Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00862/19.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Moura
Descritores:OPOSIÇÃO COM FUNDAMENTOS DE IMPUGNAÇÃO. REJEIÇÃO LIMINAR. NÃO CONVOLAÇÃO POR FALTA DE PEDIDO ANULATÓRIO DA LIQUIDAÇÃO.
FUNDAMENTOS DAS ALÍNEAS A), B) E I) DO N.º 1 DO ARTIGO 204.º DO CPPT.
Sumário:I – Uma Oposição à Execução Fiscal que contenha apenas fundamentos de impugnação do ato tributário, pode ser liminarmente rejeitada, por não conter causa de pedir taxativamente tipificada nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

II – O regime da falta de autorização para cobrança do imposto previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, não se refere às situações em que seja a própria administração fiscal a decidir o que deve ou não ser executado coercivamente ou liquidado. Refere-se antes à autorização que seja concedida pelo legislados ao Executivo para que possa proceder à cobrança do tributo que esteja em apreço.

III – O fundamento previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, apenas tem aplicação quando a posse, fruição ou propriedade de determinados bens seja pressuposto da incidência do tributo em execução, ou seja, apenas pode verificar-se em relação à contribuição autárquica ou IMI, aos impostos sobre veículos, sobre circulação e camionagem ou taxas relacionadas com a posse, fruição ou propriedade do bem.

IV - O fundamento previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, apenas pode ser utilizado quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação.
V – Uma Oposição não pode ser convolada em Impugnação quando não contenha pedido compatível com o processo de impugnação, ou seja, de anulação do ato tributário (ou se se quiser da liquidação). *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:S.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


S. interpõe recurso da sentença que rejeitou liminarmente a Oposição por entender que os fundamentos invocados, e que consubstanciam a causa de pedir, respeitam à legalidade da liquidação de IRS do ano de 2016, não sendo apresentados fundamentos do processo de Oposição.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

A- Vem o presente recurso interposto da sentença que determinou que, muito embora a Oponente ter formulado pedido compatível com a oposição à execução – extinção da execução -, e, portanto, não estar em causa uma situação de impropriedade do meio processual, as concretas causas de pedir invocadas não são adequadas à forma de processo escolhida pela Oponente, o que inquina a viabilidade do pedido e se traduz na manifesta improcedência da ação, decidindo-se, assim, pela rejeição liminar da oposição, nos termos da alínea b) e c) do n.º 1 do artigo 209.º do C.P.P.T.
B- Para fundamentar esta decisão, o douto tribunal a quo, fundamentou a decisão proferida como aqui se sintetiza: “Assim, nos termos e com os fundamentos expostos, rejeita-se liminarmente a oposição, nos termos da alínea b) e c) do n.º 1 do artigo 209.º do C.P.P.T..”
C- A Recorrente deu origem aos presentes autos com a apresentação da sua oposição à execução fiscal, a qual se estribou nos seguintes fundamentos, que se abreviam quanto à factualidade narrada, e que aqui se expõem no que toca à fundamentação aduzida:
“ 40-Decorre do ante exposto, que a Oponente não pode ser instada a declarar rendimentos que não incorporou no seu património.
41-Na verdade, a Oponente, no ano de 2016, apenas auferiu a quantia de 7.775,08€ sem qualquer afetação por parte do Cabeça de Casal da Herança Indivisa aberta por óbito de M., a qualquer categoria de rendimentos, o identificado rendimento acima referido.
42-A Autoridade Tributária, no firmamento do entendimento de que a Oponente estava obrigada a apresentar declaração de rendimentos relativa ao anexo F no ano de 2016, veio informar a Oponente que esta teria de declarar esses rendimentos.
43-E em face do não acolhimento da informação prestada pela aqui Oponente, a Autoridade Tributária procedeu à liquidação oficiosa da declaração de rendimentos referente ao ano de 2016,
44-Tendo-o feito, para além do mais, de forma desacertada, como acima se demonstrou, pois, caso tal anexo devesse ser declarado pela Oponente, o que não é, em definitivo o caso, também da liquidação oficiosa promovida pela Autoridade Tributária haveria de ter resultado um reembolso a favor da Oponente,
45-E não um imposto a pagar.
46-E uma vez que a Autoridade Tributária se substituiu ao contribuinte no preenchimento dessa declaração de rendimentos, deveria tê-lo feito, no mínimo, com rigor e com o cumprimento do critério de legalidade,
47-Não podendo de forma desprimorosa, certificar uma liquidação enfermada de erro,
48-E de dar à presente execução, como título executivo, uma Certidão emitida sobre uma Nota de Liquidação enfermada de erro.
NO ENTANTO, Mesmo tendo a Oponente demonstrado que teria um valor a receber, e não a pagar.
49-A Oponente, não prescinde da fundamentação que veiculou à Autoridade Tributária quanto à identificação do sujeito passivo com a obrigação de declarar os rendimentos prediais por si recebidos – o Cabeça de Casal,
50-Uma vez que a Oponente jamais incorporou no seu património a verba correspondente à sua quota ideal.
51-Como, igualmente, não tinha integrado no seu património os rendimentos correspondentes à sua quota ideal nos anos de 2014 e 2015, os quais somados aos rendimentos de 2016 correspondem ao valor líquido de impostos de 260.704,44EUR, do qual recebeu, como redito, o valor, apenas, de 23.325,25EUR.
52-E quanto ao Anexo F como claramente acima deduzido, as rendas foram auferidas pela Herança Indivisa, a qual no âmbito do MOD. 44 emitiu os recibos correspondentes conforme é do conhecimento da Autoridade Tributária.
53-O processo de execução fiscal instaurado viola o disposto nos art. 13º, nº 2, 103, nº 2 e 104º da Constituição da República Portuguesa e ainda o prescrito nos art. 58, alínea c) do CIRS, e art. s 2068º, 2069º, 2079º, 2088º, nº 2 do Código Civil e art. 744º, no 1 do CPC, pois, também o valor cobrado foi encontrado sem ter em conta as despesas prediais, que já eram do conhecimento da Autoridade tributária, o que fere a Nota emitida de invalidade acrescida.” Itálico da Recorrente
D- E, não se conforma com a rejeição liminar da oposição à execução fiscal proferida, porquanto a mesma enquadra-se nos fundamentos taxativamente previstos no art. 204º do CPPT.
E- Na verdade, como decorre do pedido formulado pela Recorrente, a sua pretensão está sedimentada ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do C.P.P.T, conforme se replica: “Termos em que, e nos melhores em direito que Vª. Exa. mui proficientemente suprirá se requer a determinação judicial da procedência da presente Oposição e em consequência a extinção da presente execução, por provada, com as demais consequências legais, nos termos do art. 204º, alíneas a) e b) do CPPT.”,
F- Pelo que, deveria o Tribunal a quo, ter apreciado liminarmente a oposição formulada unicamente pelo pedido elaborado e configurado pela Recorrente.
G- Assim, e não o tendo feito, a decisão proferida viola o mencionado artigo 204º, alíneas a) e b) do CPPT.
H- Decorre do articulado apresentado pela Recorrente que o pedido formulado ao Tribunal recorrido, prende-se exclusivamente com a extinção do processo de execução fiscal, e tal nota decorre efetivamente do pedido que formulou e os comandos normativos selecionados são aqueles que taxativamente estão previstos na lei, como se segue:
Artigo 204.º Fundamentos da oposição à execução
1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos: a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação;
b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;
I- E tais pedidos resultaram em suma da seguinte factualidade:
a) A Recorrente é herdeira na Herança Indivisa, NIF(...), aberta por óbito de sua Mãe,M..
b) Por referência ao ano fiscal de 2016, o Cabeça de Casal deu instruções à Recorrente em 4-5-2017, para esta declarar fiscalmente os rendimentos auferidos pela Herança Indivisa, num montante global líquido de 75.628,50€,
c) Mas apenas lhe entregou a 24-5-2017, com reporte ao ano elegível, a quantia de 7.775,08€ traduzidos numa transferência bancária no montante global de 23.325,25€ com indicação de que esse valor, correspondia aos rendimentos da Herança Indivisa por reporte aos anos de 2014, 2015 e 2016.
d) A esse valor reportado para o ano de 2016, correspondente a 1/3 do valor recebido, não foi indicada qualquer afetação específica sobre a sua proveniência quanto a qualquer indexação por reporte aos anexos que lhe indicara dever declarar.
e) E, se a Recorrente, nos anos de 2014 e 2015, cumpriu de boa fé com as instruções fiscais recebidas por parte do Cabeça de Casal da Herança Indivisa, declarando no IRS relativamente a 2014, o montante de líquido de 54.942,56€, e quanto ao ano de 2015, o valor líquido de 120.678,47€,
f) Nesse terceiro ano já não caiu no mesmo erro, pois, tal boa-fé, valeu-lhe por reporte ao ano fiscal de 2015 a penhora do saldo bancário na importância de 6.118,75€, por falta de pagamento da Nota de Liquidação correspondente aos rendimentos declarados nesse ano, no valor líquido já cima indicado de 120.678,47€ e não recebidos.
g) A Recorrente, não quis, porém, tomar tal decisão sem que antes não desse conhecimento à Autoridade Tributária da nova situação que estava a viver por reporte a esta nova instrução, e assim, enviou-lhe, no dia 18-5-2017, uma missiva onde juntou todos os anexos que houvera sido instada a declarar nesse ano de 2016, os quais perfaziam o montante líquido, acima descrito, de 75.628,50€, juntando, igualmente, a já conhecida prova de ter, recebido, apenas, o valor de 7.775,08€.
h) No dia 27-6-2017 a Recorrente submeteu junto da AT uma Reclamação Graciosa à Autoridade Tributária onde reforçou todo o já explanado junto desta Autoridade.
i) No dia 21-11-2017, a Recorrente reforçou junto da Autoridade Tributária, a necessidade de extinção da penhora, reforçando que não se poderia sujeitar a outra, declarando, de novo, rendimentos que não houvera recebido.
j) A Autoridade Tributária veio em resposta notificar a Recorrente, no dia 19-1-2018, que indeferia os pedidos de anulação apresentados por esta das declarações que por boa-fé houvera apresentado nos anos 2014 e 2015.
k) No dia 29-1-2018 a Autoridade Tributária veio reforçar no ponto 3 do Ofício que enviou à Recorrente, que considerava tais declarações não anuláveis.
l) Donde se pressupunha então, que a Recorrente deveria declarar, de novo, no ano de 2016, os valores da Herança Indivisa cujos anexos lhe tinham sido enviados, e não os valores recebidos.
m) Nesta última resposta da Autoridade Tributária esta, também, fixou que a resposta definitiva resultaria das impugnações judiciais já apresentadas pela Recorrente em relação a esta matéria sobre aqueles dois descritos anos de 2014 e 2015, e, assim, a Recorrente ficou, então, a aguardar tais decisões, as quais, porém, ainda não foram pronunciadas.
n) No dia 31-7-2018, a Autoridade tributária enviou à Recorrente um Ofício instando-a a declarar o IRS de 2016.
o) A Recorrente, no dia 06-08-2018, voltou a explicar a razão pela qual entendia que não era obrigada a Declarar o IRS de 2016, e nessa resposta, indexou-se nova questão em relação à declaração para o ano de 2017.
p) No dia 26-9-2018, a Recorrente recebeu o Ofício nº 2018S000211885, onde a Autoridade Tributária informou que entendia, que esta teria de declarar, no mínimo, os rendimentos prediais da Categoria F.
q) E, no dia 10-10-2018 a Recorrente enviou à Autoridade tributária uma resposta, onde uma vez mais, verteu os fundamentos que afastam a obrigatoriedade imposta à sua pessoa, de apresentação do Mod. 3, tal como tinha sabido decorrer – por consulta telefónica que fizera aos serviços tributários através do número de telefone acometido pela Autoridade Tributária no seu site da DGCI - de instrução interna recebida por todos os Chefes de Seção dos Serviços de Finanças Tributários em maio do ano de 2015, enviada pela Direção Geral das Contribuições e Impostos, que explicitamente lhes indicava que quando o Mod.44 referente aos Anexo F é preenchido pelo Cabeça de Casal da Herança Indivisa é este que tem de responder pelo pagamento dos Impostos e não os herdeiros legitimários.
r) No dia 4-12-2018 a Recorrente tomou conhecimento de novo Ofício 2018S000273997 pelo qual a Autoridade Tributária de novo, se posicionou quanto à sua capacidade contributiva para preenchimento do Anexo F, por considerar que os 7.775,08EUR auferidos por decorrência de entrega preconizada pelo Cabeça de Casal da Herança Indivisa se reportavam a esta categoria, razão pela qual a dispensa de entrega de declaração de IRS prevista no art. 58º do CIRS não se aplicava ao caso da contribuinte.
s) No dia 08-12-2018, a Recorrente, relembrando todas as explicações e esclarecimentos já dados, reforçou a sua posição anterior, sobre a inaplicabilidade de tal imposição.
t) E, apontou igualmente, que a posição assim assumida pela Autoridade Tributária diferia daquela inicialmente expressa, pela qual a Recorrente era obrigada ao pagamento de todos os anexos que integravam a Herança Indivisa e não apenas, como agora o instituía, apenas em relação ao anexo F.
u) Na verdade, a Autoridade tributária contrariando o indeferimentos as anteriores Reclamações Graciosa referentes aos anos de 2014 e 2015, pelos quais contristava a Recorrente ao pagamento de todos os rendimentos da Herança Indivisa quanto à sua alíquota, veio decidir emitir no dia 17-01-2019, para o ano de 2016, uma Nota de Liquidação no 2019 00000595949, com a menção de acerto de uma Nota de Liquidação com data de 17-12-2018, que nunca foi enviada à Recorrente,
v) Através dessa Nota de Liquidação a Autoridade Tributária veio tributar, apenas, pelos rendimentos prediais – Categoria F – cujos recibos tinham sido emitidos pelo Cabeça de Casal da Herança Indivisa e não pelos Herdeiros legitimários.
w) Ainda para mais, esta Nota de Liquidação que impôs o pagamento de imposto sobre tributações autónomas de rendimentos prediais, à taxa de 28%, também não teve em conta os dados que a Recorrente lhes tinha entregue em 18-5-2017 por reporte a esse ano de 2016, pois não deduziu aos referidos rendimentos, as despesas de manutenção que versaram sobre os mesmos prédios.
x) E, assim, a Recorrente, deparou-se com um Processo de Execução Fiscal instaurado à margem da Lei:
• tanto materialmente – por saber que estava este Processo a contraditar tanto instruções internas da própria Autoridade Tributária, que em maio de 2015, transmitiu a todos os Chefes de Secção de todas as repartições dos Serviços Tributários, a proibição de tributação aos Herdeiros dos rendimentos da categoria “F”, quando estivesse na posse o MOD. 44 emitido pelo Cabeça de Casal da Herança Indivisa, como também uma serie de imposições legislativas que se prendem com a capacidade tributária, obrigações do cabeça de casal na administração dos bens da herança e restrições à penhora, consagradas respetivamente nos art. s 13º, nº 2, 103, nº 2 e 104º da Constituição da República Portuguesa, art.º s. 2068º, 2069º, 2079º, 2088, nº 2 do Código Civil e art. 744º, nº 1 do CPC, para além do já indicado art. 58, alínea c) do CIRS,
• como formalmente – por conhecer todos os elementos do Anexo F desde 18-5-2017, onde estavam espelhadas todas as despesas de manutenção dos referidos prédios assim tributados.
y) A Recorrente deparou-se, pois, com uma tributação impensável, atendendo ao conhecimento comprovado da AT sobre os rendimentos globais efetivamente recebidos pela Oponente no ano de 2016, que se tinham concretizado na única verba de 7.775,08€.
z) No dia 21-3-2019 a Recorrente recebeu um Ofício que a informava ter sido instaurado um Processo de execução fiscal quanto à Nota de Liquidação oficiosamente emitida no dia 1701-2019, por reporte ao ano de 2016.
aa) Em conclusão:
→ A Recorrente foi tributada através do Imposto sobre Tributações autónomas pelo valor de 5.867,99€, que depois de deduzida a Retenção na Fonte e acrescidos juros compensatórios embateu no valor de 2.285,34€.
→ Ficando, assim, o seu rendimento líquido disponível por reporte ao ano de 2016, reduzido a 5.489,54€ o qual corresponde à diferença entre o valor recebido de 7.775,08€ e o valor tributado de 2.285,34€.
→ O valor cobrado foi encontrado sem ter em conta as despesas prediais que já eram do conhecimento da Autoridade tributária, o que fere a Nota emitida de invalidade acrescida.
J- Por todos estes motivos, requereu a Recorrente ao Tribunal a quo a procedência da sua oposição à execução fiscal, pedindo fosse ordenada a sua extinção por:
1. Se comprovar a falta de autorização da Autoridade Tributária para a cobrança à data em que tiver ocorrido a liquidação - cf. Alínea a) do art.º 204º do CPPT e ainda, 2. Não ser a Oponente, a possuidora dos bens que a originara – cf. Alínea b) do art.º 204º do CPPT.
K- Ora, na senda do vindo de referir, não pode a petição de oposição à execução fiscal apresentada pela Recorrente ser rejeitada liminarmente como fez o Tribunal a quo, porquanto como se repisa, os fundamentos nela insertos são os que estão tipificados na lei, mormente as alíneas a) e b) do nº 1 do art. 204º do CPPT,
L- E que necessariamente levam à extinção da presente execução,
M- Devendo por isso ser a decisão proferida revogada, e substituída por outra que admita liminarmente a oposição deduzida em cumprimentos dos mencionados normativos.
N- Além disso, a rejeição liminar da oposição deduzida pela Recorrente, centra-se também na causa de pedir, donde o Tribunal a quo retira que a ali oponente suscitou a questão da ilegalidade da tributação.
O- Ora, sem nunca prescindir do ante exposto, é certo que se retira da alegação da Recorrente que a mesma imputa, a ilegalidade da tributação de que foi alvo.
P- E será que tal invocação não é subsumível à taxatividade imposta no art.º 204º do CPPT quanto aos fundamentos da oposição à execução? Entende-se que sim.
Q- Com efeito, incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas Partes, e apenas destas, sem prejuízo da lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras, conforme preceituado no artigo 608º n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT.
R- Recorda-se, ainda, que o Tribunal “não está sujeito às alegações das Partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” [cfr. art.º 5º, n.º 3, do CPC, igualmente aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT], isto é, o direito é de conhecimento oficioso do Tribunal.
S- Daí que, porque a decisão sobre os factos alegados é matéria de direito, bem pode o Tribunal qualificá-los de forma distinta, designadamente entendendo que a factualidade integra outro fundamento que não o expressamente invocado.
T- Segundo o preceituado no artigo 124º do CPPT, o Tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios sancionados com anulabilidade.
U- E, muito embora, no processo de oposição não haja propriamente vícios, como no processo de impugnação mas outrossim fundamentos [cfr. artigo 204º do CPPT], uma vez que o artigo 211º do CPPT manda aplicar as regras da impugnação judicial, com as devidas adaptações, é de aplicar à ordem do conhecimento dos fundamentos da oposição as regras acima referidas.
V- Advindo assim, ao conhecimento do Tribunal, que foi invocada a ilegalidade da tributação, determinante da sua anulação, circunstancialismo este que induz, por versar a ilegalidade em concreto do tributo, fundamento válido do processo de impugnação, em conformidade com o disposto nos art.º s 97º, n.º 1, alínea a) e 99º do CPPT (ou reclamação graciosa, nos termos dos art.º s 68º e 70º do CPPT).
W- Com efeito, como poderia o conhecimento do circunstancialismo descrito ficar vedado em sede do processo de oposição à execução fiscal? Não poderia.
X- Pois, não se vislumbra como é que tal fundamento (emissão do ato de liquidação e instauração de processo de execução fiscal mostrando-se com base numa tributação ilegal) não pudesse ser conhecido em processo de oposição à execução fiscal, com efeitos na anulação da liquidação e extinção da execução instaurada para o efeito de cobrança coerciva da liquidação objeto de anulação.
Y- Conclui-se, pois, que ocorre fundamento próprio para oposição, enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art.º 204 do CPPT, derivada da liquidação do imposto, a extração por parte da Autoridade Tributária de Certidão de Dívida e de instauração de processo de execução fiscal concernente à obrigação tributária assente em fixação de rendimento através de liquidação oficiosa.
Z- Nos termos ante expostos, deve este Tribunal Superior revogar a Sentença proferida, de rejeição liminar da oposição deduzida pela Recorrente, e substituir por outra que determina o recebimento da oposição à execução fiscal em cumprimento do disposto no art. 204º, nº 1, alíneas a), b) e i) e do CPPT.

Termos em que e nos melhores em direito que os Venerandos Senhores Juízes Desembargadores deste Tribunal mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado totalmente procedente, e em consequência ser revogada a sentença proferida, substituindo-se por outra decisão que determine o recebimento liminar da oposição à execução fiscal deduzida em cumprimento dos fundamentos próprios insertos nas alíneas a), b) e i) do nº 1 do art. 204º do CPPT.

Notificada a Fazenda Pública para contra-alegar, nada disse.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a simplicidade da questão a decidir.
*
Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a Oposição deve ser admitida por conter os fundamentos inerentes a esta forma de processo, designadamente, os previstos nas alíneas a), b) e i) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
*
O Tribunal recorrido não deu por assente matéria de facto, limitando-se a um resumo da petição inicial, que efetuou em dois momentos, da seguinte forma:
«Alega para tanto e em síntese, a ilegalidade da liquidação de IRS objeto de cobrança coerciva, uma vez que, estão a ser cobrados rendimentos reportados a uma herança indivisa que não foram por si auferidos, pelo que, a “Nota de Liquidação está ferida de erro, porquanto, na verdade a Oponente tinha direito a um reembolso e não a um pagamento”, sendo que “O processo de execução fiscal instaurado viola o disposto nos art. 13.º, n.º 2, 103, n.º 2 e 104.º da Constituição da República Portuguesa e ainda o prescrito nos art.º 58.º, alínea c) do CIRS, e art.º s 2068º, 2069º, 2079º, 2088º, n.º 2 do Código Civil e art.º 744, n.º 1 do CPC, pois, também o valor cobrado foi encontrado sem ter em conta as despesas prediais, que já eram do conhecimento da Autoridade tributária, o que fere a Nota emitida de invalidade acrescida”.».
(…)
«Compulsada a petição inicial verifica-se que os fundamentos invocados, e que consubstanciam a causa de pedir, respeitam à legalidade da liquidação de IRS do ano de 2016. Sustenta, nesta esteira, a Oponente que estão a ser liquidados impostos por rendimentos que não auferiu, e que, sendo rendimentos prediais não foram tidas em conta na liquidação de imposto as respetivas despesas, pelo que, a liquidação está ferida de erro. E termina formulando o seguinte pedido: Termos em que, e nos melhores de direito (…) se requer a determinação judicial da procedência da presente Oposição e em consequência a extinção da presente execução, por provada, com as demais consequências legais, nos termos do art. 204.º, alínea a) e b) do CPPT”.».
A Sentença termina, concluindo do seguinte modo:
«Assim, apesar de a Oponente ter formulado pedido compatível com a oposição à execução – extinção da execução -, e, portanto, não estar aqui em causa uma situação de impropriedade do meio processual, a verdade é que as concretas causas de pedir invocadas não são adequadas à forma de processo escolhida pela Oponente, o que inquina a viabilidade do pedido e traduz-se na manifesta improcedência da ação.
Assim, nos termos e com os fundamentos expostos, rejeita-se liminarmente a oposição, nos termos da alínea b) e c) do n.º 1 do artigo 209.º do C.P.P.T..».
*
Apreciação jurídica do recurso.

A recorrente assenta o seu recurso na alegação de que a petição inicial apresenta fundamentos característicos da Oposição, para o efeito invocando os constantes das alíneas a), b) e i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
Para melhor apreciação desta alegação, compete realizar um resumo mais alargado da petição inicial de oposição. Assim, a Oponente refere que:
· É herdeira de Herança Indivisa e que no ano de 2016, a cabeça-de-casal lhe deu instruções para declarar fiscalmente rendimentos da herança no valor de € 75.628,50, mas apenas lhe entregou em 24/05/2017, € 7.775,08 em relação a esse ano, tendo na mesma data recebido as verbas relativas aos anos de 2014, 2015 e 2016, no montante total de € 23.325,25, sendo que, igualmente por indicação do cabeça-de-casal, havia declarado nos anos de 2014 e 2015, os rendimentos de € 54.942,56 e € 120.678,47, respetivamente, que não recebeu; tendo sido efetuada penhora do saldo bancário da Oponente, por falta de pagamento da nota de liquidação do ano de 2015, correspondente aos rendimentos declarados nesse ano.
· A Oponente deu conhecimento à AT em 18/05/2017, que os valores recebidos eram inferiores aos declarados, tendo efetuado reclamação graciosa, que foi inferida, por não considerar anuláveis tais declarações, mais respondendo a AT que a resposta definitiva resultaria das impugnações judiciais já apresentadas em relação aos anos de 2014 e 2015, que ainda se encontram pendentes.
· A AT notificou a Oponente para declarar o IRS de 2016, respondendo que não era obrigada a efetuar essa declaração, assim como pediu esclarecimentos em relação ao ano de 2017, tendo sido respondido que deveria declarar, no mínimo, os rendimentos prediais da Categoria F e posteriormente que a Oponente não estava dispensada da entrega da declaração de IRS prevista no art.º 58.º do CIRS.
· Em 04/12/2018, a Oponente tomou conhecimento de novo ofício da AT, que posicionou no Anexo F os rendimentos de € 7.775,08, que mereceu resposta de não concordância, tendo em 17/01/2019 a AT emitido a liquidação para o ano de 2016, com menção de acerto e uma anterior liquidação que nunca foi enviada à Oponente, tributando-a, apenas, pelo rendimentos prediais e também teve em conta os dados entregues pela Oponente em 18/05/2017, não tendo deduzido as despesas de manutenção que versavam sobre os mesmos prédios; deparando-se a Oponente com um processo de execução fiscal iniciado à margem da Lei, tanto materialmente, como formalmente.
· Materialmente, por este PEF contrariar instruções internas da AT que em maio de 2015 transmitiu aos serviços tributários a proibição de tributação dos Herdeiros dos rendimentos da categoria F quando estivesse na posse do MOD. 44 emitido pelo cabeça-de-casal da herança indivisa, bem como com uma série de imposições legislativas que se prendem com a capacidade tributária, obrigações do cabeça de casal na administração dos bens da herança e restrições à penhora.
· Formalmente por conhecer os elementos do Anexo F, onde estavam espelhadas as despesas de manutenção dos referidos prédios assim tributados.
· Conclui que a Oposição deve proceder, por falta de autorização da AT para a cobrança à data em que tiver ocorrido a liquidação – alínea a) do art.º 204.º do CPPT; e por não ser a Oponente, a possuidora dos bens que a origina – alínea b) do art.º 204.º do CPPT.
· Refere, por fim, que o processo de execução fiscal instaurado viola o disposto nos art. 13.º, n.º 2, 103.º, n.º 2 e 104.º da Constituição da República Portuguesa e ainda o prescrito nos art.º 58.º, alínea c) do CIRS, e artos. 2068.º, 2069.º, 2079.º, 2088.º, n.º 2 do Código Civil e art.º 744.º, n.º 1 do CPC, pois, também o valor cobrado foi encontrado sem ter em conta as despesas prediais, que já eram do conhecimento da AT, o que fere a Nota emitida de invalidade acrescida.
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O primeiro argumento que a Oponente expende para admissão da sua peça processual, prende-se com a alegada impossibilidade de instauração da execução fiscal, em virtude de uma instrução interna da AT, segundo a qual os rendimentos da Herança Indivisa comprovadamente auferidos por esta conforme MOD.44. emitido junto desta Autoridade, não poderiam ser cobrados aos herdeiros.
Apresentada assim a questão, a Oponente pretende invocar o segmento da alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, referente à falta de autorização para cobrança do imposto à data da liquidação.
É certo que pode ser apresentado fundamento de Oposição com base nesta alínea a), quando esteja em causa a cobrança de tributos, como é o caso em apreço. Vide Acórdão do STA de 29/01/2014, proferido no processo n.º 01805/13, cuja parte do sumário com interesse se transcreve (e que pode ser lido em www.dgsi.pt):
«I - O fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT apenas pode verificar-se relativamente a dívidas exequendas que tenham origem em tributos e já não àquelas que, podendo ser cobradas em processo de execução fiscal, tenham origem diversa.»
Segundo refere a Oponente no ponto 22 da sua Oposição, essa informação foi-lhe transmitida por telefone, precisamente pelo serviço de atendimento telefónico da Autoridade Tributária, segundo a qual existirá uma instrução interna de maio de 2015, nesse sentido.
Ora, compulsada a documentação que acompanha a Oposição não se deteta nenhuma informação oficial passível de corresponder ao alegado e que pudesse ser vinculativa para o órgão de execução fiscal.
Não obstante, a argumentação expendida pela Oponente, o regime da falta de autorização para cobrança do imposto previsto na aliena a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, não se refere às situações em que seja a própria administração fiscal a decidir o que deve ou não ser executado coercivamente ou liquidado. Refere-se antes à autorização que seja dada ao Executivo para que possa proceder à cobrança do tributo que esteja em apreço. Essa autorização é concedida pelo legislador.
Veja-se sobre o assunto, a anotação ao artigo 204.º efetuada pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no CPPT, anotado a comentado, edição 2007, Áreas Editora, onde a pág. 331, refere o seguinte:
«A segunda parte da alínea a) do n.º 1 deste artigo, que se refere à falta de autorização de cobrança, visa concretizar as normas constitucionais que fazem depender a possibilidade de cobrança de receitas de prévia inscrição no Orçamento do Estado (que inclui o orçamento da segurança social) da discriminação das receitas que, anualmente, o Estado está autorizado a cobrar (art. 105.º da CRP).
O Orçamento do Estado é, por força do preceituado no n.º 1 do art. 106.º da CRP, elaborado, organizado, votado e executado de acordo com a Lei de Enquadramento Orçamental.
É este Orçamento que, depois de aprovado, deve ser executado pelo Governo [art. 199.º, alínea b), da CRP], não podendo ser liquidada ou cobrada nenhuma receita, mesmo que seja legal, que não tenha sido objecto de inscrição orçamental [art. 39.º. n.º 3. alínea b), da Lei de Enquadramento Orçamental.
Esta limitação, porém, só existe relativamente a receitas que devam ser inscritas no Orçamento do Estado, havendo receitas tributárias que não o têm de ser.
Assim, a falta de inscrição orçamental de receita liquidada sujeita a tal inscrição será um vício do acto tributário gerador da sua ilegalidade abstracta, equiparável aos vícios de inexistência do tributo nas leis em vigor, referidos na mesma alínea a).
Quando, no início do ano, não esteja publicado o Orçamento, a vigência do anterior é prorrogada, abrangendo o respectivo articulado e os correspondentes mapas orçamentais, bem como os seus desenvolvimentos e os decretos-leis de execução orçamental.
Esta prorrogação ocorre quando for rejeitada a proposta de lei do Orçamento do Estado, quando houver tomada de posse de novo governo entre 1 de Julho e 30 de Setembro, quando caducar a referida proposta de lei em virtude da demissão do governo proponente ou de o governo anterior não ter apresentado qualquer proposta ou quando ocorrer não votação parlamentar daquela proposta [art. 38.º, n.º 1, da Lei de Enquadramento Orçamental].
A prorrogação da vigência da Lei do Orçamento do Estado não abrange as autorizações legislativas contidas no seu articulado que, de acordo com a Constituição ou os termos em que foram concedidas, devam caducar no final do ano económico a que respeitava a lei, nem a autorização para cobrança das receitas cujos regimes se destinavam a vigorar apenas até ao final do ano económico a que respeitava a lei, nem a autorização para a realização das despesas relativas a serviços, programas e medidas plurianuais que devam extinguir-se até ao final do ano económico a que respeitava aquela lei (mesmo art. 38.º).».
Em face do exposto, conclui-se não ser admissível a Oposição segundo o fundamento invocado.
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Em segundo lugar, invoca a Oponente que não é possuidora dos bens que originaram a liquidação.
Este pressuposto apenas tem aplicação quando a tributação tenha a ver com a posse, fruição ou propriedade de um bem. No caso em apareço, tem antes a ver com o rendimento proporcionado pelos bens da herança. Assim, mesmo que não seja possuidora de facto, a Oponente tem a sua quota ideal de propriedade dos bens que proporcionam o rendimento. Aliás, ela mesmo reconhece isso. No entanto refere que jamais incorporou no seu património a verba correspondente à sua quota ideal. Ora, este fundamento não é a mesma coisa que não ser proprietário do bem, ter a sua posse ou fruição, mas antes fundamento de impugnação.
Assim, a alegação da não posse dos bens apenas se pode apreciar quando a posse, fruição ou propriedade de determinados bens seja pressuposto da incidência do tributo em execução, ou seja, apenas pode verificar-se em relação à contribuição autárquica ou IMI, os impostos sobre veículos, sobre circulação e camionagem, cuja incidência tenha a ver com a posse dos bens, pois a incidência do imposto é sobre o bem e não sobre os rendimentos que os mesmos eventualmente proporcionem - Neste sentido, entre muitos outros, cfr. os acs. do STA, de 5/7/1995, Rec. n.º 19.295, in Ap. ao DR de 30/9/1997, págs. 2036 a 2040; de 27/3/1996 (do Pleno), Rec. n.º 18.075, in Ap. ao DR de 17/3/1997, págs. 12 a 16; de 23/10/1996, Rec. n.º 20.390, in Ap. ao DR de 28/12/1998, págs. 3025 a 3028; de 22/1/1997, rec. n.º 21.131, in Ap. ao DR de 14/5/1999, págs. 187 a 190), Acórdão do TCA Sul de 17/07/2007, no processo n.º 01708/07 (em www.dgsi.pt).
Para maiores desenvolvimentos, veja-se Alfredo José de Sousa e J. S. Paixão, Código de Processo Tributário, Comentado e anotado, Nota 13 ao art. 286.º, págs. 540 e 541.
Veja-se, ainda, a anotação ao artigo 204.º efetuada pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no CPPT, anotado a comentado, edição 2007, Áreas Editora, onde a pág. 332, refere que excepcionalmente permite-se que a pessoa possa demonstrar na execução fiscal que não tinha na sua posse, fruição ou propriedade do bem móvel ou imóvel que está na base da liquidação do tributo. Na nota (3) indica os tributos suscetíveis de aplicação a estas situações, como os impostos de circulação e de camionagem, o imposto municipal sobre veículos, a contribuição autárquica e o imposto municipal sobre imóveis. Isto, para além de várias taxas autárquicas relacionadas com a posse, fruição ou propriedade de imóveis.
Considerando que, por um lado a Oponente é proprietária de uma quota ideal dos bens e que não está em causa a liquidação de imposto que decorra da posse fruição ou propriedade dos bens, mas antes de rendimentos gerados em sede de IRS, não é possível apreciar a Oposição com base no fundamento invocado.
Face ao exposto, improcede a invocada aplicação do regime da alínea b) do nº 1 do CPPT.
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Por fim, a Oponente vem invocar o regime da alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, como fundamento da sua Oposição, uma vez que a obrigação tributária fixou o rendimento através de uma liquidação oficiosa.
Ora, conforme acima resumido, a petição inicial de Oposição não invoca esse regime no articulado inicial. No entanto sempre se pode considerar ser um fundamento de rebate à fundamentação da Sentença, na medida em que nas alegações de recurso refere que a rejeição liminar centra-se também na causa de pedir, daí retirando o Tribunal a quo que a Oponente suscitou a ilegalidade da tributação, por isso não pode receber a Oposição, mas a recorrente entende que a legalidade da liquidação pode ser conhecida.
Assim, sempre se dirá algo sobre o assunto.
Ora, o preceito em apreço dispõe da seguinte forma:
i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.
Se bem interpretada a alegação da Recorrente, parece entender que, por nesta alínea se referir poderem apresentar quaisquer outros fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, é possível apreciar a legalidade da liquidação.
Sucede que não é assim, conforme tem vindo a pronunciar reiterada e uniformemente jurisprudência, referindo que a invocada ilegalidade da tributação ou da liquidação deve ser conhecida no processo de impugnação judicial regulado nos artigos 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
É esse processo de impugnação judicial, o meio de reacção padrão de que dispõe o contribuinte para atacar, com fundamento em qualquer ilegalidade, o ato tributário. Somente quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação, é que é possível conhecer na Oposição a legalidade da liquidação da dívida exequenda.
Veja-se sobre o assunto, o Acórdão do STA de 12/06/2007, proferido no processo n.º 0115/07 (em www.dgsi.pt), cujo sumário contém o seguinte teor:
I – A oposição à execução fiscal tem como fundamentos os taxativamente indicados no artº 204º do CPPT.
II - Esta taxatividade dos fundamentos de oposição não implica uma restrição aos direitos fundamentais de acesso aos tribunais, à tutela judicial efectiva, ao recurso contencioso e ao princípio do favorecimento do processo ou pro actione, uma vez que a impugnação de actos lesivos é permitida sempre que a lei assegurar um meio de os impugnar contenciosamente, como expressamente se refere na alínea h) do seu n.º 1.
III - Assim, deste artº 204.º não pode resultar, em nenhuma hipótese, uma situação em que um particular, que tenha sido atingido na sua esfera jurídica por um acto da administração, fique privado, antes ou depois da instauração da execução, da possibilidade de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos.
IV - Por isso, o carácter taxativo dos fundamentos de oposição não consubstancia uma restrição daqueles direitos, mas sim um seu condicionamento, que não é proibido pela Constituição.
V - A legalidade em concreto da dívida exequenda não pode, em princípio, ser apreciada em sede de oposição à execução fiscal, mas, antes, em impugnação judicial da liquidação.
VI - A impugnação judicial da liquidação (ou do respectivo acto de fixação da matéria colectável) não é fundamento de oposição à execução fiscal, mas mera causa de suspensão desta, cumpridas que estejam as condições expressas no art. 169º do CPPT, pelo que não determina, só por si, a inexigibilidade da dívida exequenda.
VII - Do regime previsto nos artºs 47º e 48º do R.G.I.T. resulta que existe uma opção legislativa no sentido da preferência da jurisdição fiscal em relação à jurisdição criminal para apreciação de questões de natureza tributária, preferência essa que é corolário da atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (artº 212º, nº 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.
VIII - Não é possível a convolação da oposição à execução fiscal em impugnação judicial se o oponente havia já deduzido esta, tendo por objecto a liquidação que constitui a dívida exequenda.
IX - Tal convolação não deixaria de ser um acto inútil, o que é proibido por lei (cfr. artº 137º do CPC).
Resulta, ainda, que a apreciação da legalidade da liquidação ou, no caso, da dívida exequenda, não pode ser efetuada ao abrigo desta alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, uma vez que este preceito está previsto para outras situações, tal como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no CPPT, anotado a comentado, edição 2007, Áreas Editora, a págs. 369 e 370. Assim, exemplificando as situações enquadráveis na alínea i), temos:
¾ quaisquer factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda não abrangida nas alíneas anteriores, como as execuções por coimas e sanções pecuniárias, a morte do infrator, a amnistia, a anulação da decisão condenatória em processo de revisão, a prescrição;
¾ a pendência de processo de falência e a instauração da execução fiscal depois de ter sido decretada a falência;
¾ a existência de uma autorização para pagamento em prestações;
¾ falta de notificação da liquidação do ato tributário, que afete a sua eficácia e exigibilidade;
¾ a pendência de processo contencioso ou gracioso com efeito suspensivo;
¾ vícios do despacho que ordena a reversão da execução.
A própria Recorrente refere que teve conhecimento da liquidação, pelo que tinha a possibilidade de apresentar a devida impugnação judicial, em devido tempo.
Considerando que a Oposição não contém nenhum dos fundamentos admissíveis no artigo 204.º do CPPT, mas antes fundamentos de impugnação judicial, pode haver rejeição liminar da mesma.
Neste sentido pronunciou-se o STA por diversas vezes, entre as quais a emanada no Acórdão n.º 01436/13, proferido em 11/12/2013, cujo sumário segue:
I - A oposição à execução fiscal só pode ter por fundamento facto ou factos susceptíveis de serem integrados em alguma das previsões das várias alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
II - A petição inicial de oposição à execução fiscal que manifestamente não contenha algum dos aludidos factos deverá ser alvo de indeferimento liminar.
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Atenta a impossibilidade de conhecer o processo como Oposição, sempre se poderia colocar a possibilidade de convolar os autos em Impugnação Judicial.
Sucede que a Petição Inicial de Oposição não contém pedido compatível com o processo de Impugnação Judicial, por isso a convolação não é possível, conforme tem sido entendimento jurisprudencial. «Ou seja, sendo o pedido típico do processo de oposição à execução, isto é, sendo inequívoco qual a pretensão, o efeito que da Recorrente pretendia obter com a propositura da acção e sendo essa pretensão, pedido ou efeito jurídico-processual unicamente conforme a forma de processo de que se lançou mão (e não um pedido conforme o processo de impugnação judicial), não há qualquer erro na forma de processo capaz de fundamentar uma hipotética convolação processual. (…) Assim sendo, não podendo as causas de pedir aduzidas suportar o pedido formulado, porque não enquadráveis na norma do artigo 204.º que é taxativa, é manifesto o indeferimento liminar». Vide Acórdão do TCA Sul de 11/05/2017, proferido no processo n.º 1455/15.4BEALM (disponível em www.dgsi.pt).
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Face ao exposto, o indeferimento liminar deve ser mantido, pelo que o recurso não merece provimento.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da recorrente.
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Porto, 10 de setembro de 2020

Paulo Moura
Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles