Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01409/15.0BEPRT.S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/11/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA;
OFICIOSIDADE;
ARTIGO 342º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO CIVIL;
ARTIGOS 264º, 414º E 571º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL;
ARTIGOS 186º, N.º 2, ALÍNEA A), 260º, 264º, 411º E 412º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL;
ARTIGO 90, N.ºS 2 E 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:
1. Cabe ao autor o ónus da alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, ou seja, em que fundamenta o seu pedido e cabe ao demandado alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito arrogado pelo autor bem como a matéria de impugnação – artigo 342º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, e artigos 264º, 414º e 571º, estes do Código de Processo Civil.
2. O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo e os factos notórios ou de conhecimento geral (cfr. artigos 186º, n.º 2, alínea a), 260º, 264º, 411º e 412º, do Código de Processo Civil, e artigo 90, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
3. A não ser que ocorra circunstância superveniente, os documentos devem ser juntos com o respectivo articulado ou, o mais tardar, até 20 dias antes da marcação da audiência de julgamento.
Recorrente:AA
Recorrido 1:Ordem dos Arquitectos e BB
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
AA veio interpor RECURSO JURISDICIONAL do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferido em audiência de julgamento de 27.09.2017, a indeferir a junção de certidão, na acção que moveu contra a Ordem dos Arquitectos e BB.
Invocou para tanto, em síntese, que: o documento cuja junção foi indeferida é constituído por uma certidão judicial emitida em 15.09.2017, da contestação junta ao processo 1912/08.... que prova, segundo entende, que prova o motivo pelo qual não foram pagos os honorários em causa, tratando-se por isso de documento de génese objectivamente superveniente e que não era possível juntar até ao limite temporal estabelecido no artigo 423.º, n.º2, do Código de Processo Civil.

Os Recorridos contra-alegaram defendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido também de ser negado provimento ao recurso.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A) O DOUTO DESPACHO PROFERIDO NA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO DE 27 DE SETEMBRO DE 2017 QUE INDEFERIU A JUNÇÃO DE UM DOCUMENTO PEDIDA PELO AUTOR-RECORRENTE COM FUNDAMENTO NO ESTABELECIDO NO ARTIGO 437.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AGIU EM VIOLAÇÃO DO DEVER DO TRIBUNAL DE ORDENAR OFICIOSAMENTE TODAS AS DILIGÊNCIAS NECESSÁRIAS AO APURAMENTO DA VERDADE E À JUSTA COMPOSIÇÃO DO LITÍGIO QUE DECORRE DO ESTABELECIDO PELO ARTIGO 90.º, N.º 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E ARTIGO 411.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, APLICÁVEL “EX VI” DO ARTIGO 90.º, N.º 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
B) O DOCUMENTO EM CAUSA É CONSTITUÍDO POR UMA CERTIDÃO JUDICIAL DE PEÇAS PROCESSUAIS EXTRAÍDAS (COM RELEVO PARA A CONTESTAÇÃO) DO PROCESSO QUE SOB O N.º 1912/08.... TERMOS PELO JUÍZO LOCAL CÍVEL ..., QUE, NA VERDADE, FOI EMITIDA EM 15 DE SETEMBRO DE 2017, TRATANDO-SE, POR ISSO, DE DOCUMENTO DE GÉNESE OBJECTIVAMENTE SUPERVENIENTE AO LIMITE TEMPORAL ESTABELECIDO PELO N.º 2 DAQUELE ARTIGO 423.º DO CPC E QUE NÃO ERA POR ISSO POSSÍVEL JUNTAR DENTRO DE TAL PRAZO.
C) DAS REGRAS LEGAIS CUJA VIOLAÇÃO SE INVOCA CABE AO TRIBUNAL, NO CUMPRIMENTO DOS SEUS DEVERES DE GESTÃO PROCESSUAL E, SOBRETUDO, DE AQUISIÇÃO DA VERDADE, A OBRIGAÇÃO DE TOMAR A INICIATIVA DE PROMOVER TODAS AS DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS NECESSÁRIAS.
D) É CONTROVERTIDA E DA MAIOR IMPORTÂNCIA PARA A BOA DISCUSSÃO DA CAUSA A QUESTÃO DE SABER DO MOTIVO PELO QUAL O CC INTERROMPEU A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS QUE MANTINHA COM O AUTOR E, CONCRETAMENTE, SE FOI POR CAUSA DAS INFORMAÇÕES QUE LHE FORAM PRESTADAS PELA ORDEM DOS ARQUITECTOS.
E) A CONTESTAÇÃO OFERECIDA NAQUELES AUTOS É O MELHOR ELEMENTO DE PROVA POSSÍVEL PARA APURAR OS MOTIVOS DA FALTA DE PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS QUE LHE ERAM DEVIDOS, QUANDO SE VÊ QUE NELA FOI EXPRESSAMENTE AFIRMADO QUE ELE HAVIA SIDO ENGANADO PELO AUTO-RECORRENTE, QUE USOU MEIOS ARDILOSOS E ARTIMANHAS NESSE PROPÓSITO, POR O TER LEVADO A ACREDITAR QUE ERA ARQUITECTO HABILITADO A EXERCER A SUA ACTIVIDADE EM PORTUGAL NÃO O SENDO, SEM O QUE NUNCA LHE TERIA ENTREGUE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS INICIADA, POR SE TRATAR DE ALGUÉM QUE NÃO ESTAVA HABILITADO A ELABORAR UM PROJECTO E ERA, ANTES, UM MERO HABILIDOSO, AFIRMANDO INEQUIVOCAMENTE QUE PAROU A OBRA QUANDO DESCOBRIU QUE TINHA CAÍDO NUM LOGRO.
F) O QUE BEM MOSTRA QUE EXISTEM MAIS DO QUE FUNDADAS RAZÕES PARA QUE SE RECLAME A JUNÇÃO AOS AUTOS DO REFERIDO DOCUMENTO, POR SER ABSOLUTAMENTE VITAL PARA A DESCOBERTA DA VERDADE E A BOA DISCUSSÃO DA CAUSA.
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II – Factos com relevo:

1. A petição inicial do processo principal foi apresentada na secretaria do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 14.05.2015 (ver SITAF).

2. A sentença proferida no processo no 1912/08.... que correu termos no JUÍZO LOCAL CÍVEL ... do Tribunal da Comarca do Porto, transitou em julgado a 09.04.2014 (ver documento n.º 48 junto com esta petição inicial).

3. A contestação dos Réus foi junta ao processo principal a 07.10.2015 (ver SITAF).

4. Por ofício de 22.09.2016 o Autor foi notificado do despacho de 16.09.2016, para se pronunciar sobre o pedido de litigância de má fé formulado na contestação dos Réus (ver SITAF).

5. A audiência prévia, onde foram definidos os temas de prova, foi realizada a 21.04.2017 (ver SITAF).

6. A audiência final foi marcada para o dia 20.09.2017 (ver SITAF).

7. Em 18.09.2017 o Autor apresentou o seguinte requerimento (ver SITAF).
“AA, nos autos de acção administrativa comum à margem referenciada, que este move contra ORDEM DOS ARQUITECTOS e outra, vem requerer a junção aos autos de um documento, constituída por certidão judicial de peças processuais extraídas do processo que sob o n.º 1912/08.... termos pelo JUÍZO LOCAL CÍVEL ..., do Tribunal da Comarca do Porto Este, a qual foi emitida electronicamente com o código de acesso DZ2I-CKMG-H45T-J0H8, nos termos da Portaria 209/2017, de 13 de Julho, destinada à demonstração do tema de prova E.
Justifica a sua tardia junção pela circunstância de só com a contestação dos réus e com a posição aí tomada acerca da matéria se terem tornado controvertidos os fundamentos concretos da falta de pagamentos dos honorários ao autor por CC, pelo que apenas com a inclusão do citado ponto E nos temos de prova assumiu relevância para o presente processo o teor concreto da contestação apresentada naqueles autos.
Atendendo ao tamanho do ficheiro informático associado á emissão de tal certidão e à sua incompatibilidade com a dimensão máxima dos ficheiros informáticos permitida pela plataforma de apoio à actividade dos tribunais, o autor não junta cópia de tal documento ao presente papel, fazendo-se valer da prerrogativa estabelecida pelo artigo 10.º, n.º 4 daquela Portaria.
(…)”.

8. No dia 20.07.2017 realizou-se a audiência final no início da qual foi proferido o despacho ora recorrido (ver SITAF):
“(…)
No decurso do pleito veio o Autor requerer a junção aos autos de uma certidão judicial de peças processuais requeridas do processo registado sob o n.º 1912/08.... que corre termos no Juízo do Tribunal Cível do Marco de Canavezes, justificando a sua tardia apresentação pela circunstância de só com a contestação dos réus e com a posição aí tomada acerca da matéria se terem tornado controvertidos os fundamentos concretos da falta de pagamentos dos honorários ao autor por CC, pelo que apenas com a inclusão do citado ponto E nos temos de prova assumiu relevância para o presente processo o teor concreto da contestação apresentada naqueles autos.
Exercido o contraditório, a Exma. Mandatária das Rés opôs-se à admissão desse documento, com fundamento na sua alegada extemporaneidade.
Importa agora decidir esta pretensão.
Assim, e quanto à mesma, dir-se-á que dispõe o art.º 423º do CPC que os documentos que serão juntos com as respetivas peças processuais e até 20 [vinte] dias da data de marcação da audiência de julgamento, excepto se ocorrer circunstância superveniente que justifique essa apresentação ou por até ali não ter sido podido apresentar o respectivo documento.
No caso presente, o que resulta dos autos é que a certidão ora junta é relativa a documento cuja junção podia ter sido realizada previamente à data do seu requerimento.
Por sua vez, a justificação invocada para a sua tardia junção carece também de sustento, porquanto desde a data da contestação das Rés até à data do requerimento em análise mediaram cerca de 5 [cinco] meses, período durante o qual o Autor podia oportunamente ter junto tal documento.
Assim sendo, e por falta de fundamentação legal, indefere-se a junção do requerido documento.
(…)”
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III - Enquadramento jurídico.
Cabe ao autor o ónus da alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, ou seja, em que fundamenta o seu pedido e cabe ao demandado alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito arrogado pelo autor bem como a matéria de impugnação – artigo 342º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, e artigos 264º, 414º e 571º, estes do Código de Processo Civil.

O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo e os factos notórios ou de conhecimento geral (cfr. artigos 186º, n.º 2, alínea a), 260º, 264º, 411º e 412º, do Código de Processo Civil, e artigo 90, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
No caso, o Recorrente no seu requerimento confessou o seguinte:
“Justifica a sua tardia junção pela circunstância de só com a contestação dos réus e com a posição aí tomada acerca da matéria se terem tornado controvertidos os fundamentos concretos da falta de pagamentos dos honorários ao autor por CC, pelo que apenas com a inclusão do citado ponto E nos temos de prova assumiu relevância para o presente processo o teor concreto da contestação apresentada naqueles autos”.

Ou seja, não pretende fazer prova de factos supervenientes.
Pretende fazer prova dos factos alegados no articulado superveniente que se tornaram “controvertidos” e fazem parte dos temas de prova.

Reconhece que a apresentação da certidão é tardia porque devia ter sido feita com a petição inicial, ou seja, em 14.05.2015 – n.º4 do artigo 78º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Isto sendo certo que nessa data já tinha sido apresentada a contestação cuja certidão pretende juntar aos presentes autos, pois a sentença ali proferida transitou em julgado em 09.04.2014.
Não ocorrendo a junção do documento em causa com o articulado inicial nem 20 dias antes da marcação da audiência de julgamento, apenas poderia ter sido apresentada se ocorresse circunstância superveniente que justificasse a apresentação tardia.
Circunstância que não foi sequer alegada.
Nenhuma circunstância é invocada para a apresentação depois dos 20 dias antes da marcação da data para julgamento.
Ciente disso, o Autor e Recorrente pretende transferir aquilo que era seu ónus para a oficiosidade do Tribunal. Colocar o Tribunal a substituir-se às partes, neste caso o Autor, no cumprimento daquilo que é seu ónus, provar os factos que alegam.
O que as normas acima citadas não permitem, sob pena de ser violado o princípio elementar de igualdade das partes e o ónus que continua a caber às partes de alegar e provar, salvo circunstâncias excepcionais, os factos que interessam à sua versão do pleito.
E sob pena também de se esvaziar de sentido útil as normas que estabelecem prazos para alegar factos e indicar prova sobre os factos invocados.
Termos em que se impõe manter a decisão recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
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Porto, 11.11.2022
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre