Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01642/06.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/13/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:DESCRIÇÃO PREDIAL; FRACIONAMENTO DE PRÉDIO; PARCELA DE TERRENO, JUS EDIFICANDI; DEMOLIÇÃO.
Sumário:1-A presunção registral derivada do artigo 7.º do Código de Registo Predial não abarca a composição, localização, limites ou confrontações dos prédios, elementos identificativos que são consignados nos respetivos documentos, em regra, pelo funcionário com base nas declarações dos próprios interessados ou respetivos representantes, sem que leve a cabo qualquer controle sobre a veracidade material desses elementos, mas apenas abrange presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito.

2- A situação resultante do fracionamento de um prédio em consequência do seu atravessamento por uma estrada, deixando de ser uma unidade indivisível, passando a integrar partes descontínuas, fisicamente autonomizadas e juridicamente individualizáveis, constitui um facto com relevância jurídica a cuja atendibilidade não obsta a sua descrição predial como um único prédio.

3- Parcela de terreno é, para efeitos urbanísticos, uma porção de terreno fisicamente individualizado, perfeitamente delimitado, constituindo uma unidade física e jurídica autónoma, sendo por referência à sua composição, que se há-de aferir a sua apetência construtiva.

4.- O direito de propriedade privada de imóveis, cujo conteúdo é definido nos termos do artigo 1305.º do Código Civil, não é pressuposto suficiente para o titular poder construir, ainda que o terreno lhe pertença de modo pleno e exclusivo e lhe assistam os direitos de uso, fruição e disposição. O jus edificandi não se inclui no direito de propriedade privada, sendo antes o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico urbanístico.

5- A demolição como medida de última ratio, uma vez ordenada, apenas deve ser cumprida se até ao momento da sua execução não for viável a legalização da construção, a tal não obstando a prolação de uma sentença que não pode barrar a possibilidade de se considerar a superveniência de alterações ao quadro legal que legitimem, à sua luz, a conservação da construção. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M., LDA,
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...),
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

1-M., LDA, instaurou ação administrativa especial contra o MUNICÍPIO DE (...), visando obter: (i) a declaração de inexistência jurídica do despacho de 2 de abril de 2001, da autoria do Vereador do Urbanismo da CMVNG proferido ao abrigo da delegação de competências; (ii) a declaração de nulidade do despacho de 18 de dezembro de 2000 da autoria do Presidente da Câmara Municipal, que por sua vez declarou a nulidade de anterior despacho proferido pelo Presidente de Câmara em 10 de abril de 1997 que aprovou o projeto de arquitetura no âmbito do processo de licenciamento de obras particulares nº 19/97, averbado em nome da autora, com fundamento no facto do terreno aedificandi constituir uma parcela autónoma, perfeitamente individualizada da área sobrante do prédio e com área inferior à exigida pelo art.º 37.ºdo Regulamento do PDM, ou seja, inferior a 10.000 m2 para nela ser edificada a construção pretendida; (iii) a declaração de nulidade consequencial dos atos consubstanciados: a) no despacho do Presidente da Câmara Municipal de (...) proferido em 5 de abril de 2006 que ordenou a demolição, a realizar no prazo de trinta dias, de todas as construções ilegais existentes no prédio sito no ângulo da EN 222 com a Rua da (...), levadas a efeito sem licenciamento municipal, em violação do disposto no art. 4º do DL 555/99, de 16 de dezembro, com a redação dada pelo DL 177/01, de 04 de junho, em cumprimento do disposto no nº1 do artigo 106º do citado diploma legal; b)no despacho desta última data, constante da comunicação junta sob doc. nº 1, dos 3º e 4º requeridos, que ordenou que a autora procedesse a tal demolição no prazo de trinta dias contados da referida notificação, sob pena de serem iniciados os procedimentos tendentes à demolição coerciva, com custos a cargo da aqui autora, nos termos do nº 4 do art. 106º e 107º e ss do supra referido diploma legal; (iv) para o caso de assim se não entender, a anulação dos referidos atos com fundamento em vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de facto; (vi) por efeito da declaração de inexistência jurídica do primeiro dos atos impugnados e da nulidade que lhe é cominada por lei, que seja declarado válido o ato que por ele foi declarado nulo, ordenando-se o prosseguimento do procedimento administrativo de licenciamento.

2-Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que iniciou a construção de uma moradia unifamiliar, num terreno que constitui um prédio com a área de 33.660 m2, cujo licenciamento e projeto de arquitetura foi aprovado em 10.04.1997, mas anulado com fundamento na existência de mais duas casas de habitação nesse terreno e na circunstância da área destinada à implantação da construção ser inferior à permitida para construção pelo PDM naquela zona, o que não corresponde à realidade.

3-Assim, o despacho que declarou nulo o licenciamento, em 02.04.2001 é nulo e inexistente, porque definiu o direito de propriedade em termos diversos do registo predial, função que apenas cabe ao Tribunal, tendo a entidade demandada agido em manifesta usurpação de poderes.

4-Mais alegou que em conformidade com o art.º 37.º, al. a) do PDM de VNG, em prédio com 10.000 m2 inserido em área não urbana de transformação condicionada, é conferida a faculdade de edificar uma moradia destinada a habitação, sendo o ato impugnado nulo por restringir o conteúdo do direito, fundamental, de propriedade da autora, como são nulos todos os demais atos consequenciais;

5-Que os referidos atos violam o art.º 37.º, al. a) do PDM, sendo nulos, e que a demolição ordenada assenta em pressupostos de facto inexatos, pelo que sendo a demolição a ultima ratio ( art. 106º do RJUE) nada impede que, a existir necessidade de alteração ou correção ao projeto ela se faça, salientando que, o PDM se encontra(va) em fase de conclusão estando o prédio em causa proposto para integrar o perímetro urbano, inexistindo obstáculos do interesse público opostos à manutenção de tal edificação.

6-O Réu apresentou contestação defendendo-se por exceção e por impugnação.

7-Invocou a exceção da sua ilegitimidade passiva, a inimpugnabilidade do ato de 5.04.2006 e a extemporaneidade da ação.

8-Impugnou, sustentando, em síntese, a validade dos atos em crise, invocando que para efeitos urbanísticos importa a realidade de facto e não a realidade constante no registo predial, conquanto o registo predial tem por finalidade dar publicidade à situação jurídica dos prédios e não definir os seus elementos, não se verificando nenhuma violação do direito de propriedade da Autora, que não comporta, de forma automática, o direito de construir. Mais alegou, que no prédio da autora já se encontra concluída a construção, com escritórios e um stand de automóveis, quando para essa área o PDM apenas permite construção para habitação. Conclui pela improcedência da ação.

9-Notificou-se a autora para responder, querendo, às exceções invocadas pelo Réu, o que fez, sustentado a sua improcedência.

10-Por despacho saneador de fls. 107 a 112 dos autos, julgaram-se improcedentes as exceções invocadas.

11-Notificaram-se as partes para apresentar alegações (artigo 91º nº 4 CPTA), tendo apenas o Réu usado dessa faculdade.

12-Por acórdão de 26 de abril de 2012, o tribunal a quo julgou a presente ação totalmente improcedente, por não provada, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: «Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o presente Tribunal Coletivo em julgar a presente ação administrativa especial totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se o Réu dos pedidos. Custas pela Autora – artigo 446º CPC ex vi artigo 1º do CPTA. Registe e Notifique».

13-Inconformada com decisão, a Autora veio dela interpor recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Norte, formulando as seguintes conclusões:

«Quanto aos fundamentos de facto

* Uma nulidade da sentença

1. A decisão recorrida, conforme resulta do seu expresso teor, julgou provados 18 factos e declarou que não existiam factos não provados; lidos os factos provados, constata-se facilmente que de tal elenco não constam todos os factos alegados pela recorrente.

2. Se não há factos não provados, tem que se concluir que todos os factos se encontram provados; mas se dos factos provados não constam todos os factos alegados, então a sentença, quanto à decisão de facto, incorre em manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão, sendo nula (cfr. art.º668º, nº 1, alínea c) do CPC), invalidade processual que expressamente se invoca.

* Outra nulidade da sentença

3. Objetivamente, a decisão recorrida não se pronunciou quanto aos factos alegados pela aqui recorrente nos artigos 18º, 19º, 20º, 21º (factos todos esses de relevo idêntico ao consagrado no nº 12 dos “provados “ da sentença que, por sua vez, foi pela recorrente alegado no artigo 17º da sua PI), 38º, 39º e 75º da Petição Inicial;

4. Tal omissão de pronúncia importa da mesma forma a nulidade da sentença (cfr. art.º 668º, nº 1, al. d) do CPC), invalidade processual que expressamente se invoca.

Quanto à impugnação da decisão proferida quanto á matéria de facto:

5. Por acordo e por documentos tem que se considerar provado também que:

* Não existem no prédio a que se refere o facto 12 dos provados, quaisquer construções, maxime habitações, sendo o mesmo constituído simplesmente e na sua totalidade, por terreno lavradio e terra a mato (factos de 18º e 19º da PI, não impugnados pela entidade recorrida -cfr. art.ºs 52º e 53º da contestação - e que resultam também dos documentos nºs 1 e 3 juntos à PI);

* do processo de licenciamento em causa não constava nem até hoje consta identificada qualquer habitação anterior à aqui em causa, que não existe (factos de 20º e 21º da PI que resultam assentes do cotejo desse mesmo processo de licenciamento, anexado pela entidade recorrida aos autos);

6. Constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão e tais elementos impõem a modificação da matéria de facto de forma a serem nela integrados, como factos provados, os que vêm de se referir, alegados pela recorrente nos artigos 18º, 19º, 20º, 21º, 38º e 75º da Petição inicial (art.º 712º, nº 1, als. a), 1ª parte e b) do CPC)

Quanto aos fundamentos de direito

* Quanto à usurpação de poder

7. A controvérsia não resulta de a entidade recorrida entender que o prédio tem área diversa da constante do registo predial, pois não entende.

8. O que ela faz é outra coisa: com base na inexatidão de outros elementos da descrição predial (desde logo por ali não estarem refletidas as vias públicas que atravessam esse prédio) conclui que o titular do direito de propriedade tem dois prédios distintos, provocados pelo atravessamento por tais vias públicas, tendo este (o prédio que aqui importa), área inferior a dez mil metros quadrados.

9. Os recorridos nem por um momento duvidam que o titular do direito de propriedade tem uma área superior a trinta mil metros quadrados e que, se desconsideradas as vias que o atravessam, essa área constituiria um único prédio; o que eles decidiram é que não se tratava mais do mesmo prédio, porque existem vias públicas que o atravessam e que, na sua perspetiva, individualizam juridicamente cada uma das partes que de tal atravessamento resultaram.

10. O Vereador do Pelouro do Urbanismo não podia determinar de forma diversa o direito de propriedade do recorrente do licenciamento, designadamente atribuindo autonomia ou individualização jurídica a parte do objeto de tal direito, dessa forma definindo dois objetos perfeitamente distintos e dois distintos direitos de propriedade na esfera jurídica de tal recorrente, incidindo cada qual sobre objeto diverso: um sobre a parcela autónoma e outro sobre a área sobrante.

11. Não é da competência de nenhum dos recorridos e, designadamente, do Vereador do Urbanismo da Câmara Municipal de (...) e dos órgãos delegantes (o Executivo e o Presidente), a constituição, modificação ou extinção do direito de propriedade de quaisquer particulares no âmbito do procedimento administrativo de licenciamento de obras particulares.

12. O despacho do dito Vereador, ao dizer o direito, ao definir o direito de propriedade em termos diversos daqueles que se encontram definidos no registo predial, fundando tal definição na separação física de áreas do mesmo prédio por efeito da construção de estradas públicas, agiu com manifesta usurpação de poder porquanto só aos Tribunais Judiciais cabe tal atribuição.

13. A usurpação de poder determina a inexistência do ato administrativo e, no plano do direito positivo, tal vício determina a nulidade de tal ato (cfr. art.º 133º, nº 2, al. a) do CPA).

14. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 133º, nºs 1 e 2, al. a) e d) e 134º, nº 1 do CPA e 37º do Regulamento do PDM de (...) então vigente, devendo ser revogada e substituída por outra que conhecendo do invocado vício de usurpação de poder o julgue verificado e em consequência declare a inexistência jurídica do ato administrativo consubstanciado no despacho de 2 de Abril de 2001, do Senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo da CMVNG proferido ao abrigo da delegação de competências conferida pela Câmara na reunião extraordinária de 19 de Outubro de 1999 e pelo despacho de 18 de Dezembro de 2000 do Senhor Presidente da Câmara, que declarou a nulidade do despacho de 10 de Abril de 1997 do Senhor Presidente da Câmara que havia aprovado o projeto de arquitetura no processo de licenciamento de obras particulares nº 19/97, averbado em nome da aqui autora, sob o fundamento de que o terreno para o qual a autora pretendia o licenciamento constituía uma parcela autónoma, perfeitamente individualizada da área sobrante, cuja área era inferior a 10.000 m 2 exigidos pelo artigo 37º do Regulamento do PDM, nulidade essa a declarar nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 133º, nºs 1 e 2,al. a) e d) e 134º, nº 1 do CPA, bem assim como a nulidade consequencial dos atos consubstanciados pelo despacho do Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de (...) proferido em 5 de Abril de 2006 e comunicado em 8/5/2006, que ordenou a demolição, a realizar no prazo de trinta dias, de todas as construções ilegais existentes no prédio sito no ângulo da E.N. 222 com a Rua da (...), levadas a efeito sem licenciamento municipal, em violação do disposto no artigo 4º do DL 555/99, de 16 de Dezembro, com a redação dada pelo DL 177/01, de 4 de Junho, em cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 106º do citado diploma legal e pelo despacho desta última data, constante da comunicação junta sob o doc. nº 1, dos 3º e 4º recorridos, que ordenou que a autora procedesse a tal demolição no prazo de trinta dias contados da referida notificação, sob pena de serem iniciados os procedimentos tendentes à demolição coerciva, com custos a cargo da aqui autora, nos termos do nº 4 do artigo 106º e 107º e seguintes do supra referido diploma legal.

