Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00614/07.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/14/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rosário Pais
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS; CORREÇÕES TÉCNICAS; ESCOLHA DO MÉTODO
Sumário:I - A circunstância da contabilidade ser una não colide com a sua correção, por parte da A. Fiscal, através da utilização simultânea de correções técnicas e métodos indiretos. A utilização simultânea de tais metodologias alternativas quando, em face dos factos patrimoniais sujeitos a registo, se apresente possível, torna-se, não só uma faculdade, mas um poder/dever da Fazenda Pública na medida em que impliquem uma maior proximidade à realidade a tributar.

II - Ao abster-se de aplicar métodos indiretos em face da proximidade do prazo de caducidade do direito à liquidação, aplicando apenas correções técnicas, a AT evitou a pratica de um ato inútil, respeitando o princípio da boa administração, consagrado no artigo 5.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea c), da LGT, segundo o qual a sua atuação deve pautar-se por critérios de eficiência e economicidade.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:B., LDA
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO
1.1. B., Lda., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 30.05.2017, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios do ano de 2002, no valor global de 5.888,36€.

1.2. A Recorrente B., Lda. terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«a) Tendo em consideração, por um lado, o que foi alegado na petição inicial da Impugnação, e, por outro lado, os concretos elementos probatórios que constam nos autos, a ora Recorrente não se conforma com a matéria de facto que, na Sentença recorrida, foi dada como provada e não provada.
b) Com base no Relatório de Inspecção Tributária que, enquanto documento nº 8, foi junto pela ora Recorrente com a P.I. da sua Impugnação, deveriam ter sido igualmente dados como provados, porque interessam sobremaneira à boa decisão da causa, os seguintes factos:
- No ponto “IV.2” do Relatório de Inspecção Tributária refere-se que, relativamente aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, é “impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável” da Impugnante.
- Ainda nesse ponto “IV.2” do Relatório de Inspecção Tributária refere-se que, “quanto ao exercício de 2002, o recurso à avaliação indirecta não é possível de ser usado nesta data em face da caducidade do direito de liquidar os tributos, tal como dispõe o art.º 45 da LGT”.
c) Contrariamente ao que foi decidido na Sentença recorrida, a actuação da AT configura uma manifesta violação das regras legais de determinação da matéria tributável.
d) Tendo em consideração o teor dessa mesma Sentença (na parte em que aí se refere que “é evidente que, no caso dos autos, não obstante a AT se ter confrontado com uma situação que do seu próprio ponto de vista era passível de correcções através de métodos indirectos de avaliação, esta optou por não tributar a totalidade da matéria tributável real (sendo certo que segundo o seu entendimento se estava perante indícios de omissão de uma parte substancial dela), limitando-se a corrigir apenas a matéria tributável relativa aos custos e proveitos objetivamente omitidos à contabilidade (ver Quadros 1, 2, 6, 7 e 9 do Relatório), conforme resulta do ponto 23 do probatório (ou facto 23 de 3.1 supra)”, e que “a opção da AT pelas correcções técnicas assentou expressamente no constrangimento temporal resultante do facto de estar iminente o termo do prazo de caducidade de 4 anos previsto no artigo 45º da LGT, já que a inspecção decorria nos últimos dias do último ano desse prazo – ver ponto IV.2.d), a fls. 20, do Relatório”, não se compreende como pode o tribunal a quo ter decidido que o procedimento adoptado pela AT no caso sub judice “não merece crítica”.
e) No entender da AT, os elementos contabilísticos da ora Recorrente não reflectiam, com referência a todos os exercícios analisados (2002, 2003 e 2004), as operações efectivamente realizadas.
f) Sendo esse o entendimento da AT, impunha-se, concomitantemente, que, em obediência ao princípio da legalidade a que se encontra legal e constitucionalmente vinculada, ela tivesse procedido, também com referência ao exercício de 2002, à avaliação da matéria tributável da ora Recorrente através do recurso a métodos presuntivos ou indirectos.
g) Porém, fundamentando-se apenas no receio de uma alegada “caducidade do direito de liquidar os tributos”, a AT, com referência ao exercício de 2002, optou por, arbitrariamente, proceder à avaliação directa da matéria tributável da ora Recorrente, apesar de, no seu entender, se encontrarem verificados os pressupostos de recurso à avaliação indirecta (cfr. ponto nº 23 da matéria de facto dada como provada na Sentença recorrida).
h) Ainda de forma contrária ao que foi decidido na Sentença recorrida, a AT não podia, à margem do se encontra legalmente estabelecido, escolher o método pelo qual deveria proceder à determinação da matéria tributável da ora Recorrente.
i) Uma vez que, por um lado, a discricionariedade só existe nos casos em que a lei atribui à administração fiscal o poder de escolha entre várias alternativas válidas, e, por outro lado, que, no caso em apreço, foi a própria AT quem, no Relatório de Inspecção Tributária, concluiu que era “impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável”, a única decisão que se afigurava correta era a de proceder à determinação da matéria tributável da ora Recorrente através do recurso a métodos indirectos.
j) Todavia, apesar de actuar no uso de poderes estritamente vinculados pelo princípio da legalidade, a AT, fazendo uso de uma inadmissível arbitrariedade quanto à opção do método a utilizar, decidiu proceder à avaliação da matéria tributável da ora Recorrente através do que, erradamente, designou serem “correcções meramente aritméticas”.
k) A questão a decidir nos presentes autos não se prende, pois, com qualquer pretensa discriminação da ora Recorrente perante os restantes contribuintes (como se refere na Sentença recorrida), mas antes com uma clara e evidente violação do princípio da legalidade tributária previsto, designadamente, nos arts. 266º da CRP, 8º e 55º da LGT.
l) Não obstante ter concluído pela impossibilidade de “comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável” da ora Recorrente, a AT, tendo única e exclusivamente por base um critério de oportunidade relacionado com a previsível caducidade da liquidação, decidiu, em clamorosa ofensa dos limites impostos pelos princípios da legalidade, da certeza e da segurança jurídica, bem como da boa-fé, proceder à determinação dessa matéria tributável através de pretensas correcções aritméticas.
m) O entendimento vertido na Sentença recorrida no sentido de que a eventual arrecadação de uma receita por parte da AT legitima que se postergue uma garantia dos contribuintes (concretamente, o direito de estes pedirem a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos), não é legalmente aceitável, configurando uma verdadeira denegação da função garantística do direito tributário adjectivo.
n) O tribunal a quo deu erradamente por adquirido que a determinação da matéria tributável da ora Recorrente por métodos indirectos seria mais gravosa do que a aquela que foi efectivamente realizada, porquanto não levou em consideração, desde logo, que, no caso de a AT ter recorrido à fixação da matéria tributável através de métodos indirectos, a Recorrente poderia ter solicitado a respectiva revisão antes de serem efectuadas as respectivas liquidações.
o) As liquidações impugnadas enfermam, pois, de ilegalidade decorrente da violação das regras de determinação da matéria tributável, devendo por isso ser anuladas.
p) De forma distinta do que consta na Sentença recorrida, assiste razão à Recorrente quando alega que a actuação da AT originou uma diminuição das suas garantias de defesa.
q) Relativamente aos actos de avaliação indirecta, adoptou-se, no art. 86º-3 da LGT, a regra da não impugnabilidade contenciosa autónoma, oposta à prevista para a avaliação directa.
r) Assim, quando o acto final do procedimento de avaliação indirecta da matéria tributável é um acto de liquidação, apenas este acto é contenciosamente impugnável.
s) Se os actos interlocutórios do próprio procedimento de avaliação enfermarem de vícios, os mesmos só podem ser invocados na impugnação contenciosa do acto de liquidação (salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou exista disposição expressa em sentido diferente).
t) A lei prevê, pois, em regra, a inimpugnabilidade contenciosa directa de um acto praticado num procedimento de avaliação que culmine com uma liquidação de imposto.
u) Por outro lado, os arts. 86º-5 da LGT e 117º-1 do CPPT acolhem a regra de que a impugnação judicial da liquidação fundada em erro de quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável depende de uma prévia reclamação, que, no art. 91º daquele primeiro diploma legal, se concretiza como um “pedido de revisão da matéria colectável”.
v) Deste modo, o acto de liquidação de imposto não é susceptível de impugnação contenciosa com fundamento em errónea aplicação de métodos indirectos ou erro na quantificação, quando não tenha sido previamente solicitado pelo contribuinte o procedimento de revisão da matéria colectável.
w) Conforme supra referido, do Relatório de Inspecção Tributária resulta inequívoco que, no entender da AT, os elementos contabilísticos da ora Recorrente não reflectiam, com referência ao exercício de 2002 (bem como relativamente aos exercícios de 2003 e 2004), as operações efectivamente realizadas.
x) Se era esse o seu entendimento, então a AT deveria ter procedido, também com referência a esse exercício de 2002, à avaliação da matéria tributável da ora Recorrente através do recurso a métodos indirectos.
y) Ao assim não ter feito, a AT violou o princípio da legalidade constitucional e legalmente consagrado (cfr. arts. 266º-2 da CRP e 8º-2 da LGT) e, dessa forma, impediu que a ora Recorrente, ao abrigo do acima referido art. 91º da LGT, reclamasse da aplicação desse método de avaliação da matéria tributável, bem como da quantificação da mesma.
z) Tal omissão consubstancia uma intolerável diminuição das garantias procedimentais da ora Recorrente.
aa) Também com esse fundamento, deverá a Sentença recorrida ser revogada e as liquidações impugnadas serem anuladas, com as legais consequências.
bb) Pelas razões expostas, a Sentença recorrida violou as normas dos arts. 266º-2 da CRP, 8º-2 e 55º da LGT, as quais deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido exposto nas presentes alegações e conclusões.
Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a Impugnação deduzida pela ora Recorrente, anulando-se, em consequência, as liquidações impugnadas, e ordenando-se a restituição à Recorrente da importância de €5.888,36, acrescida dos respectivos juros indemnizatórios vencidos sobre esse mesmo montante (€5.888,36), contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data em que a mesma efectuou o pagamento daquela importância, assim se reconstituindo a situação anterior à prática dos actos impugnados, tudo com verificação das respectivas consequências legais, como é de direito e de
JUSTIÇA!».

1.3. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer no sentido da improcedência do recurso interposto.
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Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao julgar legítima a atuação da AT ao determinar a matéria coletável do ano de 2002 através de correções técnicas, não obstante ter considerado que a contabilidade da impugnante permitia a aplicação de métodos indiretos.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com base nos documentos junto aos autos e no processo administrativo (PA) apenso considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. A sociedade agora Impugnante exerce a actividade de “Restaurantes”, CAE55301, com alojamento e realização de eventos, em instalações designadas “Estalagem (...)” situadas na Torreira — pág. 3 do Relatório, a fls. 33 do processo físico;
2. Para o serviço de alojamento dispõe de 34 quartos 2 suites normais e 1 suite de noivos, todos equipados com casa de banho completa e ar condicionado, bar, restaurante, salas de estar, conferências e banquetes, piscina, zonas de laser e parque de estacionamento, assegurando ainda oram serviços como lavandaria, aluguer de viatura, câmbios, bilhar, numa área total de cerra de 5000m2 — pág. 3 do Relatório, facto não controvertido;
3. Para o serviço de eventos possui para o efeito 3 salas. A “Sala Varanda da Ria” com capacidade ate 200 pessoas, a “Sala Verde” com capacidade até 100 pessoas e a “Sala Panorâmica” com capacidade até 180 pessoas — pág. 3 do Relatório, facto não controvertido;
4. Possui ao seu serviço, de acordo com a contabilidade, 12 funcionários incluindo a gerência, que asseguram os serviços de manutenção e limpeza dos quartos, serviços de restaurante e serviços administrativos — pág. 3 do Relatório, facto não controvertido;
5. A procura e, em consequência, os preços do serviço de alojamento variam em função da época do ano e incluem os preços do pequeno-almoço — pág. 3 do Relatório, facto não controvertido;
6. Na segunda metade de 2006 foi objecto de acção inspectiva levado a cabo pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de Aveiro, que culminou com o Relatório datado de 15-12-2006 e homologado por despacho de 18-12-2006 em que foram efectuadas “correcções aritméticas” ao IRC e IVA de 2002, 2003 e 2004 e também “correcções por métodos indirectos” ao IRC e IVA de 2003 e 2004 — pág. 28 e seguintes do processo físico e fls. 1 e 2 a 15 do PA;
7. A ação inspetiva iniciou-se em 31/7/2006 e terminou em 21/11/2006 — nota de diligência e ordem de serviço de fls. 64 e 65 do processo físico;
8. Na data de início da visita de inspeção, o SP não apresentou à Inspeção Tributária todos os documentos que integram a sua contabilidade, designadamente os documentos de compras de bens e de custos relativos ao exercício de 2002 dos meses de Janeiro a Setembro, nem outros considerados indispensáveis à análise da sua situação tributária — pág. 4 do Relatório, facto não controvertido;
9. Por isso, no 2/8/5 a AT notificou a agora Impugnante para apresentar no dia 18 de Agosto os seguintes documentos à Inspecção Tributária, relativos aos exercícios de 2002, 2003 e 2004: -facturas de compras e de vendas e de serviços; documentos comprovativos dos custos suportados; inventários físicos das existências; e -todos os restantes documentos relacionado com o exercício da actividade; E AINDA, contratos/ orçamentos efectuados com os clientes dos eventos realizados (casamentos, baptizados, comunhões, outros); -extractos bancários de contas tituladas pela firma em instituições bancárias. — pág. 4 do Relatório, facto não controvertido;
10. Na data indicada para cumprimento da notificação, o SP não apresentou os documentos de compras e custos incorridos na sua actividade no exercício de 2002 relativas aos meses de Janeiro a Setembro; Não apresentou os inventários físicos das existências dos exercícios de 2002, 2003 e 2004; Não apresentou os extractos bancários das contas tituladas pela firma, em instituições bandidos dos exercícios de 2002, 2003 e 2004; Quanto aos contratos/orçamentos efectuados com clientes dos eventos realizados, apenas referiu “apareceram umas agendas”, não as tendo exibido à Inspecção Tributária — pág. 4/5 do Relatório, facto não controvertido;
11. A Inspecção Tributária, no decurso da acção de inspecção teve conhecimento que tais contratos com os clientes eram efectivamente elaborados. Esta confirmação foi obtida quer por informações prestadas pelo próprio sócio gerente que assegurou que tais contratos eram efectuados, quer, no decurso da inspecção quando houve necessidade de fotocopiar diversos documentos, encontrando-se precisamente por cima da máquina fotocopiadora um arquivo de contratos efectuados relativos a eventos do ano de 2006 — pág. 5 do Relatório, facto não controvertido;
12. Na procura de documentos desaparecidos relativos a compras, a AT encontrou uma pasta de arquivo do ano de 2002, contendo alguns extractos bancários de contas tituladas pela B. de alguns meses, alguns talões de depósito nessas contas e ainda o extracto do mês de Março com os fechos das operações de Multibanco — pág. 6 do Relatório, facto não controvertido;
13. A AT detetou a omissão no registo de custos faturados por “T., Lda” e elaborou o seguinte quadro (“Quadro 1”) identificando os documentos em causa:
(Tabela na sentença original)
pág. 6/7 e anexo 4 do Relatório;
14. A AT detetou omissão de registo de custos relativo a pastelaria (Incluindo “bolo de noiva”, “bolo de baptizado”, “bolo de comunhão”, “bolo com símbolos”), faturados por F., Lda (Pastelaria (...)) e efetuou o seguinte quadro (Quadro 2) relativo aos documentos em causa:
(Tabela na sentença original)
— pág. 7/8 e anexo 5 do Relatório;
15. A análise do conteúdo de cada guia de transporte permitiu detectar omissões de proveitos, quer ao nível de eventos de casamentos, quer ao nível de outros eventos (baptizados, comunhões, festas diversas) — pág. 8 do Relatório;
16. Em 29/11 /2005, a AT remeteu um ofício ao SP a solicitar a identificação de todos os eventos realizados desde 2002. O SP enviou à Direcção de Finanças uma listagem contendo os eventos realizados bem como fotocopia das respectivas facturas (anexo 6), ressalvando, porém, o facto de lhe ser “extremamente difícil classificar os serviços efectuados” nos anos de 2002 e até meados de 2003, pelo facto da gerência de direito e de facto ser exercida pelo seu falecido pai Gerente à data) — pág. 9 do Relatório, facto não controvertido;
17. Do cruzamento efectuado entre a base de dados dos “questionários” enviados pelos nubentes (anexo 7) à DF Aveiro (bem como a resposta enviada pelo contribuinte) e a contabilidade do SP, verificou-se que a maior parte dos casamentos não se encontram registados na contabilidade, concluindo-se que houve omissão no registo de proveitos no ano 2002 — pág. 9 do Relatório;
18. A AT procedeu a auditoria ao sistema informático do SP e obteve uma tabela de preços das diferentes ementas para os serviços de casamentos e para os baptizados/comunhões (anexo 9) — pág. 10 do Relatório, facto não controvertido;
19. A AT verificou que a rentabilidade fiscal declarada pelo SP é muito inferior aos rácios médios declarados pelas outras empresas do mesmo sector com sede no distrito de Aveiro, conforme quadros 3 e 4 do Relatório:
(Tabela na sentença original)
— pág. 11/12 do Relatório;
20. A AT efetuou cálculo da Margem de Lucro (ML) sobre o preço de custo apenas da área da restauração e elaboramos o quadro a seguir apresentado (Quadro 5), concluindo que essa ML declarada também é muito inferior às médias declaradas por outras empresas do mesmo setor de atividade com sede no distrito de Aveiro:
(Tabela na sentença original)
— pág. 12 do Relatório;
21. A agora Impugnante não exibiu os inventários mas resulta das suas declarações que o valor inscrito como existências finais de 2002 (26.632,70€) é diferente do valor declarado coma existências iniciais de 2003 (24.496,58€) e de 2003 para 2004, a inventário final sofreu uma diminuição de 94% pág. 12/13 do Relatório;
22. Relativamente às referidas “correcções aritméticas” ao IVA do ano 2002, consta do Relatório o seguinte:
(Documento na sentença original)
pág. 13 a 18 do Relatório;
23. A AT decidiu proceder apenas às correções aritméticas relativas ao ano 2002, apesar de considerar que havia motivos para também recorrer a métodos indiretos, por entender que a proximidade da caducidade do direito à liquidação inviabilizava esse procedimento — pág. 20 do Relatório;
24. Foram emitidas as seguintes liquidações adicionais relativas ao exercício de 2002 resultante das correcções em causa nos autos, que foram notificadas à Impugnante:
(Tabela na sentença original)
— fls. 21 a 27 do processo físico e confissão artigos 1º e 2º da p.i;
25. Em 30/3/2007, a agora Impugnante procedeu ao pagamento das liquidações acima referidas — fls. 21 a 27 do processo físico;
26. Em 30/4/2007 a presente impugnação foi apresentada, sob registo postal, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, cf. teor de fls. 2 dos autos (p.f.);
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3.2 Matéria de facto dada como não provada.
Não foram apurados factos relevantes para a boa decisão da causa que devam ser dados como não provados.
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4. Motivação da Matéria de facto:
A convicção do Tribunal formou-se com base no teor dos documentos indicados em cada um dos postos do probatório supra, na medida em que o único meio de prova utilizado foi documental e a materialidade não vem concretamente impugnada.
No caso dos autos não se impugnam concretamente os factos que originaram as liquidações. O que está em causa é saber se justificando-se também a correção por avaliação indireta a AT poderia limitar-se, como fez, à aplicação de correções técnicas, com consequente omissão do procedimento de revisão. Por outro lado, discute-se a questão de saber se no caso dos autos caducou o direito de liquidar os tributos (ou parte deles).
Dado que essas são questões de direito, remete-se o seu conhecimento para o ponto seguinte.».

3.1.2. A Recorrente entende que deviam, igualmente, ter sido dado como provados os “factos” enunciados no ponto b) das conclusões das suas alegações, a saber:
- No ponto “IV.2” do Relatório de Inspecção Tributária refere-se que, relativamente aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, é “impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável” da Impugnante.
- Ainda nesse ponto “IV.2” do Relatório de Inspecção Tributária refere-se que, “quanto ao exercício de 2002, o recurso à avaliação indirecta não é possível de ser usado nesta data em face da caducidade do direito de liquidar os tributos, tal como dispõe o art.º 45 da LGT”.
Tendo, porém, em consideração que já consta do ponto 23 dos factos provados que «A AT decidiu proceder apenas às correções aritméticas relativas ao ano 2002, apesar de considerar que havia motivos para também recorrer a métodos indiretos, por entender que a proximidade da caducidade do direito à liquidação inviabilizava esse procedimento — pág. 20 do Relatório;», afigura-se-nos totalmente desnecessário o aditamento pretendido pela Recorrente.


3.2. DE DIREITO
Importa agora apreciar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao considerar legítima a atuação da AT de proceder a correções técnicas à matéria coletável do exercício do ano de 2002, apesar de ter constatado existirem razões para determinar tal matéria através de métodos indiretos.
Atentemos, antes do mais, no teor da decisão recorrida:
«I – Da violação de lei
A impugnante alega o vício violação de lei por entender que houve ilegalidade decorrente da violação das regras de determinação da matéria tributável (artigo 9º a 26º da p.i.) e ilegalidade decorrente de a actuação da AT ter originado uma diminuição das garantias da Impugnante (artigo 27º a 38º da p.i.).
I.A) – Da ilegalidade decorrente da violação das regras de determinação da matéria tributável (artigo 10º a 27º da pi)
A Impugnante considera que a AT procedeu ilegalmente ao corrigir “aritmeticamente” a matéria tributável de 2002, em vez de aplicar métodos indirectos de avaliação, já que, tal como sucedeu relativamente aos anos 2003 e 2004, os Serviços de Inspecção relataram factos que constituíam pressupostos da tributação indirecta, nomeadamente, não teriam sido apresentados alguns elementos contabilísticos essenciais, tais como inventários das existências, extractos das contas bancárias, o que alegadamente terá tornado impossível a determinação directa e exacta da matéria tributável real de todos esses anos.
Assim, a Impugnante defende que impunha-se à AT, em face de tais factos e do dever de legalidade da actuação administrativa a que se encontra vinculada, que procedesse à determinação da matéria tributável de 2002 com recurso a métodos indirectos de avaliação, tal como fez relativamente aos anos de 2003 e 2004. Cita exemplificativamente o Ac. TCAS de 14-11-2006, procº 01412/06, disponível em www.dgsi.pt.
Nesta tese, a razão para, discricionariamente, a AT ter decidido não aplicar métodos indirectos relativamente ao ano 2002 “fundou-se apenas na receio de uma alegada “caducidade do direito de liquidar tributos” (cfr. pág., 20 do” Relatório) – artigo 21º e 22º da p.i..
Portanto, a questão a decidir depende de saber se a AT, tendo verificado a existência de pressupostos para aplicação de métodos indirectos de avaliação, podia optar por proceder apenas a “correcções meramente aritméticas” (ou “correcções técnicas”).
É evidente que, no caso dos autos, não obstante a AT se ter confrontado com uma situação que do seu próprio ponto de vista era passível de correcções através de métodos indiretos de avaliação, esta optou por tributar a totalidade da matéria tributável real (sendo certo que segundo o seu entendimento se estava perante indícios de omissão de uma parte substancial dela), limitando-se a corrigir apenas a matéria tributável relativa aos custos e proveitos considerados objetivamente omitidos à contabilidade (ver Quadros 1, 2, 6, 7 e 9 do Relatório), conforme resulta do ponto 23 do probatório (ou facto 23 de 3.1 supra).
A AT qualificou essas correcções como sendo “aritméticas”.
“Ora, como é sabido, a matéria pode ser fixada através de três tipos de correcção. Na correcção aritmética, a matéria colectável é identificada pelo contribuinte na declaração periódica anual, pelo que a administração não precisa de se socorrer de qualquer método de avaliação – directo ou indirecto – para determinar o imposto devido: a administração tributária limita-se a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações, com o objectivo de garantir a exactidão das autoliquidações.
Trata-se, pois, do resultado da normal função de controlo que a administração tributária realiza quando recebe as declarações do contribuinte e verifica a existência de erros de cálculo.
O mesmo acontece, aliás, no caso de um acto administrativo expressar a vontade do órgão administrativo com erros de cálculo ou materiais manifestos. Neste caso, nos termos do artigo 148º do Código do Procedimento Administrativo, o acto pode ser rectificado, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do acto, oficiosamente (ou a pedido dos interessados) e com efeitos retroactivos.
Trata-se, pois, de uma correcção oficiosa que nem careceria de previsão legal expressa.
Distintas desta são as correcções técnicas que a administração tributária faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação directa, isto é, quando visa determinar o valor real dos rendimentos sujeitos a tributação sem recorrer a indícios ou presunções, mas à contabilidade do contribuinte.
É o que sucede com a qualificação de encargos como não dedutíveis para efeitos fiscais (cfr. artigo 41º, nº 1, do CIRC e ponto 1, alínea a), do probatório) ou de reintegrações e amortizações como custos ou perdas (cfr. artigo 23º, alínea g), do CIRS e ponto 1, alíneas b) e c) do probatório).
Estas correcções são também quantitativas, ainda que simultaneamente qualitativas: quantitativas porque alteram a matéria colectável, qualitativas porque esta alteração é mera consequência da diferente qualificação jurídica dada aos elementos que o contribuinte apresentou.
Por fim, as correcções podem ter ainda outra natureza, a de correcções quantitativas a se, o que acontece quando a administração tributária se socorre de métodos indirectos, alterando a matéria colectável com recurso a indícios, presunções ou outros elementos de que disponha.” Ac. STA, Procº 037/07, de 26-04-2007, em www.dgsi.pt.
Portanto, a expressão “correcções aritméticas” (correcções oficiosas de erros de cálculo, que não constituem uma “avaliação”, directa ou indirecta) não é sinónima da expressão “correcções técnicas” (correcções que se integram numa avaliação directa, com base nos elementos da contabilidade do contribuinte e sem recurso a presunções).
Em rigor, no caso dos autos, a AT procedeu a correcções técnicas (e não a correcções aritméticas). Dessa qualificação não resultam consequências substantivas, pelo que o problema a analisar mantem-se inalterado.
Nos autos não se discute — porque não suscitada — a questão de saber se a correção concretamente efetuada (que a AT qualificou como “correção meramente aritmética”) equivale efetivamente a uma avaliação direta ou indireta da matéria tributável. A Impugnante defende apenas que se a AT verificou que havia fundamento para efetuar outras correções (que esta optou por não concretizar por a isso obstar a iminente caducidade do direito à liquidação), então, deveria ter prosseguido com a respetiva avaliação indireta.
Portanto, a opção da AT pelas correcções técnicas assentou expressamente no constrangimento temporal resultante do facto de estar iminente o termo do prazo de caducidade de 4 anos previsto no artigo 45º da LGT, já que a inspecção decorria nos últimos dias do último ano desse prazo — ver ponto IV.2.d), a fls. 20, do Relatório. Assim, era evidente que não haveria tempo suficiente para concluir o procedimento de tributação por métodos indirectos de avaliação (que é mais complexo e extenso).
A Impugnante questiona a legalidade do uso discricionário de tal poder de “opção” e invoca a favor da tese negativa o teor do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.
Contra essa tese poderia invocar-se o Acórdão do STA, de 12-10-2011, proferido no Processo nº 0524/11, disponível em www.dgsi.pt.
De qualquer maneira, um poder discricionário só existe quando a lei o atribuir. Essa concessão legal destina-se a permitir que a Administração encontre a melhor solução concreta do caso, que só poderá ser uma, de entre todas aquelas que se apresentem como legalmente admissíveis.
Não há dúvida de que, por um lado, a lei confere à administração o poder de determinar a matéria tributável com recurso a métodos indirectos de avaliação como forma subsidiária da avaliação directa, preferindo esta àqueles (nºs 1 dos artigos 81º, 85º e 87º da LGT}. Ou seja, por um lado, a lei admite a possibilidade da AT poder recorrer à avaliação indirecta da matéria tributável mas dá clara preferência à tributação do rendimento real através de avaliação directa.
Por outro lado, a opção pela utilização de métodos indirectos é quase absolutamente vinculada, podendo concretizar-se quando estiverem verificados os respectivos pressupostos legais previstos no artigo 87º e seguintes da LGT.
Todavia, a questão a resolver é outra e consiste em saber se, verificados os pressupostos de aplicação dos métodos indirectos, a AT tem o poder discricionário de prescindir dessa forma de avaliação da matéria tributável e, em alternativa, fazer apenas correcções técnicas (ou apenas correcções aritméticas ou, no limite, não fazer qualquer correcção).
É pacífico que os poderes de fiscalização e correcção atribuídos por lei à AT são poderes funcionais que se traduzem em verdadeiros deveres de exercício desses poderes, por isso se falando, a este respeito, em “poderes-deveres”.
A AT pode e deve exercer os poderes que a lei lhe confere e deve fazê-lo nos termos da lei, nomeadamente respeitando o disposto no artigo 266º da CRP e o que sobre a actuação administrativa dispõe a lei ordinária, como por exemplo os artigos 4º a 8º e 55º da LGT.
Ou seja, a AT deve actuar, respeitando a Ideia do Direito e as garantias dos contribuintes, tendo em vista a prossecução do interesse público. Quando esse interesse público consistir no exercício do cerne da actividade tributária, que directamente visa a obtenção de receitas públicas, deve cuidar especialmente de respeitar o princípio da igualdade, tributando quem deve ser tributado e abstendo-se de tributar quem não deve ser tributado, e fazê-lo com justiça, imparcialidade, proporcionalidade e celeridade.
Por isso, e porque vigora o princípio da indisponibilidade administrativa dos créditos tributários, a AT não pode deixar de tributar quando existam condições legais e formais para isso.
Não obstante, a AT também deve obedecer ao princípio da administração eficiente, não desperdiçando os meios, sempre limitados, ao seu dispor.
Perante uma situação em que, por um lado, existam indícios seguros de evasão, e que, por outro, previsivelmente será impossível efectivar a tributação ou cobrança porque com elevada probabilidade a isso obstarão situações impossíveis de remover ou evitar, como a caducidade ou prescrição, a AT poderá/deverá direccionar a sua actividade no sentido que conduza à optimização dos resultados obtidos nas circunstâncias concretas do caso.
Só poderia não ser assim se essa atitude se traduzisse na violação de algum dos princípios que regulam a actividade administrativa. Por exemplo, a AT não poderá deixar de tributar um concreto contribuinte se em igualdade de circunstâncias quiser e puder tributar outros, sob pena de parcialidade e desigualdade no tratamento de situações que deveriam ser tratadas de forma igual. Uma actuação discriminatória poderia também conduzir à violação do interesse público de obtenção de receitas, de manutenção da confiança nas instituições, de justiça e paz social e introduziria um factor de desequilíbrio na assunção dos encargos públicos, desonerando alguns contribuintes dos seus deveres para com a comunidade em que se integram em prejuízo dos restantes.
A atuação da AT também é limitada pelos próprios limites da praticabilidade.
Portanto, a AT pode ficar desabrigada do seu dever de levar a cabo um procedimento, se for fundadamente previsível que a sua actuação se frustrará necessariamente por caducidade do respectivo direito, tornando o acto inútil. Não existe o dever de a Administração praticar actos inúteis.
No caso dos autos, a AT explicou que se encontrava limitada pelo tempo, prevendo fundadamente que esse constrangimento obstaria à efectiva tributação, não havendo nada nos autos que permita concluir que opção administrativa em causa é discriminatória em relação ao concreto sujeito passivo e que, em igualdade de circunstâncias, a AT não dada idêntico tratamento a qualquer outro sujeito passivo.
Na realidade, é legítimo deduzir que a AT não tributou este contribuinte com recurso a métodos indirectos tal como, pela mesma razão, não tributaria qualquer outro nas mesmas circunstâncias, já que o fundamento da sua actuação é a impossibilidade prática de levar o procedimento de avaliação indirecta até ao seu termo por causa da iminente caducidade dos tributos.
Conforme consta dos autos, a acção inspectiva terminou em finais de Novembro de 2006, conforme é reconhecido no artigo 4º da p.i, o Relatório final ficou concluído em 18-12-2006, nos últimos dias do prazo de caducidade. Haveria, ainda, de abrir o procedimento de revisão, que — relativamente aos anos não caducados, de 2003 e 2004 — se iniciou já em 17-1-2007 (fls. 17 do PA), depois da caducidade dos tributos de 2002 em causa nestes autos.
Ora, esta opção da AT é legítima por não ser discriminatória e não é injusta ou ilegal por qualquer outra razão.
Na verdade, o contribuinte não se queixa de ter sido discriminado negativamente, não critica a aplicação dum método de avaliação (por correcções técnicas) mais agressivo do que resultaria da avaliação indirecta que parece reclamar para o seu caso.
A Impugnante verdadeiramente não pretendia que lhe fossem aplicados métodos indirectos, à semelhança do que aconteceu relativamente aos exercícios dos anos 2003 e 2004. Na realidade, quanto a esses exercícios solicitou a revisão da matéria tributária e impugnou as respectivas liquidações com fundamento, também, na inexistência dos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos, como é do conhecimento oficioso deste Tribunal, onde correm essas acções de impugnação e como consta do PA (suas fls. 16 e seguintes).
A invocação pela Impugnante desses métodos visa apenas fundamentar a alegada ilegalidade da actuação da AT, no pressuposto de que, perante a situação descrita no Relatório, aquela entidade não aplicou métodos indirectos de avaliação em violação dum dever a que se encontrava legalmente vinculado.
Ora, com tal invocação a lmpugnante carece de interesse em agir, que é um pressuposto processual e, por isso, de conhecimento oficioso, e incorre em abuso do direito, que é excepção peremptória imprópria de conhecimento oficioso (Ac. STJ 04B4671, de 3-2-2005, disponível em www.dgsi.pt).
A lmpugnante carece de interesse em agir porque a desaplicação dos métodos indirectos correspondeu, em concreto, à sujeição a tributação apenas de uma parte dos rendimentos omitidos inicialmente e em proporção muito inferior àquela que poderia resultar, se houvesse tempo, da aplicação dos métodos indirectos.
Ora se a criticada opção da AT era menos agressiva do que aquela que resultaria da actuação alternativa, aparentemente defendida pela lmpugnante, falece o seu interesse em agir.
Todavia, analisando mais concretamente os resultados da tributação, se ela tivesse sido feita conforme parece ser reclamado pela lmpugnante, verificar-se-ia que o resultado da tributação resultante da aplicação de métodos indirectos relativamente aos tributos do ano 2002 ficaria na dependência da vontade do Sujeito Passivo: se ele exercesse o direito de pedir a revisão da matéria tributável, como fez relativamente aos anos 2003 e 2004, caducaria inexoravelmente o direito de tributar.
Ao agir como agiu, a AT conseguiu tributar, antes da caducidade, pelo menos uma parte da matéria tributável que fundadamente considerava ser devida relativamente ao ano 2002.
Ou seja, a Impugnante pretendia que a AT lhe aplicasse um método de avaliação da matéria tributável sabendo que conduziria necessariamente à absoluta desoneração do “dever fundamental de pagar impostos devidos”, na expressão do Professor Casalta Nabais, na sua tese de doutoramento.
Ora, não existe o direito de não pagar impostos devidos.
Quem, podendo fazê-lo, exigir uma forma de tributação concretamente ineficaz, ainda que para isso houvesse fundamento legal, com a finalidade de afastar outra forma de tributação legal e eficaz, abusa desse direito.
Não se diga que existe interesse em agir e que não há abuso do direito porque, do ponto de vista da Impugnante, tal como ela configura a acção, a AT terá agido de forma ilegal.
Os contribuintes não têm interesse em agir, mediante acção impugnatória em nome pessoal, contra uma alegada ilegalidade de que não resulta qualquer violação da sua esfera jurídica individual, mas abusa desse direito se, com essa acção impugnatória, pretender que a tributação da totalidade dos rendimentos obtidos e omitidos seja efectuada segundo um método que conduz necessariamente à caducidade do imposto e assim evitar completamente a tributação, mesmo de uma pequena fracção desses rendimentos, como está em causa nos autos.
Além disso, o poder que a lei concede à AT para determinar a matéria tributável por métodos indirectos, aplicável apenas quando a avaliação directa não seja possível, subsidiariamente a ela, destinou-se a salvaguardar os interesses prosseguidos pela Fazenda Pública e não a proteger o contribuinte que reúna os pressupostos da sua sujeição. A norma criada para proteger o interesse público cuja defesa está a cargo da Fazenda Pública não deve ser invocada para o prejudicar. Sem prejuízo de haver direito de defesa contra o mau uso desse poder, o Sujeito Passivo não temo direito de invocar a seu favor o não uso desse poder contra si.
Abusa quem, só porque entende que a lei lhe dá esse direito, pede a anulação de um acto útil e permitido pela lei, alegando que deveria ter sido praticado outro, também permitido pela lei mas que seria inútil, com o único objectivo de escapar aos efeitos (mitigados) do primeiro.
Acresce que a AT pode (e deve, sendo caso disso) efectuar correcções técnicas e simultaneamente aplicar métodos indirectos.
Foi o que sucedeu na acção inspectiva em causa nos autos relativamente aos anos 2003 e 2004. Quanto a esses períodos de tributação a AT fez simultaneamente correcções técnicas (que designou “aritméticas”) e por métodos indirectos (ver facto provado 2 e parte final do facto 3). Só não procedeu assim relativamente ao ano 2002 porque, como se disse, entendeu, e bem, que tal tributação seria inútil, não obstante ter feito o respectivo apuramento apenas com a finalidade de demonstrar, do seu ponto de vista, o elevado nível de evasão praticado reincidentemente pela Impugnante.
Portanto, a actuação da AT não merece crítica nesta parte, pelo que a pretensão improcede com este fundamento.
I.B) – Da ilegalidade decorrente de a actuação da AT ter originado uma diminuição das garantias da Impugnante (artigo 27º a 38º da p.i.)
A Impugnante, na sequência do argumento anterior, defende que a AT, ao não fazer aplicação de métodos indirectos de avaliação, impediu-a de reclamar desse método de avaliação bem como da respectiva quantificação (artigo 35º da p.i.), o que, do seu ponto de vista, consubstancia uma intolerável diminuição das garantias procedimentais da Impugnante (artigo 36º da p.i.). Cita o já referido Ac. TCAS, de 14-11-2006, procº 01412/06, disponível em www.dgsi.pt.
Ou seja, a Impugnante alega que as suas garantias de defesa ficaram prejudicadas por não ter sido praticado um acto do qual não pode defender-se porque, não existindo acto também não lhe foi concedido meio de defesa contra ele.
Tal argumento é manifestamente improcedente.
É evidente que a maior certeza de imunidade contra um acto prejudicial é a mera inexistência desse acto. Não tendo havido acto prejudicial, ninguém carece de defesa contra esse “não acto”.
Se não for concedido um meio de defesa previsto na lei, por não haver qualquer agressão a que possa ser oposta essa ou outra defesa, não existe qualquer preterição ou ilegalidade.
Não foram efectuadas correcções por métodos indirectos, não se agrediu por esse meio a esfera jurídica da Impugnante, razão pela qual não foi, nem poderia ser, concedido o respectivo meio de defesa.
Logo, sem necessidade de mais cogitações, improcede tal fundamento.».
Ora, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, tendo ainda em conta que, conforme resulta da jurisprudência que flui do acórdão do TCAS de 13.03.2014, proc. 0716/13, disponível em http://www.gde.mj.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/ba7167abb157e10e80257ca0003bccc1?OpenDocument, à qual inteiramente aderimos «a circunstância da contabilidade ser una não colide com a sua correcção, por parte da A. Fiscal, através da utilização simultânea de correcções técnicas e métodos indirectos, (…) . A utilização simultânea de tais metodologias alternativas quando, em face dos factos patrimoniais sujeitos a registo, se apresente possível, torna-se, não só uma faculdade, mas um poder/dever da Fazenda Pública na medida em que impliquem uma maior proximidade à realidade a tributar (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/6/2009, proc.2803/08).».
Significa isto que, numa circunstância como a presente, não obstante a AT ter constatado a convergência dos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, podia, ainda assim, aplicar conjuntamente ou em alternativa correções técnicas, como o veio a fazer, sem que com essa atuação prejudicasse, fosse por que forma fosse, os direitos de defesa da Recorrente.
Ao abster-se de aplicar métodos indiretos em face da proximidade do prazo de caducidade do direito à liquidação, aplicando apenas correções técnicas, a AT evitou a pratica de um ato inútil, respeitando o princípio da boa administração, consagrado no artigo 5.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea c), da LGT, segundo o qual a sua atuação deve pautar-se por critérios de eficiência e economicidade. A sua atuação foi, portanto, legítima.
De resto e como lapidarmente se refere na sentença recorrida, não assiste à Recorrente o direito de não pagar impostos, daí que, sem mais delongas, concluímos que o presente recurso não merece provimento.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC.
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Porto, 14 de outubro de 2021

Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta