Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00551/16.5BEBRG |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 03/10/2017 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | Rogério Paulo da Costa Martins |
Descritores: | NULIDADE DO ACÓRDÃO; CONTRADIÇÃO; ALÍNEA C) DO N.º 1 DO ARTIGO 615º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (DE 2013). |
Sumário: | Não é nulo, por contradição nos seus termos, o acórdão em que se diz que não ter sido seguido um determinado procedimento administrativo, imposto por lei, não é o mesmo que dizer que inexistiu o procedimento, por se tratar de realidade lógica e juridicamente distintas.* * Sumário elaborado ,pelo Relator. |
Recorrente: | S..., Empresa de Segurança Privada, Lda. |
Recorrido 1: | Ministério da Administração Interna |
Votação: | Maioria |
Meio Processual: | Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A S..., Empresa de Segurança Privada, Lda., veio interpor o presente RECURSO DE REVISTA do acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.01.2017, pelo qual foi negado provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 31.10.2016, a declarar “caduca a providência cautelar provisoriamente decretada e extinto o presente processo cautelar”, face à intempestividade da acção principal, deduzida contra o Ministério da Administração Interna. * 1. Pressupostos adjectivos da revista.A Recorrente dispõe de legitimidade e está em tempo, pelo que este Tribunal recorrido não vê obstáculos de natureza processual que impeçam, logo aqui, a admissão da revista. 2. A nulidade do acórdão sob revista. Dito isto apreciemos a questões que cabe apreciar, em sustentação do acórdão recorrido. Quanto à contradição a que alude é uma incongruência lógica ou jurídica. Dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 615º, do Código de Processo Civil (de 2013), aplicável aos acórdãos do Tribunal de Recurso, face ao disposto no artigo 666º do mesmo diploma, que a decisão é nula quando os seus “fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Esta incongruência é uma incongruência lógica ou jurídica e pode traduzir-se numa oposição entre os fundamentos e a decisão ou nos fundamentos entre si (os necessários para a decisão) ou no próprio conteúdo decisório em si mesmo. A razão de ser da nulidade é, em qualquer dos casos, a mesma: não se pode aproveitar, de todo, uma sentença cujo sentido lógico ou jurídico não se pode alcançar. Ver neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.11.2005, no processo n.º 01051/05. A nulidade aqui prevista pressupõe um vício lógico de raciocínio; “a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984, reimpressão, p. 141: “nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, n.º 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” - Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 690; “se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” - Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, p.670). Como diz Alberto dos Reis, obra citada, nas páginas 130 e 141, convirá notar que a contradição entre os fundamentos e a decisão nada tem a ver, seja com o erro material – contradição aparente, resultante de uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real: escreveu-se uma coisa, quando se queria escrever outra –, seja com o erro de julgamento – decisão errada, mas voluntária, quanto ao enquadramento legal ou quanto à interpretação da lei; o erro material e o erro de julgamento não geram a nulidade da sentença, como sucede com a oposição entre os fundamentos e a decisão, mas, tão-só, e apenas, a sua rectificação ou a eventual revogação em via de recurso. “Não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável…” - Antunes Varela, obra citada, página 686. Esta nulidade só ocorre quando os fundamentos invocados na própria decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada naquela. Olhando para o caso concreto, é este o trecho do acórdão objecto da revista em que a Recorrente vê contradição:
“Está aqui em causa o acto de indeferimento do pedido de renovação das licenças de que era titular para o exercício da actividade de segurança privada.
Invoca em primeiro lugar que terá de necessariamente conduzir à sua nulidade por preterição total do procedimento legalmente exigido relativamente a um dos alvarás, o Alvará 142 A.
Apoia-se no ponto 5 da informação que serviu de base ao indeferimento do recurso hierárquico, a decisão ora impugnada (documento n.º 6 junto com a petição inicial:
5. Do mesrno modo, não procede a argurnentação que, agora, procura a empresa trazer à colação, para que toda a tramitação processual referente aos Alvarás C seja transformada, sem rnais, em concessão de Alvarás A, Não só os requisitos a cumprir são diferentes, à luz da legislação aplicável, e a que nos temos referido, como todo o processo administrativo, a cumprir pelo interessado e a ser instruído e fiscalizado pela PSP, deverá, também, ser outro”.
Esta afirmação deve no entanto ser contextualizada no objecto do recurso hierárquico, definido logo no início da referida informação:
“ASSUNTO: RËCURSO HIERÁRQUICO INTERPOSTO POR S... - SEGURANÇA PRIVADA LDA., RELATIVO À RENOVAÇÃO DOS ALVARÁS 142 A e 142 C - RÊQUERIMENTO 1. A empresa S... - Segurança Privada, Lda., apresentou um requerimento, em 4 de fevereiro de 2016, que se dá aqui por integralrnente reproduzido para os devidos e legais efeitos, na sequência da interposição anterior de um recurso hierárquico, tendo em vista a revogação do despacho que rejeita o processo de renovação dos Alvarás 742 A e 142 C, emitidos ao abrigo do Decreto-Lei n's 35/2OO4' de 21 de fevereiro, e ambos válidos até 21 de outubro de 2013, entregues no Departamento de segurança Privada em 26 de fevereiro de 2014, proferido pelo Senhor Diretor Nacional da PSP, Superintendente LMPF, em 3 de julho de 2015”.
Ou seja a primeira afirmação não reconhece a inexistência de qualquer procedimento tendo por objecto o alvará 142 A apenas afirma que para este alvará não serve o que foi colhido para o alvará 142 C.
Mas a negação de qualquer procedimento relativamente ao Alvará 142 A é a negação do evidente: foi pedida a renovação de ambos os alvarás, foi indeferido esse pedido e este acto de indeferimento da renovação de ambos os alvarás foi o objecto da decisão, também negatória, do recurso hierárquico.
Não se pode, por isso, falar de preterição absoluta de procedimento legalmente exigido para o Alvará 142 A”. * Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, ACORDAM em:a) Admitir o recurso de revista por o Recorrente ter legitimidade e estar em tempo, não se verificando qualquer obstáculo de natureza adjectiva. b) Fixar o efeito suspensivo a este recurso. c) Manter o acórdão recorrido por não padecer de qualquer nulidade. * Porto, 10.03.2017Ass.: Rogério Martins Ass.: Joaquim Cruzeiro, em substituição Ass.: Luís Garcia, com declaração que se segue: “Vencido quanto ao efeito fixado ao recurso, considerando que só cabe fixar efeito devolutivo.” |