Quanto à violação do conteúdo essencial de um direito fundamental – o de propriedade

15. Do mesmo modo que a vinculação situacional dos prédios em RAN ou REN não leva a concluir que o direito de plantar não é um direito incluído no direito de propriedade mas antes o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico urbanístico, também o direito de construir é inerente ao direito de propriedade, sujeito contudo a restrições que, no caso, derivam do ordenamento jurídico-urbanístico.

16. A necessidade de autorização para construir é a outra face da proibição de construir; e a proibição é a colocação de um obstáculo jurídico ao exercício de um direito que lhe pré-existe; a proibição é uma restrição do direito não constituindo a autorização, portanto, a atribuição desse direito mas tão só a remoção desse obstáculo que ao direito havia sido imposto ou oposto.

17. “o jus aedificandi constitui parte integrante do direito de propriedade, por ser uma das faculdades em que tal direito se analisa, sucedendo apenas que o seu exercício está dependente de uma autorização da Administração.”

18. A garantia individual da propriedade privada constitui um direito fundamental do cidadão que vincula não apenas o legislador, mas também a Administração (art.º18º, nº 1 do Constituição da República Portuguesa).

19. A deliberação do Vereador do Pelouro do Urbanismo de 2 de Abril de 2001 que declarou a nulidade do despacho de 10 de Abril de 1997 que deferiu o licenciamento e aprovou o projeto de arquitetura, ao delimitar na forma em que o fez o objeto do direito de propriedade, inutilizou a referida faculdade, restringindo o conteúdo ou espessura do direito, ofendendo assim o conteúdo essencial de um direito fundamental.

20. Tal ofensa vicia também esse ato administrativo, cominando-lhe a nulidade (cfr. art.º 133º, nº 2, al. d) do CPA).

21. Os restantes atos administrativos são consequenciais daquele, nele se fundamentando.

22. Sendo nulo o ato que lhes dá causa e os fundamenta, são os mesmos também nulos consequencial ou sucessivamente.

23. Mas são igualmente nulos por si mesmos, na medida em que também eles ofendem diretamente o conteúdo essencial do direito de propriedade, por determinarem a destruição de edificação que seria permitida ao abrigo do disposto no artigo 37º, al. a) do RPDM.

24. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 133º, nº 2, al. d) do CPA, 37º, alínea a) do Regulamento do PDM de (...) então vigente e 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, devendo ser revogada e substituída por outra que conhecendo do invocado vício da nulidade por violação do conteúdo essencial de um direito fundamental – o de propriedade - o julgue verificado e em consequência declare a inexistência jurídica do ato administrativo consubstanciado no despacho de 2 de Abril de 2001, do Senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo da CMVNG proferido ao abrigo da delegação de competências conferida pela Câmara na reunião extraordinária de 19 de Outubro de 1999 e pelo despacho de 18 de Dezembro de 2000 do Senhor Presidente da Câmara, que declarou a nulidade do despacho de 10 de Abril de 1997 do Senhor Presidente da Câmara que havia aprovado o projeto de arquitetura no processo de licenciamento de obras particulares nº 19/97, averbado em nome da aqui autora, sob o fundamento de que o terreno para o qual a autora pretendia o licenciamento constituía uma parcela autónoma, perfeitamente individualizada da área sobrante, cuja área era inferior a 10.000 m 2 exigidos pelo artigo 37º do Regulamento do PDM, nulidade essa a declarar nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 133º, nºs 1 e 2, al. a) e d) e 134º, nº 1 do CPA, bem assim como a nulidade (quer a consequencial, quer a que diretamente os afeta também pelo mesmo vício de violação do conteúdo essencial de um direito fundamental), dos atos consubstanciados pelo despacho do Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de (...) proferido em 5 de Abril de 2006 e comunicado em 8/5/2006, que ordenou a demolição, a realizar no prazo de trinta dias, de todas as construções ilegais existentes no prédio sito no ângulo da E.N. 222 com a Rua da (...), levadas a efeito sem licenciamento municipal, em violação do disposto no artigo 4º do DL 555/99, de 16 de Dezembro, com a redação dada pelo DL 177/01, de 4 de Junho, em cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 106º do citado diploma legal e pelo despacho desta última data, constante da comunicação junta sob o doc. nº 1, dos 3º e 4º recorridos, que ordenou que a autora procedesse a tal demolição no prazo de trinta dias contados da referida notificação, sob pena de serem iniciados os procedimentos tendentes à demolição coerciva, com custos a cargo da aqui autora, nos termos do nº 4 do artigo 106º e 107º e seguintes do supra referido diploma legal.

Quanto à demolição enquanto última ratio

25. A decisão, nesta parte, assenta num pressuposto falso: o de que a autoridade recorrida concluiu previamente pela inviabilidade da legalização da obra, por esta não poder satisfazer aos requisitos legais e regulamentares aplicáveis, à luz do “bloco de legalidade urbanística” que existe à data de emissão de tal juízo (cfr. fls. 178/179)

26. À data da emissão do juízo que concluiu pela ordem e demolição, o artigo 37º, alínea a) do RPDM admitia a edificabilidade no prédio para o qual foi pedido o licenciamento, conforme decorre deste recurso, por o mesmo ter mais de 10.000 m2.

27. A circunstância de a edificabilidade se restringir a fim habitacional, ou de implicar um determinada cércea, ou determinada área de impermeabilização do solo, ou qualquer outro requisito da edificação, é corrigível, como se compreende.

28. Mas o “bloco de legalidade urbanística” que existia compreendia já a pendência do processo de revisão do PDM de (...) no âmbito da qual o solo onde a edificação se encontra construída seria inserido no perímetro urbano, deixando quer a questão da área mínima de 10.000 m2, quer a do fim estritamente habitacional, de ser obstáculo ao licenciamento da construção (cfr. doc. nº 1 da PI).

29. O processo de revisão do PDM é ato de iniciativa da própria autarquia sintetizando a visão que a mesma tem do ordenamento do seu território; se nessa visão se integrava a inclusão do solo em causa no perímetro urbano, não se vê outra maneira mais grave de violar o princípio da necessidade e da proporcionalidade que a de mandar demolir aquilo que previa que pudesse ali vir a ser edificado em conclusão da revisão do PDM!

30. Se a entidade recorrida se propunha, à data da decisão, inserir o solo em causa no perímetro urbano, reconhecendo que com essa nova classificação do solo deixaria de existir qualquer obstáculo à legalização da construção, como compreender a decisão da sua imediata demolição, sem aguardar pela finalização do processo de revisão do PDM?

31. É evidente que à luz do direito positivado à data, caso se entendesse que a situação não era enquadrável no disposto no artigo 37º do PDM então vigente, à administração cabia o direito, em abstrato, de ordenar a demolição, por o licenciamento violar o PDM; mas propondo-se a mesma entidade modificar o PDM para que o solo passasse a integrar o perímetro urbano e tendo presente a obrigação de última ratio imposta pelo artigo 106º do RJUE, o exercício de um tal direito excede manifesta e clamorosamente os limites impostos desde logo pela boa-fé e pelo fim social e económico de tal direito.

32. Tal ato, se não for ilegal por violação do disposto no artigo 37º, al. a) do RPDM então vigente está, pois, também ferido de manifesto abuso de direito, o que torna ilegítimo o seu exercício, abuso de direito esse que é do conhecimento oficioso, e que pode ser por isso suscitado em qualquer fase do processo.

33. A decisão recorrida (que, sem prescindir, se entende violadora do disposto no artigo 37º, al. a) do RPDM então vigente), violou o disposto no artigo 106º, nº 2 do RJUE, bem como o disposto no artigo 334º do Código Civil, devendo ser revogada e substituída por outra que declare a nulidade do despacho do Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de (...) proferido em 5 de Abril de 2006 e comunicado em 8/5/2006, que ordenou a demolição, a realizar no prazo de trinta dias, de todas as construções ilegais existentes no prédio sito no ângulo da E.N. 222 com a Rua da (...), levadas a efeito sem licenciamento municipal, em violação do disposto no artigo 4º do DL 555/99, de 16 de Dezembro, com a redação dada pelo DL 177/01, de 4 de Junho, em cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 106º do citado diploma legal e pelo despacho desta última data, constante da comunicação junta sob o doc. nº 1, dos 3º e 4º requeridos, que ordenou que a autora procedesse a tal demolição no prazo de trinta dias contados da referida notificação, sob pena de serem iniciados os procedimentos tendentes à demolição coerciva, com custos a cargo da aqui autora, nos termos do nº 4 do artigo 106º e 107º e seguintes do supra referido diploma legal ou que, em alternativa declare ilegítimo o exercício de tal direito de decretar e impor essa demolição, por o mesmo exceder manifestamente o princípio da boa-fé e o fim social e económico do direito.


*
14.O Recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e formulou as conclusões que se seguem:
«
A - A sentença não é nula pois o Tribunal de 1ª Instância apenas se refere a factos provados e não provados com relevância para a decisão;
B - O recorrido impugnou expressamente os factos que a recorrente alegou nos arts. 18, 19º, 20º e 21º da sua p.i. pelo que não estão assentes por acordo;
C - Em todo o caso, os factos que a recorrente pretende ver assentes são irrelevantes para a decisão da causa;
D - O recorrido não definiu nem quis definir o direito de propriedade da recorrente, tendo apenas constatado que a descrição registral não coincidia com a realidade física, levando em conta esta última na sua análise;
E - Na apreciação urbanística a realidade física deve prevalecer sobre a descrição predial, para salvaguarda dos interesses públicos defendidos através dos princípios urbanísticos;
F - A presunção do registo abrange apenas a existência do direito, não a descrição dos elementos do prédio;
G - Além disso, o art.º 37º, nº 1, do Regulamento do PDM à data em vigor não falava em "prédio" mas sim em "parcela" sempre que se referia à exigência de uma área mínima, indiciando claramente que não releva o "prédio" registral mas sim a parcela de terreno onde irá ser implantada a construção;
H - E é indubitável que no local existiam duas parcelas, atravessadas por uma estrada;
I - O direito de propriedade não permite automaticamente a edificação nos terrenos, estando esta dependente de autorização das entidades competentes;
J - O indeferimento de um projeto de construção não representa uma limitação do direito de propriedade mas tão só uma limitação de um direito acessório àquele, que é o direito de edificar no prédio;
L - No caso, a construção só seria possível se a parcela tivesse pelo menos 10.000m2 e não existisse mais nenhuma construção, requisitos que não se verificavam, ora por a parcela ser de área inferior, ora pelo terreno, na sua totalidade, ter já implantada uma outra construção;
M - E ainda assim a construção só seria admissível para habitação e não para serviços, como fez a recorrente;
N - Se o ato decidiu de forma errada - o que se não concede - seria anulável, por violação de lei, e não nulo, pois não ofendeu o direito fundamental de propriedade, sendo assim a ação extemporânea;
O - Mesmo depois da revisão do PDM de (...) continua a não ser possível a legalização, devido às restrições urbanísticas e às zonas de proteção non aedificandi das estruturas viárias que ladeiam a parcela;
Termos em que se deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, sendo mantida a decisão de 1ª Instância, assim fazendo V.as Exas, como habitualmente, inteira e sã Justiça».
*
15.Notificado o Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não se pronunciou.

16. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*

II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões das Recorrentes, nos termos do disposto nos artigos 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC), na verão conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.08 ex vi artigos 1.º e 140.º do Código de Procedimento Administrativo (CPTA) e por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem no âmbito dos recursos de apelação não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Nos presentes autos as questões que a este tribunal cumpre ajuizar, cifram-se em saber:

(i) Se a decisão recorrida é nula por, quanto à decisão de facto, incorrer em manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão (art.º 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC, decorrente de ter dado como inexistentes quaisquer factos julgados como não provados mas não constar do elenco dos factos provados todos os factos alegados pela recorrente;
(ii) Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia ( art.º 668.º, n.º1, alínea d) do CPC), por não ter tomado qualquer decisão quanto aos factos alegados pela recorrente nos artigos 18.º, 19.º, 21.º, 38.º, 39.º e 75.º da PI;
(iii) Se na referida decisão o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto, por não ter dado como provados os factos inscritos nos artigos 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 38.º e 75.º da PI, que devem ser dados como provados.
(iv) Se a decisão recorrida padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida por:
a- ter julgado não verificado o vício de usurpação de poder em relação ao despacho de 02 de abril de 2001 da autoria do Vereador do Pelouro do Urbanismo da CMVNG;
b- ter julgado o despacho de 02 de abril de 2001 da autoria do Vereador do Pelouro do Urbanismo da CMVNG como não violador do conteúdo essencial do direito fundamental de propriedade;
c- não ter julgado a demolição da construção como medida de última ratio conforme prescreve o art.º 106.º, n.º1 do RJUE.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.A DE FACTO

