trimestre do ano de 2005.
Assim, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no mencionado acórdão, aderindo a todo o seu discurso fundamentador, todavia, aqui, com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise:

“(…) 2.2.1. A primeira questão que cumpre apreciar, por contender com a sua validade formal, é a da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Na conclusão 7ª das alegações de recurso invoca a Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre a diligência de prova por si requerida, maxime a constante do requerimento de 19 de Setembro de 2011 [nestes autos, sobre as diligências probatórias constantes da petição inicial, complementadas com o requerimento de 20/04/2011].
Vejamos.
A Recorrente requereu, em 19 de Setembro de 2011, a notificação de Maria… a fim de “ao abrigo do dever de cooperação na descoberta da verdade, informar nos presentes autos qual a sua relação com Maria L…”, sendo que esta seria a titular da conta bancária onde foram creditados dois dos cheques (nos valores de € 4.000,00 e € 3.0000,00) emitidos pela Impugnante em nome de “Construções E..., Lda.”[ nos presentes autos, a Recorrente juntou à petição de impugnação judicial, sob os nºs 19, 20, 47 a 55, diversas cópias de cheques, tendo requerido a “notificação da Caixa de Crédito Agrícola, a fim de certificar nos presentes a autenticidade e apresentação a pagamento” dos ditos títulos cambiários. Por despacho de fls. 97, foi solicitada “à impugnante cópia integralmente legível dos documentos nºs 19 e 53”, tendo a Recorrente cumprido tal solicitação através da apresentação do requerimento junto aos autos, por via electrónica, no dia 20 de Abril de 2011. Sustenta a Recorrente que o tribunal recorrido não procedeu à diligência de prova requerida e também que não emitiu qualquer despacho a dispensar da mesma.]
Ora, é manifesto que a omissão de pronúncia sobre a diligência requerida não consubstancia uma nulidade da sentença. As nulidades da sentença estão previstas no artigo 668º (actual 615º) do CPC, na redacção aplicável e que se verificam quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Mesmo no caso de se entender que o juiz deve proferir despacho a dispensar a produção de prova, a omissão do mesmo apenas traduziria a preterição de uma formalidade legal eventualmente geradora de uma nulidade processual [cf. artigo 201º (actual 195º) do CPC], a qual, não sendo do conhecimento oficioso (artigo 202º do CPC), tinha de ser tempestivamente arguida pela parte (artigo 205º do CPC).
No entanto, enquanto as nulidades de processo “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais” (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, p. 156), as nulidades da sentença são apenas as taxativamente previstas no citado artigo 668º, nº 1 do CPC e que contém sempre “vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada” (cf. Abílio Neto, CPC anotado, 19º edição, pág. 871).
Ainda, visto de outro ângulo, o juiz não está legalmente obrigado à realização de todas as diligências requeridas pelas partes para demonstração da factualidade alegada nos respectivos articulados, podendo dispensá-las se entender que não são necessárias ou úteis ao apuramento da verdade dos factos.
Sem embargo, a omissão de diligências de prova quando venha a concluir-se pela indispensabilidade da produção da mesma, nomeadamente quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, com a consequente anulação oficiosa da sentença por défice instrutório.
Pelo que vimos de dizer é de concluir que não estamos perante qualquer vício intrínseco da sentença nos termos do artigo 668º (actual 615º) nº 1 do CPC.
Improcede, pois, a conclusão 7ª das alegações de recurso.
2.2.2. A segunda questão que vem colocada é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto ao dar como não provado que as facturas emitidas pelas sociedades “Construções F L..., Lda.” e “Construções E..., Lda.”, registadas na contabilidade da Impugnante, correspondem a serviços efectivamente prestados.
Com efeito, na sequência de uma acção de inspecção efectuada à ora Recorrente, a administração tributária considerou que existiam fortes indícios de que as facturas que aquela havia contabilizado, emitidas pelas referidas sociedades, não titulam serviços efectivamente prestados e, nessa medida, de acordo com o disposto no artigo 19º, nº 3 do CIVA, o imposto mencionado nessas facturas não era passível de dedução.
O tribunal recorrido concluiu que a administração tributária recolheu indícios sérios da inexistência das operações tituladas pelas facturas em causa, e, por outro lado, que a Impugnante não logrou provar que essas operações ocorreram efectivamente.
A Recorrente alega que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não ter dado como provado que os serviços indicados nas facturas emitidas pelas referidas sociedade foram, pelo menos em parte, efectivamente prestados.
Vejamos.
Antes de mais, importa referir que relativamente à factura emitida pela sociedade “Construções F L..., Lda.” (factura nº 130, de 30/6/2005, no valor de € 72.379,92), e independentemente da questão da prova sobre a realidade das operações nela indicadas, certo é que a administração tributária também invocou que a mesma padecia de irregularidades formais, por não ter “qualquer especificação quanto ao tipo de serviço realizado, respectivas quantidades e preço unitário”, conforme requisitos exigidos pelo artigo 36º do CIVA e, nessa medida, não aceitou a dedução do imposto nelas mencionado ao abrigo do disposto no artigo 19º, nº 2 do CIVA, pelo que, não tendo sido atacado este fundamento na impugnação judicial, nunca poderia conferir direito à dedução de imposto que nelas foi liquidado (como pretende a Recorrente) [nestes autos, estando impugnado o IVA referente a 2006, estão em causa as facturas n.ºs 231, 232, 233, 235, 237, 238 e 239, de 28/04/2006, as três primeiras, de 31/05/2006 e 30/06/2006, as três ultimas, discriminadas no quadro n.º 13 do RIT, junto a fls. 41 do PRG, dado que também estas não mencionam o serviço realizado, quantidade e o preço unitário, não satisfazendo os requisitos do artigo 36.º, n.º 5, do CIVA].
Como, a este propósito, (bem) se disse na sentença recorrida: “(…)” [“(…) Desde logo, cumpre dizer que a impugnação judicial das liquidações do IVA de 2006, na parte respeitante à não aceitação da dedução do IVA no valor de €19.063,31, relativo às facturas identificadas no quadro n.º 13 do RIT, junto a fls. 41 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido, emitidas em nome da Construções L..., no valor de €90.777,67, acrescido de IVA no valor de €19.063,31, no montante total de €109.840,98, nunca poderá proceder.
Como vimos, a correcção da matéria tributável do IVA relativo a essas facturas foi sustentada em dois fundamentos: por não terem sido passadas na forma legal, por não discriminarem o tipo de serviço prestado, a respectiva quantidade e preço unitário, e não conferir o direito à dedução, nos termos dos arts. 19.º, n.º 2, alínea a), e 36.º, n.º 5, alínea b), do CIVA; bem como por essas facturas não corresponderem a uma operação económica real, por não terem sido efectivamente prestados à impugnante os serviços que delas constam, não conferindo o direito à dedução do IVA, nos termos do art. 19.º, n.º 3, do CIVA.
Todavia, a impugnante, na impugnação judicial, invoca apenas a ilegalidade da correcção decorrente do facto dos serviços delas constantes terem sido efectivamente prestados e, por isso, a administração tributária não tem fundamento para não aceitar a dedução do respectivo IVA, nos termos do art. 19.º, n.º 3, do CIVA. Ou seja, a impugnante impugna apenas a ilegalidade da correcção, na parte em que a administração tributária considerou que os serviços constantes da factura não foram efectivamente prestados.
A impugnante não impugnou a correcção da matéria tributável sustentada no facto dessas facturas não terem sido passadas na forma legal, por não discriminarem o tipo de serviço prestado, a respectiva quantidade e preço unitário, e não conferirem o direito à dedução, nos termos dos arts. 19.º, n.º 2, alínea a), e 36.º, n.º 5, alínea b), do CIVA.
Daí que, independentemente da decisão da impugnação judicial quanto a correcção do IVA fundamentada na não prestação efectiva dos serviços delas constantes, nos termos do art. 19.º, n.º 3, do CIVA, a correcção desse IVA sustentada no facto das referidas facturas não terem sido passadas na forma legal, por não discriminarem o tipo de serviço prestado, a respectiva quantidade e preço unitário, e não conferir o direito à dedução, nos termos dos arts. 19.º, n.º 2, alínea a), e 36.º, n.º 5, alínea b), do CIVA, é caso decidido por não ter sido impugnada.
Logo, a correcção desse IVA não padece de qualquer ilegalidade, por não ter sido impugnado esse fundamento, e sendo já inatacável, nessa parte a impugnação judicial sempre terá necessariamente de improceder.
Apesar de poder considerar-se prejudicado o julgamento da impugnação quanto à alegada prestação efectiva dos respectivos serviços, nos termos do art. 660.º, n.º 2, parte final, do CPC, o tribunal entende que a questão pode ser julgada a par da impugnação da correcção da matéria tributável relativa às restantes facturas emitidas em nome da Construções E..., atendendo à identidade das situações.”]
Assim, quanto à[s] factura[s] emitida[s] (no período aqui em causa) (…) nunca aproveitaria a eventual prova de que as operações aí mencionadas ocorreram na realidade, ficando, pois, prejudicada a apreciação do invocado erro de julgamento em relação à[s] mesma[s].
Isto dito, a apreciação do erro de julgamento restringir-se-á às facturas (do 2º trimestre do ano de 2005) emitidas pela sociedade “Construções E..., Lda.”[aqui, do ano de 2006].
O Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel considerou, no essencial, que a prova documental junta aos autos e os depoimentos das testemunhas ouvidas não permitia que fosse dado como provado que as operações consubstanciadas nas facturas emitidas pelas sociedades identificadas nos autos correspondessem a verdadeiras prestações de serviços. E fundamentou tal juízo conclusivo (inserido no elenco dos factos não provados) de forma consistente e pormenorizada, descrevendo detalhadamente todos os depoimentos das testemunhas ouvidas e os motivos porque os mesmos lhe ofereciam, ou não credibilidade, conjugando tais depoimentos com os documentos juntos aos autos.
Alega a Recorrente, no essencial, que da prova documental produzida nos autos, nomeadamente os cheques juntos (…), corroborada pelo depoimento das testemunhas J... e C..., resulta, de forma clara e inquestionável, que pelo menos parte dos serviços descritos nos documentos contabilísticos referidos na alínea C) do probatório foram pagos e, portanto, efectivamente prestados [conclusões 1ª e 2ª das alegações de recurso].
Se bem interpretamos as alegações de recurso, a Recorrente sustenta que as facturas titulam operações reais com base, essencialmente, em dois argumentos: existem cheques comprovativos do pagamento de facturas e duas testemunhas corroboram o teor dessa prova documental, demonstrando assim que pelo menos parte dos serviços foram pagos e, portanto, efectivamente prestados.
Em primeiro lugar, o tribunal recorrido considerou, e tal juízo não nos merece reparo, que os documentos juntos pela Impugnante, e já relevados em sede de procedimento de inspecção (v. g. contratos de subempreitada, autos de medição), não eram suficientes para comprovar a prestação efectiva dos serviços constantes das facturas em causa nos autos. Refere o tribunal recorrido que tais documentos “limitam-se a revelar a aparência real do negócio, isto é, limitam-se a tentar dar uma aparência de realidade às operações económicas subjacentes”. Apesar dos contratos estarem assinados isso não significa a prestação efectiva dos serviços que deles constam e quando confrontados com a falta de capacidade das referidas empresas e com as incongruências do depoimento da testemunha C…, que afirmou que os trabalhadores das subempreiteiras eram portugueses, da zona norte do país, e com os documentos recolhidos no RIT, de acordo com os quais só teria existido uma subempreiteira nas obras do Algarve (a Construções E...) e com as declarações prestadas pelo gerente da impugnante, que afirmou que os trabalhadores da subempreiteira eram maioritariamente dos países de Leste, o tribunal ficou convencido que essas empresas não poderiam ter prestado os serviços que constavam das facturas, porque a prova produzida pela impugnante não era suficientemente coerente para abalar a prova da administração tributária que demonstrava a inexistência da prestação dos serviços constantes das facturas emitidas em nome da Construções L... e Construções E... e muito menos infirmá-la.
A par disso, os restantes documentos também não tinham consistência bastante para comprovar a prestação efectiva dos serviços constantes das facturas. Os autos de medição apresentados pela impugnante nem sequer estavam assinados, não tendo autenticidade para corroborar as infirmações que deles constam. Os cheques apresentados para pagamento dos serviços alegadamente prestados, independentemente da pessoa a quem foram pagos, não tem verosimilhança bastante para convencer o tribunal que destinavam-se a pagar aqueles serviços, porquanto não é compreensível que para pagar em 2005 um valor global (...) de €686.597,90, à Construções E..., e em 2006 um valor de €230.840,97 à Construções E..., só tivessem sido emitidos cheques à Construções L..., por excesso, no valor de cerca de €4.500,00 e à Construções E... de €8.644,50 e €35.140,00 em 2005 e 2006. Os documentos relativos às obras realizadas para os clientes da impugnante também não revelam que essas obras foram realizadas com a prestação de serviços da Construções L... e Construções E.... O facto dessas obras terem sido realizadas só demonstra que terão sido realizadas por outras pessoas que não foram, nem tinham de ser, identificadas neste processo. Aqui só importava apurar se (…) Construções E... na realidade prestaram os serviços que constam das facturas emitidas com o seu nome. E da prova produzida resulta que elas não prestaram esses serviços. Daí que mesmo que as obras dos clientes da impugnante tivessem sido concluídas, o IVA das facturas desconsideradas pela administração tributária, não pode ser deduzido, e o respectivo custo em sede de IRC não pode ser aceite, porquanto é IVA e custos que não correspondem à realidade e como tal não podem ser aceites fiscalmente, porque não se sabe se esses valores correspondem à realidade ou se estão sub ou sobreavaliados.”
Se bem vemos, a Impugnante estriba a sua discordância quanto ao julgamento efectuado na sentença recorrida, sobretudo na não relevância probatória dos seguintes cheques por ela emitidos à ordem de “Construções E..., Lda.”, sacados sobre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (CCA): (a) cheque datado de 11/6/2005, no valor de € 768,50; (b) cheque datado de 20/10/2005, no valor de € 3.938,00; (c) cheque datado de 26/11/2005, no valor de € 3.938,00; (d) cheque datado de 30/1/2006, no valor de € 4.000,00.
Ora, resulta do RIT que o montante das facturas emitidas pela sociedade “Construções E..., Lda.” em nome da Impugnante ascendeu, no ano de 2005, a € 686.597,90 [no ano de 2006, ascendeu a €230.840,97] e que esta emitiu cheques em nome daquela sociedade no valor total de € 8.644,50 [referentes a 2006, no valor de €35.140,00], tendo o pagamento do remanescente, segundo a Impugnante/Recorrente, sido feito em numerário. Assim, mesmo a aceitar-se a tese da Recorrente supra referida, a mesma apenas serviria para dar como provada uma parte muito residual das operações referidas nas facturas em causa.
Por outro lado, não sendo possível estabelecer qualquer correspondência entre os valores dos cheques e qualquer das facturas aqui em causa, nomeadamente em termos de valores e datas, também não seria possível, ainda que o pagamento dos valores dos cheques se tenha verificado efectivamente, imputar qualquer desses pagamentos a determinada (s) factura (s), de modo a poder-se concluir, como pretende a Recorrente, pela efectiva prestação dos serviços nela mencionados. Ou seja, ainda que se pudesse admitir que a sociedade em causa prestou alguns serviços à Impugnante, não é possível saber quais os serviços descritos nos documentos contabilísticos que foram efectivamente prestados e os que não foram.
Relativamente à prova testemunhal, procedemos à audição do registo magnético da inquirição das testemunhas indicadas, tendo a Recorrente procedido à transcrição da parte relevante nas suas alegações de recurso.
A testemunha J..., contabilista, afirmou que a Impugnante tinha ao seu serviço cerca de 23 e 57 trabalhadores, em 2005 e 2006, respectivamente e que não tinha meios humanos e materiais para realizar o volume de obras (que rondava o valor de 900 mil euros de receitas) que lhe foram adjudicadas e que teve de recorrer a subempreiteiros para a sua realização; referiu que a Impugnante recorreu ao serviço da “F-L L... e “Construções E...” para esse efeito e que pagou a estas subempreiteiras cerca de um terço das receitas brutas e o resto era pago em dinheiro aos funcionários; confirmou os valores globais pagos a cada uma das sociedades e afirmou ter visto contratos escritos e autos de medição, facturas e recibos relativamente aos serviços prestados.
A testemunha C..., encarregado da construção civil, na parte indicada pela Recorrente, limitou-se a identificar obras por esta realizadas (em Casal de Alverca, Britalar/Cabanas de Tavira, “Edifício Barracuda, Albufeira”) e a referir que as mesmas tinham sido feitas pela Impugnante e pelos dois subempreiteiros identificados nos autos; quanto aos pagamentos referiu que era feito o pagamento em dinheiro todas as sextas-feiras ao pessoal dos subempreiteiros, dentro de um contentor (em que estava lá o patrão da testemunha e o patrão deles).
Perante estes depoimentos, que a nós também se nos afiguram genéricos e pouco consistentes, e não olvidando que a posição dominantemente aceite na jurisprudência aponta no sentido de a reapreciação não poder subverter o princípio da livre apreciação das provas consagrado no artigo 655º do CPC e no artigo 396º do CC (quanto à força probatória dos depoimentos das testemunhas), não podemos deixar de concordar com o tribunal recorrido quando conclui que estes depoimentos não são suficientes para fazer a prova positiva dos factos e da efectiva prestação dos serviços facturados. E a modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e aprendida pela 1ª instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida, importando, porém, não desprezar que o julgamento pelo tribunal a quo dispõe de um universo de elementos não apreensíveis em sede de recurso e que, naturalmente, são decisivos para o processo íntimo de formulação da convicção do julgador.
Ora, a testemunha J... não revelou um conhecimento directo sobre a materialidade das operações em causa nos autos, não tendo presenciado ou verificado qualquer prestação de serviço realizada pela sociedade emitente das facturas aqui em causa, porquanto nunca foi às obras, nem assistiu à assinatura de qualquer contrato ou à realização de qualquer auto de medição. Resulta ainda do seu depoimento que embora tenha afirmado ter visto os autos de medição que foram entregues aos SIT assinados pela Construções E..., cujos originais ficaram em poder da Impugnante, depois de ter sido notificado para o efeito, juntou os autos de medição que tinha em seu poder e cuja cópia tinha sido entregue aos SIT e veio a verificar-se que o depoimento da testemunha não correspondia à realidade, porquanto os referidos autos de medição efectivamente não estão assinados pela Construções E..., consistindo em meros documentos em poder da impugnante e subscritos por si, sem qualquer autenticação da parte que alegadamente terá prestado os serviços, o que, como diz o tribunal recorrido “abala não só a consistência do documento como do depoimento da testemunha, perante a contradição entre o seu depoimento e o teor do documento”.
Acresce ainda que, como refere o tribunal recorrido, “esta testemunha não sabe em concreto o motivo e o destino dos levantamentos em dinheiro realizados pela impugnante, acrescentando, no entanto, que depreende-se que seria para o pagamento das facturas em causa nestes autos. Todavia, não sustenta esta sua presunção em qualquer facto real, não tendo qualquer sustentação verosímil para o seu depoimento.”
Quanto à testemunha C... também não podemos deixar de concordar com a análise crítica feita pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel quando refere que embora esta testemunha tenha demonstrado ter conhecimento directo dos factos, não prestou um depoimento suficientemente consistente para convencer o tribunal que na realidade as Construções E... prestaram os serviços que constavam nas facturas desconsideradas pela administração tributária. Como vem dito na motivação da decisão de facto “O mesmo depoimento não releva quanto às restantes obras da impugnante nos arredores de Lisboa em que as Construções E... alegadamente prestou serviços, porque quanto a essas a testemunha não tem conhecimento directo, não sendo suficiente a mera alegação que ouvia falar que as Construções L... e E... também prestavam serviços nessas obras, sobretudo quando conjugado esse depoimento com os elementos objectivos carreados para os autos pela administração tributária que demonstram que essas empresas não tinham capacidade e meios humanos e materiais para os prestar. Relativamente às obras da zona do Algarve o seu depoimento além de algumas incongruências, revelou-se demasiado vago e inconsistente para formar a convicção do tribunal. (…) O depoimento desta testemunha é ainda incongruente porquanto não consegue identificar nenhum funcionário daquelas alegadas empresas, mas afirma que eram portugueses, da zona norte do país, depoimento que contradiz as declarações prestadas pelo sócio gerente da impugnante que afirmou que os trabalhadores da Construções E... eram maioritariamente dos países de Leste, e também não se afigura verosímil pela forma vaga e imprecisa como descreveu a maneira como se processavam as medições (não sabendo se faziam documentos) e os pagamentos em dinheiro aos trabalhadores, declarando que via as medições e os pagamentos mas não participava nas medições e não sabia quem realizava os pagamentos, só sabia que estava o seu patrão e o subempreiteiro num contentor e que os trabalhadores dos subempreiteiros entravam no contentor e saíam já com o dinheiro do salário, mas não sabia quem pagava, explicações inverosímeis atendendo que, por um lado, apesar de não ver era natural que os trabalhadores falassem entre si e soubessem quem é que pagava e, por outro lado, não se compreende porque é que o gerente da impugnante estava no contentor e assistia aos pagamentos dos trabalhadores do subempreiteiro, quando alegou que ninguém assistia aos pagamentos em dinheiro. Estas incongruências abalam a credibilidade do depoimento e não lhe conferem a consistência indispensável para sustentar a formação da convicção do tribunal. Acresce que temos ainda de conjugar esta falta de sustentabilidade da prova testemunhal, com a coerência e a objectividade da prova produzida pela administração tributária e as regras da experiência comum, que infirmam as declarações da testemunha.”
Feita a reapreciação da prova testemunhal produzida não podemos deixar de concluir que a mesma não tem a consistência probatória mínima exigível e é, aliás, manifestamente insuficiente para se poder concluir que as operações tituladas nas facturas em causa correspondem a efectivas prestações de serviços.
Em suma, a prova documental referida pela Recorrente, ainda que conjugada com o depoimento das indicadas testemunhas, não permite infirmar a decisão de facto do tribunal de 1ª instância na parte em que entendeu não ter resultado provado nos autos que as facturas em causa, registadas na contabilidade da Impugnante, correspondem a serviços efectivamente prestados, pelo que é de concluir que a sentença recorrida não incorreu no erro de julgamento que lhe vem imputado.
E assim, atendendo à matéria de facto provada e não provada, é de concluir pela improcedência do recurso, já que, por um lado, a administração tributária demonstrou, como lhe competia, a existência indícios suficientes de que as operações tituladas pelas facturas em causa não são verdadeiras, e, por outro lado, a Recorrente (sobre quem, face à legitima actuação daquela, passou a recair o ónus de provar que as facturas titulam operações reais) não logrou demonstrar a veracidade de tais operações.
2.2.3. Por último, nas conclusões 3ª a 6ª das alegações de recurso, sustenta a Recorrente que a decisão da administração tributária que indeferiu a reclamação graciosa da liquidação adicional de IVA do 2º trimestre de 2005 [aqui IVA de 2006] consubstancia uma grosseira violação dos seus direitos de audição (artigo 60º da LGT), na medida em que, por um lado, aquela recusou a realização das diligências probatórias requeridas na reclamação e, posteriormente, no exercício do direito de audição prévia da decisão final, violando ainda o princípio do inquisitório estatuído no artigo 58º da LGT.
Antes de mais, importa referir que a imputação da violação do direito de audição prévia e do princípio do inquisitório não se reporta ao procedimento de liquidação, mas sim ao de reclamação graciosa, invocando a Recorrente que a administração tributária não promoveu as diligências probatórias por si requeridas na petição de reclamação e no requerimento em que exerceu o direito de audição prévia sobre o projecto de decisão.
Ora, uma vez que a relevância invalidante dos vícios procedimentais depende da possibilidade de influenciar a decisão no procedimento em que se insere, ainda que venha a concluir-se pela ocorrência de tais vícios procedimentais apenas poderá concluir-se pela ilegalidade da decisão de reclamação graciosa e não do acto de liquidação que se situa a montante dela e foi praticado em data anterior àquela.
2.2.3.1. Da violação do direito de audição prévia
Como já dissemos, a Recorrente fundamenta a ocorrência deste vício no facto de a administração tributária não ter procedido à realização das diligências de prova por si requeridas no exercício de audição prévia.
O direito de participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam respeito está consagrado no artigo 267º, nº 5 da CRP.
Com o artigo 60º da LGT teve-se em vista dar concretização, no âmbito do procedimento tributário, a esse princípio constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito e que é concretizada, em regra, através do exercício do direito de audição. Os contribuintes podem pronunciar-se, oralmente ou por escrito, antes da decisão final do procedimento tributário, que possa culminar numa decisão desfavorável para eles, participando na mesma.
O exercício do direito de audição prévia constitui uma importante manifestação do princípio do contraditório e uma sólida garantia de defesa dos direitos do administrado, sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência como um princípio estruturante da actividade administrativa cuja violação ou incorrecta realização se traduz na violação de uma formalidade essencial que, em princípio, é determinante da ilegalidade do próprio acto (entre muitos outros, acórdão do STA de 23/1/2008, processo 837/07).
Este direito de participação dos contribuintes na formação das decisões está também consagrado no artigo 45º do CPPT, sob o título “contraditório”.
No exercício do direito de audição, o contribuinte pode, pois, aduzir argumentos novos e alegar nova factualidade que contribuam para a formação da decisão, e que podem conduzir à reapreciação da matéria em questão e até à alteração da decisão em seu benefício.
Se o contribuinte, no exercício do direito de audição, suscitar elementos novos (de facto ou de direito), estes serão tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão (artigo 60º, nº 7 da LGT), sob pena de a falta de apreciação dos mesmos constituir vício de forma, por deficiente fundamentação, susceptível de implicar a anulação da decisão.
O direito de audição no procedimento tributário não se esgota, porém, com a possibilidade de o contribuinte se pronunciar sobre todas as questões (de facto e de direito) que são objecto do procedimento antes da decisão final (o que, no caso em apreço, é indiscutível ter ocorrido), englobando também a faculdade de requerer a realização de diligências e juntar documentos [cf. artigo 101º, nº 3 do CPA, aqui aplicável subsidiariamente, ex vi artigos 2º, alínea c) da LGT e 2º, alínea d) do CPPT] - neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 2011, 6ª edição, Volume I, p. 440.
Se o contribuinte requerer diligências, a administração tributária tem o dever de as realizar, desde que elas sejam convenientes para averiguar factos cujo conhecimento seja necessário para a decisão do procedimento.
Assim, a violação do direito de audição, na vertente que estamos a apreciar (direito de o contribuinte requerer a realização de diligências complementares) só ocorrerá se for omitida a realização de diligências que, por serem convenientes para averiguar factos cujo conhecimento seja necessário para a justa e rápida decisão do procedimento, deveriam ter sido realizadas - cf. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit, p. 441.
No caso, o que a Recorrente questiona é a não realização pela administração tributária das diligências por si requeridas em sede de audição prévia no procedimento de reclamação graciosa: a inquirição de J... (contabilista) e a notificação do Crédito Agrícola, entidade sobre a qual foram sacados os cheques juntos à petição da reclamação graciosa como documentos nº 1 a 3, a fim de certificar nos autos a apresentação e pagamento dos ditos cheques.
Trata-se, porém, de diligências que a Recorrente já havia requerido na petição de reclamação graciosa e sobre as quais a administração tributária já se havia pronunciado no projecto de decisão de indeferimento que notificou àquela para efeitos de exercício de audição prévia.
Como se refere na sentença recorrida, a administração tributária não procedeu às diligências de prova requeridas, porque entendeu que a prova carreada para o RIT era bastante para sustentar a decisão de correcção à matéria tributável e as mesmas não eram indispensáveis à descoberta da verdade material.
Vem, aliás, referido no projecto de decisão da reclamação graciosa que “Quanto a esta última entidade [Construções E..., Lda.”], relembra-se que no ano de 2005 foram emitidos documentos num total de € 686.597,90, e que o contribuinte, agora reclamante apenas apresentou cópias de cheques no valor de € 8.644,50, afirmando que as diferenças foram sendo pagas em numerário, em declarada violação do disposto no art. 63º- C da LGT”. [“Em 2006, foram emitidos documentos no valor de € 230.840,97, e apresentados comprovativos de pagamento de € 35.140,00”]. (…) No apuramento da verdade, indagou-se, oportunamente, e sem lograr, a ocorrência desses pagamentos. Pela via da função financeira da empresa, não foi provada a efectividade dos pagamentos pelos alegados serviços prestados. E em declaração do sujeito passivo reclamante, o mesmo referiu que os alegados pagamentos “ (...) não eram presenciados por ninguém por uma questão de privacidade do negócio (ver fls. 71).”
E na decisão final foi acrescentado que as fotocópias dos três cheques juntos eram “totalmente ilegíveis” e quanto à inquirição de testemunha, o artigo 69º, alínea e) do CPPT) não admitia prova testemunhal e, por outro lado, o próprio gerente da reclamante tinha afirmado que “os pagamentos (…) não eram presenciados por ninguém por uma questão de privacidade do negócio.”
Portanto, o fundamento para a não inquirição da testemunha indicada pela reclamante não foi apenas o da limitação dos meios probatórios prevista no artigo 69º, alínea e) do CPPT (e cujo entendimento se nos afigura errático, porquanto a restrição aí consignada não pode obstar à utilização de outros meios de prova, além dos aí referidos, e que a administração tributária está obrigada a diligenciar se forem indispensáveis e necessárias ao apuramento da verdade material, sob pena de violação do princípio do inquisitório), mas também as declarações prestadas pelo próprio gerente da reclamante no sentido de que os pagamentos não foram presenciados por ninguém e, portanto, face a essa afirmação se revelaria inútil a inquirição de testemunhas com vista a comprovar esses pagamentos.
Assim, tendo a administração tributária considerado que a factualidade relevante para a decisão já se mostrava apurada e, por isso, as diligências requeridas não se mostravam necessárias ou eram inúteis para o apuramento da verdade material, fundamentando essa decisão e apresentando os motivos porque não procedeu à realização das diligências requeridas, não se pode entender que ocorreu o vício de violação do direito de audição prévia.
Com efeito, se fundamentadamente a administração tributária não realiza as diligências de prova que entende não serem indispensáveis à descoberta da verdade material, não incorre em qualquer ilegalidade por violação do direito de audição, correndo, como bem diz a sentença recorrida, apenas o risco de ver julgada procedente a impugnação judicial e declarada a ilegalidade da decisão da reclamação graciosa se com as novas provas produzidas no processo judicial o tribunal vier a entender que procede alguma ilegalidade desses procedimentos.
Improcede, pois, este fundamento de recurso.
2.2.3.2. Da violação do princípio do inquisitório
Sustenta ainda a Recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não concluir que, com a decisão da reclamação graciosa que recusou a realização das diligências por si requeridas (repita-se: inquirição de testemunhas e notificação da Caixa de Crédito Agrícola para certificar nos autos a apresentação a pagamento dos três cheques cujas cópias juntou), a administração tributária também violou o princípio do inquisitório previsto no artigo 58º da LGT.
Vejamos.
A administração tributária está sujeita ao princípio do inquisitório, devendo, no âmbito do procedimento tributário, realizar todas as diligências e recolher todas as provas necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, independentemente da iniciativa do contribuinte (artigo 58º da LGT). Ou seja, tendo o procedimento tributário como objectivo a descoberta da verdade material, a administração tributária, que dirige o procedimento, e com vista a essa descoberta, tem o dever de apurar todos os factos, independentemente de os mesmos serem ou não desfavoráveis ao sujeito passivo e do requerimento deste nesse sentido.
Por isso, a recusa pela administração tributária de praticar diligências requeridas pelo contribuinte ou a não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, consubstancia um vício procedimental, que é fundamento de ilegalidade do acto tributário ou em matéria tributária e susceptível de determinar a sua anulação (António Lima Guerreiro, LGT anotada, p. 266 e Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, LGT comentada e anotada, p. 411).
Isto não significa, porém, que a administração tributária esteja obrigada a realizar todas as diligências requeridas pelo contribuinte, pois, como referimos, aquela não está condicionada na condução do procedimento às pretensões dos contribuintes.
A este propósito, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel concluiu pela não verificação da violação do princípio do inquisitório, aduzindo a seguinte argumentação: “(…) No caso das diligências de prova terem sido suscitadas pelo sujeito passivo a administração tributária não está obrigada a realizar todas as diligências sugeridas ou requeridas. Neste caso, a administração tributária tem o dever de as realizar se considerar que são indispensáveis para a descoberta da verdade material ou de dizer fundadamente porque não as realiza, indicando os motivos porque não as considera indispensáveis à descoberta da verdade material.
No caso em apreço, como já se foi adiantando a propósito da inexistência da invocada violação do direito de participação da impugnante, resulta do parecer e da decisão da reclamação graciosa que a administração tributária disse fundamentadamente porque motivo não procedia à realização das diligências de prova sugeridas pela impugnante. A administração tributária disse expressamente que perante a prova já produzida no RIT as diligências de prova sugeridas na reclamação graciosa e no exercício do direito de audição não se afiguravam indispensáveis à descoberta da verdade material e por isso não eram diligências de prova que tivessem de ser realizadas, porque a prova já produzida era bastante.
Por outras palavras a administração tributária entendeu que já tinha reunido prova suficiente para demonstrar a legalidade das correcções determinadas no RIT e não se justificava a necessidade de realização de outras provas. O que revela que a administração tributária justificou fundamentadamente a não realização das diligências de prova sugeridas pela impugnante, incorrendo no risco de poder ver decretada a ilegalidade das correcções e da liquidação impugnadas se o tribunal entender que essa prova não é suficiente.
Daí que tenha de concluir-se que a decisão da reclamação graciosa não padece de qualquer ilegalidade por alegada violação do princípio do contraditório.”
Concordamos inteiramente com este entendimento. Na verdade, para além do que vem referido, ficou bem patente na informação de fls. 88 do p. a apenso e no parecer após o direito de audição no âmbito da reclamação graciosa (fls. 107/108 do p. a apenso) que a inquirição das testemunhas era irrelevante para prova da factualidade alegada na petição da reclamação face ao teor das declarações do gerente da Recorrente de “que os pagamentos (…) não eram presenciados por ninguém por uma questão de privacidade do negócio” e que os cheques, além de serem ilegíveis, já tinham sido considerados no âmbito do procedimento de inspecção (sendo, aliás, que neste não foi sequer questionada a apresentação/cobrança de tais cheques).
Deste modo, se a administração tributária não considerou necessária a realização das diligências requeridas pela reclamante, não tinha de as realizar, uma vez que o princípio do inquisitório apenas obriga a administração tributária a realizar as diligências que repute necessárias e até porque é manifesto que essas diligências nunca implicariam, na óptica da administração tributária, uma decisão negativa relativamente à pretensão daquela de anulação das liquidações.
Deste modo, ao entender que a omissão de realização das diligências requeridas não constitui um vício de procedimento, e nessa medida, a decisão da reclamação graciosa não padece de qualquer ilegalidade, nomeadamente por violação do princípio do inquisitório consagrado no artigo 58º da LGT, nenhuma censura merece a sentença recorrida. (…)”
Improcedem, pois, todas as conclusões de recurso.

Conclusões/Sumário

I - Enquanto as nulidades de processo “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais”, as nulidades da sentença são apenas as taxativamente previstas no artigo 668.º, n.º 1 do CPC (actual artigo 615.º) e que contém sempre “vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada”.
II - Mesmo no caso de se entender que o juiz deve proferir despacho a dispensar a produção de prova, a omissão do mesmo apenas traduz a preterição de uma formalidade legal eventualmente geradora de uma nulidade processual [artigo 201.º (actual 195.º) do CPC], a qual, não sendo do conhecimento oficioso [artigo 202.º (actual 196.º) do CPC], tem de ser tempestivamente arguida pela parte [artigo 205º (actual 199.º) do CPC].
III - O direito de audição no procedimento tributário não se esgota com a possibilidade de o contribuinte se pronunciar sobre todas as questões (de facto e de direito) que são objecto do procedimento antes da decisão final, englobando também a faculdade de requerer a realização de diligências e juntar documentos.
IV - A violação do direito de audição, na vertente do direito de o contribuinte requerer a realização de diligências complementares, só ocorrerá se for omitida a realização de diligências que, por serem convenientes para averiguar factos cujo conhecimento seja necessário para a justa e rápida decisão do procedimento, deveriam ter sido realizadas.
V – Se, fundamentadamente, a Administração Tributária não realiza as diligências de prova, por entender não serem indispensáveis à descoberta da verdade material, não incorre em qualquer ilegalidade por violação do direito de audição.
VI - Tendo o procedimento tributário como objectivo a descoberta da verdade material, a Administração Tributária, que dirige o procedimento, e com vista a essa descoberta, tem o dever de apurar todos os factos, independentemente de os mesmos serem ou não desfavoráveis ao sujeito passivo e do requerimento deste nesse sentido.
VII – A recusa pela Administração Tributária de praticar diligências requeridas pelo contribuinte ou a não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, consubstancia um vício procedimental, que é fundamento de ilegalidade do acto tributário ou em matéria tributária e susceptível de determinar a sua anulação.
VIII - Isto não significa, porém, que a Administração Tributária esteja obrigada a realizar todas as diligências requeridas pelo contribuinte, pois aquela não está condicionada na condução do procedimento às pretensões dos contribuintes.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 30 de Março de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves