Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01037/20.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DE ACTOS DE EXECUÇÃO INDEVIDA. SUSPENSÃO DE EFICÁCIA.
Sumário:I) – A bondade da resolução fundamentada à luz da qual a entidade administrativa pode iniciar ou prosseguir a execução afere-se em função da tutela que está em causa na pendência da instância cautelar, a modos de saber se o seu deferimento, por esse tempo, seria gravemente prejudicial para o interesse público.

II) – O êxito da providência cautelar requer afirmação de “fumus boni iuris”.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:G., e Outros, e Municipio de (...)
Recorrido 1: Municipio de (...), e G., e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
*
No presente processo cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo são requerentes: R. (viúva, contribuinte n.º (…) e residente na Rua (…)); A. (divorciada, contribuinte n.º (…) e residente na Rua (…); P. (maior, solteira, contribuinte n.º (…) e residente na Rua (…)); F. (casado no regime de separação de bens, contribuinte n.º (…) e residente na Rua (…)); R. (contribuinte nº (…), casado no regime de comunhão de adquiridos, residente na Rua (…)); G. (viúva, contribuinte nº (…), residente na Avª (…)); J. (solteiro, maior, contribuinte nº (…), residente na Avª (…)); G. (solteira, maior, contribuinte nº (…), residente na Avª (…)); F. (contribuinte nº (…), casado no regime de comunhão de adquiridos e residente na Rua (…)); F. (contribuinte nº (…), casada no regime de comunhão de adquiridos, residente na Rua (…))

E requerido: Município de (...) (Praça (…)).

Interpõem recursos jurisdicionais, tendo em objecto três decisões:

- duas decisões intercalares, que deferiram requeridas declarações de ineficácia de actos de execução indevida (de 09/09/2020 e de 26/10/2020); de cada uma o requerido recorre;

- decisão final, que recusou concessão da providência conservatória requerida (de 26/10/2020); da qual os requerentes recorrem.

O Município conclui, quanto ao incidente decidido em 09/09/2020:

I. Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho proferido em 09.09.2020, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que deferiu o incidente de execução indevida apresentado pelos aqui Recorridos e, em consequência, declarou a ineficácia dos seguintes atos: (i) aprovação da proposta de abertura de procedimento pré-contratual, de dia 15.06.2020, para a construção do Parque Urbano de (...) nos terrenos respeitantes ao ato suspendendo e (ii) o pedido de nomeação de perito e a marcação de vistoria ad perpetuam rei memoriam.
A. DA NULIDADE DO DESPACHO RECORRIDO
II. No caso em apreço, afigura-se manifesto que o despacho recorrido padece de flagrante contradição, considerando que a factualidade considerada provada pelo julgador impunha, necessariamente, uma decisão final distinta da que veio a ser, efetivamente, proferida, pelo que, a decisão recorrida é, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, nula.
III. Atente-se que, não obstante o Tribunal recorrido ter julgado provado que: “9) Na presente data, o mencionado terreno encontra-se inculto, baldio, funcionando como estacionamento sem qualquer tipo de ordenamento ou organização (…); 10) O prédio em causa reclama uma intervenção urbanística”, considerou, em completa contradição, que a Resolução Fundamentada não se encontrava fundamentada, por, alegadamente, não se encontrar demonstrado que “o terreno está num estado de degradação/abandono tal que represente um foco de insalubridade, tratando-se de uma área propícia à proliferação de taos, ratazanas e cobras (…) abusivamente utilizado por parte de alguns particulares, o que acarreta insegurança para os habitantes locais”.
IV. Significa isto que, como é bom de ver, se, num primeiro momento, o Tribunal reconhece que o prédio se encontra inculto, baldio, a ser utilizado abusivamente por particulares, reclamando uma intervenção urbanística – razões que estão na base da Resolução Fundamentada apresentada –, não pode, num segundo momento, concluir que a Resolução Fundamentada não se encontra devidamente fundamentada.
V. Assim, considerando o estado em que o prédio se encontra e o facto de reclamar uma intervenção urbanística – factos julgados assentes pelo Tribunal – por maioria de razão se encontra sustentada a necessidade de prosseguir com o procedimento expropriativo aqui em causa e, em consequência, a Resolução Fundamentada.
VI. Afigura-se, pois, evidente que os fundamentos do despacho recorrido são manifestamente contrários ao sentido decisório que veio a ser vertido no despacho recorrido e, como tal, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, dúvidas não restam de que o despacho proferido pelo Tribunal a quo padece de nulidade, a qual expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
B. DO ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
VII. O Despacho recorrido padece de claro erro na apreciação da matéria de facto, porquanto, tendo em conta a prova produzida, sempre teria o Tribunal a quo que considerar como provados os factos elencados em “A), B) e C)” da factualidade não provada.
VIII. Assim, para efeitos de cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, cumpre, desde logo, referir que, no caso sub judice, o Tribunal recorrido não deveria ter considerado como não provados os seguintes factos: A) O prédio referido no ponto 1), propriedade do Requerentes, encontra-se abandonado e num elevado estado de degradação, representando, aos dias de hoje, um foco de insalubridade e insegurança. B) Trata-se de uma área propícia à proliferação de ratos, ratazanas e cobras, em virtude da vegetação excessiva e desordenada. C) O prédio em causa é abusivamente utilizado por parte de alguns particulares, o que acarreta insegurança para os habitantes locais.
IX. Isto porque foi considerado como provado que “9) Na presente data, o mencionado terreno encontra-se inculto, baldio, funcionando como estacionamento sem qualquer tipo de ordenamento ou organização – cfr. processo administrativo, fls. 91 e 93” e, bem assim, que “10) O prédio em causa reclama uma intervenção urbanística”, isto é, por um lado, considerou o Tribunal recorrido que o terreno se encontrava inculto, baldio, era utilizado indevidamente para estacionamento sem qualquer e necessitava de uma intervenção urbanística, por outro – em completa contradição – considerou como não provado que o terreno se encontrava abandonado, num elevado estado de degradação e que era utilizado abusivamente por parte de alguns particulares.
X. Com efeito, a prova documental produzida por via de fls. 91 e 93 do PA ao permitir concluir, sem margem para dúvidas, que o terreno se encontra inculto, baldio e a ser utilizado como estacionamento permite, de igual modo, demonstrar que o terreno se encontra abandonado, degradado e abusivamente utilizado por particulares, sendo que, o mesmo é dizer que a referida prova sempre permitiria julgar como provados os já mencionados factos A, B e C, pelo que se encontra igualmente verificado o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
XI. Tendo em conta o exposto e para efeitos de cumprimento do requisito ínsito na alínea c) do mencionado preceito, deverão ser julgados como provados os já citados factos A), B) e C) constantes da factualidade não provada.
C. DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO
XII. Conforme supra se referiu, o Tribunal a quo deferiu o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida e, em consequência, declarou a ineficácia dos supra referidos atos, perfilhando o entendimento de que a Resolução Fundamentada “(…) em parte, não foram elencadas e explicitadas devidamente, de forma clara, sucinta, congruente e contextual as razões de necessidade imperiosa de prosseguir com a execução do acto administrativo suspendendo a ponto de não ser possível, sob pena de grave prejuízo para o interesse público, esperar pela decisão judicial cautelar”, contudo, desde já se avança, que da simples leitura da resolução fundamentada resultam evidentes as razões de facto que impõem a intervenção do Município.
XIII. Ora, o escrutínio do Tribunal deve limitar-se a aferir se os fundamentos da Resolução existem e se são suficientemente claros para o homem médio os apreenda, ou seja, não cabe ao Tribunal realizar um juízo de mérito sobre a pertinência das razões expendidas pelo Município para sustentar a sua atuação administrativa, sob pena de violar o princípio da separação de poderes, antes deve, tão só, realizar um juízo de legalidade com vista a aferir o cumprimento das formalidades da Resolução Fundamentada.
XIV. Como é bom de ver, o reconhecimento de que a suspensão de eficácia de um determinado ato proveniente da atuação administrativa seria gravemente prejudicial para o interesse público compete à Administração, sendo que tal entendimento já foi perfilhado pelo presente Tribunal, por via de Acórdão de 20.02.2015, proferido no âmbito do processo n.º 01354/05.8BEBRG-A-A.
XV. Neste sentido, ao Tribunal a quo apenas se impunha a verificação dos requisitos do dever de fundamentação, previsto no artigo 153.º do CPA, em concreto, competia ao Tribunal recorrido verificar se a resolução fundamentada continha fundamentação expressa.
XVI. No caso em apreço, não só a fundamentação aduzida é suficientemente clara e percetível – tanto assim é que os Recorridos bem a apreenderam –, como do ponto de vista formal nenhum reparo merece a Resolução Fundamentada apresentada, sendo inegável o facto de o Tribunal ter dado como provado que na Resolução Fundamentada se encontram devidamente apresentados os graves prejuízos para a saúde e segurança públicas, encontrando-se a mesma “formalmente fundamentada”, pelo que, também por esta via se demonstra que o incidente aduzido pelos Recorridos não poderia merecer provimento.
XVII. Acresce que, ao contrário do que o Tribunal a quo perfilha, o reconhecimento nos factos assentes do despacho recorrido de que o terreno se encontra inculto, baldio, funcionando como estacionamento sem qualquer tipo de ordenamento/organização e de que carece de uma intervenção urbanística, permite justificar a urgência da atuação do Recorrente, de igual modo, considerar que o terreno se encontra em condições de abandono é admitir, ainda que indiretamente, que o mesmo se encontra propício à proliferação de ratos, ratazanas e cobras, dispensando-se, por isso, qualquer prova adicional.
XVIII. Como é bom de ver, por via do n.º 2 do artigo 23.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, o Município tem atribuições nos seguintes domínios: saúde, proteção civil, ambiente e ordenamento do território, pelo que, resulta devidamente demonstrado que a situação em apreço justifica e carece de uma urgente intervenção administrativa, sob pena de o interesse público ficar gravemente comprometido.
XIX. Por outro lado, entende o Tribunal recorrido que “não resulta apurado nem demonstrado um índice de gravidade na afectação do interesse público prosseguido”, contudo como se expôs, uma vez em perigo valores como a saúde e segurança públicas – o que o Tribunal entende como devidamente indicado na Resolução Fundamentada –, fica, necessariamente, demonstrado o índice de gravidade em termos de afetação do interesse público, na medida em que, reitere-se, o cumprimento do interesse público em presença – o dos munícipes – resulta garantido, precisamente, por via da concretização das atribuições do Município.
XX. Por fim, no que tange com as operações de limpeza realizadas no prédio em causa, de referir que as mesmas não são aptas a ultrapassar todos estes prejuízos elencados, uma que tratou-se de uma operação pontual (não realizada pelo Recorrente) e insuficiente, na estrita medida em que não determinou a alteração das condições em que se encontrava o terreno, mantendo-se a carcaça de uma viatura e um amontoado de pedras – como aliás resulta da participação Polícia Municipal constante de fls. 1408 e seguintes do SITAF.
XXI. Nesta perspetiva, não obstante a limpeza realizada, certo é que o terreno se mantém com as caraterísticas de degradação já anunciadas, circunstância que determinou que o Tribunal a quo, já após realização da operação de limpeza desse como provado, que o terreno se encontra baldio, inculto, funcionando como estacionamento sem organização/ordenamento (facto 9).
XXII. Ademais, a circunstância de o terreno funcionar como parque de estacionamento sem qualquer tipo de ordenamento, implica, por si só, que o mesmo se encontre a ser abusivamente utilizado por particulares, pelo que, o prédio reclamava – como continua a reclamar –, de forma urgente e imperiosa, uma intervenção urbanística, tendo em vista a sua reabilitação e a dissipação dos problemas de saúde pública e insegurança que lhe estão associados.
XXIII. Face a tudo quanto se expôs, dúvidas não restam de que mal andou o julgador a quo a concluir pelo deferimento do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida praticados pelo Recorrente, pelo que deverá a presente decisão ser revogada.

Contra-alegaram os requerentes, concluindo:

I. O douto despacho proferido a 9/9/2020 não padece da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aqui aplicável.
II. O douto despacho proferido não padece de qualquer erro de julgamento quanto à matéria de facto, estando devidamente fundamentado e revelando que o Tribunal a quo efetuou uma correta valoração das provas produzidas.
III. O douto despacho proferido não padece de qualquer erro de julgamento na aplicação do Direito, pois que efetua a acertada subsunção dos factos provados às normas aplicáveis e uma correta interpretação do regime do at. 128.º do CPTA, dos requisitos e efeitos da resolução fundamentada e, bem assim, dos fins da providência cautelar em causa.

O Município conclui, quanto ao incidente decidido em 26/10/2020:

I. Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho proferido em 27.10.2020, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que deferiu o incidente de execução indevida apresentado pelos aqui Recorridos e, em consequência, declarou a ineficácia dos seguintes atos: (i) a realização de vistoria ad perpetuam rei memoriam, (ii) a tomada de posse no terreno e (iii) a realização de relatório complementar à vistoria ad perpetuam rei memoriam.
II. Note-se bem que, por via da notificação do referido Despacho, tomou o Recorrente conhecimento da sentença proferida no âmbito do presente processo cautelar, nos termos da qual o Tribunal a quo julgou não decretar a suspensão de eficácia dos atos administrativos sindicados pelos Recorridos, por considerar que, in casu, não se verificava o pressuposto do fumus boni iuris.
III. Considerando o desfecho dos presentes autos cautelares, não pode o ora Recorrente conformar-se com o sentido do Despacho aqui crise, porquanto o mesmo, conforme se propõe demonstrar, padece de flagrante erro de julgamento de Direito, ofendendo os mais elementares ditames legais.
IV. Em termos sumários, o Tribunal a quo considerou que “A decisão proferida em 09/09/2020, ao julgar improcedentes as razões em que se fundamenta a referida resolução fundamentada, impõe a aplicação da regra de proibição de prossecução de execução do acto administrativo cuja suspensão se pretende (primeira parte do n.º 1 do artigo 128.º do CPTA), considerando-se indevida tal execução (n.º 3 do artigo 128.º do CPTA)”, assim julgando procedente a pretensão dos Recorridos.
V. Atente-se que, contrariamente ao invocado pelo Tribunal, da simples leitura da Resolução Fundamentada resultam evidentes as razões de facto que impõem a intervenção do Município e que bem demonstram que o diferimento da execução do ato suspendendo causaria graves prejuízos para o interesse público.
VI. Sobre esta matéria, cumpre salientar que o escrutínio do Tribunal se deve limitar a aferir se os fundamentos da Resolução existem e se são suficientemente claros para que o homem médio os apreenda, não lhe cabendo realizar um juízo de mérito sobre a pertinência das razões expendidas pelo Município para sustentar a sua atuação administrativa, sob pena de violar o princípio da separação de poderes.
VII. No caso em apreço, não só a fundamentação aduzida é suficientemente clara e percetível – tanto assim é que os Recorridos bem a apreenderam –, como do ponto de vista formal nenhum reparo merece a Resolução Fundamentada apresentada.
VIII. Ora, no Despacho recorrido, o Tribunal limita-se a veicular o entendimento perfilhado no seu Despacho de 09.09.2020, referente ao primeiro incidente de declaração de execução indevida apresentado pelos ora Recorridos, olvidando, desta forma, a contradição de que a mesma padece e, bem assim, o clamoroso erro de julgamento de facto e de Direito de que enferma, tendo em conta a factualidade julgada provada e as valorações empreendidas – erro que se estende ao Despacho aqui recorrido.
IX. Isto porque, é inegável o facto de o Tribunal ter dado como provado que na Resolução Fundamentada se encontram devidamente apresentados os graves prejuízos para a saúde e segurança públicas, encontrando-se a mesma “formalmente fundamentada”.
X. Note-se bem que o Tribunal a quo deu como facto provado que o terreno dos Recorridos se encontra inculto, baldio, funcionando como estacionamento sem qualquer tipo de ordenamento/organização e de que carece de uma intervenção urbanística – circunstâncias que, como é bom de ver, se encontram expendidas na Resolução Fundamentada e por si só justificam a urgência da atuação do Recorrente, a qual não se compadece com a demora dos autos cautelares.
XI. O processo expropriativo in casu visa, não só o melhoramento da qualidade de vida dos particulares, mas também a proteção da saúde e segurança públicas de todos os munícipes – razões que, por si só, impõem o seu prosseguimento.
XII. Ademais, e como se referiu, não pode o Recorrente deixar de salientar o facto de com a notificação do Despacho aqui recorrido ter tomado igualmente conhecimento da sentença proferida no âmbito dos presentes autos e que julgou totalmente improcedente a ação cautelar.
XIII. Instado a apreciar a pretensão dos Recorridos, o mesmo Tribunal que considerou indevidos e, por isso, ineficazes os atos praticados pelo Recorrente ao abrigo da Resolução Fundamentada, julgou que a pretensão dos primeiros não merecia acolhimento, uma vez que não se verificavam, no caso em apreço, os pressupostos do fumus boni iuris.
XIV. Ou, dito por outras palavras: reconheceu o Tribunal a quo não ser provável que a decisão que vier a ser praticada no âmbito do processo principal mereça provimento, uma vez que os atos sindicados não padecem de qualquer vício que afete a sua validade.
XV. Não obstante a ação cautelar ter sido julgada improcedente e, em consequência, se manterem os efeitos do ato suspendendo – considerando que, como bem se sabe, o eventual recurso que os Recorridos poderão apresentar terá efeito meramente devolutivo – certo é que os atos praticados pelo Recorrente em execução de um ato que cumpria com todos os ditames legais e cujos efeitos não estavam suspensos em virtude da apresentação da Resolução Fundamentada foram declarados, sem mais, ineficazes.
XVI. Atente-se que a declaração de ineficácia dos atos de execução do ato suspendendo é tramitada por apenso ao processo cautelar, encontrando-se, por isso, na sua dependência, pelo que o desfecho deste processo necessariamente influi, de forma direta, automática e imediata, nas decisões que tenham sido praticadas no âmbito do incidente.
XVII. No fundo, a declaração de ineficácia dos atos de execução visa somente assegurar os interesses do requerente da providência cautelar em face da demora do processo cautelar.
XVIII. Porém, considerando o Tribunal que os interesses do requerente não merecem proteção, isto é, que não se verificam os pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida e sendo proferida uma sentença nesse sentido – como foi aqui o caso –, forçoso é concluir que os atos aqui sindicados não deveriam ter sido declarados ineficazes.
XIX. Face a tudo quanto se expôs, dúvidas não restam de que mal andou o julgador a quo ao deferir o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida praticados pelo Recorrente, incorrendo em flagrante erro de julgamento de Direito, pelo que deverá a presente decisão ser revogada com todas as legais consequências.

Sem contra-alegações.

Os requerentes concluem no seu recurso, relativamente à decisão final da providência:

I. O presente recurso é interposto da sentença proferida nos autos a 26/10/2020 pela qual foi julgada totalmente improcedente a presente ação cautelar e, em consequência, recusada a concessão da providência conservatória requerida pelos ora Recorrentes.
II. Resumidamente, tendo dado como provados os factos arrolados no capítulo IV.1 da sentença, entendeu o Tribunal a quo que não se encontra demonstrada a verificação do pressuposto do fumus boni iuris.
III. Inconformados, os Requerentes, ora Recorrentes recorrem da douta sentença, impugnando-a de facto e de Direito.
IV. No que respeita à impugnação da matéria de facto, os Recorrentes entendem que pelo menos as passagens de factos concretos constantes dos itens dos factos provados nºs 25 e 27 ora se impugnam por não terem resultado da prova produzida.
V. Só por lapso se pode afirmar que o terreno a expropriar, dos Recorrentes, está integrado na área a intervir prevista nos documentos n.ºs 4 e 6 (páginas 5 e 6 e 85) juntos aos autos com o requerimento inicial.
VI. Na verdade, é uma evidência que o terreno destacado na página 85 do documento n.º 6, não é o terreno dos Recorrentes.
VII. Confrontada a planta que consta do documento n.º 2 (carta elaborada pelo Requerido) com o mapa que consta da página 85 do PERU (doc. N.º 6), verifica-se que o terreno em causa na expropriação fica mais à direita do terreno que ali , no PERU, se pretendia intervir.
VIII. Não cabendo o prédio a expropriar no citado PERU, não tinha o Requerido competência para remeter à Assembleia Municipal a sua resolução de expropriação, carecendo esta de legitimidade e competência para tal efeito.
IX. E tendo-o feito, o ato é inválido por incompetência para assim se decidir.
X. O ato administrativo é, pois, nulo, porque proferido por quem para tal não tem legitimidade nem competência.
XI. Indiciada a incompetência invocada, está demonstrada a verificação do pressuposto do fumus boni iuris, pelo que deveria ser procedente a providência e decretada na medida requerida.
XII. Em segundo lugar, relativamente à questão da inexistência de interessados na expropriação ser inócua, pois que sempre poderia ter sido preterida a negociação de direito privado atento a natureza urgente do procedimento, sempre se dirá que, não obstante a conclusão do Tribunal recorrido ser lógica, a mesma padece da falácia de ter considerado desnecessária a fundamentação da urgência do ato.
XIII. Na verdade, relacionado com este argumento está o facto de se ter decidido que o carácter urgente da expropriação por utilidade pública inerente à execução de operação de reabilitação urbana resulta ope legis, pelo que não carece de fundamentação.
XIV. Acresce, pois, que, por um lado, não se aplica o RJRU porque, como vimos, o terreno a expropriar não se enquadra na Ação 5.2 do PERU;
XV. Por outro lado, ainda que assim não fosse, o disposto no art. 61.º do RJRH não afasta a aplicação da regra geral do art. 15.º do CdE, quando este exige a fundamentação da alegada urgência, até porque um projeto de reabilitação urbana, por si só, não justifica uma expropriação urgente.
XVI. Assim, também por aqui os atos administrativos em causa são ilegais e, por isso, anuláveis por violação do disposto no art. 15.º do CdE.
XVII. Impunha-se, ainda, ao contrário do decidido, aquilatar sobre a questão de saber quem são os interessados para que o procedimento de expropriação, pois que não tendo o processo de expropriação iniciado, nos termos do CdE, pela negociação particular, o procedimento é nulo.
XVIII. Essa necessidade (da negociação particular) torna-se aqui relevante pois que não é possível, in casu, atribuir-se carácter urgente ao procedimento, ou, se se quiser melhor, de não ter sido concretamente fundamentada essa necessidade.
XIX. E assim, existindo fumus bonis iuris a respeito dos direitos dos Recorrentes, a decisão judicial proferida deveria ser distinta, pelo que aqui vai impugnada.
XX. Finalmente, quanto ao conteúdo do ato administrativo não ter previsto o contrato promessa celebrado com o Requerentes, é assunto que aqui releva, não na perspectiva de decidir qual a o valor da indemnização justa a que os Recorrentes têm direito, mas porque a sua preterição constituiu um abuso de direito do Requerido, e, por isso, uma invalidade do ato.
XXI. Ora, assim sendo, existia verdadeiro fumus bonis iuris a respeito dos direitos dos Recorrentes e, por isso, a decisão judicial proferida deveria ser distinta.

Contra-alegado pelo Município, que conclui:

I. Vêm os Recorrentes interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 26.10.2020, que julgou totalmente improcedente a ação cautelar e, em consequência, recusou a concessão da providência conservatória requerida, o qual conforme se propõe demonstrar, não merece provimento, uma vez que bem andou o Tribunal a quo na qualificação dos factos provados e no julgamento que empreendeu, não merecendo, a sentença recorrida, qualquer censura.
A. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
II. Por via do presente recurso, pretendem os Recorrentes impugnar os factos provados constantes nos n.ºs 25 e 27, invocando, para o efeito, que o terreno alvo do processo expropriativo não correspondente ao identificado na ação n.º 5.2 do PERU.
III. Primeiramente, cumpre referir que não obstante os Recorrentes pretenderem impugnar dois dos factos provados, certo é que só se pronunciam sobre um, não logrando, nas suas alegações, demonstrar que o prédio alvo do processo expropriativo não se encontra inserido na ARU de São (...) (cfr. facto provado n.º 25), ao invés se limitando apenas a alegar que terreno não corresponde ao assinalado na ação n.º 5.2 do PERU.
IV. A este propósito cumpre referir que, conforme bem se demonstrou, conceitos de ARU e ORU não se confundem – ao contrário do que os Recorrentes pretendem fazer valer –, sendo certo que o terreno alvo do presente processo de expropriação se insere na delimitação da ARU de São (...), como aliás se pode constatar da análise da página 5 do Programa Estratégico de Reabilitação Urbana (PERU) junto como documento n.º 6 com o Requerimento Inicial, pelo que, dúvidas não restam de que bem andou o Tribunal a quo a considerar como provado o facto ínsito no n.º 25, pelo que, deverá o peticionado pelos Recorrentes ser julgado improcedente.
V. Relativamente ao facto constante no n.º 27 do elenco dos factos provados, invocam os que “o terreno dos Recorrentes não se encontra em destaque nesse documento, pois que nunca, em momento algum, o Requerido Município pensou em ali intervir”, contudo cumpre, desde logo, referir que tal alegação não merece qualquer acolhimento, na medida em que não corresponde à realidade dos factos.
VI. Isto porque, o Recorrido Município pretendia – como continua a pretender – levar a cabo a reabilitação de uma área delimitada de São (...), tendo para o efeito aprovado a respetiva ARU, na qual se insere o terreno dos Recorrentes, a qual carecia, como é evidente, da aprovação da correspondente ORU, a qual poderá ser, nos termos do n.º 1 do artigo 18.º do RJRU, simples ou sistemática.
VII. Tendo por base os objetivos que o Recorrido Município traçados para aquela área, bem como atendendo ao estado de degradação existente, optou o mesmo pela aprovação de uma ORU sistemática, que consiste, nos termos do n.º 3 do mencionado artigo, num conjunto de operações tendentes à reabilitação de uma área previamente delimitada, não visando apenas a reabilitação do património edificado, mas também a qualificação das infraestruturas, dos equipamentos, dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva.
VIII. Neste sentido, a expropriação que o Recorrido pretende levar a cabo surge da necessidade de reabilitar, entre outros, o prédio do Recorrentes, sendo que esta obrigação sempre recairia, em primeira linha, sobre aqueles que, negligentemente, permitiram que o terreno se encontrasse num estado de degradação tal que coloca em causa a saúde e segurança pública.
IX. Por conseguinte, tendo sido aprovada delimitada uma concreta área (ARU), as operações que visam a sua reabilitação não podem ser apreciadas individualmente, na medida em que se inserem num conjunto mais alargado de ações, pelo que encontrando-se o prédio dos Recorrentes na delimitação da ARU de São (...), como resulta da análise da página 5 do Programa Estratégico de Reabilitação Urbana (PERU) junto como documento n.º 6 com o Requerimento Inicial, outra não pode ser a conclusão senão a de que também o facto n.º 27 foi corretamente julgado como provado.
X. Com efeito, face a tudo quanto se expôs, forçoso é concluir que os pontos n.º 25 e 27 da factualidade provada não merecem qualquer reparo, pelo que deverá ser indeferida a impugnação da matéria de facto apresentada pelos Recorrentes.
B. DO ALEGADO ERRO DE JULGAMENTO
XI. Primeiramente, alegam os Recorrentes que o Recorrido carecia de legitimidade para emitir a declaração de utilidade pública, contudo, certo é que, conforme bem se demonstrou em sede de Oposição e se reforçou nas presentes contra-alegações, tal alegação carece de absoluto sustento legal.
XII. Isto porque, da conjugação do n.º 1 do artigo 12.º com o n.º 2 do artigo 14.º do CE resulta por demais evidente que a competência para emitir a declaração de utilidade pública recaía, in casu, sobre a Assembleia Municipal, uma vez que a presente expropriação visa dar cumprimento ao plano de urbanização previamente aprovado, sendo certo que o disposto nos artigos 32.º e 61.º do RJRU, em conexão com o CE, permite que a entidade gestora da reabilitação, no presente caso, o Recorrido, desencadeie um procedimento expropriativo – o qual assume caráter urgente –, sendo a própria ORU sistemática a causa de utilidade pública.
XIII. Na verdade, sempre se poderia equacionar a dispensabilidade da declaração de utilidade pública, porquanto o fundamento que aquela atesta – quando se trata de uma expropriação inserida numa ARU com a correspondente ORU sistemática aprovada – resulta da própria lei, em concreto, do artigo 32.º do RJRU, contudo, e porquanto configura um ato obrigatório do procedimento expropriativo, sempre a Câmara Municipal requereu que a Assembleia Municipal aprovasse aquela deliberação.
XIV. Posto isto, dúvidas não restam de que, ao contrário do que os Recorrentes pretendem fazer valer, a Assembleia Municipal é o órgão competente para emitir a declaração da utilidade pública, razão pela qual bem andou o Tribunal a quo ao concluir que “Encontrando-se o prédio dos Requerentes inserido numa ARU, para a qual foi aprovada uma operação de reabilitação urbana sistemática, e sendo a operação de reabilitação urbana sistemática a causa da expropriação, a competência para emitir a declaração de utilidade pública não pertence ao membro do Governo, competindo, antes à Assembleia Municipal (cf. artigos 14.º, n.º 2 do CE, 32.º e 61.º, n.º 3, alíneas a) e b), do RJRU)” (destaque nosso).
XV. Ademais, sempre se dirá que não merece qualquer acolhimento a tese de que no PERU não está em causa o prédio dos Recorrentes, uma vez que tal teoria mais não é do que uma manobra engenhada pelos mesmos no sentido de evitar a expropriação de um terreno de que estes nunca lograram cuidar.
XVI. Nessa medida, como se aventou, o prédio dos Requerentes encontra-se inserido numa ARU, para a qual foi aprovada um ORU sistemática, significando isto que existe, como bem se sabe, um programa detalhado que consagra as operações de reabilitação a efetuar, pelo que, a expropriação em causa não pode ser entendida como uma operação individualizada, antes como uma operação integrada num programa mais amplo que prevê, de forma integrada, a reabilitação do Município de (...).
XVII. Por conseguinte, mostra-se irrelevante – ao contrário do que os Recorrentes pretendem fazer valer – se a imagem do parque urbano delimitado no PERU não corresponde ao terreno dos Recorrentes, uma vez que, por um lado, bem sabem aqueles que o prédio em causa se encontra devidamente identificado no PERU e, por outro, que as operações a realizar não podem ser analisadas individualizadamente, porquanto se encontram inseridas numa área, pelo que outra não poderia ser a conclusão, senão a de que a Assembleia Municipal é o órgão competente para a prática do ato suspendendo, razão pela qual não merece qualquer censura a decisão recorrida.
XVIII. De seguida, invocam os Recorrentes que “(…) relativamente à questão da inexistência de interessados na expropriação ser inócua, pois que sempre poderia ter sido preterida a negociação de direito privado atento a natureza urgente do procedimento, sempre se dirá que, não obstante a conclusão do Tribunal recorrido ser lógica, a mesma padece da falácia de ter considerado desnecessária a fundamentação da urgência do ato” e, bem assim, que “Um projeto de reabilitação urbana, por si só não justifica uma expropriação urgente”.
XIX. Sucede que, tal alegação não merece – nem pode merecer – qualquer acolhimento, na medida em que afronta manifestamente o disposto no artigo 32.º do e na alínea c) do n.º 3 do artigo 61.º ambos do RJRU, uma vez que a aprovação da ORU sistemática constitui causa de utilidade pública para efeitos de expropriação, sendo que, como bem se sabe, estas expropriações assumem, ope legis, caráter urgente.
XX. Quer isto significar que o caráter de urgência é imperativo, razão pela qual não carece de qualquer fundamentação acrescida por parte do órgão municipal.
XXI. No mesmo sentido, não merece qualquer acolhimento a alegação dos Recorrentes de que “A relevância de se decidir este ponto (da existência de interessados) advém do facto de não ser possível, in casu, atribuir-se carácter urgente ao procedimento, ou, se se quiser melhor, de não ter sido concretamente fundamentada essa necessidade”.
XXII. Note-se que a argumentação dos Recorrentes cinge-se ao facto de, no entendimento daqueles, não poder ser atribuído caráter urgente à expropriação aqui em causa, contudo, certo é que esse caráter urgente decorre da legislação aplicável nesta matéria, pelo que, admitir-se a teoria dos Recorrentes, seria violar todas as disposições legais supra mencionadas.
XXIII. Na verdade, o n.º 1 do artigo 11.º do CE impõe a tentativa de aquisição dos bens por via de direito privado, contudo exceciona duas situações em que se admite que não haja lugar à aquisição por via de direito privado, sendo que o presente caso é passível de se inserir em ambas, uma vez que, por um lado, como se ressalvou, in casu, a expropriação assume caráter urgente, razão pela qual se insere na primeira exceção do artigo 11.º do CE, por outro lado, à data da resolução de expropriar, não se encontravam ainda identificados os legítimos proprietários do prédio em apreço – na medida em que tal questão se encontrava a ser discutida em juízo, como, aliás os Recorrentes bem reconheceram no seu petitório inicial –, pelo que, também por esta via, se justifica a não exigência da tentativa de aquisição por via do direito privado.
XXIV. Nestes termos, não merece qualquer censura a decisão recorrida, razão pela qual deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado.
XXV. Por fim, alegam os Recorrentes que, o contrato promessa firmado com o Recorrido em 25.05.1999, “(…) é o ponto fulcral na impugnação do processo expropriativo”, através do qual o Recorrido comprometeu-se a autorizar o procedimento de loteamento de que o referido prédio iria ser objeto, desde que, naturalmente, cumpridas as demais normas legais e regulamentares aplicáveis, o qual, volvidos mais de vinte anos desde a data da celebração do mencionado contrato promessa e cerca de dezassete anos sobre a celebração do contrato prometido, a verdade é que os Recorrentes não lograram desencadear o procedimento de loteamento que pretendiam levar a cabo na parcela sobrante do prédio, sendo certo que, logicamente, nesse interregno, o PDM foi alterado e, nessa sequência, os índices de construção da área em apreço foram afetados, não tendo aqueles, nem em sede de discussão pública da revisão do PDM, nem posteriormente, apresentado qualquer manifestação relativamente à alteração destes ditames, tendo-se conformado com a solução urbanística adotada pelo Município.
XXVI. Nestes termos, obrigação alguma existe para que, na fase em que se realiza a avaliação do prédio, se atenda a um índice de construção que já não corresponde à realidade do prédio em causa.
XXVII. Da fundamentação apresentada pelos Recorrentes, resulta evidente que os mesmos discordam do valor avançado pelo Perito avaliador no que tange à indemnização a atribuir em virtude da expropriação do prédio em causa, porque alegadamente a mesma terá sido avançada sem ter em consideração o índice de construção referido no contrato promessa em apreço, contudo, como bem determinou o Tribunal a quo nem a impugnação da resolução de expropriar, nem tão-pouco a impugnação da própria declaração de utilidade pública consubstanciam meios idóneos para contestar o valor indemnizatório, uma vez que os artigos 33.º e seguintes e 38.º e seguintes do CE contemplam mecanismos específicos para esse efeito.
XXVIII. Estando apenas em causa o valor indemnizatório a atribuir ao particular, não quis o legislador que o interesse público que subjaz e sustenta a expropriação saísse comprometido, pelo que tal questão tão-só poderá ser sindicada no momento que a Lei prevê para o efeito.
XXIX. Nestes termos, também por esta via, o Recurso interposto está condenado ao fracasso, razão pela qual, deve o mesmo ser julgado totalmente improcedente, uma vez que todos os vícios assacados ao ato suspendendo se revelam infundados, sendo pacífico afirmar-se que a ação principal virá a soçobrar e que, in casu, não se verifica um dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar designadamente o “fumus boni iuris”, pelo que deve a sentença recorrida manter-se qua tale.
*
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos do art.º 146º do CPTA, dando “parecer que o recurso dos Autores não tem condições de viabilidade, e que recurso interposto pelo Município de (...) merece provimento.”.
*
Com legal dispensa de vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
*
O recurso quanto ao incidente decidido em 09/09/2020.

Os requerentes solicitaram “a ineficácia dos atos de execução indevida, designadamente:
a) a aprovação da proposta do dia 15 de junho de 2020 de abertura de concurso para a construção do Parque Urbano de (...) nos terrenos respeitantes ao ato aqui em causa,
b) o pedido e a nomeação de perito, bem como a marcação de vistoria ad perpetuam rei memoriam”.

A decisão recorrida acolheu a pretensão: “(…) defiro o incidente deduzido pelos Requerentes de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida praticados pelo Requerido e, em consequência, declaro a ineficácia dos actos de execução indevida (a aprovação da proposta do dia 15 de Junho de 2020 de abertura de concurso para a construção do Parque Urbano de (...) nos terrenos respeitantes ao acto suspendendo, o pedido e a nomeação de perito e a marcação de vistoria ad perpetuam rei memoriam).”.

Em termos factuais vem fixado como provado o seguinte:

1) Em 27/02/2020, a Assembleia Municipal de (...) deliberou declarar a utilidade pública da expropriação com carácter urgente e posse administrativa de duas parcelas de terreno para construção do Parque Urbano de (...), onde se inclui o prédio rústico situado no Lugar da (...), em S. (...), inscrito na Conservatória do Registo Predial de (...) com o n.º 4423/1999118 e inscrito na matriz sob o n.º 1354, propriedade dos Requerentes – cf. documento n.º 5 junto com o requerimento inicial.
2) A declaração de utilidade pública da expropriação com carácter urgente e posse administrativa referida no ponto antecedente foi publicada no Diário da República, n.º 96, de 18/05/2020, II Série – cf. documento n.º 5 junto com o requerimento inicial.
3) Em 09/06/2020, o Presidente do Município de (...) foi citado na presente acção – cf. fls. 489 e 1336 do Sitaf.
4) Em despacho intitulado “Resolução Fundamentada”, datado de 15/06/2020, proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de (...), constante de fls. 507-513 do Sitaf, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, reconhece-se que:
"a) Em 27 de fevereiro de 2020, foi deliberado declarar a utilidade pública da expropriação com caráter urgente e posse administrativa do prédio dos Requerentes, com vista à criação do Parque Urbano de (...);
b) A referida expropriação surge da necessidade de prosseguir uma estratégia integrada de reabilitação e revitalização urbana que promova melhores condições urbanísticas e ambientais no Município de (...);
c) Com este propósito, o Município realizou um diagnóstico ao seu território, tendo identificado uma lacuna no que se refere a espaços públicos qualificados que permitam aos residentes elevar os seus padrões de vida saudável e ativa, de preferência com o contacto com a natureza;
d) Por outro lado, apurou igualmente o Município a existência de espaços, como é o caso do prédio dos Requerentes, que, em virtude do abandono a que se encontram votados, potenciam graves problemas de saúde pública.
Isto posto:
e) Pese embora a pretensão dos Requerentes não mereça acolhimento, conforme, aliás, se demonstrará em sede de Oposição, a verdade é que, por força do disposto na primeira parte do n.° 1 do artigo 128.° do CPTA, “Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução (…)
f) Significa isto que o Município de (...) se encontra impedido de prosseguir com o procedimento expropriativo e com as metas definidas em termos de política de ordenamento do território;
g) Sucede que tal circunstância causará graves prejuízos para o interesse público e, em particular, para a saúde e segurança públicas, considerando o estado de degradação em que o prédio em apreço se encontra e a utilização que do mesmo é realizada;
h) Neste contexto, tendo ainda em conta a importância que o projeto que se pretende levar a cabo tem para o Município e, bem assim, os investimentos já realizados com vista à sua prossecução, não pode o Município conformar-se com tal consequência;
i) Note-se que um dos eixos de prioridade da Autarquia é o desenvolvimento urbano sustentável, sendo para o efeito fundamental a criação de uma área verde, com características de parque urbano configurado para a prática de funções de recreio e lazer;
j) Trata-se de um projeto que tem em vista o melhoramento da qualidade de vida de todos os particulares, entre os quais se destacam os próprios Requerentes, que passarão a dispor de um equipamento que valorizará o bem-estar, a saúde e os seus tempos livres;
k) O parque a concretizar nos prédios dos Requerentes permitirá articular o centro cívico de São (...) com o corredor ecológico da Ribeira da Archeira e irá reunir condições privilegiadas, enquanto local de descompressão e convívio, exercendo uma influência particularmente forte sobre a paisagem urbana;
l) Cumpre salientar que o prédio que se pretende expropriar se encontra num elevado estado de degradação, representando, aos dias de hoje, um foco de insalubridade e insegurança.
m) A propriedade em causa encontra-se delimitada por arruamento, com extremas bem definidas, não tendo delimitações através de muros ou outros, mas tão só por passeios e arruamentos;
n) O prédio encontra-se dentro do aglomerado urbano, com uma boa localização, perto dos principais serviços e acessos, superfícies comerciais e transportes públicos;
o) Na presente data, o mencionado terreno encontra-se inculto, baldio, funcionado como estacionamento sem qualquer tipo de ordenamento ou organização;
p) Em boa verdade, atualmente, trata-se de uma área propícia à proliferação de ratos, ratazanas e cobras, em virtude da vegetação excessiva e desordenada.
q) O prédio em causa representa, no coração da cidade, um perigo para a saúde pública.
r) Mais a mais, em virtude do estado de má conservação em que se encontra, o prédio em causa é abusivamente utilizado por parte de alguns particulares, o que acarreta insegurança para os habitantes locais;
s) Atente-se que, desde há vários meses, se encontra abandonada uma viatura no referido prédio, que bem demonstra o descuido dos Requerentes na gestão do espaço, que poderá causa prejuízos para a segurança de todos os particulares;
t) O modo como o espaço se encontra a ser frequentado representa, pois, uma situação que faz perigar a segurança dos Munícipes e, em particular, dos habitantes dos prédios circundantes.
u) O prédio em causa reclama, de forma urgente e imperiosa, uma intervenção urbanística, tendo em vista a sua reabilitação e a dissipação dos problemas de saúde pública e insegurança que lhe estão associados.
v) Sendo um dos eixos prioritários do Município a proteção da saúde e segurança públicas e, bem assim, a boa gestão do seu ordenamento do território, foi deliberada a expropriação do mencionado prédio e a criação, no local, de um espaço verde que beneficie todos os Munícipes.
w) Note-se que, da perspetiva dos interesses dos Requerentes, trata-se igualmente de uma operação apelativa, na medida em que lhes permitirá retirar rentabilidade de um prédio que atualmente se encontra abandonado;
x) Nesta perspetiva, o procedimento expropriativo em causa visa, não só melhorar a qualidade de vida dos particulares, mas também proteger a saúde e segurança públicas — colocada em crise pela falta de manutenção do prédio dos Requerentes;
y) Porém, em virtude da ação cautelar intentada pelos Requerentes, encontra-se agora o Município impedido de prosseguir com a execução do projeto e atender às necessidades dos seus Munícipes que, desde há já vários anos, reclamam por uma zona verde e têm vindo a alertar para os problemas de saúde pública e falta de segurança;
z) Atente-se que o Município já despendeu uma verba significativa do seu orçamento para a realização dos trabalhos técnicos associados ao projeto;
aa) Por outro lado, o Município já preparou os procedimentos de contratação necessários para a sua execução, os quais ficarão, por força desta suspensão, inviabilizados;
bb) Cumpre ter presente que os Requerentes, em momento algum da ação cautelar, se insurgem contra o projeto que o Município pretende levar a cabo ou contra a expropriação propriamente dita, más tão-só contra a justa indemnização proposta;
cc) Para discutir o valor da justa indemnização, o legislador estabeleceu na lei mecanismos próprios, concretamente, nos artigos 33.° e seguintes do Código das Expropriações, os quais não impedem, todavia, a tomada de posse administrativa dos prédios expropriados e o avanço dos projetos que se pretendem implementar;
dd) Com efeito, considerando o interesse público e a necessidade de velar pela saúde e segurança públicas que subjaz à construção do Parque Urbano de (...) e, bem assim, o investimento já realizado com vista à sua concretização, e tendo presente que os mesmos não se compadecem com a mora da ação em curso, determina-se a prossecução do procedimento expropriativo.
Em face de tudo quanto se expôs, nos termos e para os efeitos da parte final do n.° 1 do artigo 128.° do CPTA, reconhece-se a grave urgência para o interesse público que decorre da suspensão do procedimento expropriativo em curso, pelo que se determina a sua prossecução nos exatos termos da lei, praticando-se todos os atos tendentes à tomada de posse administrativa do prédio dos Requerentes da ação cautelar e, bem assim, à construção do Parque Urbano de (...).
Atenta a urgência da situação aqui em crise, ao abrigo do disposto no n.° 3 do artigo 35.° da Lei n.° 75/2013, de 12 de setembro, não sendo possível reunir extraordinariamente a Câmara Municipal, o Presidente pratica o presente ato, ficando o mesmo sujeito a ratificação na primeira reunião realizada após a sua prática (…)”.
5) O Requerido incluiu na ordem de trabalhos da reunião ordinária de 15/06/2020 a proposta de aprovação de abertura de concurso para a construção do Parque Urbano de (...) dos terrenos referidos no ponto 1) deste probatório – facto admitido por acordo.
6) Entretanto, o Requerido pediu a nomeação de perito e agendou a realização de vistoria ad perpetuam rei memoriam cf. documento n.º 1 junto com o requerimento apresentado pelos Requerentes em 06/07/2020.
7) A propriedade dos Requerentes referida no ponto 1) encontra-se delimitada por arruamento, com extremas bem definidas, não tendo delimitações através de muros ou outros, mas tão só por passeios e arruamentos – cf. processo administrativo, fls. 93.
8) O prédio encontra-se dentro do aglomerado urbano, com uma boa localização, perto dos principais serviços e acessos, superfícies comerciais e transportes públicos – cf. processo administrativo, fls. 93.
9) Na presente data, o mencionado terreno encontra-se inculto, baldio, funcionado como estacionamento sem qualquer tipo de ordenamento ou organização – cf. processo administrativo, fls. 91 e 93.
10) O prédio em causa reclama uma intervenção urbanística.
11) No final do mês de Junho/início do mês de Julho do corrente ano, foram realizadas operações de limpeza no imóvel dos Requerentes – cf. processo administrativo, fls. 91, e documento junto pelo Requerido com o requerimento apresentado em 31/07/2020.
E consignou-se como não provado:
A) O prédio referido no ponto 1), propriedade do Requerentes, encontra-se abandonado e num elevado estado de degradação, representando, aos dias de hoje, um foco de insalubridade e insegurança.
B) Trata-se de uma área propícia à proliferação de ratos, ratazanas e cobras, em virtude da vegetação excessiva e desordenada.
C) O prédio em causa é abusivamente utilizado por parte de alguns particulares, o que acarreta insegurança para os habitantes locais.
Motivou-se: “A decisão da matéria de facto provada resultou do acordo e confissão das partes, extraído da posição assumida pelas mesmas nos respectivos articulados [no que respeita, nomeadamente, aos factos provados vertidos nos pontos 5, 6 e 10] e, bem assim, da análise crítica e conjugada da prova documental produzida e constante dos autos e do processo administrativo, que não foi impugnada e que, pela sua natureza e qualidade, mereceu a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.
Os factos não provados resultaram da total ausência de produção de prova a seu respeito. Por via de uma análise comparativa entre as fotografias integrantes da participação junta aos autos pelo Requerido (fls. 1408-1411 do Sitaf) e das fotografias incluídas no processo administrativo a fls. 91, resulta evidente que o terreno sofreu intervenção de limpeza (corte de vegetação). Contudo, a análise de tais elementos fotográficos não permite concluir, por si só, que o terreno estivesse, antes dessa intervenção, em situação de total abandono e degradação, representando, por isso, um foco de insalubridade e insegurança, tratando-se de uma área propícia à proliferação de ratos, ratazanas e cobras. Por outro lado, a análise de tais elementos fotográficos não permite concluir que o prédio em causa é abusivamente utilizado por parte de alguns particulares, o que acarreta insegurança para os habitantes locais.”.

Sobre o direito, o tribunal “a quo” verteu o seguinte:
«(…)
“Artigo 128.º
Proibição de executar o ato administrativo
1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
2 - Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a entidade citada impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.
3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.
4 - O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.
5 - O incidente é processado nos autos do processo de suspensão da eficácia.
6 - Requerida a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, o juiz ou relator ouve a entidade administrativa e os contrainteressados no prazo de cinco dias, tomando de imediato a decisão”.

Impõe o artigo 128.º do CPTA a proibição de executar o acto administrativo quando seja requerida ao Tribunal a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo, ficando vedado à autoridade administrativa e aos beneficiários do acto, após a citação, iniciar ou prosseguir com a sua execução.

Este mecanismo, de proibição de execução do acto administrativo suspendendo, implica que uma vez instaurado um processo cautelar visando a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia de um acto administrativo a autoridade administrativa fica impedida de iniciar ou prosseguir a execução desse acto (n.º 1), estando obrigada a impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados levem a cabo tal execução (n.º 2), a menos que, mediante resolução fundamentada, reconheça que a execução é urgente porque o seu diferimento “seria gravemente prejudicial para o interesse público”.

Assim, a emissão de uma resolução fundamentada tem por escopo permitir que a autoridade administrativa possa praticar actos de execução do acto administrativo suspendendo após a notificação do requerimento cautelar em que o requerente pede a suspensão de eficácia de acto administrativo. Sendo certo que, como é sabido, com a proibição (provisória) de execução do acto suspendendo decorrente da propositura do processo cautelar, prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 128.º do CPTA, visa-se assegurar a manutenção do efeito útil ao próprio processo cautelar no qual seja requerida a providência de suspensão de eficácia de acto administrativo, de molde a evitar que quando o julgador tome posição sobre aquele litígio essa sua decisão ainda faça sentido ou tenha utilidade à luz mormente dos direitos e interesses que o requerente queria ver acautelados.

A Administração tem que indicar na resolução fundamentada as razões que militam no sentido da existência de situação de urgência grave no diferimento da execução do acto administrativo suspendendo.

Tal decisão é passível de ser sindicada contenciosamente pelos tribunais no âmbito do incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida (designadamente com fundamento no facto dos motivos aduzidos naquela resolução não constituírem fundamentos legais ou legítimos abarcados pelo conceito legal enunciado no n.º 1 do artigo 128.º do CPTA do diferimento da execução ser “gravemente prejudicial para o interesse público”).

Faltando a resolução fundamentada considera-se indevida a execução do acto suspendendo (cf. nº 3 do artigo 128.º do CPTA). Tal como se considerada indevida quando o tribunal julgue improcedentes as razões em que se fundamenta a resolução fundamentada. Com vista a salvaguardar os interesses do requerente de uma providência cautelar de suspensão de eficácia de acto, tutelados pela proibição (provisória) de execução prevista no artigo 128.º n.ºs 1 e 2 do CPTA, o n.º 4 do mesmo artigo dispõe que “o interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida”. Incidente que é processado nos próprios autos do processo cautelar e que é decidido após ouvidos os interessados no prazo de 5 dias (n.ºs 5 e 6).

À luz dos dispositivos insertos no artigo 128.º do CPTA, para decidir se os actos de execução de um acto administrativo objecto de um processo cautelar no qual seja requerida a sua suspensão de eficácia devem, ou não, ser considerados ineficazes o Tribunal deve verificar: (i) se a resolução fundamentada existe; (ii) se está fundamentada, no sentido de demonstrar que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.

A propósito da fundamentação da resolução fundamentada referem Mário Aroso de Almeida e Carlos F. Cadilha (in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2018, páginas 1024 a 1028):
“(…) como tem sido assumido pela jurisprudência, a possibilidade do levantamento da proibição de executar, através da emissão da resolução fundamentada, deve ser entendida como uma situação por natureza excecional. Se bem se reparar, existe, aliás, uma certa simetria entre a situação a que, no âmbito dos processos cautelares, deste modo se pretende dar resposta e aquela a que, no âmbito dos processos executivos, se procura acorrer instituindo a figura das causas legítimas de inexecução por razões de interesse público. Em ambos os casos, do que se trata é de reconhecer que, em determinadas circunstâncias, a absoluta necessidade de assegurar a prossecução do interesse público pode exigir o afastamento das regras que, de outro modo, seriam aplicáveis, com o consequente sacrifício dos interesses por elas protegidos. Afigura-se, por isso, justificado que, tal como sucede no domínio das causas legítimas de inexecução por razões de interesse público (a propósito, cfr. comentário ao artigo 163.° e, por todos, o acórdão do TCA Sul de 17 de Janeiro de 2008, Processo n.º 2604/07), o juiz administrativo seja particularmente exigente quando é chamado a proceder à fiscalização dos fundamentos em que se sustentam as resoluções emitidas ao abrigo da previsão da segunda parte do n.º 1 deste artigo 128.º *…+. *…+ Para o fazer, o juiz cautelar vai proceder à fiscalização da resolução emitida, para o efeito de avaliar se esta, no plano formal, se encontra fundamentada e se, no plano material, se baseia em razões procedentes. Alguma jurisprudência parece assimilar tal fiscalização à verificação da legalidade dos atos administrativos, a que se procede no âmbito das ações de impugnação. Tal assimilação não se afigura, no entanto, exata, na medida em que, em bom rigor, a resolução vai ser objeto de uma apreciação meramente incidental, para o efeito de se proceder à declaração de ineficácia dos atos de execução indevida. (…)”.

Ainda a propósito da fundamentação da resolução fundamentada lê-se no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 04/10/2017, proferido no âmbito do processo n.º 01312/05.2BEBRG-C (publicado em www.dgsi.pt), o seguinte:

“(…) na prolação da “resolução fundamentada” temos para nós que o mesmo se traduz na enunciação das razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo competente (art. 10.º do CPTA) à emissão daquela decisão e que são integradores do preenchimento em concreto do pressuposto/requisito do diferimento da execução ser gravemente prejudicial para o interesse público a ponto de não poder sustar-se tal execução até à prolação da decisão judicial cautelar.
No cumprimento desse especial ónus de explicitação motivadora, de fundamentação, não devem aceitar-se como válidas referências de tal modo genéricas, vagas e conclusivas que não habilitem os interessados e, por último, o próprio tribunal a entenderem e a aperceberem-se das efectivas razões que terão motivado a emissão da “resolução fundamentada” em questão.
Na fundamentação a Administração deverá de forma expressa enunciar, explicitar, as premissas e razões concretas que justificam o prosseguimento da execução do acto suspendendo por a sua sustação gerar grave prejuízo para o interesse público prosseguido, cabendo depois ao tribunal, em face do caso em presença, ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante da “resolução fundamentada” em crise, fica em condições de saber o motivo ou motivos pelos quais se considerou ser imperioso prosseguir com a execução do acto suspendendo sob pena de ocorrer aquele grave prejuízo e que dessa forma, com a sua imediata execução, se pretende evitar.
Noutra sede e diversamente do dever de fundamentação e da pronúncia do tribunal sobre o seu cumprimento (aferição em termos da regularidade formal da resolução) está já a aferição e julgamento feito também pelo tribunal sobre se o ou os concretos motivos ou razões apresentados para a emissão daquela resolução são procedentes ou válidos em termos de justificação para o prosseguimento da execução por parte da Administração (aferição em termos da regularidade substancial ou substantiva da resolução).
Para se atingir e ter como cumprido o dever de fundamentação temos que a fundamentação ainda que sucinta deve ser clara, concreta, congruente e de se mostrar contextual à luz dos elementos insertos nos autos, permitindo compreender com suficiência, lógica e sem incertezas ou perplexidades qual foi o iter cognoscitivo-valorativo que presidiu à tomada daquela decisão pela Administração uma vez confrontada com a dedução do procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto/norma”.

Focalizado nestes termos o objecto de apreciação importa analisar a “Resolução fundamentada”.

Com esta o Requerido visou justificar o prosseguimento da execução do acto suspendendo e a sua imperiosidade para a prossecução do interesse público.
Contudo, entende-se que na mesma, em parte, não foram elencadas e explicitadas devidamente, de forma clara, sucinta, congruente e contextual as razões da necessidade imperiosa de prosseguir com a execução do acto administrativo suspendendo a ponto de não ser possível, sob pena de grave prejuízo para o interesse público, esperar pela decisão judicial cautelar.

As motivações e razões elencadas acabam, na verdade, por em grande parte se estribar em considerações abstractas, vagas, mesmo hipotéticas, e em afirmações conclusivas sem factualidade concreta que permita extrair e inferir logicamente tais afirmações, inviabilizando, dessa forma, a sua impugnação e o adequado controlo jurisdicional.
Temos que a invocação de que “… Neste contexto, tendo ainda em conta a importância que o projeto que se pretende levar a cabo tem para o Município e, bem assim, os investimentos já realizados com vista à sua prossecução, não pode o Município conformar-se com tal consequência…”, que “…o Município já despendeu uma verba significativa do seu orçamento para a realização dos trabalhos técnicos associados ao projeto…” ou ainda que “… o Município já preparou os procedimentos de contratação necessários para a sua execução, os quais ficarão, por força desta suspensão, inviabilizados…”, apresenta-se em grande medida com carácter conclusivo, não se referindo qual a concreta importância/imperatividade/urgência da concretização da obra na pendência da decisão cautelar (não se justifica ou explicita em concreto o porquê de não se poder esperar pela decisão judicial cautelar), quais os concretos investimentos que foram realizados com vista à prossecução do projecto em causa, nem quais consequências (negativas) que resultam da suspensão da invocada preparação dos procedimentos de contratação necessários para a execução e de que procedimentos de contratação se trata.

Acresce que, por outro lado, quanto aos invocados graves prejuízos para a saúde e segurança públicas, a entender-se como formalmente fundamentada, nessa parte, a resolução, não se afigura suficiente para lograr sustentar o prosseguimento legítimo da execução do acto suspendendo o que vem demonstrado a esse respeito. Efectivamente, ainda que resulte assente que o prédio dos Requerentes reclama uma intervenção urbanística [cf. ponto 10) do probatório assente], não se provou a absoluta necessidade dessa intervenção, ou seja, que o prédio em causa reclama, de forma urgente e indispensável, uma intervenção urbanística, a ponto de não poder sustar-se a execução até prolação da decisão cautelar. Pois, na verdade, o Requerido não demonstrou que o terreno está num estado de degradação/abandono tal que represente um foco de insalubridade, tratando-se de uma área propícia à proliferação de ratos, ratazanas e cobras. Tal como também não logrou demonstrar que o prédio em causa é abusivamente utilizado por parte de alguns particulares, o que acarreta insegurança para os habitantes locais [cf. pontos A) a C) dos factos não provados].

A prova pelo menos de tais factos impunha-se para se concluir no sentido da urgência da execução do acto suspendendo por o seu diferimento ser “gravemente prejudicial para o interesse público”, em particular para a saúde e segurança públicas. Por conseguinte, do cotejo do teor dos factos provados e não provados não resulta apurado nem demonstrado um índice de gravidade na afectação do interesse público prosseguido legalmente exigido capaz de sustentar o prosseguimento da execução enquanto não vier a ser proferida decisão judicial cautelar.

Ademais, não se pode olvidar que se encontra demonstrado que, entretanto, foram realizadas operações de limpeza em tal terreno [cf. ponto 11) dos probatório assente], o que permite inferir que as invocadas razões de saúde pública, pelo menos por vir dessas operações de limpeza, actualmente, já não existem. Em face do exposto, entende-se que a citada resolução fundamentada (formal e materialmente), não contém razões demonstrativas de que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público, nos termos do artigo 128.º, n.º 1, do CPA, de molde a justificar o afastamento da regra geral (proibição da execução do acto administrativo suspendendo).

Assim sendo, devem julgar-se improcedentes as razões em que se fundamenta a dita resolução e, por conseguinte, concedendo-se provimento ao presente incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, devem declarar-se ineficazes os actos de execução indevida praticados pelo Requerido (quer a aprovação da proposta do dia 15 de Junho de 2020 de abertura de concurso para a construção do Parque Urbano de (...) nos terrenos respeitantes ao acto suspendendo, quer o pedido e a nomeação de perito e a marcação de vistoria ad perpetuam rei memoriam).”.
(…)».

Vejamos da apelação.

A nulidade.
«De acordo com o art. 615, nº 1, al. c) do CPC é nula a decisão quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (no que agora interessa).
É jurisprudência uniforme que esta nulidade da sentença ou acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão apenas se verifica quando a decisão proferida padeça de erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, por a argumentação desenvolvida no acórdão apontar num determinado sentido e, apesar disso, a decisão ser em sentido contrário ou oposto. Contradição lógica, esta, que não se confunde com erro de julgamento, isto é, a errada interpretação ou aplicação do direito.» - Ac. do STA, de 14-09-2019, proc. n.º 08/18.0BCLSB.

Em despacho de sustentação, exarou o tribunal “a quo”:
«Vem invocada pelo Recorrente a nulidade do referido despacho proferido nos autos em 09/09/2020, por “flagrante contradição, considerando que a factualidade considerada provada pelo julgador impunha, necessariamente, uma decisão final distinta da que veio a ser,
efetivamente, proferida”.

O Recorrente alega, para tanto e em síntese, que se, num primeiro momento, o Tribunal reconhece que o prédio se encontra inculto, baldio, a ser utilizado abusivamente por particulares, reclamando uma intervenção urbanística – razões que estão na base da Resolução Fundamentada apresentada –, não pode, num segundo momento, concluir que a Resolução Fundamentada não se encontra devidamente fundamentada.
De acordo com o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
No despacho em crise inexiste contradição entre os factos provados constantes nos pontos 9) [“Na presente data, o mencionado terreno encontra-se inculto, baldio, funcionado como estacionamento sem qualquer tipo de ordenamento ou organização”] e 10) [“O prédio em causa reclama uma intervenção urbanística”] e o os factos não provados vertidos nas alíneas A) [“O prédio referido no ponto 1), propriedade do Requerentes, encontra-se abandonado e num elevado estado de degradação, representando, aos dias de hoje, um foco de insalubridade e insegurança”] B) [“Trata-se de uma área propícia à proliferação de ratos, ratazanas e cobras, em virtude da vegetação excessiva e desordenada”] e C) [“O prédio em causa é abusivamente utilizado por parte de alguns particulares, o que acarreta insegurança para os habitantes locais”] nem contradição entre os factos provados e não provados e a decisão proferida.

O Tribunal deixou claro na decisão recorrida que, por um lado, baldio ou não cultivado não significava que tal terreno se traduzia num foco de doenças e/ou bichos e que, por outro lado, a existência de veículos estacionados no referido terreno não significava necessariamente insegurança para a população. O Tribunal explicou ainda que a prova de que o prédio se encontra inculto, baldio, a ser utilizado abusivamente por particulares e que reclama uma intervenção urbanística não significava que a Administração tivesse alegado e demonstrado a absoluta necessidade dessa intervenção, ou seja, que o prédio em causa reclama, de forma urgente e indispensável, uma intervenção urbanística, a ponto de não poder sustar-se a execução até prolação da decisão cautelar, de modo a se poder concluir que a Resolução Fundamenta se encontra devidamente fundamentada.

A este espeito consta da decisão recorrida o seguinte:
- “Os factos não provados resultaram da total ausência de produção de prova a seu respeito. Por via de uma análise comparativa entre as fotografias integrantes da participação junta aos autos pelo Requerido (fls. 1408-1411 do Sitaf) e das fotografias incluídas no processo administrativo a fls. 91, resulta evidente que o terreno sofreu intervenção de limpeza (corte de vegetação). Contudo, a análise de tais elementos fotográficos não permite concluir, por si só, que o terreno estivesse, antes dessa intervenção, em situação de total abandono e degradação, representando, por isso, um foco de insalubridade e insegurança, tratando-se de
uma área propícia à proliferação de ratos, ratazanas e cobras. Por outro lado, a análise de tais elementos fotográficos não permite concluir que o prédio em causa é abusivamente utilizado por parte de alguns particulares, o que acarreta insegurança para os habitantes locais” (cf. página 7 da decisão recorrida);
- “Acresce que, por outro lado, quanto aos invocados graves prejuízos para a saúde e segurança públicas, a entender-se como formalmente fundamentada, nessa parte, a resolução, não se afigura suficiente para lograr sustentar o prosseguimento legítimo da execução do acto suspendendo o que vem demonstrado a esse respeito. Efectivamente, ainda que resulte assente que o prédio dos Requerentes reclama uma intervenção urbanística [cf. ponto 10) do probatório assente], não se provou a absoluta necessidade dessa intervenção, ou seja, que o prédio em causa reclama, de forma urgente e indispensável, uma intervenção urbanística, a ponto de não poder sustar-se a execução até prolação da decisão cautelar. Pois na verdade, o Requerido não demonstrou que o terreno está num estado de degradação/abandono tal que represente um foco de insalubridade, tratando-se de uma área propícia à proliferação de ratos, ratazanas e cobras. Tal como também não logrou demonstrar que o prédio em causa é abusivamente utilizado por parte de alguns particulares, o que acarreta insegurança para os habitantes locais [cf. pontos A) a C) dos factos não provados]” (cf. página 12 do despacho recorrido).

O que vem dito é suficiente para se afirmar que os fundamentos (de facto) não estão em oposição com a decisão e que não ocorre qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, razão pela qual o despacho proferido não padece da nulidade arguida.

Aliás, o que lateja na alegação da Recorrente é a sua discordância com o que foi decidido. Porém, os motivos em que a concretiza serão idóneos – eventualmente – para lhe imputar erro de julgamento mas não nulidade.».

É também o que se entende nesta instância.

Não é detectável contradição quando os termos de equação colocados em comparativo se distinguem.
De todo o modo, «esclarece-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.09.2011, tirado no processo n.º 0371/11, que a “(…) nulidade de sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão não ocorre quando as contradições se verificam entre fundamentos de uma mesma decisão (…)» (Ac. deste TCAN, de 18-12-2020, proc. n.º 553/17.4BEPRT);Como decorre do texto legal, só releva, para efeito desta nulidade, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos (de facto ou de direito) de uma mesma decisão” (Ac. STA, de 20-04-2020, proc. n.º 01618/08.9BELRS 0471/18).

→ A matéria de facto.
Na lógica argumentativa, e eliminando a assinalada contradição, perante o que ficou provado – e em reconhecimento de que o suporte documental assim o permite -, haveria de dar como provado o que se não julgou provado.

Mas não é assim.

Não há essa falha de harmonia - do que se julgou provado não resulta necessariamente provado o que se não julgou provado -, e a prova documental não impõe a afirmação ausente.

→ O direito.
Não entra neste julgamento mais do que foi lançado a debate, mesmo se as nossas conjecturas pudessem equacionar um ou outro ponto não abordado.

O CPTA dispõe:
Artigo 128.º
Proibição de executar o ato administrativo
1 – Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
2 – Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a entidade citada impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.
3 – Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.
4 – O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.
5 – O incidente é processado nos autos do processo de suspensão da eficácia.
6 – Requerida a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, o juiz ou relator ouve a entidade administrativa e os contrainteressados no prazo de cinco dias, tomando de imediato a decisão.

Assim, nos termos do disposto no art. 128º, nº 1, do CPTA, “quando requerida a suspensão da eficácia de um acto administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o deferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.”

Dispõe, por sua vez, o nº 3 do mesmo preceito que se considera “indevida a execução quando falte a resolução fundamentada prevista no nº 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamente”.
«De acordo com o preceito citado, na apreciação da operacionalidade da resolução, temos dois momentos: um inicial, de análise da existência de fundamentos na resolução e um segundo, de exegese analítica desses fundamentos para o efeito de se emitir o juízo final sobre se os fundamentos existentes preenchem a previsão normativa, ou seja, o primeiro reporta-se à existência de fundamentos, e o segundo à sua conformidade com o pressuposto legal.» - Ac. do STA, de 08-06-2017, proc. n.º 050/17.

O recorrente tem alguma (não toda) razão, pois a alegação feita pelos requerentes, que o tribunal “a quo” em alguma medida acompanhou, de “falta de sustentação fáctica dos argumentos invocados na resolução (pela sua não real e efectiva demonstração ou verificação), não geram uma falta de fundamentação da mesma, para os efeitos do nº 3 do art. 128º do CPTA.
Tal como se refere no acórdão deste STA de 06.11.2014, acima indicado [858/14]:
«Ao apreciar as razões vertidas na resolução fundamentada não pode o Tribunal, por um lado, entrar na análise da bondade e legalidade substancial do ato suspendendo, nem, por outro lado, invadir aquilo que são as margens da decisão política, das suas opções e critérios que a norteiam, e, bem assim, invadir aquilo que é margem de livre decisão da Administração, os poderes discricionários de que a mesma dispõe para valorar a melhor forma de prosseguir o interesse público e a oportunidade da decisão suspendenda no seu contexto e tempo» - Ac. do STA, Pleno, de 17-04-2015, proc. n.º 0844/14.

Mas, mesmo sem essa pecha, é de manter o decidido.

O tribunal “a quo” não deixou de ter bom apontamento, na exigência de uma fundamentação suficientemente densificada, (e) em função da tutela que está em causa na pendência da instância cautelar.
«Sobre a legalidade e eficácia da emissão duma resolução fundamentada ficou consignado, entre outros, no Acórdão do STA, de 06.11.2014, processo 858/14, que se exige que «a mesma seja proferida ou emitida tempestivamente […], por órgão administrativo competente e que na mesma sejam enunciadas as razões ou motivos integradores do preenchimento em concreto do pressuposto/requisito do diferimento da execução ser gravemente prejudicial para o interesse público a ponto de não poder sustar-se tal execução até à prolação da decisão judicial cautelar», sendo que, em relação a este último requisito «temos que na explicitação motivadora não devem aceitar-se como válidas referências de tal modo genéricas e conclusivas que não habilitem os interessados e, por último, o próprio Tribunal, a entenderem e a aperceberem-se das razões que terão motivado a emissão da resolução fundamentada em questão». – Ac. do STA, de 27-11-2014, proc. n.º 0844/14.

Sempre permanece o motivo que norteia a decisão.

«Quando o tribunal decide sobre a ineficácia de actos de execução praticados ao abrigo de resolução fundamentada, deve apenas verificar se a «resolução» existe, se foi emitida no prazo legalmente estipulado, e se está fundamentada no sentido de demonstrar que o deferimento da execução, que é a regra, será gravemente prejudicial, e não apenas inconveniente, para o interesse público» - Acs. do STA, de 13-11-2014, proc. n.º 0943/14; de 27-11-2014, proc. n.º 0844/14; «O mecanismo da suspensão automática visa acautelar a situação do Requerente da suspensão da eficácia durante a pendência do processo cautelar e, nessa medida, emerge como medida de tutela pré-cautelar destinada a garantir o efeito útil da própria providência. Reconhecendo-se, porém, que, em determinadas situações, o interesse público possa exigir o afastamento daquela proibição, o legislador prevê que a entidade Requerida não fique impedida de iniciar ou prosseguir a execução desde que se reconheça que o seu deferimento “seria gravemente prejudicial para o interesse público.”»; «A utilização da expressão “gravemente prejudicial para o interesse público” significa que a Administração somente deve socorrer-se desta medida, em casos excepcionais, ou seja, em situações de especial urgência em que a protecção de concretos interesses públicos se torna de tal modo necessária e inadiável, que não se compadece com a demora da tramitação da providência.» - Ac. do STA, de 20-03-2014, proc. n.º 0148/14.

A bondade da resolução fundamentada à luz da qual a entidade administrativa pode iniciar ou prosseguir a execução afere-se em função da tutela que está em causa na pendência da instância cautelar, a modos de saber se o seu deferimento, por esse tempo, seria gravemente prejudicial para o interesse público.

Ora, não se vislumbra que os fundamentos invocados tenham subjacente a necessidade premente e inadiável (de especial urgência) de protecção de interesses públicos concretos, em termos tais que não se possa aguardar a tramitação da providência requerida.
*
O recurso quanto ao incidente decidido em 26/10/2020.
Os requerentes solicitaram: “deve ser declarada a ineficácia dos actos de execução indevida, designadamente:
1. a realização de vistoria ad perpetuam rei memoriam;
2. a tomada de posse no terreno dos Requerentes;
3. a realização de relatório complementar à vistoria ad perpetuam rei memoriam.”.

A decisão recorrida acolheu a pretensão: “defiro o incidente deduzido pelos Requerentes de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida praticados pelo Requerido e, em consequência, declaro a ineficácia dos actos de execução indevida ora em causa, a saber: a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam, a tomada de posse do terreno dos Requerentes e a realização de relatório”.

Em termos factuais vem fixado como provado o seguinte:
1) Em despacho intitulado “Resolução Fundamentada”, datado de 15/06/2020, proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de (...), constante de fls. 507-513 do Sitaf, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, reconhece-se que:
“a) Em 27 de fevereiro de 2020, foi deliberado declarar a utilidade pública da expropriação com caráter urgente e posse administrativa do prédio dos Requerentes, com vista à criação do Parque Urbano de (...);
b) A referida expropriação surge da necessidade de prosseguir uma estratégia integrada de reabilitação e revitalização urbana que promova melhores condições urbanísticas e ambientais no Município de (...);
c) Com este propósito, o Município realizou um diagnóstico ao seu território, tendo identificado uma lacuna no que se refere a espaços públicos qualificados que permitam aos residentes elevar os seus padrões de vida saudável e ativa, de preferência com o contacto com a natureza;
d) Por outro lado, apurou igualmente o Município a existência de espaços, como é o caso do prédio dos Requerentes, que, em virtude do abandono a que se encontram votados, potenciam graves problemas de saúde pública.

Isto posto:
e) Pese embora a pretensão dos Requerentes não mereça acolhimento, conforme, aliás, se demonstrará em sede de Oposição, a verdade é que, por força do disposto na primeira parte do n.° 1 do artigo 128.° do CPTA, “Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução (…).
f) Significa isto que o Município de (...) se encontra impedido de prosseguir com o procedimento expropriativo e com as metas definidas em termos de política de ordenamento do território;
g) Sucede que tal circunstância causará graves prejuízos para o interesse público e, em particular, para a saúde e segurança públicas, considerando o estado de degradação em que o prédio em apreço se encontra e a utilização que do mesmo é realizada;
h) Neste contexto, tendo ainda em conta a importância que o projeto que se pretende levar a cabo tem para o Município e, bem assim, os investimentos já realizados com vista à sua prossecução, não pode o Município conformar-se com tal consequência;
i) Note-se que um dos eixos de prioridade da Autarquia é o desenvolvimento urbano sustentável, sendo para o efeito fundamental a criação de uma área verde, com características de parque urbano configurado para a prática de funções de recreio e lazer;
j) Trata-se de um projeto que tem em vista o melhoramento da qualidade de vida de todos os particulares, entre os quais se destacam os próprios Requerentes, que passarão a dispor de um equipamento que valorizará o bem-estar, a saúde e os seus tempos livres;
k) O parque a concretizar nos prédios dos Requerentes permitirá articular o centro cívico de São (...) com o corredor ecológico da Ribeira da Archeira e irá reunir condições privilegiadas, enquanto local de descompressão e convívio, exercendo uma influência particularmente forte sobre a paisagem urbana;

l) Cumpre salientar que o prédio que se pretende expropriar se encontra num elevado estado de degradação, representando, aos dias de hoje, um foco de insalubridade e insegurança.
m) A propriedade em causa encontra-se delimitada por arruamento, com extremas bem definidas, não tendo delimitações através de muros ou outros, mas tão só por passeios e arruamentos;
n) O prédio encontra-se dentro do aglomerado urbano, com uma boa localização, perto dos principais serviços e acessos, superfícies comerciais e transportes públicos;
o) Na presente data, o mencionado terreno encontra-se inculto, baldio, funcionado como estacionamento sem qualquer tipo de ordenamento ou organização;
p) Em boa verdade, atualmente, trata-se de uma área propícia à proliferação de ratos, ratazanas e cobras, em virtude da vegetação excessiva e desordenada.
q) O prédio em causa representa, no coração da cidade, um perigo para a saúde pública.
r) Mais a mais, em virtude do estado de má conservação em que se encontra, o prédio em causa é abusivamente utilizado por parte de alguns particulares, o que acarreta insegurança para os habitantes locais;
s) Atente-se que, desde há vários meses, se encontra abandonada uma viatura no referido prédio, que bem demonstra o descuido dos Requerentes na gestão do espaço, que poderá causa prejuízos para a segurança de todos os particulares;
t) O modo como o espaço se encontra a ser frequentado representa, pois, uma situação que faz perigar a segurança dos Munícipes e, em particular, dos habitantes dos prédios circundantes.
u) O prédio em causa reclama, de forma urgente e imperiosa, uma intervenção urbanística, tendo em vista a sua reabilitação e a dissipação dos problemas de saúde pública e insegurança que lhe estão associados.
v) Sendo um dos eixos prioritários do Município a proteção da saúde e segurança públicas e, bem assim, a boa gestão do seu ordenamento do território, foi deliberada a expropriação do mencionado prédio e a criação, no local, de um espaço verde que beneficie todos os Munícipes.
w) Note-se que, da perspetiva dos interesses dos Requerentes, trata-se igualmente de uma operação apelativa, na medida em que lhes permitirá retirar rentabilidade de um prédio que atualmente se encontra abandonado;
x) Nesta perspetiva, o procedimento expropriativo em causa visa, não só melhorar a qualidade de vida dos particulares, mas também proteger a saúde e segurança públicas — colocada em crise pela falta de manutenção do prédio dos Requerentes;
y) Porém, em virtude da ação cautelar intentada pelos Requerentes, encontra-se agora o Município impedido de prosseguir com a execução do projeto e atender às necessidades dos seus Munícipes que, desde há já vários anos, reclamam por uma zona verde e têm vindo a alertar para os problemas de saúde pública e falta de segurança;
z) Atente-se que o Município já despendeu uma verba significativa do seu orçamento para a realização dos trabalhos técnicos associados ao projeto;
aa) Por outro lado, o Município já preparou os procedimentos de contratação necessários para a sua execução, os quais ficarão, por força desta suspensão, inviabilizados;
bb) Cumpre ter presente que os Requerentes, em momento algum da ação cautelar, se insurgem contra o projeto que o Município pretende levar a cabo ou contra a expropriação propriamente dita, más tão-só contra a justa indemnização proposta;
cc) Para discutir o valor da justa indemnização, o legislador estabeleceu na lei mecanismos próprios, concretamente, nos artigos 33.° e seguintes do Código das Expropriações, os quais não impedem, todavia, a tomada de posse administrativa dos prédios expropriados e o avanço dos projetos que se pretendem implementar;
dd) Com efeito, considerando o interesse público e a necessidade de velar pela saúde e segurança públicas que subjaz à construção do Parque Urbano de (...) e, bem assim, o investimento já realizado com vista à sua concretização, e tendo presente que os mesmos não se compadecem com a mora da ação em curso, determina-se a prossecução do procedimento expropriativo.

Em face de tudo quanto se expôs, nos termos e para os efeitos da parte final do n.° 1 do artigo 128.° do CPTA, reconhece-se a grave urgência para o interesse público que decorre da suspensão do procedimento expropriativo em curso, pelo que se determina a sua prossecução nos exatos termos da lei, praticando-se todos os atos tendentes à tomada de posse administrativa do prédio dos Requerentes da ação cautelar e, bem assim, à construção do Parque Urbano de (...).

Atenta a urgência da situação aqui em crise, ao abrigo do disposto no n.° 3 do artigo 35.° da Lei n.° 75/2013, de 12 de setembro, não sendo possível reunir extraordinariamente a Câmara Municipal, o Presidente pratica o presente ato, ficando o mesmo sujeito a ratificação na primeira reunião realizada após a sua prática (…)”.
2) Na sequência de tal resolução, foram praticados actos no respectivo procedimento expropriativo, nomeadamente:
a) a aprovação da proposta do dia 15 de Junho de 2020 de abertura de concurso para a construção do Parque Urbano de (...) nos terrenos em causa;
b) pedido e a nomeação de perito;
c) a marcação de vistoria ad perpetuam rei memoriam;
d) a realização de vistoria ad perpetuam rei memoriam;
e) a tomada de posse do terreno dos Requerentes;
f) a realização de relatório complementar à vistoria ad perpetuam rei memoriam – cf. documento n.º 1 junto com o requerimento apresentado pelos Requerentes em 06/07/2020 e documento n.º 1 junto com o requerimento apresentado pelos Requerentes em 18/09/2020, ora em causa.
3) Em 06/07/2020, os Requerentes suscitaram o incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida praticados pelo Requerido no âmbito da matéria a que respeitam estes autos cautelares, pedindo que fosse “declarada a ineficácia dos atos de execução indevida, designadamente:
a) a aprovação da proposta do dia 15 de junho de 2020 de abertura de concurso para a construção do Parque Urbano de (...) nos terrenos respeitantes ao ato aqui em causa,
b) o pedido e a nomeação de perito, bem como a marcação de vistoria ad perpetuam rei memoriam” cf. fls. 1361-1374 do SITAF.
4) Em 09/09/2020, este Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferiu decisão nos termos da qual deferiu o incidente deduzido pelos Requerentes de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida praticados pelo Requerido e, em consequência, declarou a ineficácia dos actos de execução indevida (a aprovação da proposta do dia 15 de Junho de 2020 de abertura de concurso para a construção do Parque Urbano de (...) nos terrenos respeitantes ao acto suspendendo, o pedido e a nomeação de perito e a marcação de vistoria ad perpetuam rei memoriam) cf. fls. 1424 a 1437 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5) Em 18/09/2020, vieram os Requerente deduzir o incidente aqui em causa – cf. fls. 1443 a 1518 do SITAF.
Sobre o direito, o tribunal “a quo”, depois de um enquadramento geral e de lembrar quais os termos de fundamentação da anterior decisão de 09/09/2020, verteu o seguinte:
«(…)

A decisão proferida em 09/09/2020, ao julgar improcedentes as razões em que se fundamenta a referida resolução fundamentada, impõe a aplicação da regra de proibição de prossecução de execução do acto administrativo cuja suspensão se pretende (primeira parte do n.º 1 do artigo 128.º do CPTA), considerando-se indevida tal execução (n.º 3 do artigo 128.º do CPTA).

Assim sendo, tendo este Tribunal, no despacho proferido em 09/09/2020 (que aqui se dá por integralmente reproduzido), julgado improcedentes as razões em que se fundamenta a Resolução Fundamentada apresentada nos autos e considerando ainda que o recurso interposto da decisão em causa tem efeito meramente devolutivo (artigo 143.º, n.º 2, alínea b), do CPTA), impõe-se conceder provimento ao presente incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, com a consequente declaração de ineficácia dos actos de execução indevida praticados pelo Requerido ora em causa, a saber: a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam, a tomada de posse do terreno dos Requerentes e a realização de relatório complementar à referida vistoria ad perpetuam rei memoriam.
(…)».

No repisar de razões não tem o recorrente guarida.

Importa-se para aqui o que já se expressou com relação ao anterior incidente.
Por isso mesmo também não impressiona argumento de chamada de atenção ao decidido por final na providência.

É o próprio recorrente que lembra na sua oposição ao incidente que “De acordo com a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte2 [2 Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no âmbito do processo nº 01205/07.9BEVIS-A, de 14.02.2008, disponível em www.dgsi.pt.], o Tribunal, no momento em que decide sobre a eficácia ou ineficácia dos atos de execução praticados ao abrigo da “resolução fundamentada”, não tem de tomar em consideração o “periculum in mora”, o “fumus boni iuris”, nem sequer tem que proceder a uma ponderação dos interesses públicos e privados em questão, mas apenas deve verificar se aquela Resolução existe, se a mesma foi emitida dentro do prazo legal e se está fundamentada no sentido de demonstrar e provar que o diferimento da execução (que é a regra geral) seria gravemente prejudicial (e não apenas maçador, inconveniente ou até simplesmente prejudicial) para o interesse público.”.
*
O recurso quanto à decisão final da providência.
O tribunal “a quo” recusou a suspensão da eficácia da declaração de utilidade pública da expropriação com carácter urgente e tomada de posse administrativa, aprovada pela Assembleia Municipal de (...), mediante deliberação datada de 27/02/2020.
Julgou indiciariamente provados os seguintes factos:
1) O prédio rústico situado no Lugar da (...), em S. (...), encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de (...), sob o n.º 4423, e inscrito na matriz sob o n.º 1354, a favor de R., A., P., F., R., F. e de F., ora Requerentes, e de J. – cf. documento n.º 1 junto aos autos com o requerimento inicial.
2) G., J. e G., também Requerentes no presente processo cautelar, são os únicos herdeiros de J., falecido em 26/01/2020 – cf. documentos n.ºs 2 e 3 juntos aos autos com o requerimento inicial.
3) Em 10/05/1999, o Município de (...) celebrou com parte dos ora Requerentes um contrato promessa, aprovado por deliberação da Câmara Municipal datada de 25/05/1999 – cf. documento n.º 9 junto aos autos com o requerimento inicial.
4) No referido contrato promessa estabeleceram-se, nomeadamente, as seguintes cláusulas:
“Primeira: Os Primeiros Outorgantes são donos e legítimos possuidores do prédio, sito na Freguesia de (...) ((...)), com área total de 22.539,9m2, inscrito na matriz rústica sob o n.º 1354 e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 7433, fls. 187 do livro (...), devidamente demarcado na planta anexa que vai anexa a este contrato e dele se considera fazer parte integrante.
Segunda: O terreno descrito na cláusula anterior localiza-se, de acordo com o P.D.M., parte com 19.619,7 m2 em Área Predominantemente Residencial Nível 1 e a restante parte com 2.923,2 m2 em Área de Equipamento Estruturante, resultando a capacidade construtiva total de 25.505,6 m2 pela aplicabilidade do regulamento do P.D.M., nos termos do qual a Câmara Municipal de (...) se compromete a autorizar o processo de loteamento de que o referido terreno vai ser objecto.
Terceira: A Câmara Municipal de (...), para a construção da Biblioteca, precisa de ocupar parte da parcela de terreno propriedade dos primeiros outorgantes, com área de aproximadamente 7.210m2, a destacar do prédio atrás mencionado e que se encontra com trama de cor de laranja na planta topográfica anexa a este contrato e que dele se considera fazer parte integrante.
Quarta: Para esse efeito e feitas as necessárias negociações, os Primeiros Outorgantes prometem ceder à Câmara Municipal a parcela de terreno referida na cláusula anterior para a construção da referida Biblioteca e acesso, na condição de a área ora cedida ser deduzida na área total que vieram a ser obrigados a ceder nos termos do artº 22 do regulamento do P.D.M. e da Portaria 1.182/92, em resultado da operação de loteamento que seja efectuada no terreno sobrante de acordo com o DL 448/91 de 29 de Novembro.
Quinta: A Câmara Municipal de (...) toma posse da parcela referida neste contrato, logo que este seja assinado pelos Primeiros Outorgantes, podendo utilizá-la para os fins previstos.
Sexta: A Câmara Municipal de (...) e os Primeiros Outorgantes acordam ainda em permutar as parcelas de terreno devidamente demarcadas na planta anexa sob as referência A1 (trama de cor azul escuro) e A2 (trama de cor azul claro) com as áreas, respectivamente, de 449,5m2 e 336,3m2 ficando doravante a ser propriedade da Câmara Municipal de (...) a parcela designada por A1 e de propriedade dos Primeiros Outorgantes a parcela designada por A2 (…)”– cf. documento n.º 9 junto aos autos com o requerimento inicial.
5) Em 16/06/2003, foi celebrada escritura de doação entre parte dos ora Requerentes e o ora Requerido, onde se previu que: “o prédio ora doado será destinado à construção da Biblioteca Municipal, na condição de a área ser sete mil duzentos e dez metros quadrados, ora doada, ser deduzida da área total que vierem a ser obrigados a ceder nos termos do art.º 23.º do Regulamento de Urbanização de (...) e do art.º 22 do Regulamento do P.D.M. bem como da Portaria n.º 1136/2001, de 25 de setembro, em resultado da operação urbanística que venha a ser efectuada no terreno sobrante de acordo com o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na sua redacção actual. (…) Que, a Câmara Municipal de (...), compromete-se a autorizar para o terreno sobrante, a capacidade construtiva total de vinte e cinco mil quinhentos e cinco vírgula seis metros quadrados, resultante do Plano de Urbanização em vigor” – cf. documento n.º 10 junto aos autos com o requerimento inicial.
6) Em 13/02/2007, pelo 3.º Juízo Cível do Círculo Judicial de (...), foi proferida sentença, no âmbito da acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, sob o n.º 1051/2001, intentada por C.e outros contra alguns do ora Requerentes, na qual aqueles peticionaram: “a) seja declarado e reconhecido que o terreno sito no Lugar da (...), S. (...), confrontando actualmente de norte com P. e Escola Preparatória e Secundária, de sul com estrada, de nascente com Auditório Municipal e estrada, e de poente com estrada, assinalado a vermelho na planta junta aos autos como documento n° 14, constituía o denominado “Campo da Porta”, que em 1953 integrava ainda, com outros, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n° 17679, a fls 75, verso, do Livro (...); b) esse terreno, denominado “Campo da Porta”, foi, com outros, objecto de venda de J. a D., integrando um prédio rústico denominado como “Castanheiro”, que o D. inscreveu como sua propriedade, com o n° 7433, a fls 187, do Livro (...), da respectiva Conservatória do Registo Predial, extractado a 18 de Novembro de 1999 para a ficha n.º 04423/181199-(...), com o artigo matricial n.º 1354; c) posteriormente, por negócio não oneroso (sucessão hereditária), esse terreno denominado “Campo da Porta”, ficha 04423, de (...), foi transmitido aos ora réus; d) a venda referida em b) e a posterior transmissão aos réus é nula por aplicação das normas consagradas nos artigos 892° e 291°, ambos do Código Civil; e) ) Sejam canceladas as inscrições de propriedade existentes a favor do D. e actualmente dos réus, relativamente ao prédio agora descrito na ficha n° 04423 de (...), com o artigo matricial 1354°; f) Seja reconhecido e declarado que os autores são proprietários do prédio descrito em a), por o haverem adquirido por usucapião, em comum e com uma quota de 1/9 de 50% cada um dos 8 primeiros autores, metade de 1/9 de 50% cada um dos 9o e 10° autores, e 1/8 de 50% a 11a autora; g) Os réus sejam condenados a reconhecer os autores como proprietários, nos termos referidos em f)” – cf. documento n.º 7 junto aos autos com o requerimento inicial.

7) Na sentença referida no ponto anterior foi decidido:
“Pelo exposto,
I- Julgo a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência, declaro que o terreno assinalado a vermelho na planta junta aos autos a fls 76, como documento n° 14, constituía o denominado “Campo da Porta”; II- Julgo a presente acção improcedente na parte restante” – cf. documento n.º 7 junto aos autos com o requerimento inicial.
8) Em 15/01/2016, pela Instância Central da 1.ª Secção Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi proferida sentença no âmbito do processo n.º 1568/09.1TBGDM, intentado por C. e outros contra parte dos ora Requerentes, no qual aqueles peticionaram: que: “1- Seja a presente acção havida por procedente e provada e, por via dela: 2 – Sejam os AA e Chamados Declarados proprietários do indicado “Campo da Porta”. Cuja implantação corresponde sensivelmente ao demarcado a vermelho no Doc. n.º 13 e igualmente ao demarcado a vermelho na fotografia junta como doc. n.º 25, cujas actuais confrontações são as seguintes: Norte Escola Preparatória e Secundária e terrenos de “P.” de Noroeste (na parte junto à rotunda assinalado a amarelo) com terreno de herdeiros de A.; de Oeste Avenida (…) do Sul com a Rua (…), Sudeste Largo (…) e de Leste com a Avenida (…) e Auditório Municipal de (...). 3 – Seja declarado nulo o registo de inscrição de Propriedade a favor dos RR; 4 – Seja reconhecido e declarado que o prédio em causa nestes autos é o prédio registado a favor dos RR., ou seja, o prédio descrito com o n.º 04423, da Freguesia de (...);
Subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, quanto a tais pedidos, pedem que:
III. Seja declarado nulo o registo supra referido e o mesmo cancelado” – cf. documento n.º 8 junto aos autos com o requerimento inicial.
9) Na sentença referida no ponto anterior decidiu-se o seguinte: “Nestes termos, julgando a acção improcedente, por não provada, absolvo os RR do pedido, bem comos os AA/ Reconvindos do pedido reconvencional por, igualmente, se julgar o mesmo improcedente, por não provado” – cf. documento n.º 8 junto com o requerimento inicial.
10) Inconformadas, as partes que figuravam como autores no processo n.º 1568/09.1TBGDM, interpuseram recuso de apelação da sentença proferida em 15/01/20216, que veio a ser julgado por acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 15/09/2016, no qual se decidiu:
“Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar os recursos do seguinte modo:
A] Julgar parcialmente procedente o recurso da decisão proferida no despacho saneador sobre a excepção de caso julgado e, em consequência, julgar verificada a
excepção do caso julgado com excepção apenas da parte relativa ao pedido de declaração de nulidade do registo predial, absolvendo os réus da instância no que concerne aos restantes pedidos e, em relação a estes, anulando os actos processuais subsequentes, incluindo a sentença na parte em que conheceu do mérito destes pedidos.
B] Julgar improcedente o recurso da sentença (na parte conhecida, relativa ao pedido de nulidade do registo) e, em consequência, confirmar (nessa parte) a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de declaração da nulidade do registo” – cf. documento n.º 8 junto com o requerimento inicial.
11) No âmbito do processo n.º 1568/09.1TBGDM, foi ainda proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 30/03/2017, no qual se decidiu:

“IV – Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento parcial ao recurso de revista e assim:
a) Confirma-se o acórdão recorrido na parte em que considerou verificada a excepção de caso julgado quanto ao pedido de declaração de contitularidade do direito de propriedade apresentado pelos primeiros elementos dos 1º a 9º subgrupos de co-AA e de ambos os elementos do 10º sub-grupo de co-AA;
b) Revoga-se o acórdão recorrido na parte em que decretou a absolvição da instância com respeito às pretensões deduzidas pelos segundos elementos dos 2º, 3º, 5º, 7º, 8º e 9º sub-grupos de Co-AA e aos intervenientes principais (11º sub-grupo de co-AA);
c) Determina-se a remessa dos autos à Relação para que, relativamente aos elementos referidos na anterior al. b) sejam apreciadas as questões que ficaram prejudicadas pela resposta que a Relação deu à excepção dilatória de caso julgado;
d) Considera-se prejudicada por agora a apreciação da revista na parte respeitante ao pedido de declaração de nulidade do registo predial que foi formulado contra todos os co-AA” – cf. documento n.º 8 junto aos autos com o requerimento inicial.
12) Ainda no âmbito do processo n.º 1568/09.1TBGDM foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, em 12/10/2017, no qual se decidiu: “Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso dos autores improcedente e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a sentença recorrida na parte cuja reapreciação aqui foi feita” – cf. documento n.º 8 junto aos autos com o requerimento inicial.
13) Após, no mesmo processo n.º 1568/09.1TBGDM, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 22/03/2018, no qual se decidiu: “IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando, ainda que por via não inteiramente coincidente, o acórdão recorrido” – cf. documento n.º 8 junto aos autos com o requerimento inicial.
14) Quanto à decisão referida no ponto anterior as partes que figuravam como autores no processo n.º 1568/09.1TBGDM deduziram pedido de arguição de nulidade, invocando nulidades, erros de julgamento e inconstitucionalidades – cf. documento n.º 8 junto aos autos com o requerimento inicial.
15) Por acórdão exarado em 17/05/2018, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o incidente deduzido – cf. documento n.º 8 junto aos autos com o requerimento inicial.
16) Relativamente a este último aresto, bem como ao exarado em 22/03/2018, interpuseram as partes que figuravam como autores no processo n.º1568/09.1TBGDM recurso de constitucionalidade que veio a ser admitido por despacho proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 06/06/2018 – cf. documento n.º 8 junto aos autos com o requerimento inicial.
17) Por decisão sumária exarada em 09/10/2018, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do objecto do recurso – cf. documento n.º 8 junto aos autos com o requerimento inicial.
18) A decisão sumária referida no ponto anterior foi confirmada por acórdão do Tribunal Constitucional proferido em Dezembro de 2018 – cf. documento n.º 8 junto aos autos com o requerimento inicial.
19) Da descrição n.º 4423/1999118 da Conservatória do Registo Predial respeitante ao prédio identificado em 1) consta o registo de uma decisão judicial, Ap. 2989, de 10/07/2019, do seguinte teor: “Julgada a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarado que o terreno assinalado a vermelho na planta junta aos autos a fls. 76, como documento n.º 14, constituía o denominado “Campo da Porta”; b) Definitiva” – cf. documento n.º 1 junto aos autos com o requerimento inicial.
20) Em reunião de Câmara Municipal de (...) de 10/07/2019, foi deliberado aprovar a resolução de expropriar e requerer ao Secretário de Estado da Administração Local a declaração de utilidade pública da expropriação e tomada de posse administrativa de 2 (duas) parcelas de terreno, necessárias à construção do Parque Urbano de (...) – cf. documento n.º 4 junto aos autos com o requerimento inicial.
21) Em 16/01/2020, por delegação do Presidente da Câmara de (...), a Vereadora do Património emitiu “Proposta”, em suma, com o seguinte teor:

“PROPOSTA
Em reunião de câmara de 10 de julho de 2019, foi deliberado aprovar a resolução de expropriar e requerer ao Secretário de Estado da Administração Local a declaração de utilidade pública da expropriação e tomada de posse administrativa de 2 parcelas de terreno, necessárias à construção do Parque Urbano de (...).
Após remessa do processo ao Secretário de Estado, o Município foi questionado sobre se a obra em causa se destina à concretização de uma operação de reabilitação urbana e sistemática. Em caso afirmativo, e por força do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro, na sua actual redação, a individualização dos bens a expropriar compete à Câmara Municipal ou ao órgão executivo da entidade responsável e não ao Secretário de Estado.

Confirmado pelo Departamento de Planeamento Estratégico e Equipamento, que a obra se destina à concretização de uma operação de reabilitação urbana sistemática e está prevista na Ação 5.2 do respectivo PERU, carece de ser alterada a fundamentação da resolução de expropriar, aprovada em reunião de Câmara Municipal de 10 de Julho de 2019, passando ainda constar da mesma, os seguintes fundamentos:

A construção do Parque Urbano de (...), insere-se numa operação de Reabilitação Urbana (ORU) sistemática para a Área de Reabilitação Urbana (ARU) de S. (...) e na Ação 5.2 do respectivo PERU, aprovada pela Assembleia Municipal na sessão ordinária realizada no dia 27 de Setembro de 2018, sob proposta da Câmara Municipal aprovada na reunião pública realizada no dia 24 de Setembro de 2018, e publicado no DR, nº 203, II série, de 22.10.2018.

Nos termos do artigo 32.º do RJRU, a aprovação de uma operação de reabilitação urbana sistemática constitui causa de utilidade pública para efeitos de expropriação, necessária à sua execução.

De acordo com o artigo 61º do RJRU podem ser expropriados os terrenos, os edifícios e as frações que sejam necessários à execução da operação de reabilitação urbana. A expropriação por utilidade pública inerente à execução da operação de reabilitação urbana rege-se pelo disposto no Código das Expropriações, com as seguintes especificidades:
a) A competência para a emissão da resolução de expropriar é da entidade gestora, neste caso, a Câmara Municipal;
b) A competência para a emissão do ato administrativo que individualize os bens a expropriar é da câmara municipal ou do órgão executivo da entidade gestora, consoante tenha havido ou não delegação do poder de expropriação;
c) As expropriações abrangidas pelo presente artigo possuem carácter urgente.

Todavia,
Conforme resulta da informação em vigor, referente à descrição nº 4423/19991118, da Freguesia de (...), (...), sobre o prédio inscrito consta o registo de uma decisão judicial, ap. 2989, de 2019/07/10, do seguinte teor:
“Decisão:
a) Julgada a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarado que o terreno assinalado a vermelho na planta junto aos autos a fls. 76, como documento n.º 14, constituída o denominado “Campo da Porta”;
b) Definitiva”.
Ora, da referida inscrição, atento o seu conteúdo, não é possível determinar os proprietários interessados, nos termos e para os efeitos do artigo 9.º do Código das Expropriações
Por outro lado, no Regime das expropriações vigora o princípio da legitimidade aparente, conforme consta, a título meramente exemplificativo, dos Acs. A seguir parcialmente transcritos (…).
Deste modo, e quanto aos expropriados e demais interessados mantém-se se o já deliberado, em 10 de julho de 2019, sendo que os imóveis a expropriar e direitos a eles inerentes são os seguintes:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Nestes termos, propõe-se à Câmara Municipal que aprove a alteração da resolução de expropriar, nos termos da al. a) do n.º 3 do artigo 61.º do RJRU, mantendo-se quanto ao demais o deliberado em 10 de julho de 2019, bem como delibere, ao abrigo do disposto nas alíneas ee) e vv) do nº 1, do artigo 33º do anexo I â Lei n.º 75/2013 de 12 de Setembro, com as alterações posteriormente introduzidas, requerer à Assembleia Municipal:
a) A declaração de utilidade da expropriação, com carácter urgente das parcelas de terreno, melhor descritas na presente proposta e todos os direitos a ela inerentes;
b) A autorização de posse administrativa das referidas parcelas de terreno, em face do carácter de urgência atribuído na alínea c) do n.º 3, do artigo 61º, do RJRU, estando o início dos trabalhos da obra dependentes da publicação de utilidade pública urgente e, consequentemente, da tomada de posse administrativa, prevendo-se que os trabalhos se iniciam logo após esta data (…)” – cf. documento n.º 4 junto aos autos com o requerimento inicial.
22) Em 23/01/2020, a Câmara Municipal de (...) deliberou aprovar a “Resolução de expropriar e declaração de utilidade pública da expropriação e tomada de posse administrativa de duas parcelas de terreno para construção do Parque Urbano de (...) – alteração da resolução de expropriar, aprovada por deliberação de 10 de Julho de 2019 – envio à Assembleia Municipal – Proposta” – cf. documento n.º 4 junto aos autos com o requerimento inicial.
23) Em 27/02/2020, a Assembleia Municipal de (...) aprovou a declaração de utilidade pública da expropriação, com carácter urgente e tomada de posse administrativa de duas parcelas de terreno para construção do Parque de (...), onde se inclui a parcela identificada no ponto 1) deste probatório – cf. documento n.º 5 junto aos autos com o requerimento inicial.
24) Tal declaração de utilidade pública da expropriação com carácter urgente e posse administrativa das parcelas necessárias à execução do Parque de (...) (Declaração n.º 52/2020) foi publicada no Diário da República, 2.ª série, Parte H, n.º 96, de 18 de Maio de 2020 – cf. documento n.º 5 junto aos autos com o requerimento inicial.
25) O prédio identificado no ponto 1) deste probatório, alvo do processo expropriativo, encontra-se inserido na Área de Reabilitação Urbana (ARU) de São (...), que assume como principal objectivo “a melhoria do ambiente urbano através da revitalização da respectiva área de intervenção” – cf. documentos n.ºs 4 e 6 (v.g., páginas 5 e 6) juntos aos autos com o requerimento inicial.
26) O Requerido delimitou a ARU de São (...) e definiu uma estratégia de intervenção de reabilitação daquela área – o Programa Estratégico de Reabilitação Urbana (PERU) – com vista a concretizar Operação de Reabilitação Urbana (ORU) sistemática previamente aprovada – cf. documento n.º 6 junto aos autos com o requerimento inicial.
27) Na Acção 5.2 do PERU do Requerido, prevê-se instalar o Parque Urbano de (...) em terreno delimitado a azul e que se situa acima do local onde se delimita o prédio dos Requerentes – cf. página 85 do documento n.º 6 e documento n.º 4 juntos aos autos com o requerimento inicial.

Sobre o direito, o tribunal “a quo”, dando enquadramento geral e chamando à colação critério definido no art.º 120º do CPTA, adiantou que “no caso concreto, não se encontra demonstrada a verificação do pressuposto do fumus boni iuris, uma vez que da análise perfunctória que se impõe fazer nesta sede resulta que os vícios assados ao acto pelos Requerentes não se verificam, não sendo, deste modo, provável que a pretensão a formular no processo principal venha a ser julgada procedente”.
Fundamentou, assim:
«(…)
Da incompetência
Começam os Requerentes por invocar que o acto cujos efeitos pretendem suspender é ilegal porquanto foi proferido por quem não tem competência legal para decidir, pois, nos termos do Código das Expropriações, a competência para declarar a utilidade pública da expropriação dos bens imóveis e direitos a eles inerentes pertence ao membro do Governo respectivo, pertencendo apenas à Assembleia Municipal, nos termos do n.º 2 do artigo 14.º desse Código, quando a expropriação visa a concretização de plano de urbanização ou plano de pormenor eficaz, sendo que na Acção 5.2 do PERU do Requerido prevê-se instalar o Parque Urbano de (...) em terreno delimitado a azul e que se situa acima do local onde se delimita o prédio dos Requerentes.
O Requerido entende que a questão da alegada incompetência suscitada pelos Requerentes nem sequer se coloca, uma vez que o prédio se insere numa Operação de Reabilitação Urbana (ORU) sistemática, pelo que resulta evidente que a competência para emitir a declaração de utilidade pública não pertence ao membro do Governo, antes à própria Assembleia Municipal, nos termos do artigo 12, n.º 1 e 14.º, n.º 2, ambos do Código das Expropriações.
Segundo o artigo 12.º, n.º 1, do Código das Expropriações (CE), aprovado pela Lei n.º 168/99, de 19 de Setembro, “O requerimento da declaração de utilidade pública é remetido, conforme os casos, ao membro do Governo ou ao presidente da assembleia municipal competente para a emitir (…)”.
Nos termos do artigo 14.º do CE “1 - Salvo nos casos previstos no número seguinte, é da competência do ministro a cujo departamento compete a apreciação final do processo: a) A declaração de utilidade pública da expropriação dos bens imóveis e direitos a eles inerentes; b) A declaração de utilidade pública do resgate, não prevista nos respectivos contratos, das concessões ou privilégios outorgados para a exploração de obras ou serviços de utilidade pública e ainda da expropriação dos bens ou direitos a eles relativos referidos no artigo 7.º. 2 - A competência para a declaração de utilidade pública das expropriações da iniciativa da administração local autárquica, para efeitos de concretização de plano de urbanização ou plano de pormenor eficaz, é da respectiva assembleia municipal. 3 - A deliberação da assembleia municipal prevista no número anterior deverá ser tomada por maioria dos membros em efectividade de funções. 4 - A deliberação referida no número anterior é comunicada ao membro do Governo responsável pela área da administração local. 5 - O reconhecimento do interesse público requerido pelas empresas e a declaração de utilidade pública da expropriação dos imóveis necessários à instalação, ampliação, reorganização ou reconversão das suas unidades industriais ou dos respectivos acessos é da competência do ministro a cujo departamento compete a apreciação final do processo. 6 - Nos casos em que não seja possível determinar o departamento a que compete a apreciação final do processo ou que não sejam abrangidos pelo disposto nos números anteriores é competente o Primeiro-Ministro, com a faculdade de delegar no ministro responsável pelo ordenamento do território”.

Por sua vez, o artigo 61.º, n.º 3, do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU), estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro, preceitua o seguinte: “A expropriação por utilidade pública inerente à execução da operação de reabilitação urbana rege-se pelo disposto no Código das Expropriações, com as seguintes especificidades: a) A competência para a emissão da resolução de expropriar é da entidade gestora; b) A competência para a emissão do ato administrativo que individualize os bens a expropriar é da câmara municipal ou do órgão executivo da entidade gestora, consoante tenha havido ou não delegação do poder de expropriação; c) As expropriações abrangidas pelo presente artigo possuem caráter urgente” [sublinhado do Tribunal.

Ademais, estatui o artigo 32.º do RJRU, que “[a] aprovação de uma operação de reabilitação sistemática constitui causa de utilidade pública para efeitos da expropriação ou da venda forçada dos imóveis existentes na área abrangida, bem como da constituição sobre os mesmos das servidões, necessárias à execução da operação de reabilitação urbana” [sublinhado do Tribunal].

No caso concreto, resulta indiciariamente provado que o prédio dos Requerentes, alvo do processo expropriativo, se encontra inserido na Área de Reabilitação Urbana (ARU) de São (...), que assume como principal objectivo “a melhoria do ambiente urbano através da revitalização da respectiva área de intervenção” [cf. ponto 25) do probatório assente]. Mais se encontra indiciariamente provado que o Requerido delimitou a ARU de São (...) e definiu uma estratégia de intervenção de reabilitação daquela área – o Programa Estratégico de Reabilitação Urbana (PERU) – com vista a concretizar Operação de Reabilitação Urbana (ORU) sistemática previamente aprovada [cf. ponto 26) do probatório assente].

Encontrando-se o prédio dos Requerentes inserido numa ARU, para a qual foi aprovada uma operação de reabilitação urbana sistemática, e sendo a operação de reabilitação urbana sistemática a causa da expropriação, a competência para emitir a declaração de utilidade pública não pertence ao membro do Governo, competindo, antes, à Assembleia Municipal (cf. artigos 14.º, n.º 2, do CE, 32.º e 61.º, n.º 3, alíneas a) e b), do RJRU).

Efectivamente, consistindo a operação de reabilitação urbana, nos termos do n.º 3 do artigo 8.º do RJRU, “numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigida à reabilitação do edificado e à qualificação das infra-estruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização colectiva, visando a requalificação e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento público” [sublinhado do Tribunal] e considerando que, nos termos do artigo 32.º do RJRU, a aprovação de uma operação de reabilitação sistemática constitui causa de utilidade pública para efeitos da expropriação, mostra-se irrelevante se a imagem do parque urbano delimitado no PERU não corresponde ao terreno dos Requerentes, bastando, para efeitos, nomeadamente, de competência para a prática do acto em causa, que o prédio dos Requerentes se encontre devidamente identificado no PERU como um edificado em estado de degradação que exige a intervenção do Requerido, o que sucede no caso.
Improcederá, deste modo, o apontado vício de incompetência na acção principal.

Da ilegalidade alicerçada na resolução de expropriação pelo seu falso conteúdo e consequente preterição da negociação com vista à aquisição por via de direito privado

Alegam os Requerentes que inexistem interessados, pelo que o Requerido não podia ter tomado a resolução de expropriar nos termos em que o fez, pois que, antes de requerer a declaração de utilidade pública, deveria ter diligenciado no sentido de adquirir os bens por via de direito privado, nos termos do disposto no artigo 11.º do CE. Segundo alegam, o Requerido optou por uma interpretação deturpada do acto constante do registo predial, pois que, deste modo, evita o cumprimento da lei, que lhe impunha uma negociação com os proprietários do prédio, não colhendo a alegação de que sempre o poderia fazer devido ao carácter urgente porque o Requerido não atribuiu carácter urgente à expropriação.

Segundo o Requerido “a afirmação de que o Requerido não podia ter tomado a resolução de expropriação nos termos que o fez, pois que antes de requerer a declaração de utilidade pública, deveria ter diligenciado no sentido de adquirir os bens por via de direito privado, nos termos do disposto no art. 11.º do CdE não corresponde à realidade”, na medida em que o próprio artigo mencionado pelos Requerentes excepciona duas situações em que se admite que não haja lugar à aquisição por via de direito privado, sendo que o presente caso é passível de se inserir em ambas, atento disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 61.º e uma vez que, à data da resolução de expropriar, não se encontravam ainda identificados os legítimos proprietários do prédio em apreço.

O artigo 11.º, n.º 1, do CE estabelece o seguinte: “A entidade interessada, antes de requerer a declaração de utilidade pública, deve diligenciar no sentido de adquirir os bens por via de direito privado, salvo nos casos previstos no artigo 15.º, e nas situações em que, jurídica ou materialmente, não é possível a aquisição por essa via”.

O artigo 15.º do CE diz respeito à atribuição do carácter de urgência à expropriação para obras de interesse público.

Deste modo, a lei prevê duas situações em que a aquisição por via de direito privado não é exigida, a saber: (i) quando a expropriação assume carácter urgente e (ii) quando esta aquisição não seja materialmente ou juridicamente possível.

No caso concreto, como se viu supra, estamos perante uma expropriação por utilidade pública inerente à execução de operação de reabilitação urbana sistemática que, nos termos do já citado artigo 61.º, n.º 3, alínea c), do RJUR possui carácter urgente.
Por conseguinte, estamos perante uma das situações em não é exigida a aquisição por via de direito privado.

Deste modo, ainda que as acções referidas nos pontos 6) a 18) do probatório indiciariamente assente tivessem sido julgadas improcedentes e, com isso, se tivesse estabilizado a questão atinente à titularidade do direito de propriedade sobre o prédio a expropriar antes da prática do acto suspendendo, é inócua a afirmação constante da resolução de expropriar de que “Ora, da referida inscrição, atento o seu conteúdo, não é possível determinar os proprietários interessados, nos termos e para os efeitos do artigo 9.º do Código das Expropriações”, na medida em que, atenta a natureza urgente da expropriação, sempre poderia ser preterida a negociação com vista à aquisição por via de direito privado (cf. artigo 61.º, n.º 3, alínea c), do RJUR e artigos 11.º, n.º 1 e 15.º do CE).

Pelo exposto, atenta a sua natureza urgente, não padece a resolução de expropriar de “nulidade”, por ter sido preterida a negociação com vista à aquisição por via de direito privado, devido a, nomeadamente, conter “afirmações que não correspondem à verdade e que deveriam ter sido reconhecidas porque constantes de registo oficial inequívoco”.

Improcederá, pois, o apontado vício na acção principal.

Da ilegalidade alicerçada na resolução de expropriação pelo seu insuficiente conteúdo e violação de contrato administrativo

Alegam os Requerentes que no cálculo de custos com a expropriação do seu prédio o Requerido não considerou o ónus que sobre ele pende, em virtude de contrato promessa celebrado entre Requerentes e Requerido, em 1999. Entendem, assim, que o conteúdo da resolução de expropriar não cumpre as exigências legais constantes do artigo 10.º do CE, pelo que é ilegal, ilegalidade que levou a Assembleia Municipal a deliberar sem conhecer dos reais custos que a expropriação em causa implicará.
O Requerido entende que, contrariamente ao que os Requerentes afirmam, na resolução de expropriar consta a previsão do montante dos encargos a suportar com a expropriação, o qual, nos termos do n.º 4 do artigo 10.º do CE, tem por base a quantia determinada em sede de avaliação, documentada por relatório, efectuada por perito da lista oficial. Mais alega que obrigação alguma existe para que, na fase em que se realiza a avaliação do prédio, se atenda a um índice de construção que já não corresponde à realidade do prédio em causa, sendo certo que tal questão não merece sequer ser discutida na fase em que nos encontramos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do CE “A resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação deve ser fundamentada, mencionando expressa e claramente: a) A causa de utilidade pública a prosseguir e a norma habilitante; b) Os bens a expropriar, os proprietários e demais interessados conhecidos; c) A previsão do montante dos encargos a suportar com a expropriação; d) O previsto em instrumento de gestão territorial para os imóveis a expropriar e para a zona da sua localização” [sublinhado do Tribunal].
Por sua vez, o n.º 4 do artigo 10.º do CE determina que “A previsão dos encargos com a expropriação tem por base a quantia que for determinada previamente em avaliação, documentada por relatório, efectuada por perito da lista oficial, da livre escolha da entidade interessada na expropriação”.

Resulta do probatório indiciariamente assente, em concreto do ponto 21), que na resolução de expropriar consta a previsão do montante dos encargos a suportar com a expropriação, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea c) e n.º 4, do CE.

Acresce que não cumprirá conhecer na acção administrativa com vista a obter a declaração de nulidade ou a anulação da deliberação da Assembleia Municipal que declarou a utilidade pública da expropriação com carácter urgente e posse administrativa da sua propriedade a questão respeitante ao alegado ónus que impende sobre o Requerido, em virtude do contrato promessa assinado em 1999, e à eventual necessidade desse ónus ser considerado no computo do valor da indemnização a atribuir em virtude da expropriação do prédio em causa. Como refere o Requerido em sede de oposição, a acção administrativa em causa não é o meio próprio para contestar o valor indemnizatório proposto, uma vez que a lei prevê mecanismos específicos para o efeito nos artigos 33.º e seguintes e 38.º e seguintes do CE.

Deste modo, considerando que na resolução de expropriar consta a previsão do montante dos encargos a suportar com a expropriação, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea c) e n.º 4, do CE, e que, no fundo, os Requerentes se insurgem apenas contra a indemnização proposta pelo Requerido em virtude da expropriação, e que a acção principal de que este processo depende não é o meio próprio para o efeito, conclui-se que tal acção não poderá proceder por “ilegalidade alicerçada na resolução de expropriação pelo seu insuficiente conteúdo e violação de contrato administrativo”.

Pelo que improcederá também o referido vício na acção principal.

Da ilegalidade pela ausência da fundamentação do carácter de urgência atribuído

Alegam os Requerentes que a resolução de expropriar não contém o fundamento para os seus pressupostos de urgência, sendo que não se aplica o RJRU porque o terreno a expropriar não se enquadra na Acção 5.2 do PERU e, por outro lado, ainda que assim não fosse, o disposto no artigo 61.º não afasta a aplicação da regra geral do artigo 15.º do CE, quando este exige a fundamentação da alegada urgência (um projecto de reabilitação urbana, por si só, não justifica uma expropriação urgente, o que, aliás, é o caso, já que não está em causa uma reabilitação de imóveis que constituam perigo ou sejam de fundamental importância para a vida dos cidadãos, mas tão só um parque urbano).
Segundo o Requerido, o carácter urgente da expropriação é, neste caso, imperativo, atento o disposto nos artigos 32.º e 61.º, n.º 3, alínea c), do RJRU, não carecendo de qualquer fundamentação acrescida por parte do órgão municipal.

Adiante-se, desde já, que, em parte pelas razões já adiantadas supra, se entende que não assiste, também nesta parte, razão aos Requerentes.

Efectivamente, o artigo 15.º do CE, no seu n.º 2, determina que “A atribuição de carácter urgente à expropriação deve ser sempre fundamentada (…)”.

O que sucede é que, como se referiu supra, o prédio dos Requerente está inserido numa área de reabilitação urbana em relação à qual foi aprovada uma operação de reabilitação urbana sistemática, sendo que, nos termos do já mencionado artigo 32.º do RJRU, a aprovação de uma operação sistemática de reabilitação urbana sistemática constitui causa de utilidade pública para efeitos de expropriação. Acresce que, como também já se mencionou, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 61.º do RJRU, as expropriações por utilidade pública inerentes à execução da operação de reabilitação urbana têm carácter urgente.

Deste modo, o carácter urgente da expropriação por utilidade pública inerente à execução de operação de reabilitação urbana resulta ope legis e é, aliás, imperativo, não havendo, nestes casos, necessidade de órgão municipal fundamentar o (pela lei imposto) carácter urgente da expropriação.

Assim sendo, o artigo 15.º, n.º 2, do CE não foi violado.

Por conseguinte, improcederá igualmente tal vício na acção principal.

Da ineficácia do acto

Por último, invocam os Requerentes que o acto cujos efeitos pretendem suspender é ineficaz, pois as deliberações dos órgãos colegiais só se tornam eficazes depois de aprovadas as respectivas actas ou depois de assinadas as minutas, nos termos do n.º 6 do artigo 34.º do CPA, sendo que no caso do acto administrativo ora posto em crise, uma deliberação de um órgão colegial (a Assembleia Municipal de (...)), estes dois requisitos de eficácia não se verificam.

Alega o Requerido, por sua vez, que bem sabem os Requerentes que da reunião da Assembleia Municipal em que se discutiu a questão em apreço foi lavrada a respectiva minuta de acta, tendo a mesma sido assinada em 27/02/2020.

Quanto a esta questão, por um lado, cumpre relembrar que os Requerentes referem que o requerimento cautelar é apresentado previamente à instauração de acção administrativa com vista a obter a declaração de nulidade ou a anulação da referida deliberação da Assembleia Municipal que declarou a utilidade pública da expropriação com carácter urgente e posse administrativa da sua propriedade (artigo 8.º do requerimento inicial) e, por outro lado, cabe realçar que, tal como os próprios Requerentes afirmam, o que está em causa no artigo 34.º, n.º 6, do CPA é uma condição de eficácia, e não uma condição de validade dos actos.

O que vem dito basta para se afirmar que o acto suspendendo nunca poderá ser anulado/declarado nulo por falta de aprovação da respectiva acta ou de assinatura da minuta, precisamente, porque estamos perante requisitos de eficácia e não de validade do acto.
Deste modo, a acção principal tendente à declaração de nulidade ou à anulação do acto administrativo nunca poderá proceder devido a (eventual) ineficácia do acto administrativo.
*
Pelo exposto, não tendo os Requerentes conseguido demonstrar a existência de qualquer invalidade que possa vir a determinar a anulação/declaração de nulidade do acto suspendendo, a presente providência cautelar tem necessariamente que improceder, pois não está demonstrada a aparência de bom direito, na sua formulação positiva, por não se mostrar provável que a pretensão a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (ficando, deste modo, prejudicada a apreciação dos requisitos do periculum in mora e da ponderação dos interesses públicos e privados em presença).
(…)».
A matéria de facto.

O tribunal “a quo” motivou que “A decisão da matéria de facto indiciariamente provada assentou no acordo das partes, expresso na posição assumida pelas mesmas nos respectivos articulados, e na análise dos elementos documentais constantes dos autos e do processo administrativo especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório indiciariamente assente, salientando-se, a esse respeito, que os mesmos não foram impugnados.”.

Os recorrentes mostram inconformismo com “as passagens de factos concretos constantes dos itens dos factos provados nºs 25 e 27 (…) por não terem resultado da prova produzida.”.
Avançam que “Só por lapso se pode afirmar que o terreno a expropriar, dos Recorrentes, está integrado na área a intervir prevista nos documentos n.ºs 4 e 6 (páginas 5 e 6 e 85) juntos aos autos com o requerimento inicial”.
Sustentam como “evidência que o terreno destacado na página 85 do documento n.º 6, não é o terreno dos Recorrentes”; “Confrontada a planta que consta do documento n.º 2 (carta elaborada pelo Requerido) com o mapa que consta da página 85 do PERU (doc. N.º 6), verifica-se que o terreno em causa na expropriação fica mais à direita do terreno que ali, no PERU, se pretendia intervir.”.

Mas é uma leitura que se não impõe.

Recorde-se que, sequencialmente foi este o enunciado de prova:
25) O prédio identificado no ponto 1) deste probatório, alvo do processo expropriativo, encontra-se inserido na Área de Reabilitação Urbana (ARU) de São (...), que assume como principal objectivo “a melhoria do ambiente urbano através da revitalização da respectiva área de intervenção” – cf. documentos n.ºs 4 e 6 (v.g., páginas 5 e 6) juntos aos autos com o requerimento inicial.
26) O Requerido delimitou a ARU de São (...) e definiu uma estratégia de intervenção de reabilitação daquela área – o Programa Estratégico de Reabilitação Urbana (PERU) – com vista a concretizar Operação de Reabilitação Urbana (ORU) sistemática previamente aprovada – cf. documento n.º 6 junto aos autos com o requerimento inicial.
27) Na Acção 5.2 do PERU do Requerido, prevê-se instalar o Parque Urbano de (...) em terreno delimitado a azul e que se situa acima do local onde se delimita o prédio dos Requerentes – cf. página 85 do documento n.º 6 e documento n.º 4 juntos aos autos com o requerimento inicial.

Não converge qualquer confusão entre o espaço delimitado a azul sinalizado como previsão de instalação do Parque Urbano de (...) e o imóvel dos requerentes; esse outro, distinguiu bem o tribunal “a quo”, é “em terreno delimitado a azul e que se situa acima do local onde se delimita o prédio dos Requerentes”.

A leitura dos recorrentes estaria correcta caso fosse de absoluta premissa que seria na representação da dita delimitação a azul que se esgotaria o intento expropriativo, deixando de fora à serventia da recuperação urbana outros terrenos.

Mas não é assim, e pelo contrário.


Incólume está que:
22) Em 23/01/2020, a Câmara Municipal de (...) deliberou aprovar a “Resolução de expropriar e declaração de utilidade pública da expropriação e tomada de posse administrativa de duas parcelas de terreno para construção do Parque Urbano de (...) – alteração da resolução de expropriar, aprovada por deliberação de 10 de Julho de 2019 – envio à Assembleia Municipal – Proposta” – cf. documento n.º 4 junto aos autos com o requerimento inicial.
23) Em 27/02/2020, a Assembleia Municipal de (...) aprovou a declaração de utilidade pública da expropriação, com carácter urgente e tomada de posse administrativa de duas parcelas de terreno para construção do Parque de (...), onde se inclui a parcela identificada no ponto 1) deste probatório – cf. documento n.º 5 junto aos autos com o requerimento inicial.
24) Tal declaração de utilidade pública da expropriação com carácter urgente e posse administrativa das parcelas necessárias à execução do Parque de (...) (Declaração n.º 52/2020) foi publicada no Diário da República, 2.ª série, Parte H, n.º 96, de 18 de Maio de 2020 – cf. documento n.º 5 junto aos autos com o requerimento inicial.

Assim, inequívoca a identificação do terreno dos requerentes como abrangido pela expropriação, serventuário ao fim, nada se modifica no julgamento de facto.

→ O direito.
A abordagem das ilegalidades deverá, na instância cautelar, ser meramente perfunctória, de modo a não substituir, ou afectar, a liberdade de julgamento em sede de processo principal. É aí, na «acção administrativa de impugnação», que tais ilegalidades deverão ser analisadas com o requerido pormenor. Aqui, apenas se exige um juízo de probabilidade sobre o seu julgamento de procedência.” – Ac. do STA, de 11-09-2019, proc. n.º 049/19.0BALSB.

Improcedendo a pretendida modificação no julgamento de facto, esboroa o que daí os recorrentes procuram sustentar em rebate ao decidido; seja quanto à questão da competência, do recurso à via privada, ou à fundamentação da urgência (e concomitantemente ao invocado abuso de direito).
A decisão recorrida não tem tais fragilidades.

E, nada havendo mais de censura, resta a análise sumária aí feita, com discurso fundamentador que se aparenta conforme ao direito, em termos que se têm presentes e que seria fastidioso voltar a reproduzir.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento aos recursos.
*
Custas, em cada recurso: cada recorrente suporta as do seu recurso.
*
Porto, 5 de Fevereiro de 2021.


Luís Migueis Garcia
Frederico Branco
Nuno Coutinho