Sem prejuízo da posterior apreciação das questões colocadas em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, importa desde já elencar os factos dados como assentes pela sentença recorrida:
“1. Em Janeiro de 1997 foi requerido por F. A. P. o licenciamento municipal com vista à construção de uma moradia unifamiliar destinada a habitação, pedido esse que deu origem ao processo de licenciamento de obras particulares nº 19/97 da Câmara Municipal de (...) – Por Acordo.
2. Tal construção seria edificada no prédio rústico, sito no Lugar de (...), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob a descrição 01046/031094 e antes sob a descrição nº 37765, a fls. 85 do Livro B-97, onde consta a área de trinta e três mil seiscentos e sessenta metros quadrados (33.660 m2), encontrando-se a propriedade de tal prédio registada a favor do então requerente (F. A. P.) sob a inscrição G-2 – Por acordo e cfr. cópia da certidão de 05.11.97, junta sob doc. 3 com a P.I., que se tem por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais.
3. O processo de licenciamento atrás referido foi posteriormente licenciado a favor da aqui Autora – Por Acordo e doc. 1 junto com a contestação.
4. O prédio em causa, em termos de Plano Diretor Municipal (PDM) de (...), encontra-se integrado em zona classificada como “área não urbana de transformação condicionada”, prevendo o Regulamento do PDM uma área mínima de 10.000 m2 para que seja permitida a construção de uma habitação – Por Acordo.
5. Em 10.04.1997 foi deferido o pedido de licenciamento e o projeto de arquitetura no processo de licenciamento de obras particulares nº 19/97, que foi aprovado por despacho do Presidente da Câmara Municipal de (...), com base em informação/parecer juntas ao PA, do Departamento do Urbanismo, parecer esse, por sua vez, aprovado pelo respetivo Diretor de Serviço - Acordo.
6. Em 01.02.2000 foi prestada a seguinte informação pelo Gabinete de Apoio ao DDU da Câmara Municipal de Gaia, sob assunto: “POP nº 19/97 – (…) – (...), em nome de M., Lda”:
“Em cumprimento do solicitado pelo Exmº Srª Presidente, somos de emitir parecer relativamente ao processo em epigrafe referenciado.
1. INTRODUÇÃO.
Antes de tudo, convém proceder a uma sucinta resenha dos factos tidos por mais relevantes no presente procedimento administrativo.
Em 08.01.97, F. A. P. faz dar entrada de um pedido de licenciamento de “uma habitação unifamiliar do tipo pré-fabricado” a implantar num terreno sito ao gaveto da Rua da (...) com a variante à EN 222, em (…) – (...);
Em 27/01/97, face à localização da pretensão foi solicitado parecer à JAE, tendo esta entidade se pronunciado, em 17/03/97, no sentido que nada tinha a opor à pretensão do requerente;
A atual pretensão insere-se, em termos de Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...), em Área não urbana de Transformação Condicionada – cfr. planta topográfica inclusa nos elementos instrutórios do presente processo, sob folhas nº 15;
O requerente instruiu o processo com a descrição predial do terreno em questão, a qual refere que o terreno possui uma área de 33.660 m2;
De acordo com a informação de 26/03/99, a superfície mínima exigida pelo PDM para esta área (10.000m2 – cfr artigo 37º nº 1 do PDM) “ é largamente ultrapassada” no presente caso;
O processo de obras particulares nº 19/97 – (...) foi deferido em 10.04.97, tendo em 06/06/97, sido averbado em nome de “M., Lda”;
Em 29/07/ o D.U. informa que, e passamos a citar:
“(...) se trata de uma propriedade cortada por três estradas, mas tanto quanto me é dado a perceber (pelo registo) e na sequência da informação do interessado, dividido em parcelas que constituem um todo para todos os efeitos, e cujo registo diz respeito a uma única descrição da conservatória (embora com vários artigos).(...)”
Na reunião Ordinária de Câmara realizada em 07/07/97 e na sequência de uma proposta do sr. Vereador B. R., foi deliberado mandar embargar a obra (que entretanto tinha tido inicio sem que tivesse sido emitida a respetiva licença de obras) por falta de licenciamento, tendo a mesma sido embargada em 09/07/97 (cfr. auto de embargo junto ao processo administrativo, sob folha nº 20) Em 26/07/97 a Divisão de Fiscalização elaborou um auto de noticia de desacatamento da ordem de embargo, tendo em 31/12/97 a Câmara comunicado o referido desacatamento ao sr Delegado do Procurador da República do Tribunal Judicial de (...);
2. ANÁLISE
Passemos, então, à apreciação do presente processo de obras particulares.
2.1
A pretensão do requerente insere-se em área Não Urbana de Transformação condicionada, para a qual, o Plano Diretor Municipal de (...), prevê uma área mínima de 10.000 m2 para que seja permitida a construção de uma habitação isolada.
O requerente apresentou uma descrição predial na qual se refere que a área do terreno é de 33.660 m2.
Numa primeira análise, parece que está preenchida a condição imposta pela alínea a) do artigo 37 do PDM.

Contudo, e tanto quanto nos é dado a perceber, o que está descrito no registo predial não corresponde à realidade física do terreno. É que, conforme informa o D.U., em 29/06/97, trata-se de “uma propriedade cortada por três estradas”, sendo uma delas a Rua da (...) e outra a EN 222.
Parece pois, estarmos perante uma divergência entre o que é descrito no Registo Predial e a realidade física. Aquela área total de 33.660 m2 estará dividida em, pelo menos, duas parcelas fisicamente autónomas e perfeitamente individualizadas.
Será, então, pertinente perguntar: Dever-se-á atender à descrição predial ou à realidade física do terreno?
Vejamos antes de mais, o que é vertido no Acórdão da Relação do Porto de 16/09/91: “(...) embora a descrição predial tenha por finalidade a identificação física, económica e fiscal dos prédios e as diversas inscrições procurem definir a situação jurídica dessas descrições, o certo é que, a presunção que resulta do registo é ilidível por prova em contrario, podendo ser destruída se se demonstrar contrária à realidade substantiva – art. 79º e 7º Cód. Reg. Predial. (...)”
De acordo com o artigo 1º do Código Registo Predial, o registo destina-se tão só a dar publicidade à situação jurídica dos prédios e não a garantir os elementos de identificação da descrição predial. (...)
Resumindo, não é com base na descrição predial que se poderá afirmar que determinado prédio tem esta ou aquela constituição, estando fora do âmbito da presunção do registo predial tudo o que se relacione com os elementos de identificação do prédio.
Acresce ainda que, sendo o plano diretor municipal um instrumento de ordenamento do território que visa, entre outras coisas, a inventariação da realidade urbanística, fácil será anuir que ao fazer referência a parcelas de terreno tem em vista a realidade física do mesmo e não a respetiva descrição predial, tanto mais se nos lembrarmos que a atividade registral é desencadeada por um ato de manifestação de vontade dos particulares.
Conclui-se, pois, que na apreciação do presente processo de obras particulares não se poderia deixar de ter em conta a realidade física do terreno e, caso aquela parcela individualizada não possua a área mínima exigida pelo artigo 37º do PDM, como tudo parece indicar, mas melhor será esclarecido pelo D.U., o deferimento do processo de obras particulares nº 19/97 – (...), terá de ser considerado nulo, por força da alínea b) nº 2 do artigo 52º do DL 445/91, de 20/11
2.2.
Passaremos agora a contemplar uma outra questão que se coloca no presente processo.
O requerente solicitou a apreciação de um projeto de uma habitação unifamiliar pré fabricada, tendo sido deferida a sua pretensão em 10.04.97.
Embora desprovido de licença de obras, o requerente deu inicio à construção a qual veio a ser embargada em 09.07.97, embargo aquele que não foi respeitado, tendo em 31.12.97 sido comunicado o desacatamento ao Delegado do Procurador da Republica do Tribunal Judicial da Comarca de (...).
Convém ainda realçar que o que foi deferido foi uma construção para habitação unifamiliar, levantando-se algumas duvidas de que construção já existente seja do “tipo pré-fabricado”, pelo que não existirá correspondência entre o que foi solicitado e (e deferido) e o que foi construído.
De qualquer forma, como se pode depreender do artigo 37º do PDM, nas áreas urbanas de transformação condicionada apenas é admitida (com a condicionante dos 10.000m2) a construção de habitações e não de construções para outros usos.
Conclui-se que, mesmo que aquela parcela tivesse os 10.000 m2 exigidos pela alínea) do artigo 37º do PDM, só se poderia licenciar para aquela área uma construção para habitação.
3. CONCLUSÃO
Do que vem exposto, conclui-se o seguinte:
a)Nas áreas delimitadas pelo Plano Diretor Municipal de (...) com Áreas Não Urbana de Transformação Condicionada é permitida a construção de uma habitação desde que a parcela em causa possua uma área mínima de 10.000 m 2 – cfr alínea a) do RPDM
b) Nas áreas não urbana de transformação condicionada apenas se poderá licenciar uma construção para habitação e não para outros usos.
c) Para efeitos de licenciamento de obras particulares, o que releva é a realidade física do terreno, dado que esta se destina, tão só, a dar publicidade à situação jurídica dos prédios e não a garantir os elementos de identificação dos mesmos;
d) O terreno onde o requerente, desprovido de licença de obras, procedeu à execução de uma edificação, constituiu uma parcela autónoma perfeitamente individualizada da área sobrante, estando ladeada por duas estradas – e EN 222 e a Rua (...) -, pelo que terá de possuir os 10.000m2 exigidos pelo artigo 37º do PDM;
e) Caso se conclua, o que deve ser esclarecido pelo D.U., que a parcela não possui a área exigida, então, o deferimento será, nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 52º do Decreto Lei 445/91, nulo, por violação do Plano Diretor Municipal de (...) e como nulo deverá ser declarado.
f) Não se pode conjeturar a legalização da edificação face ao artigo 37º do Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...)(...)”
– cfr. doc. nº 1 junto com a Contestação que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
7. Em 01.02.2000, a informação referida atrás mereceu os seguintes pareceres do
Departamento Jurídico: “Concordo. À Consideração do Exmº Sr Presidente”
8. E ainda: “Concordo. A confirmar-se que a parcela de terreno onde se encontra executada a edificação não possui área mínima de 10.000m2, o ato de deferimento da pretensão é nulo, nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 52º do DL 445/91, por violar o artigo 37º do Regulamento do PDM, situação esta que inviabiliza qualquer construção – cfr. citado doc. 1 (pág. 1).
9. Em 14.02.2000, com base na informação e pareceres atrás referidos, foi proferido o seguinte despacho pelo Presidente da Câmara Municipal de VNG: “Tomei conhecimento.
Ao DU para que responda às questões suscitadas. (...)”
10. Em 02.04.2001, ao abrigo da delegação de competências conferida pela Câmara na reunião extraordinária de 19 de Outubro de 1999 e pelo despacho de 18 de Dezembro de 2000 do Senhor Presidente da Câmara, foi pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo da CMVNG, proferido despacho que declarou a nulidade do despacho de 10 de Abril de 1997 que havia aprovado o projeto de arquitetura no processo de licenciamento de obras particulares nº 19/97, averbado em nome da aqui Autora, dado considerar que o terreno para o qual o requerente pretendia o licenciamento constituía uma parcela autónoma, perfeitamente individualizada da área sobrante, cuja área era inferior a 10.000 m2 exigidos pelo artigo 37º do Regulamento do PDM – cfr. doc. nºs 5 junto com a PI, que se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
11. O despacho de 2.04.2001 atrás referido foi proferido na sequência de uma reavaliação da situação em causa, determinada por deliberação da Câmara Municipal de (...) na sua reunião ordinária de 7 de julho de 1997, a que se refere a Acta nº 27 da reunião, ao aprovar por unanimidade a seguinte proposta:
“ PONTO PRÉVIO Nª 5
O Sr. Vereador(...) apresentou uma proposta com o seguinte teor:
Há dias constatei que na variante à E.N. 222, no cruzamento com a Rua da (...), (…)-(...), começou a desenvolver-se o que me parecia ser uma construção.
Estranhei o facto por conhecer perfeitamente o local e saber que o PDM determina a zona como “área não urbana de transformação condicionada”.
Consultei o Departamento de Urbanismo e verifiquei que tinha dado entrada para o local, um processo de construção, registado com o número 19/1997, destinado a habitação, do tipo pré-fabricado, de um só piso em nome do Sr. F. A. P..
Aguardei a tramitação do respetivo processo na expectativa que o mesmo obviamente viesse a ser indeferido.
No entanto, passado algum tempo verifico, para meu espanto, que as obras têm o seu início.
Foi então que de novo requeri o processo e verifiquei que o mesmo tinha sido deferido pelo Sr. Presidente, em 10/04/97, face às informações favoráveis do Departamento de Urbanismo.
De imediato abordei o Sr. Presidente da Câmara informando-o da incompatibilidade de construção com o PDM e dando-lhe conhecimento que apesar do processo não se encontrar ainda licenciado já as obras tinham arrancado.
Para além da falta de licença e da incompatibilidade (a meu ver) da construção com o PDM, a mesma não está de acordo com o deferimento já que neste momento foi aberta uma enorme cave, com a construção de colunas e paredes em cimento armado, desvirtuando, completamente o deferido e ainda não licenciado.
De imediato o Sr. Presidente tomou posição pedindo esclarecimentos ao Sr. Arqº (...), Diretor do Departamento de Urbanismo e do Sr. Arqº(...), Técnico que informou o respetivo processo.
É então que surge a 1ª e a 2ª parte de uma informação, produzida pelo Sr. Arqº (...) datada de 29/06/97, que apesar de pouco mais completa que a de 26/3/97, também de sua responsabilidade, pretende justificar de forma duvidosa aquilo que o PDM estipula claramente para o local.
Vamos então aos factos:
1 - Na informação de 26/3/97 o Sr. Arqº(...) afirma que a pretensão se situa em área não urbana de transformação condicionada, mas que a moradia poderá ser licenciada por ser a primeira para um terreno que apresenta uma área superior a 10.000 m2 (alínea a) nº 1 artº 37º, do regulamento do PDM).
Era verdade, se na área total do terreno, 33.660 m2, não existisse qualquer outra moradia. No entanto, verifica-se que na área total do terreno existe a casa mãe da Quinta e ainda uma outra habitação (ver fotografias e planta topográfica do processo) de construção recente, onde habita o filho do proprietário do terreno, 1.º requerente deste processo, entretanto averbado, de forma não esclarecedora, em nome de M..
Contudo, admitamos ainda que a parcela onde agora se quer fazer esta construção é destacada do resto da Quinta, porque na verdade já o é fisicamente, uma vez que está rodeada em toda a sua extensão por vias públicas, constituindo uma autêntica ilha.
Mesmo assim, a construção não é possível porque a zona é uma área não urbana de transformação condicionada e a área desta parcela não tem mais de 700 m2.
Confrontados com esta posição os Técnicos da Câmara limitaram-se a convocar o requerente, agora “M…” que naturalmente confirmou a área total da propriedade, 33.660 m2, que já conhecíamos, por documento anexo ao processo, e simultaneamente afirmou que a sua habitação não pertencia à área total do terreno.
Discordo desta afirmação já que é do meu conhecimento que o terreno onde se encontra a sua habitação faz parte da mesma Quinta, embora atualmente esteja cortada pela E.N. 222.
Mas, admitamos que a sua habitação não faz parte da área total do terreno, o declarante não pode desconhecer que na área da propriedade existe já uma construção, a casa mãe da Quinta.
É verdade que a área total do terreno possui 33.660 m2, é constituída por vários artigos (art. 2056, 2059, 2062, 2065, 2071, 2068 e 2075), mas cujo registo diz respeito apenas a uma única descrição da conservatória. Por isso mesmo, neste terreno apenas poderá, nos termos do Regulamento atual do PDM, existir uma única construção e que por habilidades constantes e capciosas informações e declarações se pretende agora introduzir uma 3ª construção.
Por último registe-se o facto que apesar da questão ter sido levantada por um Vereador o processo nem sequer passou pelo Gabinete do Plano Diretor Municipal, o que seria minimamente aceitável.
Considerando que é dever de qualquer cidadão e sobretudo obrigação do eleito local defender os superiores interesses do Município e zelar pelo cumprimento das regras estabelecidas e no particular quanto ao estipulado no Regulamento do PDM, proponho que a Câmara delibere, com efeitos imediatos, o seguinte:
1- Embargar a obra, por ainda não se encontrar licenciada
2- Mandar instalar um inquérito, por inquiridor exterior à Câmara, para que se averigue quanto à verdade dos factos, e que até final do mesmo o processo não tenha qualquer andamento.” – cfr. doc. nº 4 junto com a PI que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
12. A situação foi reavaliada porque, não obstante o terreno ter área de 33.660 m2 e ser admissível a construção de uma moradia unifamiliar para habitação, no caso não deveria ser permitido por se considerar ter o prédio já nessa área, duas outras casas – Por Acordo.
13. O prédio atrás referido encontra-se atravessado por vias rodoviárias públicas – Acordo.
14. O proprietário não procedeu a qualquer divisão, fracionamento, destaque ou outra forma de individualização de qualquer parte do prédio, mantendo a sua unidade – Acordo.
15. Por oficio com referência 2001/26810, datado de 18.07.2001, foi a Autora notificada do seguinte:
“Comunico que, por despacho do Senhor Vereador Firmino Pereira de 2 de Abril de 2001(...) e pelo despacho do Sr. Presidente da Camara foi declarada a nulidade do despacho de deferimento do pedido de aprovação do projeto de arquitetura de 10 Abril de 1997, por, com base no parecer emitido pela Direção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território – Norte, através do Oficio nº 552 de 21 de Fevereiro de 2001, se considerar que o terreno para o qual foi apresentado o processo de licenciamento indicado em epígrafe constitui uma parcela autónoma, perfeitamente individualizada da área sobrante, estando ladeada por dois arruamentos – a EN 222 e a Rua da (...) -, cuja área é inferior a 10.000 m2 exigidos pelo artigo 37º do Regulamento do PDM” – cfr. doc 2 junto com a PI que se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
16. Por oficio com a referência 792/2006, datado de 2006/05/08, foi a Requerente notificada de que, por despacho proferido em 5 de Abril de 2006 pelo Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de (...), foi ordenada a demolição, a realizar no prazo de trinta dias, de todas as construções ilegais existentes no prédio sito no ângulo da E.N. 222 com a Rua da (...), levadas a efeito sem licenciamento municipal, em violação do disposto no artigo 4º do DL 555/99, de 16 de Dezembro, com a redação dada pelo DL 177/01, de 4 de Junho, em cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 106º do citado diploma legal – Por Acordo e cfr. doc. nº 1 junto aos autos com a P.I. que se tem por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
17. Na mesma data e pelo mesmo meio referido no ponto anterior, foi a Autora notificada para proceder à dita demolição no prazo de 30 dias, sob pena de serem desencadeados os procedimentos tendentes à demolição coerciva, com custos pela autora, nos termos do estatuído nos artigos 106º e 107º e ss do RJUE – cfr. cit. Doc. 1 junto com a P.I.
18. A petição inicial desta ação administrativa especial deu entrada em tribunal no dia 03 de Julho de 2006 – cfr. fls. 1 e 2 dos autos.
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III.B DO DIREITO
B.I.

1.Já identificamos supra as concretas questões que a Recorrente suscita no âmbito do presente recurso.

2.Neste âmbito, impõe-se ter presente que nos termos do disposto no art. 713.º, n.º2 do CPC ( art.663º, n.º 2 do NCPC), o “ acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, exporá de seguida os fundamentos e concluirá pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 659.º e 665.º (arts. 607º a 612º do NCPC).

3.Por sua vez, estabelece o art.º 660.º ( 608º NCPC), que, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art.º 288.º ( n.º 3 do art.º 278º NCPC), a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica (n.º 1) e que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2).

Como é bom de ver, são razões de economia e de celeridade processual que impõem a solução jurídica enunciada naquele n.º 1 do art. 660º, dado que, em caso de procedência de alguma exceção que leve à absolvição da instância, automaticamente ficará prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos de recurso invocados pelos recorrentes.

4.Dentro desta filosofia, compreende-se que sendo suscitadas nulidades da sentença recorrida, a jurisprudência considere que se deverá conhecer dessas nulidades, antes de se entrar no conhecimento dos restantes fundamentos de recurso, uma vez que, a procederem as nulidades invocadas, tal poderá impedir, tornando inútil, o conhecimento daqueles outros fundamentos de recurso aduzidos pelos Recorrentes.

5.Resulta do que se vem dizendo, que tendo a Recorrente suscitado a nulidade da sentença, por alegada contradição insanável entre a circunstância de nela se ter julgado como inexistentes factos não provados e a existência de factos alegados pela autora que não foram considerados provados, insertos nos pontos 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 38.º, 39.º e 75.º da PI, e, bem assim, nulidade por omissão de pronúncia por nenhuma decisão ter recaído sobre os factos inscritos nesses pontos da PI, impõe-se conhecer, de imediato, desses pretensos vícios de invalidade da sentença recorrida, uma vez que, reafirma-se, caso procedam, tal poderá implicar que o conhecimento dos restantes fundamentos de recurso invocados pela Recorrente fiquem prejudicados.


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Da Nulidade da Decisão Recorrida por Contradição entre os Fundamentos e a Decisão e por Omissão de Pronúncia.

6.Antecipe-se, desde já, não assistir qualquer razão à Apelante para assacar os enunciados vícios de nulidade à sentença recorrida, uma vez que, quanto aos invocados vícios, caso os mesmos se verifiquem, trata-se de vícios ocorridos exclusivamente ao nível do julgamento da matéria de facto e, consequentemente, erro de julgamento, atacável em via de recurso e a ser solucionado pelo tribunal ad quem de acordo com o comando legal do art. 712.º ( 662º do NCPC).

7.Precise-se que ao invocar as enunciadas pretensas invalidades da decisão recorrida, com os fundamentos que aduz, a Autora/apelante incorre em manifesto equívoco entre os conceitos de “vícios determinativos de nulidade da sentença”, a que alude o art.668.º ( 615º do NCPC), com erros de julgamento e, dentro destes, entre erros de julgamento quanto à matéria de facto (error facti) e erros de julgamento quanto à matéria de direito, a que alude o art.712.º do mesmo Código.

8.A este propósito, não podemos deixar de assinalar que corresponde a uma má prática, infelizmente generalizada, a frequente imputação de vícios de nulidade às decisões recorridas e a incursão nas enunciadas confusões entre nulidades da sentença e erros de julgamento, não obstante o esforço dos tribunais superiores na clarificação desses conceitos, existindo abundante e qualificada jurisprudência a este respeito, de modo que não pudemos deixar de sufragar o juízo que, neste domínio, é expresso por Abrantes Geraldes, ao escrever: “É frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou (e que a racionalidade não consegue explicar), desviando-se do verdadeiro objeto do recurso que deve ser centrado nos aspetos de ordem substancial. Com não menos frequência, a arguição de nulidade da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com alguns vícios que determinam tais nulidades”, concluindo que “… ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir em alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (art. 615º, n.º 4 do CPC) ou quando seja formulado pedido de reforma (art. 616º, n.º 3), o juiz deve pronunciar-se sobre tais questões, nos termos que constam do art. 617º”. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4.ª Ed., Almedina, pág. 170

9.Como se sabe, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 668.º do CPC( art.º 615.º NCPC)

10.Os vícios determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no 668º do CPC. e reportam-se a vícios referentes à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença.

10.1. Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados na alínea c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum.

10.2.Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer por essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”.

12.Diferentemente desses vícios são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros de julgamento quanto à matéria de facto que se julgou provada e/ou não provada na sentença recorrida, decorrentes de uma deficiente valoração da prova produzida, verificando-se na sentença, uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou erros de julgamento quanto à decisão de mérito nela proferida, quando o tribunal tenha incorrido em erro de julgamento na aplicação/subsunção do direito aos factos provados e não provados (error iuris), de modo que o decidido não corresponde à realidade normativa.

12.1.Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas (erro de direito em sede de julgamento da matéria de facto) ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto (erro no direito aplicado aos factos provados e não provados), sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais) ou à sombra do poder à luz do qual aquela é proferida, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in iudicando, atacáveis em via de recurso.

13.Na verdade, apesar de atualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, os vícios da decisão da matéria de facto, nunca constituem causa de nulidade da sentença, designadamente, por omissão de pronúncia, por falta de fundamentação ou por contradição entre os factos julgados provados e não provados e a fundamentação vertida na sentença recorrida para o tribunal justificar o julgamento que fez da matéria que assim julgou provada e não provada, dado que a matéria de facto encontra-se sujeita a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, causa de nulidade da sentença à luz do disposto no art. 668º do CPC, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pelo tribunal Superior dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto no n.º 1 e da al. c), do n.º 2 do art.712.º ( 662.º NCPC).

13.1.Destarte, não estando a decisão quanto à matéria de facto fundamentada ou devidamente fundamentada, tal vício não determina a nulidade da sentença, mas apenas dá lugar à remessa dos autos à 1ª Instância para que esta fundamente ou fundamente devidamente esses factos que julgou provados ou não provados, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

14.Ocorrendo contradição entre os factos julgados como provados e não provados na sentença recorrida e a fundamentação nela exarada pelo tribunal a quo para motivar/fundamentar o julgamento da matéria de facto que assim fez, mais uma vez, cumpre ao Tribunal d e 2.ª Instância, fazendo uso dos enunciados poderes de substituição ou de cassação previstos no art.º 712 do CPC( 662º do NCPC), verificar se o vício em que incorreu o tribunal a quo se verifica ao nível do julgamento da matéria de facto que realizou, ou seja, se são os factos que julgou como provados ou não provados que se mostram desconformes com a prova produzida, ou se esse vício se verifica antes ao nível da fundamentação que se encontra exarada na sentença para motivar esse julgamento da matéria de facto que realizou e, em função disso, suprir o enunciado vício da contradição, julgando os factos em apreço de acordo com a prova produzida e exarando as concretas razões que o levam a concluir no sentido da prova ou não prova dessa matéria fáctica (motivando esse seu julgamento da matéria de facto), ou caso o processo não contenha todos os elementos de prova que lhe permitam fazer esse julgamento de facto, anular a sentença recorrida, para que, quanto a essa concreta matéria de facto, seja renovada a produção da prova.

15.Resulta do que se vem dizendo, que uma coisa é o vício determinativo da nulidade da sentença por falta de fundamentação a que alude o art. 668º, n.º 1, al. b) do CPC, ou o vício da nulidade da sentença por os fundamentos estarem em oposição com a decisão nela proferida, vício este a que alude a al. c) daquele n.º 1 do art. 668, os quais ocorrem quando, respetivamente, em termos de subsunção jurídica, o tribunal não especifique aí os fundamentos de facto e/ou de direito em que estribou a decisão de mérito que profere ou quando o discurso lógico jurídico que vem enunciado em sede de subsunção jurídica, apontarem num determinado sentido da decisão de mérito a proferir e aquele, a final, vem a tomar uma decisão de mérito diferente, e outro, bem diverso, é o vício da falta/deficiente ou contradição da fundamentação quanto ao julgamento da matéria de facto.

16.Em sede de fundamentação da matéria de facto, estabelece o art. 653.º, n.º2 e 655.º, n.º1 do CPC, que, na fundamentação, o juiz declara na sentença quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, procedendo livremente à apreciação dessas provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial ( nem aqueles que só possam ser provados por documento ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes).

17.Significa isto, que exceto os casos em que a prova de determinado facto esteja sujeita a regras de direito probatório material, em que a apreciação da prova tem de ser feita, por imperativo legal, de acordo com essas regras de direito probatório material, que fixam o meio probatório necessário à prova desse concreto facto não deixando qualquer margem de subjetivismo ao julgador nessa apreciação, a regra, é a de que a apreciação da prova é feita de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.

18.No entanto, porque a livre apreciação da prova não equivale a arbitrariedade e por força do princípio constitucional que impõe o dever de fundamentação nas decisões judiciais, o juiz tem o ónus de fundamentar os factos julgados como provados e não provados com a finalidade de facilitar o reexame pelo tribunal superior, reforçar o autocontrolo do julgador e por uma justiça transparente.

19.O dever de fundamentação em sede de matéria de facto implica para o tribunal a enunciação de “fundamentos suficientes, para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correção da sua decisão (…). A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (…) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção. Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente, devem ser referidos os meios inconclusivos”. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 348.

20.Decorre do que se vem dizendo que a obrigação de fundamentação em sede de julgamento da matéria de facto, implica que o julgador exteriorize, indicando-os, quais os concretos meios de prova que considerou e quais as razões objetivas e racionais pelas quais tais meios probatórios obtiveram no seu espírito credibilidade, de molde a compreender-se o itinerário cognoscitivo seguido para a consideração de determinado facto como provado ou não provado.

20.1Precise-se que o enunciado dever de fundamentação não impede que o tribunal motive em conjunto as respostas a mais de um facto, quando os factos objeto de motivação se apresentem entre si ligados e quando sobre eles tenha incidido fundamentalmente os mesmos meios de prova, caso em que essa motivação conjunta poderá até ser aconselhável.

20.2.Naturalmente, que o tribunal poderá julgar provada ou não provada determinada matéria de facto e ao fundamentar essa resposta apontar razões que o levam a retirar uma conclusão diversa daquela que retirou em sede de julgamento da matéria de facto, isto é, o tribunal deu determinado facto como provado e, em sede de motivação desse julgamento de facto que fez, apontar meios de prova e razões que o levavam antes a concluir pela não prova desse facto que julgou como provado; ou julgou como não provado determinado facto, quando os meios de prova e as razões que invoca em sede de motivação desse julgamento de facto que realizou, antes apontam no sentido de que o mesmo devia ter julgado como provado esse facto.

20.3.No entanto, quando essa contradição entre julgamento da matéria de facto e respetiva fundamentação se verifique, esse vício, tal como o vício da falta ou insuficiente fundamentação do julgamento da matéria de facto realizado, ocorre exclusivamente ao nível do julgamento da matéria de facto e, por conseguinte, reafirma-se, carece de ser solucionado pelo tribunal ad quem mediante recurso aos mecanismos previstos no art. 712.º do CPC.

- Da nulidade da sentença por os respetivos fundamentos estarem em oposição com a decisão.

21.No caso, analisada a sentença recorrida em sede de “Fundamentação de Direito”, é indiscutível que nela o tribunal não incorre em qualquer vício determinativo da nulidade dessa sentença, designadamente por pretensa oposição entre a decisão e os respetivos fundamentos, posto que não se verifica, nessa “fundamentação de direito” qualquer contradição ou vício lógico interno entre os factos que aí considerou como tendo sido provados e que relevam para a decisão de mérito a proferir e a decisão de mérito aí proclamada, antes o que acontece é que aquele tribunal fez uma interpretação jurídica diversa da que vem propugnada pela Autora/Recorrente em sede de quadro normativo vigente que permita ou não permita a legalização da construção de modo a assim se inviabilizar a sua demolição, vício este que, a verificar-se, consubstancia mero erro de julgamento na vertente de “error iuris”, a ser apreciado em sede de recurso.

21.1.O vício lógico-discursivo que a Recorrente assaca à sentença recorrida situa-se exclusivamente ao nível do julgamento da matéria de facto, na vertente de error facti, não determinativo de nulidade da sentença, carecendo de ser atacado em sede de recurso no âmbito da impugnação da matéria de facto, dando lugar apenas a que o tribunal ad quem exerça os poderes de cassação ou de substituição enunciados no art.º 685-B do CPC.

21.2.Na verdade, conforme resulta da simples leitura dos fundamentos de recurso aduzidos pela Recorrente para fundamentar a pretensa nulidade da sentença recorrida, esta limita-se a sustentar que a decisão nela proferida ao julgar como inexistentes factos não provados e ao não dar como provados todos os factos alegados pela Recorrente, incorre numa manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão, sendo indiscutível que a alegada contradição lógica que apelante assaca à sentença recorrida coloca-se exclusivamente entre os fundamentos que o tribunal a quo nela avocou, em sede de motivação da matéria de facto, para fundamentar os factos que julgou como provados o que, reafirma-se, a ser certo, isto é, a verificar-se essa pretensa contradição lógica, a mesma coloca-se exclusivamente ao nível do julgamento da matéria de facto, consubstanciando, por conseguinte, mero erro de julgamento, na vertente de “error facti”, não determinativo de nulidade da sentença, mas dando lugar unicamente ao exercício pela 2.ª Instância dos poderes de rescisão ou de cassação enunciados no art.º 685-B do CPC.

21.3.Termos em que, sem maiores delongas, improcede a pretensa nulidade da sentença proferida pelo tribunal a quo com fundamento em alegada oposição entre a decisão e os fundamentos em que aquela repousa.

- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

22.Dispõe o art. 668º, n.º 1, al. d) do CPC que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que deva conhecer ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

22.1.Os vícios a que alude este preceito – omissão e excesso de pronúncia - encontram-se em consonância com o comando do n.º 2 do art.º 660.º do mesmo Código, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

22.2.Trata-se da concretização prática do princípio do dispositivo, que na sua vertente clássica, significava que “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes instaurar a ação e, através do pedido e da defesa, circunscreverem o thema decidendum, mas também do princípio do contraditório, que na sua atual dimensão positiva proíbe a prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), ao postergar a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer-se às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e contribuírem para decisão a ser nele proferida.

22.3.Como consequência, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art.º 660.º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos e de todas as causas de pedir e exceções invocadas e, bem assim de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção, desde que suscitada/arguida pelas partes – logo se o tribunal não conhecer de exceção ou exceções do conhecimento oficioso, mas não suscitada(s) pelas partes, o não conhecimento desta(s), não invalida a sentença por omissão de pronúncia -, cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, sequer se encontra obrigado a apreciar todos os argumentos aduzidos pelas mesmas para sustentarem a sua pretensão (pedido).

22.4.Precise-se que a omissão de pronúncia em sede de julgamento da matéria de facto, no sentido de não se dar como provados, sequer como não provados, na sentença, determinados factos essenciais integrativos da causa de pedir alegada pelo autor na petição inicial , ou das exceções alegadas pelo réu na contestação, não consubstancia nulidade da sentença por omissão de pronúncia mas antes erro de julgamento a ser solucionado de acordo com os mecanismos previstos no art.º 712.º do CPC.

22.5.Na situação em análise a apelante fundamenta a nulidade da decisão recorrida em omissão de pronúncia por o tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a matéria de facto inscrita nos pontos 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 38.º, 39.º e 75.º da PI, ou seja, por relativamente à mesma não a ter considerado provada, quando a sua consideração não pode deixar de ser relevante para a boa decisão da causa.

22.6.Uma vez mais, como resulta do que acima se explicitou, a situação exposta pela Apelante não constitui omissão de pronúncia mas, a serem relevantes esses factos e a não terem sido dados como provados, tal situação é antes suscetível de configurar erro de julgamento sobre a matéria de facto.

22.7.Apenas ocorreria nulidade de sentença por omissão de pronúncia, se o tribunal a quo não tivesse apreciado todas as questões que a Apelante lhe submeteu, o que, conforme resulta cristalinamente da leitura da decisão em crise não sucedeu, tendo sido apreciadas todas as questões que lhe foram submetidas, sucedendo apenas que fez uma aplicação jurídica diversa da que é propugnada pela autora quanto à pretensa ilegalidade dos atos impugnados e à impossibilidade de legalização da construção a demolir.

23.8.Destarte, a sentença recorrida não padece de qualquer omissão de pronúncia, mas a ser certa a posição da Apelante, padecerá de mero erro de julgamento sobre a matéria de facto, não determinativo de qualquer invalidade da sentença, mas atacável em sede de recurso.

23.9.Nesta conformidade, improcede a nulidade da sentença recorrida por pretensa omissão de pronúncia.

-Do Erro de Julgamento sobre a Matéria de Facto.

24.A apelante insurge-se contra a decisão recorrida por nela não terem sido dados como provados os factos insertos nos pontos 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 38.º e 75.º da petição inicial, requerendo que tais factos sejam dados como provados por constarem do processo os necessários elementos de prova.

24.1. Com vista a obstar que o recurso da matéria de facto se transforme numa repetição do julgamento e a rejeitar a admissibilidade de recurso genéricos, contra a errada decisão da matéria de facto, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”.
24.2.Acresce que tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da auto responsabilidade e dos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclamava que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram essa solução diversa, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada pelo tribunal a quo.
24.3.Deste modo é que o art.º 685-B, n.º1 ( 640º, n.º 1 do NCPC), estabelece que “quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida
Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

24.4. Relembra-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial da delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que, por isso, impugna.
25.Vejamos se assiste razão à Recorrente nas críticas que faz ao julgamento da matéria de facto assim realizado pela 1ª Instância.

25.1.Como é sabido, em sede de matéria de facto, no contencioso administrativo a «falta de contestação ou a falta nela de impugnação especificada não importa a confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios», pelo que não tendo o Réu , ao contestar, tomado posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir apresentada pelo autor, o tribunal apreciará livremente essa conduta, sem que tais factos tenham de ter-se como admitidos por acordo.


-Do erro de julgamento decorrente da não prova da matéria de facto inserta nos pontos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º da PI

26.A Recorrente insurge-se contra decisão recorrida por nela ter não ter sido dado como assente, quando «por acordo e por documentos tem de se considerar provado também que»:
(i)não existem, no prédio a que se refere o facto 12 da matéria assente «quaisquer construções, máxime, habitações, sendo o mesmo constituído simplesmente e na sua totalidade, por terreno lavradio e terra a mato», o que resulta comprovado por força da não impugnação dos pontos 18.º e 19.º da petição inicial e em função dos documentos n.ºs 1 e 3 juntos à petição inicial;
(ii) e que «do processo de licenciamento em causa não constava nem até hoje consta identificada qualquer habitação anterior à aqui em causa, que não existe», matéria alegada nos pontos 20.º e 21.º da petição inicial e que resulta assente do cotejo desse mesmo processo de licenciamento, anexado pela entidade recorrida aos autos.
26.1.Nos pontos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º da petição inicial, a autora, ora recorrente alegou a matéria que passamos a transcrever para melhor análise do erro de julgamento quanto à matéria de facto que assaca à decisão recorrida:
«18º.Não existem, contudo, no prédio, quaisquer construções ( cfr. Doc. n.º 1), máxime, habitações;
19º.Sendo o mesmo então constituído simplesmente e na sua totalidade, por terreno lavradio e terra a mato (doc.3).
20º.E do processo de licenciamento em causa não constava nem até hoje consta identificada qualquer habitação anterior à aqui em causa.
21º.Que não existe.
26.2. Por sua vez, no ponto 12 dos factos assentes, o tribunal de 1.ª instância deu como assente que «A situação foi reavaliada porque, não obstante o terreno ter a área de 33.660m2 e ser admissível a construção de uma moradia para habitação, no caso não deveria ser permitido por se considerar ter o prédio nessa área duas outras casas».
26.3. Compulsada a contestação constata-se que a matéria alegada nos pontos 18.º, 19.º, 20.º e 21 da petição inicial foi expressamente impugnada pelo Réu nos seguintes pontos:
«52.º Não correspondem à verdade os factos descritos nos artigos 18.º, 19.º, 20.º, 21.º(…)
E na sua contestação afirmou ainda o seguinte:
«21.º Embora os processos de licenciamento sejam instruídos com certidões do registo predial dos imóveis abrangidos, tal não significa que a entidade licenciadora não possa confirmar, in loco, se os elementos constantes do registo correspondem ou não à realidade fática, sendo esta a relevante para efeitos de apreciação do pedido;
44.ºAinda que se considerasse, para efeitos de apreciação do pedido de construção, a área de 33.660m2 do prédio, a A. continuaria a não poder manter a sua edificação;
45.ºPois nesse mesmo prédio existe já uma outra habitação, como consta do processo administrativo, e o PDM apenas permite uma única habitação por cada prédio em áreas não urbanas de transformação condicionada
46.ºAlém disso, os autos de notícia e fotografias existentes no processo administrativo dão conta de que a A. concluiu a construção- mesmo sem licença- e que no edifício existem escritórios e até um stand de automóveis».
26.4.Assim, resulta da contestação apresentada pelo o Réu, a certeza da sua discordância quanto à dita matéria de facto, tendo o mesmo invocado nesse articulado que pese embora da descrição do registo predial relativa ao prédio em causa conste que o mesmo tem a área de 33.660m2, e nenhuma construção conste averbada à sua descrição, a verdade é que esse prédio foi fisicamente dividido em virtude de ter sido atravessado por três estradas, sendo que nele existe já implantada a casa da Quinta e que na parcela aedificandi, está implantada uma construção que não é destinada a habitação, para além dessa parcela ter uma área inferior a 10.0000m2, conquanto tem apenas 700m2.
26.5. Assim sendo, a matéria vertida nestes pontos, a ser relevante para a decisão a proferir, que não é, como veremos, não poderia ser dada como provada com fundamento em acordo das partes, que claramente inexiste.
26.6.No que concerne à prova documental, o doc.n.º1 invocado pela Recorrente, junto com a petição inicial, mais não é do que a cópia de uma comunicação enviada pelo Município de (...) à autora, ora Recorrente, relativa à ordem de demolição da construção objeto dos atos administrativos impugnados neste processo, daí não resultando qualquer fundamento probatório quanto à existência ou não existência, no prédio da autora, de uma outra casa para além da que é objeto da ordem de demolição.
26.7.Por outro lado, o doc.n.º3 junto com a petição inicial, que a Recorrente invoca como fundamento probatório para a demonstração da inexistência de outra casa no prédio que alega constituir o terreno aedificandi onde se encontra implantada a construção demolir, é a certidão predial, da qual se extrai que o mesmo está descrito na Conservatória do Registo Predial de (...), sob a descrição 01046/031094 e antes sob a descrição n.º37765, a fls.85do Livro B-97, como prédio rustico, sito no lugar de (...), com área de 33660m2.
26.8. No que tange ao registo predial é jurisprudência firmada que de acordo com o artigo 1.º do Código de Registo Predial, o registo destina-se tão só a dar publicidade à situação jurídica dos prédios e não a garantir os elementos de identificação da descrição predial, sendo as únicas presunções que resultam do registo as de que o direito existe e pertence ao titular inscrito. Deste modo, a circunstância de não constar da descrição do dito prédio que o mesmo tem natureza urbana, nada adianta em sede probatória para dar como assente que sobre o mesmo inexiste implantada uma casa, para além da que é objeto dos atos impugnados.
26.9. Nenhum dos referidos documentos é, por conseguinte, idóneo a que deles se possa extrair que no prédio em causa exista ou não exista outra construção.
26.10. Por fim, importa ter presente que o licenciamento inicialmente concedido à autora foi declarado nulo por despacho do Senhor Vereador de 02 de abril de 2001 e do Presidente da Câmara, conforme assente no ponto 15. dos factos provados, «com base no parecer emitido pela Direção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território-Norte(…) por se considerar que o terreno para o qual foi apresentado o processo de licenciamento indicado em epígrafe constitui uma parcela autónoma, perfeitamente individualizada da área sobrante, estando ladeada por dois arruamentos- a EN 222 e a Rua da (...)- cuja área é inferior a 10.000m2 exigidos pelo artigo 37.º do Regulamento do PDM», donde resulta não ser a matéria questionada pela autora relevante para a decisão da presente ação, devendo, em consequência, manter-se a decisão do tribunal a quo.
Termos em que, sem necessidade de maiores considerandos, improcede o apontado erro de julgamento sobre a matéria de facto.

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Do erro de julgamento decorrente da não prova da matéria de facto inserta no ponto 38.º da PI

27.No que concerne ao ponto 38.º da PI, pretende a Recorrente que a matéria aí alegada seja levada aos factos assentes, por não ter sido impugnada «conforme se constata dos artigos 52.º e 53.º da contestação e dos despachos aí referidos, bem como do processo de licenciamento junto aos autos».
27.1.Nesse ponto da petição inicial a autora alegou que « Nenhum dos requeridos e nenhum dos atos acima referidos (o despacho de5 de abril de 2006 do Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de (...) proferido, que ordenou a demolição, o despacho comunicado em 8 de maio de 2006 do Diretor Municipal e da G. de que deveria proceder-se a tal demolição em trinta dias a contar dessa data e do despacho do Vereador do Pelouro do Urbanismo de 2 de abril de 2001 que declarou a nulidade do despacho do Presidente de 10 de abril de 1997 que deferiu o licenciamento e aprovou o projeto de arquitetura)colocou em causa que o prédio descrito sob a descrição 01046/031094 e antes sob a descrição nº 37765, a fls. 85 do Livro B-97, da 2.ª Conservatória do registo Predial de (...), tinha a área de 33.660m2».
27.2.O tribunal a quo não levou a esta matéria aos factos assentes e bem, a nosso ver, na medida em que se está claramente perante um juízo conclusivo e não perante factos, a extrair do confronto da posição das partes e do teor dos atos administrativos praticados com o teor do da descrição predial respetiva.
27.3.«Factos» são acontecimentos externos ou internos suscetíveis de serem percecionados pelos sentidos. Ac. STJ, de 03.04.1963, Processo 058690, in base de dados da DGSI.
27.4. Improcede, assim, o assacado erro de julgamento sobre a matéria de facto.
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Do erro de julgamento decorrente da não prova da matéria de facto inserta no ponto 75.º da PI

28.Por fim, a Recorrente assaca erro de julgamento à decisão recorrida por nela não se ter dado como provada a matéria do artigo 75.º da petição inicial, no qual alega que «na versão do PDM que se encontra neste momento em fase de conclusão de anteplano, o terreno em apreço está proposto para integrar o perímetro urbano», sustentando que se trata de matéria não impugnada e que, por isso, devia ser levada aos factos assentes, adiantando que isso mesmo resulta de forma implícita do doc.ºn.1, 1.ª folha, último parágrafo e 2.ª folha, 1.º e 2.º parágrafos.
28.1.O referido doc.1 junto com a petição inicial constitui a notificação enviada pela CMVN à autora M., da ordem de demolição de todas as construções ilegais existentes no prédio (despacho de 05 de abril de 2006), no qual se transmite também a apreciação técnica que recaiu sobre o requerimento registado em 08/09/2004, dando-se a conhecer à autora que « (…) a construção em causa, à luz dos instrumentos legais aplicáveis, é insuscetível de legalização porquanto viola as disposições do Plano Diretor Municipal (…)
Todavia, permitimo-nos referir que poderia, eventualmente, ser equacionada uma via alternativa à demolição…É que, conforme é referido na informação n.º 47/DPU, de 23.02.2006 (…) na versão do PDM que se encontra neste momento em fase de conclusão do anteprojeto, o terreno em apreço está proposto para integrar o perímetro urbano…».
28.2.Nesse parecer escreveu-se ainda o seguinte: «Acontece que, conforme consta daquela informação do Departamento de Planeamento Urbanístico, estima-se que a proposta final do novo PDM não irá ser colocada a inquérito público antes de setembro de 2006, ao qual se seguirá a proposta final de PDM e a respetiva aprovação por parte da Assembleia Municipal. Só posteriormente é que o novo PDM será enviado para ratificação ministerial e publicação do Diário da República.
Não obstante, estima-se que este processo esteja concluído durante o ano de 2007, não estando, de resto, garantido de que tal proposta final do PDM seja objeto de ratificação ministerial».
28.3.Não obstante o que vem referido no documento se referir a uma mera proposta de PDM que poderá não vir a lograr obter ratificação ministerial, como de resto é expressamente referido nesse documento, a sua consideração, de acordo com as várias soluções de direito plausíveis, pode ter relevância para a boa decisão do litigio, considerando estar-se perante uma ordem de demolição de uma construção que, pese embora tenha sido considerada ilegal pela entidade licenciadora com competência em matéria de urbanismo, poderá, à luz, designadamente do disposto no art.º 106.º, vir a ser legalizada e, assim, sustada a ordem de demolição ( bastando que ocorra uma alteração do quadro normativo vigente à data dessa demolição que permita a sua legalização).
28.4. Perante o exposto, procede o apontado erro de julgamento, e, em consequência, adita-se à matéria de facto assente, o seguinte ponto:
«19. As alegações apresentadas pela autora sob o requerimento registado em 08/09/2004, mereceram a seguinte apreciação por parte dos serviços da CMVNG: « (…) a construção em causa, à luz dos instrumentos legais aplicáveis, é insuscetível de legalização porquanto viola as disposições do Plano Diretor Municipal, pelo que não restará outra alternativa, nos termos do artigo 106.º do Decreto-lei n.º 555/99, a não ser a demolição da obra e a reposição do terreno nas condições preexistentes.
Todavia, permitimo-nos referir que poderia, eventualmente, ser equacionada uma via alternativa à demolição, a qual deve ser sempre encarada como a ultima ratio pelos prejuízos financeiros e soiais que é suscetível de acarretar.
É que, conforme é referido na informação n.º 47/DPU, de 23.02.2006 (…) na versão do PDM que se encontra neste momento em fase de conclusão do anteprojeto, o terreno em apreço está proposto para integrar o perímetro urbano (…)
Acontece que, conforme consta daquela informação do Departamento de Planeamento Urbanístico, estima-se que a proposta final do novo PDM não irá ser colocada a inquérito público antes de setembro de 2006, ao qual se seguirá a proposta final de PDM e a respetiva aprovação por parte da Assembleia Municipal. Só posteriormente é que o novo PDM será enviado para ratificação ministerial e publicação do Diário da República.
Não obstante, estima-se que este processo esteja concluído durante o ano de 2007, não estando, de resto, garantido de que tal proposta final do PDM seja objeto de ratificação ministerial».
*
B.II.
Do Erro de Julgamento de Direito

a) Do Vício de Usurpação de Poder.

1.A Recorrente insurge-se contra a decisão proferida pelo TAF do Porto por ter julgado improcedente o vício de usurpação de poderes que assacou aos atos impugnados.

2.Com a ação administrativa especial que a Autora intentou contra o aqui Recorrido, pretendia obter, além do mais, a declaração da inexistência jurídica do despacho de 2 de abril de 2001, do Senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo da CMVNG e do despacho de 18 de Dezembro de 2000 do Senhor Presidente da Câmara, que declarou a nulidade do despacho de 10 de abril de 1997 (despacho que tinha aprovado o projeto de arquitetura no processo de licenciamento de obras particulares nº 19/97, averbado em nome da autora), com fundamento no facto do terreno para o qual pretendia o licenciamento constituir uma parcela autónoma, perfeitamente individualizada da área sobrante do prédio, cuja área era inferior a 10.000 m 2 exigidos pelo artigo 37º do Regulamento do PDM, nulidade essa a declarar nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 133º, nºs 1 e 2, al. a) e d) e 134º, nº 1 do CPA.

3.Para o efeito sustentou, que a entidade administrativa desconsiderou os elementos identificativos do prédio em relação ao qual formulou o pedido de licenciamento declarado nulo pelos atos impugnados, que constavam da respetiva descrição predial, definindo-o de modo contraditório ao da respetiva certidão predial, tomando em consideração que o mesmo foi fisicamente separado em consequência do seu atravessamento por estradas entretanto construídas. Assim, o Recorrido não atendeu à área de 33.660m2 que constava do registo predial como sendo a área do prédio sua propriedade e considerou apenas a área da parcela de terreno fisicamente autonomizada em consequência do atravessamento do seu prédio por estradas, que era inferior a 10.000m2. E considerando que a pretensão da autora se situava em área não urbana de transformação condicionada, para a qual o art.º 37.º do PDM apenas viabilizava construções destinadas a habitação e em parcelas com área nunca inferior a 10.000m2, foi declarado nulo o despacho que aprovara o projeto de arquitetura.

4.Na decisão recorrida, o tribunal a quo, deu como assente a realidade que suportou a declaração de nulidade do despacho que aprovou o projeto de arquitetura, ou seja, que o prédio da autora, ora Recorrente, foi dividido em consequência do seu atravessamento por estadas e, por conseguinte, a parcela de terreno aedificandi ficou fisicamente autonomizada da parte restante do prédio e com uma área inferior a 10.000m2, razão pela qual, considerado o disposto no art.º 37.º do Regulamento do PDM considerou válido o ato impugnado, sustentando não se verificar o vício de usurpação de poderes por parte do ora Recorrido. O tribunal a quo considerou que o facto de constar da descrição predial que o prédio da autora/Recorrente tem uma área de 33.660m2, daí não resulta que a identificação do prédio que consta da respetiva descrição registral seja correta ou se imponha de per si, aduzindo que o registo predial apenas estabelece duas presunções, a de que o direito existe e a de que o direito pertence a quem está inscrito como seu titular. Já no concerne aos elementos da descrição nenhuma presunção existe, afirmando-se na decisão recorrida ser consabido que a maioria das descrições prediais e matriciais estão em desconformidade com a realidade.

4.1.E considerando que o prédio da autora, depois de ter sido atravessado por estradas, ficou retalhado, entendeu ter passado a haver uma desconformidade entre a realidade física desse prédio e a realidade derivada da sua descrição predial, devendo a administração municipal conformar-se com a verdade material, promovendo as diligências necessárias para a confirmar, pelo que, tendo ficado demonstrado que a dita parcela não reúne os requisitos exigidos pelo PDM, o Recorrido estava vinculado a declarar nulo os atos praticados em desrespeito ao PDM, por assim resultar do disposto no artigo 52.º, n.º2, al. a) do D.L. 544/91, quer no disposto no art.º 68.º do RJUE.

4.2. Em consequência, o tribunal a quo decidiu que a consideração da parcela de terreno como autonomizada da parte restante do prédio e com a área com que ficou, em consequência do seu atravessamento por estradas, não traduz nenhuma usurpação de poderes por parte da administração municipal, tratando-se de um elemento que apenas respeita à descrição predial, razão pela qual a administração «não disse o direito», improcedendo o apontado vício de usurpação de poder.

5.É contra o assim decidido que a Apelante, se insurge, reiterando nesta instância recursiva, que não há qualquer dúvida em como o titular do direito de propriedade tem uma área superior a trinta e três mil metros quadrados e que se desconsideradas as vias que o atravessam, essas áreas constituiriam um único prédio, mas porque existem vias públicas que o atravessam decidiu-se que não se tratava já mais do mesmo prédio, o que não pode aceitar-se.

5.1.Reitera que o Senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo, não podia determinar de forma diversa o direito de propriedade da autora, atribuindo autonomia ou individualização jurídica a parte do prédio objeto de tal direito, dessa forma definindo dois objetos perfeitamente distintos e dois distintos direitos de propriedade na esfera jurídica do recorrente, incidindo cada qual sobre objeto diverso: um sobre a parcela autónoma e outro sobre a área sobrante, pelo que, ao assim proceder, “disse o direito” no que ao direito de propriedade se refere, definindo-o autonomamente em relação ao constante da certidão da Conservatória do Registo Predial e em contradição com os termos em que o registo predial o define, agindo com manifesta usurpação de poder porquanto só aos tribunais judiciais cabe tal atribuição.

6.O Recorrido, contrapõe que não definiu nem quis definir o direito de propriedade da Recorrente, tendo apenas, perante a constatação de que a descrição registral relativa ao prédio não coincidia com a realidade física do mesmo, que fruto do atravessamento por estradas, se tinha fracionado em dois, ficando a parcela aedificandi com uma área inferior a 10.000m2, levado em conta na sua análise, como não podia deixar de fazê-lo, em sede de apreciação urbanística, a realidade física do prédio, que prevalece sobre a descrição predial, para salvaguarda dos interesses públicos defendidos através dos princípios urbanísticos, sendo que a presunção do registo abrange apenas a existência do direito, não a descrição dos elementos do prédio. E, acrescenta, por outro lado, que o art.º 37º, nº 1, do Regulamento do PDM em vigor, à data, não falava em "prédio" mas sim em "parcela" sempre que se referia à exigência de uma área mínima, indiciando claramente que não releva o "prédio" registral mas sim a parcela de terreno onde irá ser implantada a construção, sendo indubitável que no local existiam duas parcelas, atravessadas por uma estrada.
Vejamos.
7.Usurpação de poder é o vício que se traduz na prática por um órgão da Administração de um ato incluído nas atribuições do poder legislativo ou judicial. Cfr. Marcelo Caetano, Manual, vol. 1º, 10ª ed., pág. 495; Sérvulo Correia, “Noções de Direito Administrativo”, págs. 380/382; Freitas do Amaral, Direito Administrativo, III”, pág. 295; Esteves de Oliveira, “Direito Administrativo, págs. 555/556; Marcelo Rebelo de Sousa, “Lições de Direito Administrativo”, Vol. I, 1999, pág. 105; João Caupers, “Direito Administrativo”, pág. 185.


7.1.Neste mesmo sentido se tem pronunciado o Supremo Tribunal Administrativo, perfilhando que “o vício de usurpação de poderes traduz-se na prática, por um órgão da Administração, de um ato que decide uma questão cuja apreciação está reservada aos tribunais ou ao poder legislativo». Cfr. Ac. do STA de 09/09/2010, proferido no Proc. nº76/2010.
7.2.O vício de usurpação de poderes traduz-se assim na emanação de um ato administrativo, por um órgão da Administração, que decide uma questão cujo conhecimento e apreciação está cometida aos tribunais ou ao poder legislativo.
Trata-se de um vício que consiste «(…) numa forma de incompetência agravada por falta de atribuições». Cfr. Ac. do STA, de 15.11.2012, Proc. 0450/09.
8.De acordo com a Recorrente verifica-se este vício porque a entidade licenciadora, o aqui Recorrido, considerou que o seu prédio tinha uma composição que não é a que lhe corresponde em termos de descrição predial, alterando a realidade registral do seu prédio, quando só os tribunais o poderiam fazer.
9.Adiante-se desde já, que consideramos não assistir nenhuma razão à Recorrente.
10.É pacifico que a presunção registral não abarca os limites ou confrontações dos prédios nem as inscrições matriciais- que têm uma finalidade fundamentalmente fiscal-, mas apenas a presunção segundo a qual o direito existe e pertence ao titular inscrito, podendo, aliás, as descrições ser alteradas com base em meras declarações dos titulares inscritos, escapando ao controle do conservador.
10.1. Nesse sentido, veja-se o entendimento perfilhado pela Relação de Coimbra segundo a qual «V - As presunções registrais emergentes do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrangem fatores descritivos, como as áreas, limites, confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio. Apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos (art.º 80º n.º 1 e 2 do Código do Registo Predial).» Ac. do TRC de 03/12/2013, Processo n.º 194/09.0TBPBL.c1
10.2. Também neste sentido, entendeu a Relação de Lisboa que «I-O registo tem como função a publicitação de situações jurídicas prediais, mas não tem a virtualidade de criar direitos, limitando-se sim, a criar uma presunção de que o mesmo existe (artigo 7.º do Código de Registo Predial), presunção essa que é «juris tantum» e que, aliás, não é extensível à configuração e aos elementos identificativos do prédio registado, ou seja, à sua descrição.
II- E muito menos a matriz predial tem essa função, destinada que se encontra à cobrança de tributos à administração fiscal». Ac. do TRL de 04.12.2012, Processo n.º 11431/99.7TVLSB.L1.7
10.3. Estes arestos estão em plena concordância com o disposto no art.371.º do Código Civil, de acordo com o qual os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora. É que sendo a composição, localização e limites dos prédios documentados pela entidade pública com base nas declarações dos interessados, a qual não vai verificar se essas declarações são ou não substancialmente verdadeiras, compreende-se que esses documentos, isto é, certidões prediais e matriciais apenas fazem prova plena, que o prédio existe e pertence ao titular inscrito e que as menções quanto à composição, limites e local onde se situa o prédio foram prestadas perante o funcionário mas não que as mesmas sejam verdadeiras.
11.Assim sendo, a questão está em saber se a área que releva para efeitos de licenciamento da construção já edificada pela autora/Recorrente é a área global do prédio de 33.660 m2, que consta da certidão predial, ou a área da parcela de terreno que foi fisicamente autonomizada desse prédio em consequência do seu atravessamento por estradas, onde efetivamente se encontra implantada a construção cuja demolição foi ordenada.
12.É que, nos termos do Plano Diretor Municipal de (...), situando-se a parcela aedificandi em zona delimitada como “Área Não Urbana de Transformação Condicionada” apenas é permitida a construção de uma habitação desde que a “parcela” em causa possua uma área mínima de 10.000m2 ( art.º 37.º, al.a) do RPDM).
12.1. No caso, o prédio da autora/Recorrente foi atravessado por uma estrada, dai tendo resultado a autonomização física da parcela de terreno onde se encontra implantada a construção cuja demolição foi ordenada, em relação ao restante prédio. Assim, não pode deixar de se admitir que aquele prédio da autora deixou de ser uma unidade indivisível, passando a integrar partes descontínuas, faticamente autonomizadas e juridicamente individualizáveis. Cfr. Ac.TRP, de 24.10.2006, Processo n.º 0623772; Osvaldo Gomes,” Manual dos Loteamentos Urbanos”, Coimbra Editora, 1983, pp. 76 e ss.;
12.2. Em situações como esta, é recorrente por parte das entidades municipais a emissão de “certidões de atravessamento” quando esse atravessamento ocorre, conquanto passa a impender sobre os proprietários dos prédios atravessados por vias públicas, a obrigação legal de concretização fiscal dessa autonomia.
12.3.O art.º 37.º do PDM de (...) fala em “parcela” quando estabelece a necessidade duma área não inferior a 10.000m2 para a viabilidade de construção em zona não urbana condicionada como é aquela onde se situa o terreno da autora/apelante, não utilizando o conceito de prédio.
12.4.A título de exemplo, de acordo com o conceito de parcelas sobrantes ou de parcelas a expropriar constante dos arts. 5º e 10º do Código das Expropriações, uma parcela é sempre parte de um todo.
12.5. Sobre o que deva entender-se por parcela não existe um conceito jurídico unívoco, pelo que, o seu significado concreto dependerá sempre do contexto e do propósito com que essa expressão é usada.
12.6.«Numa interpretação puramente literal, parcela é “uma pequena fracção de um todo considerado abstratamente”, “Cada um dos números que, por adição, originam um outro chamado soma.” Cfr.Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa.
12.7.No que ao caso interessa, revela-se particularmente relevante a noção de parcela como sendo «a área de território física ou juridicamente autonomizada, não resultante de uma operação de loteamento», que consta do “Vocabulário do Ordenamento do Território”. Cfr. Vocabulário de Termos e Conceitos do Ordenamento do Território (Lisboa, Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano, 2007).

12.8.Parcela de terreno é, para efeitos urbanísticos, uma porção de terreno fisicamente autonomizado, perfeitamente delimitado, constituindo uma unidade física e jurídica autónoma.
12.9.Se bem ponderarmos não seria de todo compreensível que um prédio, seja rústico ou urbano, quando atravessado por uma via, caminho ou estrada, continuasse a constituir uma unidade ou individualidade jurídica quando na sua configuração física passou a ser descontínuo, integrando duas ou mais parcelas autonomizadas, só porque na respetiva descrição predial não se dá conta dessa nova realidade. Tal seria admitir que um mesmo prédio pudesse existir em Trás-os-Montes e continuar no Algarve.
13.Por outro lado, importa ter bem presente que em matéria de urbanismo a consideração do terreno aedificandi sobre o qual recai uma certa e determinada pretensão urbanística de edificação de uma construção assume importância crucial, sendo a área um elemento estrutural condicionante do tipo de construção a implantar e, como no caso dos autos, da própria possibilidade de implantação de uma construção urbana.
13.1.Destarte, estando em causa razões de interesse e de ordem pública, ou seja, o conceito de “construtibilidade”, o que releva é a área da parcela aedificandi e não a de todo o prédio, conquanto a construção não vai ficar implantada, parte na parcela aedificadi e parte no restante terreno.
13.2.A ideia de continuidade física é conatural á noção de prédio. Aliás, com interesse tome-se em consideração o disposto no art.º3.º, n.º2 do Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, onde se define prédio rústico nos seguintes moldes:
«Entende-se por prédio rústico toda a parte delimitada do solo com autonomia física, ainda que ocupada por infraestruturas, que não esteja classificada como urbana e que se destine a atividades agrícolas, pecuárias, florestais ou minerais, assim como os espaços naturais de proteção ou de lazer, exceto para o efeito da aplicação das isenções fiscais previstas na presente lei, em que a definição de prédio rústico é a que consta do artigo 3.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis».
14.No caso, a construção cuja demolição foi ordenada está implantada na concreta parcela de terreno que se encontra autonomizada da parte restante do prédio da autora; essa construção não se projeta na parte restante do prédio da autora, ou dito por outras palavras, não continua a sua implantação na parte do prédio da autora que está para além da parcela, atravessando a estrada!
15.Termos em que, não se nos oferece dúvida que o prédio da Recorrente é constituído, pelo menos, por duas unidades autónomas, separadas fisicamente por uma estrada, e que a cada uma dessas porções de território há-de corresponder a capacidade construtiva que resultar prevista para cada uma delas em função dos requisitos legais, designadamente, das exigências de relativas a áreas.
16.O facto de não se verificar uma correspondência entre a realidade factual e jurídica do prédio da autora e a realidade registral é irrelevante.
17.Improcede, assim, o apontado vício de usurpação de poder.

b)Da Violação do Conteúdo Essencial do Direito de Propriedade

1.A Recorrente imputa ainda à decisão recorrida erro de julgamento por o Tribunal a quo ter julgado não se verificar a violação do conteúdo essencial do seu direito de propriedade.

2.Entende que “o jus aedificandi constitui parte integrante do direito de propriedade, por ser uma das faculdades em que tal direito se analisa, sucedendo apenas que o seu exercício está dependente de uma autorização da Administração”, constituindo a garantia individual da propriedade privada um direito fundamental do cidadão que vincula não apenas o legislador, mas também a Administração (art.º18º, nº 1 do Constituição da República Portuguesa). Por isso, a deliberação do Vereador do Pelouro do Urbanismo de 2 de Abril de 2001 que declarou a nulidade do despacho de 10 de Abril de 1997 que deferiu o licenciamento e aprovou o projeto de arquitetura, ao delimitar na forma em que o fez o objeto do direito de propriedade, inutilizou a referida faculdade, restringindo o conteúdo ou espessura do direito, ofendendo assim o conteúdo essencial de um direito fundamental, razão pela qual esse ato administrativo é nulo, nos termos do art.º 133º, nº 2, al. d) do CPA, como nulos são os restantes atos administrativos consequenciais daquele e, consequentemente, incorreto o julgamento efetuado pelo Tribunal de 1.ª Instância, que considerou não ter sido violado o seu direito de propriedade, pelo que a decisão recorrida afrontou o disposto nos artigos 133º, nº 2, al. d) do CPA, 37º, alínea a) do Regulamento do PDM de (...) então vigente e 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, devendo ser revogada e substituída por outra que conhecendo do invocado vício da nulidade por violação do conteúdo essencial de um direito fundamental – o de propriedade - o julgue verificado.

3.Mas não assiste razão à Recorrente.

4.Com efeito, conforme se refere na decisão recorrida, o Plano Diretor Municipal é um instrumento de natureza regulamentar cujas prescrições se impõem a todas as entidades, quer públicas, quer privadas, fulminando a lei com o grau máximo de invalidade –nulidade- os atos administrativos que afrontem a disciplina normativa nele prevista em matéria de licenciamento de obras particulares e de outras operações urbanísticas (art.º 68 do RJUE).

4.1.A autora, tal como os demais particulares e outras entidades, quer privadas, quer publicas, encontra-se sujeita às vinculações que resultam da disciplina legal urbanística que o PDM de VNG estabelece para o ordenamento do território no âmbito da respetiva autarquia e, se como sucede no seu caso, é protagonista de uma situação em que a sua pretensão de licenciamento não tem enquadramento nas normas previstas no PDM para que possa construir na parcela de terreno onde, contra legem, acabou por implantar uma edificação, e por isso foi destinatária dos atos impugnados, a sua prática pela entidade licenciadora não traduz nenhuma violação do conteúdo essencial do seu direito de propriedade mas antes o respeito pelo interesse de ordem pública consagrado nas normas vigentes em matéria de urbanismo, que disciplinam a ocupação e transformação do solo naquele município.

4.2.Conforme resulta das considerações que supra se explanaram a propósito do vício de usurpação de poderes, a autora/ Recorrente foi destinatária dos atos impugnados por a parcela de terreno onde acabou por implantar a construção cuja demolição lhe foi ordenada se situar numa área não urbana de transformação condicionada, que nos termos do art.º 37.º, al.a) do RPDM de VNG restringe a possibilidade de edificabilidade à construção de uma habitação e desde que a parcela em causa possua uma área mínima de 10.000m2.

5.O direito de propriedade privada de imóveis, cujo conteúdo é definido nos termos do artigo 1305.º do Código Civil, não é pressuposto suficiente para o titular poder construir, ainda que o terreno lhe pertença de modo pleno e exclusivo e lhe assistam os direitos de uso, fruição e disposição,

6.De acordo com a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores e do Tribunal Constitucional e, bem assim, da melhor doutrina, o direito de construir não resulta sem mais do direito de propriedade, sendo apenas reconhecido ao proprietário o direito de usufruir do seu direito nos termos consentidos pela ordem jurídica globalmente considerada, onde se inserem as normas elaboradas para a proteção dos interesses de ordem pública, como são aquelas que se destinam a regular o ordenamento do território e o licenciamento de operações urbanísticas. Ac. do Pleno do STA de 06.03. de 2007, Processo n.º 873/03; de 5.11.2013, Processo n.º 466/13; Ac. do TCAS, de 26.09. 2013, Processo n.º 9663/13); Fernando Alves Correia, in “O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade”, Almedina Ed., Coimbra, 1990, pp. 372 e seguintes); Cláudio Monteiro, para quem o direito de construir apenas está pressuposto no estatuto constitucional da propriedade imobiliária urbana (“A garantia constitucional do direito de propriedade privada e o sacrifício de faculdades urbanísticas” in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 91, 2012, pp. 3 e seguintes;
Neste sentido, veja-se Fernando Alves Correia, para quem o jus aedificandi é atribuído ao proprietário por normas e atos de direito público. Cfr. Ob. cit. Fernando Alves Correia.

7.Concordamos inteiramente com a doutrina que o Conselho Consultivo da PGR expendeu em recente parecer, no qual sustenta que «(…) a transformação do imóvel, designadamente por meio de obras de urbanização e de edificação, transcende o âmbito de exclusividade do proprietário.
A paisagem não é privativa, a segurança não é apenas sua nem tão-pouco a salubridade. Os recursos naturais afetados não lhe pertencem, pelo menos, em exclusivo.
O direito de transformar o imóvel pode ou deve, por isso, ficar reservado a uma ampliação dos direitos do proprietário, confiada aos poderes públicos e aos instrumentos de que dispõem para o efeito: o plano, as licenças e autorizações ou simples declarações que facultem à administração pública um controlo sucessivo qualificado.
As transformações do imóvel, pelo menos, aquelas que invertam o seu uso e fruição, hão de fazer-se secundum legem, em conformidade com o plano ou instrumento equivalente (v.g. a operação de loteamento) e com a licença municipal, cujo teor, por sua vez, congrega vinculações múltiplas a pareceres e autorizações de outras autoridades administrativas.
Constitucionalmente, parece-nos ser este um quadro de referência conforme com as exigências da garantia constitucional da propriedade privada e com as incumbências públicas neste domínio: (…)
«Artigo 62.º (Direito de propriedade privada)
1 – A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2 – A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.»
«Artigo 65.º (Habitação e urbanismo)

(…)
4 – O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística».
(…)».

«Artigo 66.º (Ambiente e qualidade de vida)
(…)
2 – Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:

a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;
b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socioeconómico e a valorização da paisagem;
c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico;
d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações;
e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitetónico e da proteção das zonas históricas;
f) Promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial; (…)». Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, homologado em 18.05.2017, Parecer n.º 00003388.
8.Em suma, não satisfazendo a pretensão da autora/Recorrente as exigências estabelecidas nas disposições regulamentares do PDM, que não se confundem com requisitos estabelecidos por arbítrio ou capricho da entidade licenciadora, não tem razão quando pretende que foi violado o seu direito de propriedade, por considerar que o direito de construir decorre originariamente do direito de propriedade.

9.Como resulta dos considerandos que se explanaram, o jus edificandi não se inclui no direito de propriedade privada, sendo antes o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico urbanístico, acrescendo tal poder à esfera jurídica do proprietário nos termos e nas condições definidas pelas normas jurídico-urbanísticas.

10.Não ignoramos a existência de alguma doutrina que defende que o jus edificandi constitui parte integrante do direito de propriedade, por ser uma das faculdades em que tal direito se analisa, pelo que, tudo o que venha a mais serão condicionalismos ou restrições. Cfr. Na apreciação da Dissertação de Doutoramento do Licenciado Fernando Alves Correia, in Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, 1991, p. 99 a 101.; José de Oliveira Ascensão, “O Urbanismo e o Direito de Propriedade”, in Direito do Urbanismo (coord. Diogo Freitas do Amaral/ Marta Tavares de Almeida), Instituto Nacional de Administração, 1989, Oeiras, p. 320 e seguintes; Maria Elizabeth Moreira Fernandez, Direito ao Ambiente e Propriedade Privada (Aproximação ao estudo da estrutura e das consequências das ‘leis reserva’ portadoras de vínculos ambientais), Stvdia Iuridica (57), Universidade de Coimbra, Coimbra Ed., 2001, pp. 186 e seguintes;

10.1.Porém, mesmo para os seus arautos, como é o caso de Freitas do Amaral, o seu exercício «está dependente de uma autorização da Administração».

11.Termos em que julgamos improcedente o apontando vício de violação de lei.

c)Do Erro de Julgamento Decorrente da não Consideração da Demolição como medida de última ratio.

1.A Recorrente assaca ainda erro de julgamento à decisão recorrida por o tribunal a quo ter entendido que não sendo a obra legalizável, não existe violação do princípio da proporcionalidade, ao ordenar-se a sua demolição, uma vez que : (i)ao tempo em que foi proferida a ordem de demolição o art.º 37.º, al.a) do RPDM admitia a edificabilidade no prédio para o qual foi pedido o licenciamento; (ii) por esse prédio ter mais de 10.0002 de área, e a circunstância de a edificabilidade se restringir a fim habitacional, ou de implicar uma determinada cércea, ser corrigível; (iii)por o “bloco de legalidade urbanística” que existia compreender já a pendência do processo de revisão do PDM de VNG, no âmbito do qual o solo onde a edificação se encontra construída, seria inserido no perímetro urbano, razão pela qual não se compreende a decisão da sua imediata demolição, sem se aguardar pela finalização do processo de revisão do PDM.
1.1.E conclui, que sendo a demolição a última ratio, nos termos do artigo 106.º do RJUE, o exercício de um tal direito excede manifesta e clamorosamente os limites desde logo impostos pela boa fé e pelo fim social e económico de tal direito, pelo que a decisão recorrida violou o art.º 106.º, n.º2do RJUE e o art.º 334.º do Código Civil, devendo ser revogada e substituída por outra que declare ilegítimo o exercício de tal direito de declarar e impor essa demolição, por o mesmo exceder manifestamente o princípio da boa-fé e o fim social e económico do direito.

2.Na decisão recorrida o Tribunal a quo depois de efetuar uma resenha da doutrina e da jurisprudência sobre a questão da demolição como medida de última ratio concluiu que o art.º 106.º do RJUE não elege «em caso de obra construída ilegalmente, a demolição como a única medida capaz de satisfazer o interesse público visto prever o aproveitamento da construção, desde que a Administração reconheça que a mesma é suscetível de vir a satisfazer aos requisitos legais e regulamentares legalmente previstos para aquele local e tipo de edificação, salvaguardando-se, desta forma, não só as obras que, sem mais, cumpram aqueles requisitos, mas também as que, com modificações, possam vir a satisfazê-los. Esta solução, é informada pelo princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes de necessidade e da proporcionalidade propriamente dita. A primeira a proclamar que só deve lesar-se a posição do particular se não houver outro meio para lograr prosseguir o interesse público. A segunda a ditar que a medida corretiva a suportar pelo administrado deve ser justa, na relação custo/benefício, ou seja, deve reduzir-se ao mínimo indispensável para obter a reintegração da legalidade urbanística ofendida.

Em suma, a demolição só pode ter lugar se a autoridade houver previamente concluído pela inviabilidade da legalização das obras por estas não poderem satisfazer aos requisitos legais e regulamentares aplicáveis, sendo que tal juízo sobre a viabilidade de legalização, a empreender, como vimos, pela Administração, só é concebível enquanto reportado ao bloco de legalidade urbanística que existe à data da emissão de tal juízo

3.Porém, no que ao caso se refere, considerou que «os autos não dão conta de que a Autora tenha apresentado alterações, ampliações ou retificações de modo a poder ser valoradas e “negociadas” as hipóteses de legalização à luz da lei e sem colidir com o PDM.

Por outro lado, consta do probatório que a situação foi já reavaliada (cfr. ponto 12 dos factos provados) e, ainda assim a pretensão da Autora não pode colher por violar o PDM (artigo 37º).

De resto, não pode nesta sede determinar-se e impor-se à administração tal injunção, no sentido de legalizar a construção, pois que, consoante decorre do probatório, apesar dos poderes/deveres da administração municipal, não pode a mesma licenciar ou legalizar construções que afrontem o PDM, como in casu sucederia, donde, a manter-se a demolição, na situação em análise, inexiste violação dos princípios da necessidade e proporcionalidade pois a demolição é já a ultima ratio».

4.É consensual que a demolição é uma medida de ultima ratio, ou seja, a sentença de morte em relação a uma construção, pelo que, conforme sustentou o STA em acórdão que prolatou a «… demolição de obras não licenciadas só deve ser ordenada como última e indeclinável medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível, decorrentes do princípio da proporcionalidade, e o poder de opção entre a demolição e a legalização de obras ilegais, não licenciadas, é discricionário quanto ao tempo da decisão, pois que esta pode ser tomada a todo o tempo ...” e que esse “… poder de escolha funciona na base de um pressuposto vinculado, já que a demolição só pode ter lugar se a autoridade houver previamente concluído pela inviabilidade da legalização das obras, por estas não poderem satisfazer aos requisitos legais e regulamentares aplicáveis ...». Ac. STA de 07.04.2011, Processo n.º 0601/10 .

5.Concordamos com o Tribunal de 1.ª Instância quando explana que «O poder de opção entre a demolição e a legalização de obras ilegais, não licenciadas, é discricionário quanto ao tempo da decisão, pois que esta pode ser tomada a todo o tempo. – cfr. Acs. De 07.10.2009, Rec. 941/08 e de 24.09.2009, Rec. 656/08.», e quando esclarece que « esse poder de escolha funciona na base de um pressuposto vinculado, já que a demolição só pode ter lugar “se a autoridade houver previamente concluído pela inviabilidade da legalização das obras, por estas não poderem satisfazer aos requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade”, pelo que “nesta última hipótese a decisão no sentido da demolição surge como vinculada”, sendo essencial em tais situações considerar «o fundamento pelo qual a nulidade da licença de construção foi decretada, pois que este não só consubstancia o vício sancionado mas também delimita a possibilidade da sua respetiva sanação. - cfr., Acs. deste TCAN de 06.09.2007, Proc. n.º 00422-A/96-PORTO e de 08.07.2010 - Proc. n.º 01656/06.».

6.Para além de impender sobre a Administração a obrigação de seguir, de entre os caminhos possíveis, o que se revelar menos oneroso para os interesses afetados, em observância do princípio da proporcionalidade, designadamente, na sua vertente de proibição do excesso, a doutrina, «admite, mesmo, que, em situações deste tipo, o tribunal deva consentir, por aplicação do princípio da proporcionalidade, que a demolição possa ter lugar dentro de um prazo mais dilatado por forma a permitir que, entretanto a Administração regularize a situação». Cfr. Fernanda Paula Oliveira, “Nulidades Urbanísticas, Casos e Coisas”, Almedina, 2011, pag. 110.

7.Porém, na situação em análise, não existia, á data da prolação dos atos impugnados e da ordem de demolição, enquadramento legal que permitisse a legalização da construção erigida pela autora, ora Recorrente, encontrando-se a mesma implantada numa parcela de terreno que à luz do PDM em vigor ao tempo, não consentia nela qualquer construção.

8.A circunstância, conforme resulta do ponto 19.º dos factos assentes, matéria que este tribunal, em sede de apreciação do erro de julgamento, aditou aos factos assentes, de ao tempo estar a ser elaborada uma proposta de PDM, em fase de conclusão do anteplano, na qual se previa a integração daquela parcela no »perímetro urbano», embora se tivesse ainda pela frente a sujeição a inquérito da proposta de PDM , a que se seguiria a proposta final de PDM e ainda a sua sujeição a aprovação por parte da Assembleia Municipal e, após, o envio do mesmo para ratificação ministerial e publicação em Diário da República, sem qualquer certeza quanto á sua ratificação ministerial, não foi considerada pela ora Recorrida, como suscetível, à data, de obstar à demolição.

9.E quanto a essa decisão afigura-se-nos que a mesma, estando dentro do espaço de discricionariedade da entidade pública responsável pelo ordenamento do território em (...), é justificável em face das concretas circunstâncias da situação em análise, na medida em que se mostra compreensível ante o interesse público de não manter ad eternum ou por período indefinido construções ilegais, não se prefigurando nenhuma situação de abuso de direito nem qualquer violação do princípio da boa fé por parte do ora Recorrido.

10.Os atos que foram praticados e impugnados pela Autora/Recorrente, foram praticados no âmbito de um processo de licenciamento que a autora acompanhou, no qual foi ouvida, tomou posição, onde a administração explanou as razões de ordem legal que motivaram a declaração de nulidade do licenciamento que primeiramente tinha concedido e as razões que inviabilizavam a legalização dessa construção. E a demolição, no contexto da presente situação, apresenta-se como uma consequência natural e adequada.

11. Porém, sempre se dirá, que caso entretanto, tendo em conta os vários anos decorridos entre o momento em que foi instaurada a presente ação e a data da prolação deste acórdão, porventura tenha ocorrido alguma alteração no quadro legal que viabilize, à sua luz, a legalização da construção erigida pela Autora/Recorrente sobre essa parcela de terreno, impende sobre a Recorrida a obrigação de legalização, a tal não obstando a presente decisão judicial que não pode ter o efeito «de precludir a possibilidade de evoluções que são próprias da dinâmica das relações jurídicas substantivas e que se podem vir, naturalmente, a sobrepor à sentença. (…) o processo desempenha uma função instrumental, na medida em que está ao serviço do direito substantivo. Daí decorre que o processo está necessariamente sujeito às contingências e vicissitudes que são próprias da “estrutura eminentemente temporal do direito substantivo ». Cfr. Fernanda Paula, ob. cit. Pág.111.

11.1. A demolição como medida de última ratio, uma vez ordenada, apenas deve ser cumprida se até ao momento da sua execução não for viável a legalização da construção, a tal não obstando a prolação de uma sentença que não pode barrar a possibilidade de se considerar a superveniência de alterações ao quadro legal que legitimem à sua luz a conservação daquela construção.

12. As possibilidades de legalização de uma construção ilegal «constituem um limite potencial» ao cumprimento do dever de remover a situação de facto a que a Administração se encontra vinculada se, e enquanto não efetivar a legalização, e, portanto, o dever de proceder à demolição deve ser cumprido sem prejuízo de, dentro do mesmo prazo, se poder proceder à eventual legalização do edificado.

13.Termos em que, pelas razões expostas, improcede o assacado vício de violação de lei.


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IV-DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmar a decisão recorrida e julgar a ação improcedente.
Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.
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Porto, 13 de dezembro de 2019.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro