Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00224/14.3BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/16/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Mário Rebelo
Descritores:DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:1. O despacho que ordena a derrogação do sigilo bancário ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 63-B LGT deve ser fundamentado com a exposição sucinta das razões de facto e direito que a motivaram.
2. O enunciado deve conter factos indiciários integradores da norma, e não meros juízos ou conclusões.
3. Se não contiver factos (indiciadores), a ATA incumpriu o seu dever de fundamentação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Diretor Geral dos Impostos
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado mais relevante.
Através de decisão proferida em 5/5/2013 foi ordenada a derrogação do sigilo bancário em relação aos ora recorrentes, na qualidade de sócios gerentes da sociedade “Fábrica de Móveis M…” por indícios de utilização de consta próprias para fins da actividade da empresa reflectindo, assim, omissão de vendas.

Para os anos de 2010 e 2011 foi também derrogado o sigilo bancário ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 63-B da LGT.

Os sujeitos passivos discordaram, e recorreram para tribunal alegando, além do mais, não estarem invocados quaisquer indícios que justifiquem a medida, sendo manifesta a falta de fundamentação.

A sentença proferida no TAF de Penafiel julgou improcedente o recurso e manteve os despachos recorridos.

O recurso.

Inconformados com a decisão e teor da sentença, os recorrentes dela recorreram formulando alegações e concluindo como segue:

A) – O acto administrativo em crise, de derrogação do sigilo bancário, proferido pelo Senhor Diretor Geral da Administração Tributária e Aduaneiro, deverá ser anulado, justificado na evidente falta de fundamentação, de substância, de facto e de direito.

B) – A derrogação do sigilo bancário, das contas dos recorrentes, não deve ser autorizada dado que não se verificam os respetivos requisitos e pressupostos legalmente exigidos.
C) – A fundamentação do acto administrativo em crise, de derrogação do sigilo bancário, das contas dos recorrentes assenta em afirmações excessivamente vagas, subjetivas, opinativas e conclusivas, sem premissas ou factos que sustentasse a sua prolação e por conseguinte deverá ser anulado.

D) – Os recorrentes, com toda a diligência e celeridade e nos limites do que lhe era permitido, sempre colaboraram com a AT, quando solicitados a prestar informações ou a entregar documentos sendo que, quanto aos anos de 2010 e 2011, não lhe foi pedido qualquer documento ou informação relativa a qualquer movimento bancário ou outro documento contabilístico.

E) – Sem prescindir do referido supra, de acordo com o afirmado pela AT, e consta dos autos, todos os movimentos bancários contidos nas referidas contas bancárias dos recorrentes eram conhecidos da AT e por conseguinte não se justificava autorizar o acesso às contas bancárias.

F) – Da análise dos autos não se vislumbra qualquer prova, ou facto concreto, que permita conhecer os reais motivos da necessidade e proporcionalidade de derrogação do sigilo bancário, em especial que permitisse verificar o cumprimento dos requisitos e pressupostos legais e que aquele era o único meio de apurar a realidade tributária.

G) – No mesmo sentido, a douta sentença em crise, não se pronuncia quanto às questões que foram efetivamente colocadas pelos recorrentes, e que consistiam em analisar a substância fundamento da decisão de derrogação do sigilo bancário, com salvaguarda dos legítimos direitos dos recorrentes.

H) – A douta sentença em crise, pronuncia-se sobre questões extra petitórias, sobre as quais não tinha que se pronunciar, nomeadamente quanto à legitimidade e legalidade do subscritor do acto em crise, de derrogação do sigilo bancária.

I) – A douta sentença em crise não produz qualquer fundamentação substancial, de facto e de direito, apenas percorre o aspeto formal, que os recorrentes não colocaram em causa, de modo que permita conhecer os fundamentos e motivações reais da autorização de derrogação do sigilo bancário.

J) – A douta sentença em crise efetivamente não se pronuncia sobre a questão de saber se, no caso em apreço, estão verificados os requisitos e pressupostos legais que permita autorizar a derrogação do sigilo bancário.

K) – A douta sentença em crise, em face de tudo quanto ficou dito supra e consta dos autos, por ser manifesta a sua falta de fundamentação objetiva, de facto e de direito, e a falta de pronúncia quanto a questões que devia conhecer, deverá ser anulada e consequentemente substituída por outra que julgue procedente o requerido pelos recorrentes.

Termos em que, e no mais de direito que V. Ex.ª doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, fazendo-se justiça, se requer:
§ - Do Pedido:
I
Que a douta sentença do distinto tribunal “a quo”, justificado na falta de fundamento de substância, de facto e de direito, por omissão de pronúncia sobre questões que devia conhecer e por pronunciar-se sobre questões que não tinha que conhecer, seja anulada e;
II
Consequentemente, que seja substituída por outra que julgue procedente o pedido dos recorrentes.

CONTRA ALEGAÇÕES.
A recorrida contra alegou, defendendo a manutenção da sentença recorrida. Não apresentou conclusões.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. PGA junto deste TCAN emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

DISPENSA DE VISTOS.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 675º/4 CPC e artigo 278º/5 do CPPT), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, são as seguintes:
a) Nulidade por excesso e omissão de pronúncia (conclusões G) a K);
b) Erro de direito (conclusões A),a F) .

III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
1.º - A sociedade “Fábrica de Móveis M…, Lda.”, com sede na Rua…, concelho de Paços de Ferreira, da qual os autores/recorrentes eram sócios gerentes, na sequência da ordem de Serviço n.ºOI201102562, emitida pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), Direção de Finanças do Porto, de 10 de Janeiro de 2012, está a ser objeto de inspeção externa, de âmbito geral, relativa aos anos de 2009 a 2011 - cf.doc.5, junto aos autos pelos autores/recorrentes.

2.º - Decorrente das diligências de inspeção e das Ordens de Serviço n.ºs OI201206071 e OI201206070, de 19.11.2012, com fundamento, segundo a informação que sufraga o entendimento da Senhora Inspetora nomeada nos autos, na existência de prestações suplementares realizadas à identificada sociedade e que supostamente configurariam despesa enquadrável na alínea f), n.º1, do art.87º, da LGT, foi autorizada a derrogação do sigilo bancário relativamente ao ano de 2009, sobre as contas bancárias n.ºs 45277014563 e 576031332900, em face do qual a AT acedeu aos respetivos movimentos bancários - cf.doc. 6 e 7, juntos aos autos pelos recorrentes.

3.º - Os serviços de inspeção tributária (SIT), da análise dos extratos bancários do ano de 2009 da conta da empresa em causa, conta n.º5…do Millennium BCP, no âmbito das diligências efetuadas ao abrigo da Ordem de Serviço n.ºOI201102562, emitida para a empresa, concluíram que foram efetuados depósitos de cheques e em numerário, no montante de € 955.701,97, valor que se mostra superior ao volume de negócios daquele ano (que foi de cerca de €836.000, admitindo que foi liquidado IVA em todas as vendas) - cf. teor do doc. de fls.28 dos autos.

4.º - Os SIT concluíram que aquelas contas eram utilizadas para fins da atividade da empresa, e refletem omissões de vendas, consubstanciando, assim, prática de crime fiscal - cf. teor do doc. de fls.28 dos autos.
5.º - No Processo de Inquérito n.º64/13.7 IDPRT, instaurado contra os sujeitos passivos Fábrica de Móveis M… SA (NIPC: 5…), M… (NIF: 1…) e P… (NIF: 1…), constam elementos que indiciam que aquelas contas bancárias foram igualmente utilizadas, no exercício de 2010, para os fins da atividade da empresa - cf. teor do doc. de fls.29 dos autos.

6.º - Os depósitos bancários da conta da empresa, nos anos de 2010 e 2011, registam valores que se aproximam da atividade declarada naqueles anos - cf. teor do doc. de fls.29 dos autos.

7.º - Atento o caráter regular dos depósitos ao longo do ano de 2009, nas contas particulares dos sócios, e da sua contínua utilização em 2010, o valor dos depósitos bancários da conta da empresa, nos anos de 2010 e 2011 e o da atividade declarada naqueles anos, bem como a evolução desta e dos seus rácios, os SIT consideraram expectável que a prática da eventual utilização daquelas contas para fins de atividade da empresa tenha continuado em 2011 - cf. teor do doc. de fls.29 dos autos.

8.º - Os SIT, com vista a apurar a verdade tributária, solicitaram ao sujeito passivo, nos termos dos artigos 59º da LGT e 9º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), autorização para pedir junto do Millennium BCP informação sobre as contas por ele tituladas - cf. teor do doc. de fls.29 dos autos.

9.º - Tal autorização não foi concedida - cf. teor do doc. de fls.29 dos autos.

10.º - Tendo sido alegada, por carta datada de 03.02.2014, com entrada nos serviços da Direção de Finanças do Porto em 03.02.2014, que a Administração Tributária já dispõe dos elementos solicitados, relativamente aos anos de 2010 e 2011, pelo que a autorização “seria ratificar o que se tem por um acesso ilícito, abusivo e com eventual abuso de poder” - cf. teor do doc. de fls.29 dos autos.

11.º - Os SIT concluíram que:

“Assim, considerando:

- que os factos descritos indiciam a prática de crime em matéria tributária, por ocultação de proveitos da empresa, da qual o sujeito passivo era sócio-gerente;
- que a Autoridade Tributária não dispõe dos elementos bancários necessários para o apuramento da verdade material, relativamente aos anos de 2010 e 2011; e

- que apesar de notificado, o sujeito passivo não autorizou a Administração Tributária a aceder aos documentos e elementos bancários das contas de que é titular no Millennium BCP,

Estão reunidas as condições legais para que a Administração Tributária faça uso da possibilidade de aceder a todas as informações e documentos bancários sem dependência do consentimento do seu titular, nos termos do n.º1, alínea a), do artigo 63º-B da LGT, com referência aos anos de 2010 e 2011.” - cf. teor do doc. de fls.29 dos autos.

12.º - Na sequência das Decisões de 03.03.2014 do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, foi determinado:

“1.Nos termos e com os fundamentos constantes da presente Informação da Divisão de Inspeção Tributária III, da Direção de Finanças do Porto, bem como com o parecer e despachos nela exarados, verificando-se os condicionalismos previstos na alínea a) do n.º1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo n.º4 do citado normativo, autorizo que funcionários da Inspeção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo P…, com o NIF 1…84, relativamente aos anos de 2010 e 2011.
2.Devolva-se o processo à Direção de Finanças do Porto para efeitos do prosseguimento do procedimento de levantamento do segredo bancário.” - cf. doc. de fls.31 dos autos.

“1.Nos termos e com os fundamentos constantes da presente Informação da Divisão de Inspeção Tributária III, da Direção de Finanças do Porto, bem como com o parecer e despachos nela exarados, verificando-se os condicionalismos previstos na alínea a) do n.º1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo n.º4 do citado normativo, autorizo que funcionários da Inspeção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo M…, com o NIF 1…, relativamente aos anos de 2010 e 2011.
2.Devolva-se o processo à Direção de Finanças do Porto para efeitos do prosseguimento do procedimento de levantamento do segredo bancário.” - cf. doc. de fls.26 dos autos.

Com respeito aos factos não provados, consta da sentença que
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
A motivação da decisão de facto apresentada na sentença

No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ínsitos no Processo Administrativo (PA), apenso, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74º e 76º n.1 da LGT e artigos 362º e seguintes do Código Civil).


III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Quanto à nulidade da sentença por excesso e omissão de pronúncia.
Os recorrentes invocam, além do mais, a nulidade da sentença por excesso e omissão de pronúncia.
O excesso, tal resulta de se pronunciar sobre questões acerca das quais não tinha que se pronunciar, nomeadamente quanto à legitimidade e legalidade do subscritor do acto em crise de derrogação do sigilo bancário. Dizem ainda que a sentença não produz qualquer fundamentação substancial, de facto e de direito, apenas percorre o aspecto formal que os recorrentes não colocaram em causa.

Vejamos em primeiro lugar, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, vício que se concretiza quando o juiz conheça de questões de que não devia tomar conhecimento (art. 615º/1,d) CPC)
(abreviando razões sobre a matéria, cfr. Ac. do TCAS n.º 06832/13 de 31-10-2013 2. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).

Ora o segmento da sentença que os recorrentes consideram ter ultrapassado a pronúncia devida vem na sequência do discurso fundamentador da sentença que previamente alude à fundamentação dos despachos «…por adesão expressa aos fundamentos das informações, pareceres e despachos prestados no âmbito do processo inspectivo…».

No parágrafo seguinte continua «…Acresce que, o ato recorrido foi proferido pelo agente competente e notificado no prazo previsto no n.°4 do art.63°.-B. da LGT, e encontra-se suficientemente fundamentado em termos de facto e de direito…»

Ora bem vemos que esta referência ao agente competente não traduz o «conhecimento de uma questão» de competência do autor dos despachos (que também não foi colocada), mas apenas um complemento argumentativo, sem qualquer autonomia decisória na economia da sentença, não reflectindo por isso, qualquer conhecimento «de uma questão» (no sentido que se atribui a este conceito cfr. Ac. do TCAN n.º 267/06.0BECBR (inédito) «E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado).
Razão por que improcede o vício de excesso de pronúncia.

Nulidade por omissão de pronúncia.
É nula por omissão de pronúncia, dizem os recorrentes, por a sentença não se debruçar sobre as questões que foram efectivamente colocadas pelos recorrentes, e que consistiam em analisar a substância fundamento da decisão de derrogação do sigilo bancário, com salvaguarda dos legítimos direitos dos recorrentes.

Com efeito, a sentença considerou o acto fundamentado por « adesão expressa aos fundamentos das informações, pareceres e despachos prestados no âmbito do procedimento inspectivo, que foram dadas a conhecer aos ora autores/recorrentes, possibilitando deste modo, a um normal destinatário o conhecimento das razões de facto e de direito em que se basearam as decisões recorridas…»

E mais à frente, discorrendo sobre a necessidade do procedimento de derrogação do sigilo bancário decorrer integrado num procedimento de fiscalização conclui que …os ora autores/recorrentes nunca deram uma resposta comprovadamente justificativa dos movimentos dos cheques em causa, referindo-se a empréstimos, mas sem dos mesmo apresentar qualquer prova»

A nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art.º 615º/d) do CPC) decorre da inobservância do dever cometido ao julgador de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (art.º 608º/2 CPC - exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras).

Mas das partes transcritas da sentença podemos concluir não ter sido omitida pronúncia sobre a substância fundamento da decisão de derrogação do sigilo bancário, pois a MMª juiz «a quo» apreciou a matéria.

Isto sem embargo de nos parecer que a sentença podia e devia ter ido mais longe na profundidade da análise empreendida à questão colocada, oque remete para a análise do invocado erro de julgamento.

Quanto ao erro de direito.

A fundamentação do despacho que ordena a derrogação do sigilo bancário deve ser fundamentado nos termos em que o exige o art.º 77º da LGT, de forma sumária como permite o art.º 77º/2 LGT. Mas não tão sumária que descaracterize uma das funções da fundamentação, que é, basicamente, «…responder às necessidades de esclarecimento do destinatário, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do respectivo acto e permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito que determinaram a sua prática» (Ac. do STA n.º 0146/12 de 27-06-2012).
Porque este «esclarecimento» do destinatário é um dos pilares fundamentais em que assenta o dever de fundamentar, não pode deixar de respeitar as exigências de clareza, coerência e suficiência, como aliás, decorre da lei (art.º 125º/2 do CPA).

Como nenhum destinatário é igual a outro, há que encontrar um denominador comum mínimo a partir do qual se possa aferir o cumprimento daquele dever. Esse denominador comum mínimo é-nos dado pelo padrão de um homem médio, colocado na posição de um destinatário normal, dotado de normais capacidades de inteligência e percepção.

Por aqui se vê que a «sintetização» do despacho não consente a supressão do núcleo (informativo) essencial que dele deve constar, sob pena de se considerar violado o dever de fundamentação (cfr. Ac. do STA n.º 01690/13 de 23-04-2014 (Relator: ASCENSÃO LOPES) Sumário: I - A Administração Tributária tem o dever de fundamentar os actos de liquidação impugnados de harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 125º do CPA e 77 º da LGT.
II - O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
III - Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.)

Podemos admitir que o conteúdo essencial da fundamentação é dado por duas categorias enunciativas: uma que corresponde à exposição das razões de facto, e outra relativa às razões de direito que motivaram a decisão (art. 77º/1 LGT).

Para apreciação do recurso, interessa a exposição das «razões de facto»
E note-se desde já que «exposições de facto», são exposições de facto. Não são conclusões nem juízos, suspeitas ou afirmações não justificadas.

Ora a emissão dos despachos recorridos (estamos a falar apenas da derrogação do sigilo bancário referente a 20100 e 2011, porque os despachos relativos a 2009 já não estão em causa) assentou em duas informações (uma para cada sujeito passivo), ambas com a mesma data e com (sensivelmente) o mesmo teor.

Esse teor consta dos factos provados n.º 5 a 11 que voltamos a reproduzir:
5º- No Processo de Inquérito n.º64/13.7 IDPRT, instaurado contra os sujeitos passivos Fábrica de Móveis M… SA (NIPC: 5…), M… (NIF: 1…) e P… (NIF: 1…), constam elementos que indiciam que aquelas contas bancárias foram igualmente utilizadas, no exercício de 2010, para os fins da atividade da empresa - cf. teor do doc. de fls.29 dos autos.

6.º - Os depósitos bancários da conta da empresa, nos anos de 2010 e 2011, registam valores que se aproximam da atividade declarada naqueles anos - cf. teor do doc. de fls.29 dos autos.

7.º - Atento o caráter regular dos depósitos ao longo do ano de 2009, nas contas particulares dos sócios, e da sua contínua utilização em 2010, o valor dos depósitos bancários da conta da empresa, nos anos de 2010 e 2011 e o da atividade declarada naqueles anos, bem como a evolução desta e dos seus rácios, os SIT consideraram expectável que a prática da eventual utilização daquelas contas para fins de atividade da empresa tenha continuado em 2011 - cf. teor do doc. de fls.29 dos autos.

8.º - Os SIT, com vista a apurar a verdade tributária, solicitaram ao sujeito passivo, nos termos dos artigos 59º da LGT e 9º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), autorização para pedir junto do Millennium BCP informação sobre as contas por ele tituladas - cf. teor do doc. de fls.29 dos autos.

9.º - Tal autorização não foi concedida - cf. teor do doc. de fls.29 dos autos.

10.º - Tendo sido alegada, por carta datada de 03.02.2014, com entrada nos serviços da Direção de Finanças do Porto em 03.02.2014, que a Administração Tributária já dispõe dos elementos solicitados, relativamente aos anos de 2010 e 2011, pelo que a autorização “seria ratificar o que se tem por um acesso ilícito, abusivo e com eventual abuso de poder”

Com o devido respeito, não conseguimos topar neste elenco qualquer facto que fundamente a derrogação do sigilo bancário em relação a 2010 e 2011, com fundamento na alínea a) do n.º1 do art. 63-B LGT.

Ora vejamos os três primeiros factos provados, já que os restantes não relevam para a fundamentação:

No primeiro dos «factos» transcritos (facto n.º 5) diz-se que no procº de inquérito n.º 64/13.7IDPRT constam elementos que indiciam terem as contas bancárias dos ora recorrentes sido utilizadas para os fins da acividade da empresa, no exercício de 2010.

Não é descrito nenhum facto de que resulte tal indício.

No segundo «facto» transcrito (facto provado n.º 6) diz-se que os depósitos bancários nas contas da empresa, nos anos de 2010 e 2011 registam valores que se aproximam da actividade declarada naqueles anos.
Se os valores depositados se aproximam da actividade declarada, não emerge daí qualquer ilícito; antes pelo contrário.

O terceiro «facto» (facto provado n.º 7) embora mais complexo, também não contém qualquer «facto» relevante. Aí se alude ao «…caráter regular dos depósitos ao longo do ano de 2009 nas contas particulares dos sócios e da sua contínua utilização em 2010, o valor dos depósitos bancários na conta da empresa, nos anos de 2010 e 2011 e o da actividade declarada naqueles anos, bem como a evolução deste e dos seus rácios…»

Até aqui nenhum facto concreto foi mencionado.
Nada sabemos da alegada «contínua» utilização em 2010 da conta particular dos sócios, desconhecemos o valor dos depósitos bancários na conta da empresa (salvo que são próximos da actividade declarada),e ignoramos em absoluto a evolução dos rácios (e o que é que estes têm a ver com a actividade alegadamente ilícita da sociedade e dos recorrentes).

Só podemos assim concluir não terem sido expostos quaisquer factos integradores dos indícios da prática de crime em matéria tributária (art.º 63B/1,a) LGT).

Daí que as conclusões apresentadas pelos SIT transcritas nos factos provados n.ºs 11 não tenham qualquer suporte factual.
As conclusões são as seguintes:
«- que os factos descritos indiciam a prática de crime em matéria tributária, por ocultação de proveitos da empresa, da qual o sujeito passivo era sócio-gerente;
- que a Autoridade Tributária não dispõe dos elementos bancários necessários para o apuramento da verdade material, relativamente aos anos de 2010 e 2011; e

- que apesar de notificado, o sujeito passivo não autorizou a Administração Tributária a aceder aos documentos e elementos bancários das contas de que é titular no Millennium BCP,

Estão reunidas as condições legais para que a Administração Tributária faça uso da possibilidade de aceder a todas as informações e documentos bancários sem dependência do consentimento do seu titular, nos termos do n.º1, alínea a), do artigo 63º-B da LGT, com referência aos anos de 2010 e 2011».

São conclusões extraídas de meras «conclusões», sem a mínima aderência factual, e por conseguinte irrelevantes para fundamentar o despacho de derrogação do sigilo bancário proferido ao abrigo do n.º 1 alínea a) do Art. 63-B da LGT contra os ora recorrentes.

Uma última nota para o parágrafo da sentença que diz: «Resulta dos factos apurados em relação aos anos de 2010 e 2011 que existem cheques emitidos por clientes da sociedade, que comprovadamente se destinavam a pagar bens comprados à sociedade e que não deram entrada a nas contas da empresa, tal como ficou confirmado pelos depoimentos prestados por esses clientes».

Porém, tal não consta dos factos provados.
Mas consta da informação para despacho do Exmo. Sr. Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira exposição compatível com o referido na sentença. Só que essa exposição refere-se a…2009!

Por tudo o exposto resulta que a sentença recorrida que julgou fundamentado os despachos recorridos não pode manter-se, devendo ser revogada com a consequente anulação daqueles despachos.


IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em julgar procedente o recurso e revogando a sentença recorrida determinam a anulação dos despachos recorridos.

Custas pela ATA

Porto, 16 de Setembro de 2014.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Duarte
Ass. Paula Teixeira