Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02523/14.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/26/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:PRESTAÇÃO DE GARANTIA
GARANTIA SUFICIENTE
CONCEITO
Sumário:1. Garantia idónea com aptidão para suspender o processo de execução fiscal é aquela que se mostre adequada a assegurar o pagamento da dívida exequenda e seus acréscimos legais.
2. O valor relevante dos prédios urbanos para efeitos de prestação de garantia é apurado segundo o critério legal previsto no art. 250º do CPPT, ou seja o valor patrimonial tributário apurado nos termos do CIMI.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:O..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

O..., Lda., inconformada com a sentença proferida no TAF do Porto que julgou totalmente improcedente a reclamação contra o despacho do Exmo. Chefe do Serviço de Finanças do Porto que indeferiu o pedido de prestação de garantia através de hipoteca voluntária, dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue:

i. Há erro no julgamento de facto e de direito na decisão que ora se recorre.
ii. Deve ser alterada a matéria de facto dada como provada.
iii. É claro o disposto no art.º 199.º do CPPT, ao plasmar que a garantia deve ser idónea.
iv. Tal foi considerado pela AT em resposta a requerimento da Recorrente no qual considera como condição a constituição de hipoteca sobre os prédios posteriormente hipotecados.
v. A ora Recorrente está a cumprir sem nenhum incidente o plano de pagamento em prestações.
vi. Ofereceu esta garantia de forma voluntária sobre todos os bens de que é proprietária, não sendo por isso passível pedir a dispensa de prestação da mesma, pois não reúne as condições necessárias para tal.
vii. Existia á uma aceitação expressa da garantia, bem como, o segundo despacho que a desconsidera como idónea é uma representação da má-fé da AT.
viii. Em suma: no julgamento feito pela douta sentença de fls…., o vício de erro de julgamento, que enferma a decisão de indeferimento da reclamação, resulta do Facto da sua motivação se basear em despacho da AT, documento este, que por vez, representa a clara má fé da AT e é em nada esclarecedor e nada fundamentado, não se entendendo o que leva o tribunal a quo a decidir como decidiu.
ix. Assim sendo, como é, o despacho notificado à Reclamante, indeferindo a prestação de garantia por insuficiência, quando esta foi constituída pelo valor que a própria AT anteriormente tinha indicado à Reclamante para sua constituição, e nos imóveis indicados, viola frontalmente os princípios mais básicos das relações entre a Administração e os Administrados, legal e constitucionalmente consagrados, a que a AT está especialmente vinculada, violando, nomeadamente, os princípios da colaboração, boa-fé, confiança, proporcionalidade, adequação e justiça (art. 266.º nº 1 e 2 da CRP e art. 55º e 59º da LGT), o que determina a nulidade, ou, pelo menos, anulabilidade, do despacho reclamado,
x. o mesmo se verificando quanto ao indeferimento da prestação de garantia por meio de hipoteca quando isso mesmo foi requerido pela Reclamante e nenhum entrave foi colocado pela AT - que deu resposta a tal requerimento indicando o valor que a garantia deveria assumir -o que, por constituir violação aos princípios vindos de referir, determina, igualmente, a sua nulidade, ou, pelo menos, anulabilidade, do despacho reclamado.

Nestes termos, deve o presente Recurso ser julgado procedente anulando-se a Sentença Recorrida, considerando-se revogado o despacho reclamado, com todos os efeitos legais, nomeadamente a aceitação da garantia prestada.
Decidindo em conformidade com as conclusões agora aduzidas, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, contribuirão para a realização do Direito.


CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

DISPENSA DE VISTOS.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 657º/4 CPC e artigo 278º/5 do CPPT), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, são as seguintes:
Saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto, omitindo factos que deveriam ter sido provados e se errou no julgamento de direito ao confirmar o despacho reclamado.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
1. No Serviço de Finanças (SF) de Porto foi instaurado, em 23.10.2012, o PEF n.º 3190201201130340, contra o reclamante O..., Lda., com o NIF 5… (fls. 2 e ss.);
2. A reclamante foi alvo de processo especial de revitalização que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal de Comercio de VNGaia, sob o n.º 1352/13, tendo havido acordo entre os devedores (fls. 7);
3. A Reclamante foi notificada pela ATA que a quantia exequenda fixada em €31.619,55, seria paga em 30 prestações mensais de €1.053,99, tendo aí fixado em €43.577,79 o montante da garantia a prestar (fls. 8);
4. Em resposta o Reclamante requereu à ATA a hipoteca legal dos prédios urbanos inscritos nas respectivas matrizes sob os artigos 1…-IN e 2…-CS (fls. 10 a 37)i;
5. Por despacho do OEF, de 24.09.2014, a pretensão da reclamante foi indeferida (fls. 38 e ss.);
6. Do referido despacho consta que a garantia a prestar para efeitos de suspensão é no montante de €43.577,79 e que da certidão da CRP resulta que sobre o artigo 3…, fracção IN existe uma hipoteca voluntária constituída, no montante de €1000.000,00 e sobre a fracção CS uma hipoteca voluntária no montante de €175.000,00, não constando qualquer cancelamento das mesmas. Mais se refere que sobre os imóveis oferecidos em garantia existem garantias reais anteriores à hipoteca a favor da ATA e que pela devedora não foi requerida a aceitação de hipoteca a favor da ATA para que houvesse pronúncia sobre a concordância. Ali se conclui que não estão reunidos os requisitos para que seja aceite a hipoteca constituída;
7. Deste despacho o reclamante deduziu a presente reclamação;
8. Sobre a fracção IN existe uma hipoteca voluntária constituída, no montante de €100.000,00 (fls. 15 e ss.);
9. Sobre a fracção CS existe uma hipoteca voluntária no montante de €175.000,00 (fls. 15 e ss.).
10. A fracção IN tem o valor tributável de €64.490,00 (fls. 15);
11. A fracção CS tem o valor tributável de €58.788,80 (fls. 5).
*
Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa não houve.
*
MOTIVAÇÃO.
O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74.º, n.º 1, da LGT).
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art. 516.º do CPC).
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise conjugada e crítica dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)), nomeadamente, aqueles para os quais se remete no probatório.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa.


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A reclamante, ora recorrente, é parte em Processo Especial de Revitalização que correu termos no 2º juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, no qual interveio a ATA como credora.
No âmbito do Plano de Recuperação, foi proposto que seriam constituídas garantias idóneas e suficientes nos termos do artigo 199º do CPPT – segunda hipoteca voluntária sobre bens imóveis (U-3327 e U-4660).
O PER foi aprovado por 100% dos votos emitidos, e homologado por sentença de 9/7/2014.
A reclamante apresentou então, perante o órgão de execução fiscal, pedido de deferimento de prestação da garantia.
O órgão de execução fiscal notificou a reclamante para apresentar garantia suficiente, nomeadamente juntar aos autos respectivo instrumento legal – hipoteca voluntária sobre os imóveis referidos na acta do PER.
A reclamante constituiu hipoteca (segunda) sobre os imóveis a favor da ATA que comprovou nos respectivos autos de execução fiscal.
O Exmo. Chefe do Serviço de Finanças do Porto indeferiu o pedido de aceitação de garantia, por despacho de 24/9/2014.
A reclamante impugnou este despacho.
A MMª juiz do TAF do Porto julgou totalmente improcedente a reclamação
Sentença com a qual a recorrente se não conforma.

Antes de passarmos à análise do presente recurso, ao abrigo do disposto no art. 662º/1 do CPC, adita-se à matéria de facto os seguintes factos:

12. Na «acta de reunião com a gerência – votações» realizada em 5/5/2014 foi deliberado, entre o mais, que
“…Serão constituídas garantias que se consideram idóneas e suficientes nos termos do disposto no art.° 199° do CPPT- segunda hipoteca voluntária sobre os bens imóveis que a seguir se indicam (Decreto-Lei n.° 54/75 de 12 de Fevereiro) – sendo que o apuramento da sua idoneidade e suficiente será apurado pelo respetivo órgão de execução fiscal, dentro do mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.º 5 do art. 17º-D do CIRE:
a. O prédio urbano (…) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3327 …
b. O prédio urbano (…) inscrito na matriz predial sob o artigo 4660…” (fls. 117 que constitui documento n.º 9 junto com a petição inicial)
13. A reclamante endereçou ao Exmo Director de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários requerimento no qual requer o deferimento da prestação de garantia mediante segunda hipoteca voluntária sobre os imóveis supra identificados, referindo, entre o mais, que o apuramento da idoneidade e suficiente será apurado pelo respectivo órgão de execução fiscal, dentro do mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D do CIRE (fls. 124).
14. Através do ofício n.º 8354/3190-30 de 13/8/2014 a reclamante foi notificada do valor da dívida exequenda, o número de prestações autorizadas, o valor de cada prestação e o valor para efeitos de garantia.
Mais se dizia no ofício para “…no prazo de 15 dias a contar da presente notificação apresentar garantia idónea no valor supra indicado, calculada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora e custas na totalidade, contados até à data do pedido, acrescidos de 25 % da soma daqueles valores, salvo se já tiver sido constituída (garantia ou penhora) suficiente nomeadamente juntar aos autos respectivo instrumento legal – hipoteca voluntária sobre os imóveis referidos na acta do PER (…)
A reclamante era advertida no parágrafo seguinte de que “A suspensão do processo apenas ocorrerá a partir da data da sua apresentação, se a mesma se mostrar suficiente…”. (fls. 127)

Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto.
A recorrente imputa à sentença erro de julgamento da matéria de facto defendendo que a sentença omite dos factos provados, factos essenciais que devem ser considerados provados para a decisão da causa (artigo 19º das doutas alegações).

Esses factos são os seguintes:
1. A Recorrente é parte em Processo Especial de Revitalização que corre os seus termos no 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia sob o n.º 352/13.STYVNG.
2. No âmbito do qual a Fazenda Pública/Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou a sua reclamação de créditos, peticionando a quantia de 33.627,67 € (Trinta e três mil seiscentos e vinte e sete euros e sessenta e sete cêntimos).
3. Por comunicação recepcionada em 12/12/2013 a Autoridade Tributária e Aduaneira manifestou à Reclamante a sua disponibilidade para participar nas negociações a realizar no âmbito do mencionado processo.
4. No âmbito das negociações, e como proposta de pagamento de pagamento aos seus credores, a Recorrente apresentou o Plano de Recuperação.
5. Cuja primeira versão veio a colher o voto desfavorável da Autoridade Tributária e Aduaneira.
6. Tendo a Recorrente, em consequência, apresentado proposta de alteração do plano de recuperação.
7. Em face da qual a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou “votação favorável do mesmo, visto prever o pagamento do crédito reclamado pela Fazenda Nacional) segundo o regime jurídico definido para a regularização das dívidas fiscais.”
8. No âmbito do mencionado Plano de Recuperação foi proposto que seriam constituídas garantias que se consideram idóneas e suficientes nos termos do disposto no artigo 199º do CPPT - segunda hipoteca voluntária sobre bens imóveis que a seguir se indicam (Decreto Lei n. 54/75 de 12 de Fevereiro) — sendo que o apuramento da sua idoneidade e suficiente seria apurado pelo respetivo órgão de execução fiscal, dentro do mês seguinte ao términos do prazo previsto no nº 5 do artigo 172-D do CIRE:
a. O prédio urbano, sito na rua …, 1…, 4470-214 Maia, freguesia de Cidade da Maia, concelho da Maia, Descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo nº 1… - lN e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3…, com o valor patrimonial de 69.417,44€.
b. O prédio urbano, sito na Rua…, 4…., 4440-652 Valongo, freguesia de Valongo, concelho de Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o nº 2… - CS e inscrito na matriz predial sob o artigo 4660, com o valor patrimonial de 60.552,46€.
9. O Plano de Recuperação da Recorrente foi aprovado por 100% dos votos emitidos.
10. O qual veio a ser homologado por sentença proferida em 09/07/2014, pelo 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia.
11. Em consequência, a Recorrente nos termos do disposto no art. 197.º nº 1 e 2 e 9 do art.º 199.º do CPPT, requereu ao Órgão de Execução Fiscal o deferimento da prestação de garantia nos termos indicados e aprovados no Plano de Recuperação.
12. Tendo sido notificada pelo Órgão de Execução Fiscal - Serviço de Finanças Porto 5 - do ofício n.º 8354/3190-30 de 13/08/2014.
13. Nos termos do qual a Reclamante foi notificada para “apresentar garantia idónea no valor supra indicado, calculada pelo valor da divida exequenda, juros de mora e custas no totalidade, contados até à data do pedido, acrescidos de 25 % da soma daqueles valores, salvo se já tiver sido constituída (garantia ou penhora) suficiente nomeadamente juntar aos autos respectivo instrumento legal — hipoteca voluntária sobre os imóveis referidos na acta da PER.” (realce nosso).
14. Em cumprimento do citado oficio, a Reclamante, por escritura pública de Hipoteca outorgada em 02/09/2014, no Cartório Notarial Laurinda Gomes, a fls. 38 a 39 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.° 189, constituiu a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira — Direcção de Finanças do Porto, Serviço de Finanças de Porto-5 hipoteca sobre os mencionados imóveis.
15. A qual foi objecto de registo na Conservatória do Registo Predial competente em todos os imóveis ali indicados.
16. Tendo em consequência, a Recorrente, comprovado nos Autos de Execução Fiscal o cumprimento total do ordenado no ofício que lhe ordenava a prestação de garantia.

No dizer da recorrente, estes factos devem considerar-se provados documentalmente, em face dos documentos anexos à Reclamação (artigo 20º das alegações).

De acordo com o disposto no art.º 640.º/1 do CPC, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Como refere Abrantes Geraldes a propósito desta norma (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, a págs.132) sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além das especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos (…); e) O recorrente deixará expressa a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto (…)».

E como também assinala o ac. do TCAS n.º 07813/14 de 10-07-2014 Relator: BENJAMIM BARBOSA (ii) O erro de julgamento em matéria de facto pode resultar de errada apreciação do material probatório que contamina a fixação da materialidade fáctica relevante para a decisão, ou emergir da desacertada interpretação dessa materialidade.
(iii) No primeiro caso o erro consubstancia-se numa indevida utilização da livre convicção, erro esse que deve ser demonstrado pelo recorrente através do exercício de um duplo ónus: um, (i) o de delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem desse erro; outro, (ii) fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.

Decorre da conjugação do art.º 639.º e 640.º do CPC que no caso de não ser observado pelo recorrente o ónus mencionado na lei, tal implica a imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, não sendo defensável que se lance mão do convite ao aperfeiçoamento em tal matéria. (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 134 e seg).

Assim, neste caso o recurso não pode deixar de improceder na parte em que impugna a decisão da matéria de facto por manifesta falta de cumprimento do ónus previsto no art.º640.º do CPC, omitindo a recorrente a indicação dos concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (art.º 640/1,b) do CPC.

Quanto ao erro de julgamento de direito. Idoneidade da garantia oferecida pela reclamante e aceitação expressa por parte da ATA.

A cobrança da prestação tributária visa satisfazer o interesse do credor, realizando-se esta no modo coercivo através do processo de execução fiscal (art. 148º do CPPT) que se inicia mediante despacho a lavrar no título executivo (art. 188º e 88º ambos do CPPT).

Na sua marcha corrente, sem incidentes, após citação do executado (art.º 189º do CPPT) será ordenada a penhora (art. 193º CPPT) à qual se segue a venda (art. 244º e 248º e segs.. do CPPT) com vista à arrecadação das importâncias suficientes para solver a dívida tributária e assim extinguir a execução (art. 261º/1 CPPT).

Mas esta marcha processual (muito) simplificada pode sofrer várias vicissitudes na sua tramitação, uma das quais é a sua suspensão em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda ou oposição à execução (art. 212º e 169º/1,2,10, do CPPT), desde que seja prestada garantia idónea (art. 169º/2 e 199º/1 CPPT), ou tenha sido concedida a dispensa de prestação de garantia (art. 170º CPPT e 52º LGT).

Com efeito, a execução pode ser suspensa se o executado oferecer garantia idónea para obter a suspensão da execução. Diz o art. 199º/1 do CPPT que a garantia idónea consistirá em garantia bancária, caução, seguro caução, ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.

E o n.º 2 do mesmo preceito acrescenta que a garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195º com as necessárias adaptações.

A questão de saber em que é que consiste a garantia idónea é muito simples: é idónea a garantia que se mostre adequada a assegurar o pagamento da dívida exequenda e seus acréscimos legais (cfr. ac. do STA n.º 059/13 de 06-02-2013: II – Para efeito do disposto nos arts. 169.º e 199.º do CPPT, garantia idónea será aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento da totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos). Ou seja, fora dos casos em que se aplica o CAC, não são apenas aceitáveis as modalidades de garantia referidas no art. 199/1,2 do CPPT, mas também todas as que sejam idóneas para alcançar o fim visado.

Se assim não fosse, carecia de sentido o art. 199º/4 CPPT admitir como garantia a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7, pois que tal penhora poderá incidir sobre quaisquer bens, e não apenas sobre aqueles que o legislador referiu expressamente.

Não altera os dados da questão o facto de a recorrente ter visto aprovado um PER com os votos favoráveis da ATA. O que se pretende é a suspensão da execução, e esta só pode ocorrer mediante prestação de garantia idónea - ou dispensa dela.

Oferecendo a executada como garantia hipoteca voluntária sobre dois bens imóveis, a sua idoneidade abstracta não pode ser excluída à partida. É um bem que integra o património da executada, susceptível de penhora e venda e assim realizar o interesse do credor (art. 50º/1 LGT e 217º do CPPT).

Tem-se entendido que o art. 199.º, n.º 2, do CPPT confere à AT uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não idónea para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária (e do penhor), a concordância da administração tributária. (Ac. do STA n.º 059/13 de 06-02-2013 in www.dgsi.pt).

Discricionariedade que implica deveres acrescidos de fundamentação, devendo a recusa alicerçar-se em razões objectivas, que hão-de assentar fundamentalmente na insuficiência dos bens objecto da garantia, bem como o respeito pelo princípio da proporcionalidade (Ac. do STA n.º 0646/12 de 27-06-2012).

A fracção IN tem o valor tributável de € 64.490,00.
Está onerada com uma hipoteca voluntária constituída no valor de € 100.000,00 (factos provados n.º 6 e 8)
A fracção CS tem o valor tributável de € 58.788,80.
Está onerada com uma hipoteca voluntária no montante de € 175.000,00 (factos provados n.º 6 e 9).

O valor relevante para efeitos fiscais é apurado segundo o critério legal previsto no art. 250º do CPPT, ou seja o valor patrimonial tributário apurado nos termos do CIMI. (cfr. ac. do STA n.º 01688/13 de 04-12-2013 (Relator: ISABEL MARQUES DA SILVA): I – O valor pelo qual foram avaliados os bens oferecidos em garantia aceite pelo credor hipotecário não tem de ser aceite pela Administração fiscal para efeitos de determinação da idoneidade da garantia prestada na vertente da sua suficiência (artigo 199.º do CPPT).
II – Embora o artigo 199.º do CPPT não remeta expressamente para o artigo 250.º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia, é lícito que se recorra a este preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia.
III – Tal critério não se afigura violador do princípio da proporcionalidade, consagrado nos arts. 17.º n.º 2 e 266.º, n.º 2 da CRP, nas vertentes da necessidade e do equilíbrio ou da proibição do excesso, porquanto não parece que possa aceitar-se valerem os bens como garantia mais do que o valor pelo qual poderão ser avaliados para venda executiva.)

Como se vê, o valor dos ónus registados sobre os imóveis superam o seu VPT.

Embora a existência de encargos registados não impeça a constituição de outros, a verdade é que estando os imóveis onerados com hipotecas anteriores, e sendo o valor dos ónus superior ao VPT dos prédios, parece evidente que em caso de incumprimento a garantia oferecida seria incapaz de satisfazer o pagamento da dívida exequenda, tendo em conta além do mais, o princípio enunciado no art.822º/1 do Código Civil e art.º 6º/1 do Código do Registo Predial segundo o qual o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem a data dos registos.

Por isso, não nos merece qualquer reparo a sentença que julgou improcedente a reclamação contra o despacho do órgão de execução fiscal que indeferiu a prestação de garantia.

O recorrente alega que este é nulo, (ou pelo menos anulável) na medida em que o mesmo viola os princípios da colaboração, da boa fé, confiança, proporcionalidade adequação e justiça (conclusão ix)

E porque é que o despacho reclamado viola estes princípios?
Segundo a recorrente, porque a constituição da garantia foi efectuada pelo valor que a própria ATA anteriormente tinha indicado à reclamante para a sua constituição e nos imóveis indicados. Existia já uma aceitação expressa da garantia (conclusão vii e ix)

Será assim?

De acordo com a acta da reunião com a gerência (fls. 116 dos autos a que corresponde o documento n.º 9 junto com a petição inicial) “Serão constituídas garantias que se consideram idóneas e suficientes nos termos do disposto no art.° 199° do CPPT- segunda hipoteca voluntária sobre os bens imóveis que a seguir se indicam (Decreto-Lei n.° 54/75 de 12 de Fevereiro) – sendo que o apuramento da sua idoneidade e suficiente será apurado pelo respetivo órgão de execução fiscal, dentro do mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.º 5 do art. 17º-D do CIRE:
c. O prédio urbano (…) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3 …
d. O prédio urbano (…) inscrito na matriz predial sob o artigo 4…”

A leitura que a recorrente faz do procedimento adoptado pela ATA não tem qualquer correspondência com o que consta dos autos. Como se vê, em parte alguma a ATA declara aceitar em garantia a hipoteca voluntária sobre os imóveis, antes se reserva o direito de apurar a sua idoneidade e suficiência para o efeito.

É certo que a reclamante foi notificada através do ofício n.º 8354/3190-30 de 13/8/2014 para “…no prazo de 15 dias a contar da presente notificação apresentar garantia idónea no valor supra indicado, calculada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora e custas na totalidade, contados até à data do pedido, acrescidos de 25 % da soma daqueles valores, salvo se já tiver sido constituída (garantia ou penhora) suficiente nomeadamente juntar aos autos respectivo instrumento legal – hipoteca voluntária sobre os imóveis referidos na acta do PER (…) – fls. 127.

Mas ao contrário do que defende, não resulta desta notificação que a hipoteca voluntária sobre os imóveis referidos na acta do PER constitui garantia suficiente e idónea.

O facto de ter sido convidada a juntar o documento comprovativo da hipoteca legal sobre os imóveis, não implica «automaticamente» que tal garantia é suficiente e idónea. Nem essa interpretação pelo destinatário é admissível uma vez que no parágrafo seguinte do mesmo ofício, a reclamante é advertida de que “A suspensão do processo apenas ocorrerá a partir da data da sua apresentação, se a mesma se mostrar suficiente…”.
Se a mesma se mostrar suficiente.

De resto, a recorrente no requerimento que endereçou ao Exmo. Director de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários (fls. 123) repete o que foi acordado na acta da Reunião com a gerência, de 5/5/2014 (fls. 117), ou seja, a de que o apuramento da idoneidade e suficiente será apurado pelo respectivo órgão de execução fiscal, dentro do mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D do CIRE.(sublinhado nosso)

Em face destas circunstâncias, não tem razão a recorrente no «espanto» (cfr. art 18 das doutas alegações) perante o despacho do Exmo. Chefe do Serviço de Finanças que lhe indeferiu o pedido de prestação de garantia, improcedendo também as conclusões ix e x.

No despacho reclamado refere-se que a devedora não requereu a aceitação de hipoteca a favor da Autoridade Tributária para que houvesse pronúncia sobre a sua concordância.

A MMª juiz «a quo» apreciando a questão decidiu que «A referência do OEF, naquele despacho, ao facto de a Reclamante não ter submetido a hipoteca à sua prévia aprovação é irrelevante e foi irrelevante para a decisão. O que dali resulta é que o Reclamante se terá antecipado ao proceder à constituição das hipotecas antes da decisão do OEF, que é efectivamente uma competência do OEF. Ou seja, o reclamante constituiu as hipotecas e só depois é que requereu ao OEF que as aceitasse. Isto é um facto mas não o argumento que sustenta o indeferimento do OEF. O argumento foi a existência de outras hipotecas sobre os mesmos imóveis».

Parece claro que assim é. Embora a hipoteca sobre os imóveis tenha sido do conhecimento da ATA, não houve pronúncia sobre a sua idoneidade e suficiência. E só esta pronúncia configuraria a «aceitação expressa» ou «concordância» da ATA com a garantia oferecida, ao contrário do conclui a recorrente.

Quanto à falta de fundamentação do despacho reclamado.
Na conclusão viii a recorrente suscita a questão da falta de fundamentação do despacho reclamado nos seguintes termos: «Em suma: no julgamento feito pela douta sentença de fls…., o vício de erro de julgamento, que enferma a decisão de indeferimento da reclamação, resulta do Facto da sua motivação se basear em despacho da AT, documento este, que por vez, representa a clara má fé da AT e é em nada esclarecedor e nada fundamentado, não se entendendo o que leva o tribunal a quo a decidir como decidiu».

Mas tal falta de «fundamentação» e esclarecimento do despacho reclamado (conclusão viii) não foi submetida a julgamento do tribunal «a quo».
É matéria nova introduzida neste recurso.

Mas o recurso visa a reapreciação da decisão de tribunal de grau hierárquico inferior, apenas pode ter por objecto questões decididas pelo tribunal recorrido, não podendo conhecer-se de questões novas suscitadas nas alegações, salvo se forem de conhecimento oficioso, o que ora não sucede.

(cf. Acórdão do STA de 13/11/2013, proferido no rec. nº 01460/13.Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado)

Em suma, configurando-se a questão da fundamentação do despacho reclamado uma questão nova, suscitada apenas no âmbito do presente recurso, está vedado a este Tribunal a sua apreciação.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.


Porto, 26 de Março de 2015.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira