Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00173/11.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
ARTIGO 24º, Nº1, ALÍNEA B) DA LGT
CULPA PELA FALTA DE PAGAMENTO DOS IMPOSTOS
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:1. Para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto [artigo 24º, n.º 1, alínea b), da LGT].
2. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.
3. No caso de tal prova não ser feita ou se ficar a dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, terá de ser valorada contra o oponente.
4. Não constando dos autos qualquer elemento relativo à reversão da execução fiscal contra o oponente, deve ser ordenada a ampliação da matéria de facto, a fim de ser apurado o fundamento da reversão da execução fiscal e se a situação é enquadrável na alínea a) ou na alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, e, consequentemente, sobre quem recai o ónus da prova quanto à culpa pela falta de pagamento da dívida tributária.
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

A Fazenda Pública [recorrente] interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a oposição deduzida por J..., com os demais sinais nos autos, à execução fiscal nº 338720501023594 e apensos que corre termos no Serviço de Finanças de Porto 4 para cobrança de dívidas de IMI, IRS e IRC, relativas ao ano de 2004.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

A. Julgou a sentença recorrida procedente a oposição, deduzida pelo responsável subsidiário executado após reversão do processo de execução fiscal em causa, instaurado contra a para a cobrança coerciva de dívidas provenientes de IMI e de retenções na fonte de IRC e de IRS relativas ao ano fiscal de 2004.

B. A douta sentença recorrida, apreciando as questões que identifica como causa de pedir da oposição, decidiu pela improcedência da alegação de ilegitimidade substantiva por falta de exercício efectivo da gerência e pela procedência de alegada inexistência de culpa do oponente na “insuficiência do património societário, para satisfação das dívidas tributárias”.

C. A douta sentença recorrida aprecia essa questão sob o subtítulo “Da falta de culpa na delapidação do património”, assinalando que “dos factos dados como provados ficou assente que (…) existe insuficiência de bens penhoráveis no património da primitiva executada e efectivo exercício das funções de gerente por parte do revertido”, que “relativamente às dívidas de IVA, se trata de uma situação em que o prazo legal de pagamento ou entrega da dívida terminou no período de exercício do cargo do gerente, e aqui oponente, verifica-se que dos elementos carreados para os autos nenhuma prova consta de que não foi por culpa do sua (sic) que o património da sociedade executada se tornou insuficiente para a satisfação das dívidas“, e que “ resta pois concluir, quanto ao período da prova e prazos de constituição e pagamento das dívidas de IMI, IRC e IRS, relativas a 2004, o oponente é parte ilegítima”, terminando com a decisão de procedência da oposição e determinando “a extinção da reversão (sic) contra o aqui oponente”.

D. Neste contexto, e com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera que a sentença recorrida encontra-se afectada por vício que importa a sua nulidade, porquanto falta à adequada especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão,

E. e, sem prescindir nem conceder, e caso assim não se entenda, fez errado julgamento de facto e de direito, incorrendo num desvalor substancial que, sem prejuízo de melhor opinião, deve levar à sua revogação.

F. Em primeiro, a Fazenda Pública entende que a decisão recorrida, como acto jurisdicional, atentou contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, afectando a sua validade formal e tornando-a susceptível de nulidade, nos termos do art. 668º do CPC, aplicável por via do art. 2º, al.e), do CPPT.

G. Com efeito, ao afirmar que, ante os elementos carreados para os autos, nenhuma prova consta de que não foi por culpa sua (do oponente, se bem interpreta a Fazenda Pública esse trecho da sentença) que o património da sociedade executada se tornou insuficiente para a satisfação das dívidas,

H. a sentença recorrida parece referir-se ao nexo de imputação subjectiva e à inversão do ónus probatório contida na al.b) do nº1 do art. 24º da LGT quanto a essa imputação, pois de imediato refere que a prova dessa falta de culpa não foi feita,

I. mas tal relação nunca poderia ter sido feita com a situação de insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária para a satisfação das dívidas, porque a responsabilização em que opera a previsão do art. 24º, nº1, al.b), da LGT, que serviu de base a essa responsabilização e a que alude o argumentado nos pontos 35º a 37º e alíneas KK) a MM) da petição inicial, reporta-se às dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo de gerente.

J. Logo, a sentença recorrida enuncia de modo errado a norma legal aplicável, e, consequentemente, o quadro factual a verificar para efectivar a responsabilização subsidiária do gerente aqui oponente.

K. Acresce que, de imediato, referindo-se “às dívidas de IVA”, declara que nenhuma prova foi feita da falta de culpa do oponente que o património da sociedade executada se tornou insuficiente para satisfação das dívidas, sem declarar a oposição improcedente nessa medida,

L. e, contraditoriamente e sem justificar de qualquer modo, que, no que toca às dívidas de IMI, IRC e IRS relativas a 2004, e quanto aos respectivos período da prova e prazos de constituição e pagamento, que o oponente é parte ilegítima (para a execução).

M. A fundamentação exposta na sentença, influenciada pelos apontados erros de determinação da norma legal aplicável, pela deficiente especificação dos factos decisivos e subsunção à norma aplicável e pela contraditória conclusão retirada dos factos e errónea aplicação do direito,

N. mostra-se, assim, afectada de vício formal, por não apresentar nenhuma relação perceptível com o julgado, figurando uma mera aparência de fundamentação, equiparável à falta absoluta de fundamentação e determinando a sua nulidade, nos termos do art. 125º do CPPT, conjugado com o art. 123º, nº 2, do mesmo diploma legal, e o art. 668º, nº1, al.b), do CPC.

O. Ainda que assim não se entenda por essa Instância Superior, e sem prescindir nem conceder, a Fazenda Pública propugna que as arguidas deficiências da motivação constituem errado julgamento de facto e de direito, e afectam o valor substancial da sentença, a ponto de, sempre com o respeito devido, determinar a sua revogação no recurso sub judice.

P. Esclarecendo, na óptica da Fazenda Pública não dá como provados todos os factos pertinentes para a boa decisão da causa, retira conclusões erróneas dos factos dados como provados na sentença (erro de julgamento da matéria de facto) e falha na aplicação do direito aos factos (erro de julgamento da matéria de direito).

Q. A Fazenda Pública discorda do julgamento que na sentença recorrida foi assim feito no âmbito da matéria de facto, por não partir de uma completa enunciação e nem da adequada apreciação de todos os factos evidenciados pelo processo com relevo para a decisão da causa.

R. Considerando o dado de facto que se propôs acrescentar à factualidade dada como provada, nos termos da al. a) do nº1 do art. 712º do CPC, por ser pertinente tanto para aferir da verificação dos pressupostos da responsabilização subsidiária do oponente como para um adequado exame crítico das provas documentadas nos autos dos demais factos relevantes,

S. mais se evidencia que, na apreciação da matéria de facto, em especial no que concerne à suposta questão da “falta de culpa na delapidação do património”, não se identifica com precisão o regime legal que presidiu à reversão, nem se averigua quem e em que termos estava incumbido do ónus probatório relativo à culpa na falta de pagamento ou entrega das dívidas exequendas, e se preencheu esse ónus.

T. Acresce que a sentença recorrida, e se bem a interpreta a Fazenda Pública, salienta que, quanto ao IVA, não se fez prova que não foi por culpa do oponente (embora referida à insuficiência patrimonial, que não era o âmbito probatório da questão), e, inexplicavelmente, declara o oponente parte ilegítima quanto às demais dívidas exequendas, de IMI, IRC e IRS retido na fonte em 2004, concluindo incongruentemente pela procedência da oposição.

U. Para além da sentença recorrida decidir incoerentemente ou mesmo contra os factos apurados, incorrendo em erro de julgamento de facto, laborou em erro na caracterização jurídica da situação e da enunciação da regra que lhe deve dar solução, incorrendo em erro de julgamento de direito.

V. Em face do alegado pelo oponente, e tendo em conta o regime legal em que se promoveu a reversão, a douta sentença teria de apreciar a prova (inexistente, diga-se) dirigida à prova do contrário da culpa presumida pelo art. 24º, nº1, al.b), da LGT, e, perante a falta dessa prova, declarar improcedente a alegação e, por isso, a oposição.

W. Não o tendo feito, e errando no julgamento de facto e de direito da oposição, a sentença recorrida, salvo melhor entendimento, mostra-se irremediavelmente afectada na sua validade substancial, determinante da sua revogação.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, e, por esse motivo, ser declarada nula a sentença recorrida ou, se assim não for entendido, ser a mesma revogada, por erro de julgamento de facto e de direito, com as legais consequências.

O Recorrido contra - alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

A EPGA junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso e anulada a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir, já que a tal nada obsta.

Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões [nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nº s 3 e 4 e 685º-A, todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)] são as seguintes: (i) do erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida ao considerar legal a reversão, apesar de a administração tributária ter violado o princípio da excussão prévia (consignado no artigo 23º, nº 2 da LGT); (ii) do erro de julgamento quanto ao requisito da culpa pela insuficiência do património societário para satisfação da dívida exequenda.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

2.1.1. É a seguinte a matéria de facto dada como provada e como não provada na sentença recorrida e que damos por reproduzida ipsis verbis:
“Com base em documentos, informações oficiais e depoimentos foi possível apurar a seguinte factualidade:

A). Contra a “Sociedade…, Lda.” foi instaurado processo de execução fiscal n°3387200501023594 e aps, referente a dívidas de IMI, IRC e IRS, relativas ao ano de 2004, cf. informação oficial de fls. 21 e 24 dos autos e conforme consta da própria contestação.

B). Por despacho de 21/12/2009 a execução fiscal indicada em A)., reverteu contra J..., aqui oponente, na qualidade de sócio gerente da executada, cf. informação oficial de fls. 21 a 24 dos autos.

C). Em 30/12/2009 a oponente foi citada para a execução, cf. informação oficial de fls. 21 a 24 dos autos.

D). O oponente foi gerente da sociedade executada originária, cf. informação de fls. 21 a 24 dos autos.

E). Em 09/12/2003 o aqui oponente outorgou uma procuração em nome de D…, a quem conferiu os necessários poderes para, em seu nome, praticar todos os actos decorrentes do teor de fls. 17 a 20 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

E). Em 01102/2010 a presente oposição foi apresentada no Serviço de Finanças competente, cf. fls. 6 dos autos

IV. FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem outros factos com pertinência para a decisão. As demais asserções da douta petição integram antes conclusões de facto / direito, meras considerações pessoais do oponente ou são inócuas para a boa decisão da causa.

O Tribunal firmou a sua convicção nos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados.

A instauração da execução contra a sociedade, posterior reversão e a altura a que se reportam as contribuições, constituem factos de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do art. 514° C.P.C”.

2.2. O direito

2.2.1. A primeira questão que cumpre decidir, por contender com a sua validade formal, é a da invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação.

Alega a Recorrente que a sentença recorrida é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão [conclusão D)].

Nos artigos 125º do CPPT e 668º (actual 615º), nº1, alínea b) do CPC, na redacção aplicável, está prevista a nulidade da sentença quando não sejam especificados os fundamentos de facto e de direito da decisão.

A nulidade - por falta de especificação dos fundamentos de facto - abrange tanto a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo artigo 123º, nº 2 do CPPT, como a falta do exame crítico das provas previsto no artigo 659º, nº 3 do CPC - a propósito, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, 6ª ed., Vol. II, p. 358.

Com efeito, decorre do disposto nos artigos 123º, nº 2 do CPPT, 653º, nº 2 e 659º, nº 3 do CPC [aplicáveis, com as devidas adaptações, por força do artigo 2º, alínea e) do CPTT], que o juiz tem o dever de declarar quais os factos que o tribunal julga provados e não provados, fundamentando a decisão sobre a matéria de facto, devendo especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, analisando criticamente as provas. Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida.

O exame crítico da prova deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. Ou seja, a fundamentação de facto não se deve limitar à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre os pontos da matéria de facto - assim, Jorge Lopes de Sousa, ob. cit, p. 321.

O julgador não se deve limitar, pois, a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos, impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida.

Todavia, a falta de fundamentação susceptível de integrar a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos (quer referentes aos factos quer ao direito), que não uma fundamentação escassa, deficiente [Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 687, Fernando Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, p. 55].

No caso dos autos, resulta da leitura da decisão de facto e respectiva motivação (supra transcrita) que a matéria de facto dada como assente teve por base os documentos enunciados no probatório. O que se compreende, já que, além desses documentos, nenhuma outra prova foi produzida nos autos.

O tribunal recorrido consignou no probatório a factualidade, resultante dos documentos juntos, que entendeu necessária à decisão das questões suscitadas nos autos. Saber se essa factualidade é (ou não) suficiente para suportar a decisão proferida já se prende com um eventual erro de julgamento e não com a nulidade da sentença.

Por outro lado, na fundamentação jurídica, após ter sido equacionada a questão a decidir - a ilegitimidade do Oponente na execução fiscal - foi referido o regime legal aplicável à situação dos autos (com reporte ao artigo 24º da LGT) e, feita a subsunção dos factos ao direito, foi entendido que não tinha sido feita prova nos autos de que tinha sido por culpa do Oponente que o património da sociedade executada se tornou insuficiente e, nessa medida, concluiu-se pela ilegitimidade daquele na execução e pela procedência da oposição.

Saber se foi bem ou mal aplicado o regime decorrente do artigo 24º da LGT à situação dos autos (como parece resultar das alegações de recurso) também não contende com a nulidade da sentença mas com um eventual erro de julgamento.

Improcede, pois, a nulidade invocada.

2.2.2. Mas a Fazenda imputa também erro de julgamento (de facto e de direito) à sentença recorrida quando esta considera que o prazo legal de pagamento da dívida de IVA terminou no exercício do cargo de gerente e que dos autos não consta nenhuma prova de que não foi por culpa do Oponente que o património da sociedade executada se tornou insuficiente para satisfação das dívidas e conclui, relativamente a todas as dívidas, que o Oponente é parte ilegítima.

Vejamos.

A execução fiscal a que se reporta a presente oposição destina-se à cobrança coerciva de dívidas provenientes de IMI, IRC e IRS relativos ao ano de 2004 (e não de IVA, como certamente por lapso foi entendido na sentença recorrida).

É sabido que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12º do Código Civil), pelo que sendo a dívida exequenda referente ao ano de 2004, dúvidas não restam que é de aplicar o regime previsto no artigo 24º da LGT.

Este artigo 24º, nº 1 da LGT estabelece o seguinte:

“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

(…) ”.

Neste normativo está, assim, prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício [alínea a)] ou vencidas no período do seu mandato [alínea b)].

Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. O ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública.

Quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária. Ora, “esta presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no artigo 487º do Código Civil (CC), compreende-se neste caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 32 ao art. 204º, pág. 356.). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida” - assim, por todos, acórdão do TCAN de 29 de Outubro de 2009, Processo 228/07.2.

Assim, tendo a sentença recorrida considerado que o prazo legal de pagamento ou entrega da dívida terminou no exercício do cargo de gerente e que não foi feita nenhuma prova nos autos de que não foi por culpa do Oponente que o património da sociedade executada se tornou insuficiente para satisfação das dívidas, e recaindo o ónus dessa prova sobre este [artigo 24º, nº 1, alínea b) da LGT], não podia concluir, como concluiu, que o Oponente era parte ilegítima na execução.

Como vimos, a norma do artigo 24º, nº 1, alínea b) da LGT (aplicável no caso de dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, como o tribunal recorrido considerou verificar-se in casu) é inequívoca ao estabelecer uma presunção legal de imputabilidade do não pagamento das dívidas tributárias relativamente a quem exercia a gerência no momento em que terminou o prazo legal de pagamento dessas mesmas dívidas, pelo que, para o Oponente se eximir da sua responsabilidade subsidiária, terá que provar que a falta de pagamento dos impostos em causa não lhe é imputável.

No caso de tal prova não ser feita, ou se ficarem dúvidas quanto à não imputabilidade da falta de entrega do imposto, e tendo o tribunal recorrido considerado que se estava perante uma situação em que o prazo legal do imposto ou a falta de entrega terminou no período do exercício do cargo de gerente pelo Oponente [em que é de aplicar o regime decorrente da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT], a oposição deve improceder, ao contrário do que concluiu o tribunal recorrido.

Verifica-se, pois, o erro de julgamento imputado pela Fazenda Pública à sentença recorrida.

Do probatório não decorre, todavia, qualquer factualidade que permitisse ao tribunal recorrido concluir (como concluiu) que a reversão da execução contra o Oponente se fundou no exercício da gerência no período em que terminou o prazo legal de pagamento das dívidas exequendas. Nem nos autos existem quaisquer elementos probatórios que permitam fazer esse apuramento, já que dos mesmos não consta qualquer elemento atinente à reversão da execução (v.g. projecto do despacho de reversão, despacho de reversão, nota de citação).

E, por outro lado, o Recorrido sustenta que a reversão se fundamentou na alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT.

Verifica-se, pois, insuficiência da matéria de facto considerada provada, nomeadamente quanto ao fundamento da reversão, e a necessidade de ampliação da matéria de facto.

Com efeito, sem aqueles elementos não é possível saber se a situação dos autos é enquadrável na alínea a) ou na alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, e, consequentemente, sobre quem recai o ónus da prova quanto à culpa pela falta de pagamento da dívida tributária. Ou seja, sem tais elementos não é possível saber se o Oponente é ou não parte legítima na execução.

Deste modo, e uma vez que os autos não dispõem de todos os elementos probatórios indispensáveis à boa decisão causa, deve o processo ser remetido ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto nos termos que vimos de referir.

3. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:

- Revogar a sentença recorrida;

- Ordenar a remessa do processo ao tribunal de 1ª instância para nova decisão em que se proceda à ampliação da matéria de facto com preliminar aquisição de prova conforme acima se indica.

Sem custas.

Porto, 12 de Fevereiro de 2015

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Ana Patrocínio

Ass. Ana Paula Santos