Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01167/05.7BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/12/2012
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:IMPUGNAÇÃO
IVA
FUNDAMENTAÇÃO
PRESCRIÇÃO
RECURSO
Sumário:I- O dever de fundamentação dos actos administrativos em geral e tributários em particular tem geneticamente, para além de uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo, uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao contribuinte a eficiente reacção judicial.
II- Constando de modo discriminado das conclusões do relatório da fiscalização a descrição dos factos e as razões de direito, com indicação das normas legais pertinentes, que levaram a Administração Fiscal a liquidar o imposto em causa, disso tendo sido notificado o contribuinte, terá este que se considerar devidamente esclarecido sobre a motivação da decisão e, consequentemente, o acto de liquidação adicional fundamentado (artigos 77.º da LGT e 125.º do Código do Procedimento Administrativo).
III- A prescrição da obrigação tributária não constitui fundamento da impugnação da liquidação, pois respeita não à validade deste acto mas à exigibilidade da obrigação criada com a liquidação. Ou seja, a prescrição da obrigação tributária determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva.
IV- Podendo ser conhecida incidentalmente na impugnação judicial, apenas para efeito de se determinar se existe utilidade em se conhecer da invalidade de um acto que titula uma obrigação tributária que está extinta (uma vez que a execução fiscal é a sede própria para se conhecer da prescrição, devendo sê-lo oficiosamente nos termos do art. 175.º do CPPT), tal conhecimento só será possível no recurso se no processo de impugnação constarem todos os elementos necessários para o efeito.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:C...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. Relatório
C… (Recorrente), NIF 1…, interpôs recurso jurisdicional da sentença de 20.01.2012 proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação por aquele deduzida contra a liquidação adicional de IVA do ano de 2001 e respectivos juros compensatórios, no montante total de EUR 5.182,80.
O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. As dívidas tributárias estão prescritas, Art.º 48º e n.º 2 do Artº 49º (à época) da LGT.
2. Existe vício de fundamentação, Art.º 77º da LGT, na fixação no 1° trimestre do imposto, da transmissão gratuita.
NESTES TERMOS,
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na procedência da Impugnação e consequente anulação das liquidações de IVA e Juros Compensatórios, referente ao ano de 2001, e com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA.
Não foram produzidas contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos.
Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
II. Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Recorrente delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (art.s 660.º, n.º 2, 664.º e 684.º, n.º s 3 e 4 todos do CPC ex vi art. 2.º, al. e), e art. 281.º do CPPT) traduzem-se no seguinte:
(i) Saber se o Tribunal recorrido errou o julgamento ao decidir como devidamente fundamentado o acto de liquidação adicional impugnado; e
(ii) Saber se ocorreu a prescrição da dívida.
Vejamos então.
III. Fundamentação
III.1. De facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo e que aqui se reproduz ipsis verbis:
FACTOS PROVADOS:
A) Em cumprimento das Ordens de Serviço n.º 35858, 36301 e 36302, no dia 06-08-2004 teve início a inspecção ao Impugnante, e o fim ocorreu em 2004-10-08, inspecção aos anos de 2001 a 2003, IRS e IVA, [cfr. fls. 10 e 11 destes autos e fls. 4 do Processo Administrativo aqui dado por reproduzido o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos];
B) Inspecção cujo início foi comunicado ao Impugnante na data do início, ou seja cm 06-08-2004, [ponto 14 da petição inicial e docs. de fls. 10 e 11];
C) Na sequência da inspecção vinda de referir a Administração Fiscal emitiu, em 15-06-2005, as liquidações adicionais em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo ao ano de 2001 e respectivos juros compensatórios, contendo ambas, como limite de pagamento 31-08-2005, [vide docs de fls. 8 e 9 destes autos e 14 e 15 do Processo Administrativo];
D) As quais foram notificadas ao Impugnante em 23-06-2005, [idem anterior]
E) A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi instaurada em 09-9-2005, [vide carimbo aposto na1.ª’ folha daquela];
F) No Relatório de inspecção, no que concerne às liquidações referidas em C), disse-se:
III.2 Em sede de IVA/Transmissões Gratuitas – Exercício de 2001
2.1. Podemos também verificar que apesar do Inventario de Existências / Obras em Curso em 2000/12/31 fazer referência à “Aplicação de Material na obra de C… PTE: 5 102.172$00”, o sujeito passivo não processou a correspondente autoliquidação de imposto, nos termos previstos no artigo 4° n° 2 alínea a), Artigo 7.º n.º 4, Arts. 26.º, Arts 28°e 35° do CIVA.
2.2.Atendendo ao disposto no Artigo 4.º n.º 2 alínea a) do CIVA, consideram-se ainda prestações de serviços a título oneroso sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (vide Artigo 1.º n° 1 alínea a)) a utilização de bens afectos à actividade para uso próprio do seu titular e para fins alheios aquela quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial de imposto.
2.3 Relativamente a estas “prestações de serviço gratuitas” refere o Artigo 7° n.º 4 do CIVA que o imposto é devido e exigível no momento em que as prestações de serviços tiverem lugar, correspondendo o valor tributável ao valor normal do serviço conforme Artigo 16° n°2 alínea c) e n°4 do CIVA. Mantém-se, contudo, a obrigação legal de emitir uma factura ou documento equivalente, nos termos do Artigo 28º n.º 1 alínea b) do CIVA. Ainda que este documento deva mencionar apenas a data, natureza da operação, valor tributável, taxa de imposto aplicável e montante do mesmo (cfr Artigo 35° n° 7 do CIVA). Esta factura ou documento equivalente deve ser emitido o mais tardar no 5° dia útil seguinte ao do momento em que o Imposto é devido nos termos do artigo 7.º sendo o imposto exigível, nos casos em que o prazo previsto para a emissão não for respeitado, no momento em que aquele prazo termina (cfr Artigo 8’ n° 1 alínea b) do CIVA).
2.4 Resulta que o sujeito passivo encontra-se em situação de incumprimento na liquidação de IVA e correspondente entrega de imposto no período de 0103T na medida em que: 1) a data limite para a emissão de factura ou documento equivalente é o 5° dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido e exigível nos termos dos Artigos 7º e 8º do CIVA: 2) Por não haver provas documentais de que a utilização de bens para uso próprio ou para fins alheios à actividade /”prestações de serviços gratuitas foram efectuadas em datas anteriores a 2000/12/31. Daí que, deve proceder-se à correspondente liquidação adicional de imposto nos termos estabelecidos no artigo 82.º do CIVA” [cfr, fls 9 do Relatório de inspecção, fls. 9 do Processo Administrativo]
II II Factos não provados
Não se provaram factos que estejam em contradição com a factualidade provada, ou outros. As demais asserções constituem meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou direito, pelo que não incumbe pronúncia nesta sede.
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:
A convicção do tribunal formou-se com base nos elementos documentais indicados em cada alínea dos factos provados.
III.2. De direito
Considerada a factualidade dada por assente, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional.
III.2.1 Do erro de julgamento
Suscita o Recorrente o erro de julgamento por a sentença recorrida ter feito errada valoração da prova existente nos autos, uma vez que a transmissão gratuita em questão podia ter sucedido em qualquer dos trimestres e não apenas no 1.º trimestre, como se entendeu no tribunal a quo. Alega o Recorrente que a escolha efectuada pela Administração Tributária não está fundamentada de facto e de direito, pelo que existe vício de fundamentação que conduz à anulação das liquidações impugnadas (15. e 16.º das alegações e conclusão 2).
Na sentença recorrida, na parte que ora nos ocupa, o Mmo. Juiz do TAF de Viseu afirmou, entre o mais, o seguinte:
O Impugnante imputa à Administração Fiscal falta de fundamentação “pois não se apura, em concreto, como é devido, a data de afectação das existências nomeadamente para efeitos de determinação do prazo de caducidade e de contagem dos juros compensatórios” mas extraiu conclusão de que a aplicação de material teria ocorrido em 31-12-2000 sem que explique a referida conclusão; conclusão que expressou depois de conhecer as razões da Administração Fiscal para as liquidações impugnadas, a que propositadamente transcrevemos na al. F) dos fados provados. E sobre tais razões apenas aponta, forma genérica, a falta dc fundamentação, mas não acrescentando elementos que, efectivamente, questionem/abalem a referida fundamentação.
Era o impugnante que devia provar quando ocorreram “as prestações de serviços gratuitas”, nomeadamente cumprindo a obrigação de emissão da competente documentação e de declaração fiscal mas não cumpriu esse ónus.
Mesmo que se considerem as normas invocadas pelo Impugnante elas não afastam as normas invocadas pela Administração Fiscal pois que as primeiras apenas se referem à emissão da factura ou documento equivalente e as segundas respeitam ao cumprimento da obrigação de declaração ou liquidação.
O que se vem dizendo serve para concluir que o Impugnante não abalou a argumentação da Administração Fiscal, quer quanto à fundamentação das liquidações impugnadas quer, consequentemente, ao prazo de apresentação das declarações, neste caso da emissão de liquidação oficiosa.
Quanto ao demais, a eloquência dos factos provados dispensa outra considerações. Assim, dada a clareza dos factos e das normas invocadas, as liquidações foram realizadas e notificadas tempestivamente não padecendo de caducidade nem de falta de fundamentação.
Como se pode extrair do segmento fundamentador da sentença antes transcrito, esta assentou as suas premissas no facto F), donde consta o seguinte:
2.4 Resulta que o sujeito passivo encontra-se em situação de incumprimento na liquidação de IVA e correspondente entrega de imposto no período de 0103T na medida em que: 1) a data limite para a emissão de factura ou documento equivalente é o 5° dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido e exigível nos termos dos Artigos 7º e 8º do CIVA: 2) Por não haver provas documentais de que a utilização de bens para uso próprio ou para fins alheios à actividade /”prestações de serviços gratuitas foram efectuadas em datas anteriores a 2000/12/31. Daí que, deve proceder-se à correspondente liquidação adicional de imposto nos termos estabelecidos no artigo 82.º do CIVA”.
Entende o Recorrente que existe vício de fundamentação do acto tributário objecto da impugnação, em violação do art. 77.º da LGT.
Porém, quer nas alegações de recurso, quer nas suas conclusões, o Recorrente nada adianta de concreto quanto ao desacerto do raciocínio desenvolvido pelo tribunal a quo, nem qual a factualidade que permitiria solução diversa da firmada. Em boa verdade, analisadas as conclusões do recurso, verifica-se que o Recorrente, não ataca nenhum dos fundamentos da sentença recorrida e limita-se, no essencial, a reiterar aquilo que já alegara na petição inicial, olvidando que o objecto do recurso jurisdicional em processo de impugnação judicial é constituído, não pelo acto tributário impugnado, mas pela sentença, tal como resulta do disposto no artigo 676.º, nº 1, do CPC, aqui aplicável em razão do disposto no artigo 281.º do CPPT.
Mas mesmo a entender-se que o Recorrente ataca directamente a sentença recorrida quando nesta se considerou fundamentado o acto tributário objecto da impugnação, também neste ponto as alegações são ineficazes. Perante a prova vertida no probatório, ter-se-á que considerar a liquidação adicional efectuada suficientemente fundamentada, como se explicitará de seguida.
O citado artigo 77.° da LGT tem o seguinte teor:
1. A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2. A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
E o artigo 125° do Código de Procedimento Administrativo estatui o seguinte:
1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale a falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
O dever de fundamentação dos actos administrativos em geral e tributários em particular tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao contribuinte a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo. O dever legal de fundamentação deve responder às necessidades de esclarecimento do destinatário, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do respectivo acto e permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito que determinaram a sua prática (cfr. neste sentido, i.a., o Ac. do STA de 7.09.2011, proc. n.º 0157/11).
Ora, como consta da alínea F) do probatório, na motivação do acto são adiantados os factos que determinaram a dita liquidação adicional – que resulta de correcções meramente aritméticas, na sequência de inspecção à contabilidade do ora Recorrente –, referindo-se expressamente que apesar de o “Inventario de Existências / Obras em Curso em 2000/12/31 fazer referência à “Aplicação de Material na obra de C… PTE: 5 102.172$00”, o sujeito passivo não processou a correspondente autoliquidação de imposto”. Bem como que: “2) Por não haver provas documentais de que a utilização de bens para uso próprio ou para fins alheios à actividade /”prestações de serviços gratuitas foram efectuadas em datas anteriores a 2000/12/31.
E quanto às normas legais aplicáveis, para tanto indicam-se, para a necessidade de autoliquidação de imposto os artigos: 4.º, n.º 2, alínea a), 7.º, n.º 4, 26.º, 28°e 35° do CIVA. Invocando-se, para fundamentar a correspondente liquidação adicional de imposto, o artigo 82.º do CIVA.
Isto para além de que os próprios termos em que o impugnante, ora Recorrente, desenhou a presente impugnação judicial demonstram suficientemente que o mesmo compreendeu perfeitamente o sentido da decisão e a sua motivação, como resulta de modo claro, em especial, dos artigos 28° a 31° da petição inicial.
E como se concluiu no recente Ac. deste TCAN de 24.05.2012, proc. n.º 731/09: “Está suficientemente fundamentado o ato de liquidação adicional se as conclusões do relatório da fiscalização esclarecem, minimamente, o contribuinte, que dele foi notificado, das razões de facto e de direito que levaram a Administração Fiscal a liquidar o imposto em causa”.
Donde, atento o probatório fixado – o qual, aliás, não é sujeito a impugnação – bem decidiu o tribunal a quo quando concluiu pela inexistência do vício de falta de fundamentação.
Tem pois o recurso, nesta parte, que improceder.
Vejamos agora a questão da prescrição das dívidas tributárias, a qual vem agora suscitada no recurso interposto (abandonando o Recorrente a tese da caducidade do direito à liquidação, com fundamento no art. 45.º da LGT).
Como ponto prévio, é sabido que a prescrição da obrigação tributária não pode constituir fundamento da impugnação da liquidação pois respeita, não à validade deste acto, mas à exigibilidade da obrigação criada com a liquidação. Ou seja, a prescrição da obrigação tributária determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva.
Como o objecto do processo de impugnação se define, em primeira linha, pela pretensão anulatória do impugnante, e portanto, por referência a um acto tributário ilegal, é fácil de ver que a prescrição não é uma questão que respeite à validade desse acto. Com efeito, se pela via da impugnação judicial, segundo o modelo definido nos artigos 99º a 126º do CPPT, faz-se valer uma pretensão anulatória, dirigida à eliminação de um acto tributário ilegal e, com ela, à cessação dos efeitos por ele produzidos, pela via da prescrição pretende-se extinguir a obrigação tributária, pelo facto de não ser exigido o seu cumprimento nas condições e lapso de tempo determinado na lei. Na primeira situação, procura-se indagar quais os elementos do acto tributário que estão em discordância com a ordem jurídica; na segunda, independentemente do acto tributário, procura-se determinar se obrigação do imposto pode ser exigível (cfr. Ac. do STA de 2.05.2012, proc. nº 1174/11).
Assim, a sede própria para invocar a prescrição da obrigação tributária, quando esta não seja oficiosamente conhecida – sendo-o nos termos do art. 175.º do CPPT – é a execução fiscal, onde o executado pode argui-la, ou mediante requerimento endereçado ao órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável, nos termos do disposto no art. 276.º do CPPT, ou, se estiver em tempo, mediante oposição à execução fiscal (cf. arts. 203.º e 204.º, n.º 1, alínea d), do CPPT).
No presente caso, em que a prescrição vem suscitada no recurso jurisdicional, está em causa uma liquidação adicional em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo ao ano de 2001, sendo de aplicar o prazo de prescrição de 8 anos previsto na Lei Geral Tributária (LGT). Este começou a correr no dia 1 de Janeiro de 2002, pelo que, se o prazo tivesse corrido ininterruptamente, a prescrição teria ocorrido a 1 de Janeiro de 2010.
Nos termos do artigo do n.º 1 do artigo 49.º da LGT a impugnação interrompe a prescrição (neste caso a impugnação foi deduzida em 9.09.2005).
Esta interrupção tem o efeito instantâneo de inutilizar o tempo decorrido até à instauração da impugnação, mas não só, tem também o efeito duradouro de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado do processo da decisão que puser termo ao processo – cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Áreas Editora, p. 62.
Porém, se o processo de impugnação estiver parado por um prazo superior a um ano por facto não imputável ao contribuinte, o efeito interruptivo cessa passando a somar-se para efeitos de prescrição o tempo que decorrer após este período com o que tiver decorrido até à data da autuação.
Era o que resultava do n.º 2 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária antes da entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
Esta lei revogou o n.º 2 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária tendo estipulado no seu artigo 91.º que «a revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo.».
Ora, mesmo que se verificasse nos autos uma paragem do processo por prazo superior a um ano por facto não imputável ao contribuinte, que faria cessar o efeito interruptivo resultante da instauração da impugnação, e que fosse relevante por ser anterior à entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, o que implicaria que na contagem do prescricional se somasse o tempo decorrido até à instauração da impugnação ao tempo decorrido após aquele período de um ano de paragem e que feitas as contas se concluísse estar esgotado o prazo de oito anos relativamente à contribuição em causa, a verdade é que não se pode fazer nos autos um juízo seguro sobre a prescrição.
Isto porque os autos não permitem saber se existiram outras causas de interrupção ou de suspensão da prescrição (cfr. artigo 49.º da LGT), e deste modo se a prescrição se consumou ou não.
Acontece que, como preliminarmente se disse, a prescrição da dívida não constitui vício invalidante do acto de liquidação e por isso não serve de fundamento à impugnação (cfr., por todos, o Ac. do STA de 02.05.2011, processo n.º 1174/11).
É certo, como também se disse no Ac. de 17.05.2012 deste TCAN, proc. nº 291/04, que ela pode ser conhecida na impugnação judicial incidentalmente (pois que a execução fiscal para cobrança coerciva da obrigação tributária é a sede própria para se conhecer da prescrição) para efeito de se determinar se existe utilidade em se conhecer da invalidade de um acto que titula uma obrigação tributária que está extinta por prescrição. Mas tal conhecimento só será possível se no processo de impugnação constarem todos os elementos necessários para o efeito. Poderão existir outras causas de interrupção ou suspensão que tenham ocorrido noutros processos administrativos ou contenciosos e só no caso de se poder concluir com segurança que a prescrição se consumou será possível concluir pela inutilidade da lide – cfr. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. p. 22.
E não resultando dos autos elementos seguros que nos permitam concluir pela inexistência de outras causas de interrupção ou de suspensão do prazo prescricional, não pode conhecer-se da verificação da prescrição, a qual só relevaria, como se explicitou, para efeitos de inutilidade da lide.
Não pode pois conhecer-se do recurso nesta parte.
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
- Não tomar conhecimento do objecto do recurso quanto à suscitada questão da prescrição;
- Negar provimento ao recurso na parte restante, mantendo integralmente a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 12 de Julho de 2012
Ass. Pedro Marques
Ass. Nuno Bastos
Ass. Irene Neves