Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01875/11.3BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/13/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IRS; BENEFÍCIOS FISCAIS; ATESTADO DE INCAPACIDADE
Sumário:1. A situação de incapacidade do sujeito passivo que releva para efeitos de tributação em I.R.S. é a que se verifica no último dia do ano a que o imposto respeita – artigo 13.º, n.º 7, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (na redação em vigor em 2004 e 2007);
2. A administração tributária pode exigir ao sujeito passivo atestado comprovativo da incapacidade atribuída de acordo com as regras vigentes no ano a que respeitam os rendimentos – artigo 128.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (na redação em vigor em 2007).
3. Mas se o sujeito passivo ficou impossibilitado de apresentar atestado de incapacidade de acordo com as regras de avaliação vigentes em 2004 a 2007 (em virtude da entrada em vigor de uma nova tabela de incapacidades e da imposição das novas regras em todas as avaliações futuras) e se a administração tributária aceitou atestados emitidos em anos anteriores a outros contribuintes com tal fundamento, não pode deixar de aceitar atestado emitido ao sujeito passivo, por identidade de razão, ainda que este tenha sido emitido com regras de avaliação anteriores às introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C... e R...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. C..., n.i.f. 1…, com domicílio indicado na Rua…, em Viana do castelo, e esposa R..., n.i.f. 1…61, com o mesmo domicílio, recorrem da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo de 2011/03/11 que indeferiu o pedido de revisão das liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares dos anos de 2004 e 2007, com os números 20085004601885 e 20085003190773, respetivamente, nos valores de € 3.273,62 e € 2.696,80, em processo convolado em reclamação graciosa que ali correu termos com o n.º 2348201104001796.

Recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Notificado da sua admissão, o Recorrente apresentou as respetivas alegações e formulou as seguintes conclusões:

1.ª O recorrente marido fez constar na declaração mod. 3 do IRS, anos 2004 e 2007, a existência de uma doença fiscalmente relevante geradora de incapacidade superior a 60%.

2.ª A doença está documentada por atestado médico, emitido pela ARS-Norte, Sub-Região de Viana do castelo, em resultado de junta médica realizada em 27.11.1996.

3.ª Em 11.12.2008 foi estatuída nos termos legais pela administração tributária, uma informação vinculativa sobre o assunto.

4.ª O recorrente marido é portador de um atestado médico de incapacidade emitido pela ARS-Norte – Sub-Região de Viana do Castelo apresentado em resultado de uma junta médica realizada em 27.11.1996.

5.ª O D.L. nº 202/96, foi publicado em 23.10.1996, com início de vigência em 30.11.1996.

6.ª O D.L. nº 202/96, nos termos do seu artigo 7º, nº 2, aplica-se aos processos avaliativos em curso à data da sua publicação, que são os de avaliação e certificação de incapacidade, como tais referidos no Ac. STA, recurso nº 2511, de 07.07.2000 e recurso nº 26302, de 19.06.2002, seja os que têm tramitação procedimental administrativa entre a data da publicação e o início de vigência.

7.ª A data da avaliação por junta médica verificou-se em 27.11.96, justamente entre a data da publicação – 23.10.96 – e o início da vigência – 30.11.96 – logo o atestado médico apresentado é documento adequado e capaz para justificar a aplicação dos benefícios fiscais previstos no artº 16, EBF.

8.ª O recorrente conforme resulta dos autos beneficiava, também, do reconhecimento da incapacidade de 76,75%, que lhe havia sido atribuída por junta médica da ARS-Norte, ao abrigo do regime anterior previsto na Lei nº 442/A/88 e D.L. nº 215/89, de 01.07.89, documento aceite pela administração tributária, a título excepcional, para comprovar as situações de incapacidade relativas aos anos 2004 e 2007, nos termos do n.º 3 da mencionada informação vinculativa.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado provado procedente, assim se fazendo JUSTIÇA!

1.2. A Fazenda Pública não contra-alegou.

Remetidos os autos a este Tribunal, foram os mesmos com vista ao Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto, o qual emitiu douto parecer, excecionando a incompetência em razão da hierarquia deste tribunal para conhecer do recurso e promovendo a absolvição da instância da Recorrida.

Notificadas ambas as partes para se pronunciarem quanto a esta exceção, nenhuma o fez.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

2. Do Objeto do Recurso

São questões a decidir a de saber se o Tribunal Central Administrativo Norte é competente em razão da hierarquia para conhecer do objeto do recurso e se o atestado médico emitido em data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro pode comprovar situações de incapacidade com referência aos anos de 2004 e 2007.

3. Do tribunal hierarquicamente competente

Defende o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto que a competência em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso não pertence a este Tribunal Central Administrativo Norte mas ao Supremo Tribunal Administrativo, porque a questão suscitada nas doutas alegações de recurso é mera questão de direito.

E, com efeito, resulta do disposto nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito; e a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários que não tenham como exclusivo fundamento matéria de direito.

No entanto, o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que, para determinação da competência hierárquica, o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respetivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida.

Ora, embora as doutas conclusões não primem pela clareza e reclamem algum esforço interpretativo, cremos que melhor interpretação das mesmas é a de que a douta sentença recorrida não levou em conta ou não relevou que, em 2008.12.11, foi estatuída pela administração tributária uma informação vinculativa sobre o assunto (vd. a 3.ª conclusão). Informação essa que, aliás, os Recorrentes transcrevem no ponto 1 das doutas alegações.

E, com efeito, a douta sentença recorrida não faz nenhuma referência, nem nos factos considerados, nem na aplicação do direito aos factos, a essa informação administrativa, apesar de os ora Recorrentes a terem invocado expressamente no artigo 11.º da douta petição inicial.

E, assim sendo, somos levados a concluir que o recurso não tem exclusivo fundamento em matéria de direito e que, por conseguinte, este tribunal é hierarquicamente competente para o apreciar.

4. Do Julgamento de Facto

4.1. Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância: «II. Factos:

1. Os impugnantes apresentaram as respectivas declarações de IRS modelo 3 dos anos de 2004 e 2007, declarando no lugar apropriado que o impugnante marido era portador de uma incapacidade superior a 60%, fazendo-o com base num atestado médico passado a 27/11/96 (cfr. doc. de fls. 15 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

2. Na sequência de um procedimento interno de inspecção, a administração fiscal notificou o impugnante marido do projecto de decisão sobre a alteração dos elementos declarados, relativamente aos anos de 2003, 2004 e 2005, esclarecendo-o que o atestado que havia apresentado “não constituía prova bastante da incapacidade declarada, em virtude de não ter sido passado de acordo com as regras previstas no DL n.º 202(/96, de 23/96, não podendo, por isso, usufruir dos benefícios fiscais previstos no art.º 16.º do EBF” – (cf. fls. 65/67 do apenso que aqui se dá por integralmente reproduzido)

3. Relativamente ao ano de 2007, os impugnantes apresentaram a declaração de rendimentos, mod. 3 de IRS, na qual não fizeram constar qualquer situação de deficiência.

4. A Administração fiscal considerou improcedentes os fundamentos dos impugnantes e manteve a decisão, tendo a liquidação de IRS do ano de 2004 aqui em causa sido efectuada de acordo com os rendimentos declarados pelos impugnantes, excluindo apenas os benefícios fiscais resultantes da incapacidade que o impugnante marido havia declarado.

5. A liquidação relativa ao ano de 2007 foi efectuada de acordo com os rendimentos declarados pelos impugnantes, tendo sido apurado imposto a pagar no montante de 2.696,80 €, que os impugnantes pagaram a 29/9/2008.

6. O impugnante marido apenas se apresentou a junta médica para avaliação de incapacidade para efeitos de benefícios fiscaisem 27/11/96, não tendo a incapacidade que lhe foi atribuída sido apreciada de acordo com os parâmetros definidos no Decreto-Lei n.º 202/96, de 23/10.

Os factos acima foram dados como assentes com base no acordo das partes, onde o mesmo foi possível e, sobretudo, na análise dos documentos juntos aos autos, em especial ao apenso em anexo.».

4.2. Por ter sido oportunamente alegado no artigo 11.º da douta petição inicial e se encontrar documentalmente provado (cfr. fls. 25 do processo administrativo em apenso, adita-se aos factos provados o seguinte:

7. No âmbito do processo 1365/2008, a Direção-Geral dos Impostos emitiu informação que classificou de «vinculativa», com despacho concordante do Senhor Diretor-Geral dos Impostos de 2008/11/04 e com o seguinte teor:

1. A prova da deficiência para fins fiscais tem de ser efectuada de acordo com os critérios técnico-legais que vigoram no último dia do período da tributação, pelo que os atestados de incapacidade emitidos anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, não são válidos para comprovar a deficiência fiscalmente relevante, relativamente ao ano fiscal de 1996 e posteriores.

2. Não se pode aceitar como princípio a validade automática dos documentos que certificam deficiências quando as regras ao abrigo as quais foram emitidos foram substituídas por outras que são susceptíveis de interferir com a medida da invalidez permanente, a fixar através do acto de avaliação.

3. Porém, face à alegada impossibilidade de os sujeitos passivos obterem em 2008 uma declaração de incapacidade ao abrigo do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, uma vez que em janeiro entrou em vigor uma nova Tabela de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, deverá a Administração Tributária, a título excepcional, aceitar os atestados de incapacidade emitidos ao abrigo da legislação vigente à data da verificação da deficiência, para comprovação das situações relativas aos anos de 2004 a 2007, no âmbito das notificações efectuadas aos sujeitos passivos no decurso de 2008.

5. Do Julgamento de Direito

Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, pugnando pela legalidade da exigência de atestado médico comprovativo da capacidade de acordo com os parâmetros definidos no Decreto-Lei n.º 202/96, de 23/10, e considerando que o atestado emitido em 1996/11/27 não satisfaz esses parâmetros, julgou improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de imposto sobre o rendimento dos Recorrentes relativo aos anos de 2004 e 2007.

Com o assim decidido não se conformam os Recorrentes, se bem interpretamos, por três razões essenciais, que julgamos poder esquematizar do seguinte modo:

1.ª – porque o atestado emitido em 1996/11/27, onde é reconhecida ao Recorrente marido a incapacidade permanente de 62%, está conforme com o Decreto-Lei n.º 202/96, face ao disposto no artigo 7.º, n.º 2, deste diploma; 2.ª – porque a Direção-Geral dos Impostos decidiu admitir, em informação vinculativa, os atestados médicos nessas condições; 3.ª – porque, mesmo que assim não fosse entendido, relevava o atestado médico anterior, onde é reconhecida ao Recorrente marido a incapacidade permanente de 76/75%.

De salientar desde já que na decisão da reclamação graciosa foi consignado que o atestado emitido em 1996/11/27 não está de acordo com o Decreto-Lei n.º 202/96, designadamente porque não foi emitido pela Junta Médica devidamente constituída nos termos previstos nos artigos 2.º e seguintes desse diploma.

Os Recorrentes nada opuseram a esta observação. Sendo que, como resulta do documento que integra fls. 5 do apenso, o atestado em causa, que conferiu ao Recorrente o grau de incapacidade de 62%, foi emitido pela Autoridade de Saúde de Viana do Castelo (e não pelo presidente da junta médica), não constando que tenha sido constituída uma junta médica para o efeito.

Por outro lado, na decisão da reclamação graciosa foi também consignado que «o atestado está longe de obedecer ao modelo formal de atestado multiuso que vem previsto naquele diploma legal». E a verdade é que, embora ali se anuncie que o Recorrente marido «apresenta deficiências de carácter permanente, que de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 341/93 de 30.09.93», nunca foi discriminada a natureza da incapacidade, sequer por referência ao capítulo, ao número e à alínea da tabela.

É bem verdade que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 202/96, as regras deles constantes seriam aplicáveis aos processos de avaliação de incapacidade em curso. Mas é manifesto que isso não aconteceu ali (o que, de resto, se consignou no ponto 6.º dos factos provados). E há uma razão para não ter acontecido: é que o atestado foi emitido antes da entrada em vigor daquele diploma. E, por conseguinte, à data da entrada em vigor desse diploma, em 30 de Novembro de 1996, o processo do Recorrente já não era um processo em curso para os efeitos daquele dispositivo legal (de referir, entre parêntesis, que o que releva aqui é a data da entrada em vigor, e não a data da publicação do diploma, como pretendia o Recorrente na exposição que enviou ao Diretor-Geral dos Impostos – fls. 48 do apenso).

E, assim sendo, ao contrário do que os Recorrentes pretendem, nem esse atestado nem o anterior (este por maioria de razão) observavam as regras introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 202/96.

Sendo que, como tem sido recorrentemente entendido pelo Supremo Tribunal Administrativo (nomeadamente no acórdão do Pleno de 2002/06/19, que os Recorrentes também citaram em fase administrativa – R. 026302), a administração tributária «podia desconsiderar tais atestados e exigir novos, passados já de acordo com os critérios ínsitos no Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro. (…) A Administração Fiscal pode pois, mesmo que tenha, em anos anteriores, considerado o benefício fiscal resultante da incapacidade do sujeito passivo, exigir dele que comprove que a situação anterior se mantém, verificando se continuam a convergir, relativamente a cada ano, os pressupostos de que depende o direito ao benefício fiscal. Claramente o pode e mais, deve fazer, quando o legislador altere os critérios de avaliação da incapacidade. De outro modo, poderia estar a considerar um benefício fiscal não previsto na lei em vigor ao tempo, por o beneficiário não preencher os pressupostos legais exigidos. Como pode ser o nosso caso, em que o atestado foi emitido segundo critérios que não são os do Decreto-Lei n.º 202/96».

Até aqui, por isso, acompanhamos o raciocínio seguido na douta sentença recorrida.

Sucede que – tanto quanto é possível extrair dos autos – a administração tributária só voltou a contactar os Recorrentes a respeito da sua situação de incapacidade em Setembro de 2007, data em que foram notificados para se pronunciarem quanto à alteração dos elementos declarados dos anos de 2003, 2004 e 2005 com fundamento em que o atestado apresentado não estava de acordo com os requisitos do Decreto-Lei n.º 202/96 (cfr. documento para que remete o ponto 2 dos factos provados na douta sentença recorrida).

Pouco depois, foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de Outubro uma nova Tabela de Incapacidades, a aplicar a todas as peritagens em curso, de acordo com o seu artigo 6.º.

Por causa disso é que foi emitida a informação a que alude o ponto 7 dos factos provados supra, no sentido de serem admitidos «os atestados de incapacidade emitidos ao abrigo da legislação vigente à data da verificação da deficiência, para comprovação das situações relativas aos anos de 2004 a 2007, no âmbito das notificações efetuadas aos sujeitos passivos no decurso de 2008». É que os sujeitos passivos ficaram, em virtude da entrada em vigor na nova Tabela de Incapacidades, impossibilitados de obter um atestado de incapacidade válido para efeitos fiscais emitido em conformidade com as regras vigentes naqueles anos de 2004 a 2007.

É bem verdade que essa informação só vincula a administração tributária a aceitar os atestados emitidos ao abrigo da lei anterior no âmbito das notificações efetuadas em 2008. Sendo que a notificação do Recorrente foi efetuada ainda no ano de 2007.

Só que, por identidade de razão, a administração tributária não poderá deixar de aceitar os atestados emitidos ao abrigo da lei anterior no âmbito das notificações efetuadas em 2007 se – como foi o caso - a junta médica só foi realizada posteriormente. Visto que também estes contribuintes ficaram impossibilitados de apresentar atestado de incapacidade válido de acordo com as regras vigentes anteriormente.

É bem verdade, também, que essa informação só vincula a administração tributária a aceitar os atestados emitidos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 202/96. Sendo que – como vimos – o Recorrente só tinha atestado emitido em data anterior à da entrada em vigor deste diploma e de acordo com as regras que o precederam.

Só que, por de razão, a administração tributária não poderá deixar de aceitar os atestados emitidos ao abrigo da lei anterior a esta, se os contribuintes nunca antes foram convocados para apresentar atestados emitidos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 202/96. Porque também estes contribuintes ficaram impossibilitados de apresentar atestado de incapacidade válido de acordo com as regras daquele Decreto-Lei.

Como se decidiu no acórdão deste Tribunal de 2011/10/12 (R. 258/10BEBRG), «a exclusão da aplicação desse regime excepcional de um contribuinte assente no facto de ter sido antes de 2008 notificado para fazer essa prova ou de não ter alegado a impossibilidade de obter esse documento conduziria inaceitavelmente à aplicação de dois regimes totalmente distintos para situações materialmente iguais e com consequências graves já que a parte dos contribuintes objecto de acção inspectiva relativamente ao ano de IRS de 2004, que tivessem declarado serem titular de beneficio fiscal por serem portador de incapacidade igual ou superior a 60%, a Administração aceita o atestado apresentado ou a apresentar emitido em data anterior a Outubro de 1996; aos demais, colocados exactamente na mesma circunstância (inspecção), a Administração não aceita os referidos atestados como bastantes e procede a nova liquidação ficando a sorte dos mesmos dependente do momento em que a própria administração entendeu fazer essa inspecção, emitir um oficio ou do contribuinte ser mais ou menos expedito a receber (ou não receber) essa mesma carta ou a invocar que já não podia obter esse atestado. Ou seja, não pode ser tudo deixado ao arbítrio da oportunidade da actuação inspectiva e de circunstâncias voláteis e irrelevantes do ponto de vista de uma justa e igual justiça tributária. Temos, pois, por seguro que, a interpretação da informação vinculativa defendida pela Administração Fiscal e que esteve na génese da decisão formulada e subsequente liquidação viola, inequivocamente, os princípio da igualdade e da justiça material com que a actuação da Administração não pode deixar de conformar-se.» (disponível in www.dgsi.pt).

Não nos escapou que a administração tributária, na decisão recorrida, formula uma interpretação diferente da informação vinculativa: em vez de serem admitidos os atestados emitidos à luz das regras revogadas, admitiam-se os atestados emitidos à luz das novas regras, para certificar a incapacidade do sujeito passivo em anos anteriores.

Mas é interpretação que não podemos subscrever. De um lado, não é a administração tributária – mas o legislador ou o autor do ato de certificação da existência de uma incapacidade – que pode atribuir eficácia retroativa a esse ato (certificando a incapacidade do sujeito passivo com efeitos reportados a anos anteriores). De outro lado, o autor do ato administrativo só pode atribuir esse efeito quando a retroatividade seja favorável ao interessado e desde que, à data, já existissem os pressupostos justificativos da retroatividade – artigo 128.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo.

De salientar também que os benefícios fiscais dos rendimentos dos titulares deficientes, a que alude o artigo 16.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, são automáticos, no sentido de que resultam diretamente da lei e não dependem de qualquer ato de reconhecimento da administração tributária. Pelo que a imposição de regras novas na aferição da incapacidade do sujeito passivo de anos anteriores pode ter efeitos revogatórios de um benefício já constituído e afetar, assim, o princípio da não retroatividade dos impostos.

Pelo que a douta sentença não pode manter-se na ordem jurídica e terá que ser revogada.

E terá que ser revogada também na parte em que julgou improcedente a impugnação da liquidação de 2007, apesar desta ter sido efetuada de acordo com a declaração dos próprios Recorrentes, onde não fizeram constar qualquer situação de deficiência (cfr. pontos 3 e 5 dos factos provados). É que, como é manifesto (porque decorre diretamente do ponto 2 dos factos provados), os Recorrentes só não fizeram constar qualquer situação de deficiência relativamente ao ano de 2007 porque já tinham sido informados de que o atestado de que dispunham não era aceite pela administração tributária como prova bastante da incapacidade que vinham declarando.

E, assim sendo, o erro na declaração é imputável aos serviços da administração tributária e podia e devia ser por esta relevado no prazo da sua revisão, como decorre do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.

6. Conclusões

6.1. A situação de incapacidade do sujeito passivo que releva para efeitos de tributação em I.R.S. é a que se verifica no último dia do ano a que o imposto respeita – artigo 13.º, n.º 7, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (na redação em vigor em 2004 e 2007);

6.2. A administração tributária pode exigir ao sujeito passivo atestado comprovativo da incapacidade atribuída de acordo com as regras vigentes no ano a que respeitam os rendimentos – artigo 128.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (na redação em vigor em 2007).

6.3. Mas se o sujeito passivo ficou impossibilitado de apresentar atestado de incapacidade de acordo com as regras de avaliação vigentes em 2004 a 2007 (em virtude da entrada em vigor de uma nova tabela de incapacidades e da imposição das novas regras em todas as avaliações futuras) e se a administração tributária aceitou atestados emitidos em anos anteriores a outros contribuintes com tal fundamento, não pode deixar de aceitar atestado emitido ao sujeito passivo, por identidade de razão, ainda que este tenha sido emitido com regras de avaliação anteriores às introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro.

7. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e, em consequência:

a) Revogar a decisão recorrida;

b) Anular as liquidações impugnadas.

Custas pela Recorrida.

Porto, 13 de março de 2014

Ass. Nuno Bastos

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Irene Neves