Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01489/16.1BEBRG-R1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/31/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RECLAMAÇÃO; RECURSO A FINAL; PRESCRIÇÃO;
Sumário:1- Como decorre do art. 140.º nº 3 do CPTA “Os recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil”.
Por outro lado, dispõe-se no n.º 5 do art. 142º do CPTA que “as decisões proferidas em despachos interlocutórios podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos em que é admitida apelação autónoma nos termos da lei Processual Civil.”
Por força deste preceito as decisões interlocutórias tomadas no âmbito de processos judiciais do contencioso administrativo, salvo quando subam imediatamente nos termos do CPC, são apenas impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final.
Da expressão, “Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil”, resulta que o recurso não deve ser retido se daí resultar a sua inutilidade absoluta, se a retenção torna o recurso sem finalidade alguma ou se a sua decisão, ainda que favorável ao recorrente, já lhe não pode aproveitar.
Não beneficiando o recurso controvertido do regime de subida imediata previsto no CPC a impugnação da decisão judicial em crise apenas poderá ser feita nos termos do regime processual previsto no n.º 5 do art. 142.º do CPTA, ou seja, tal decisão só é passível de recurso jurisdicional no âmbito do recurso que vier a ser interposto da decisão final.

2 – Em qualquer caso, no que respeita o facto de ter sido relegada para final a decisão relativa à invocada prescrição, tal mostra-se legítimo, perante a inexistência de elementos para uma decisão imediata, sem que tal ponha em causa o Artº 88º do CPTA, atento até o referido n.º 4 do artigo 595.º do CPC.
Efetivamente, ali se estabelece a impossibilidade de recurso da decisão que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer.
Com efeito, sem prejuízo do que se venha a decidir a final, entendendo o tribunal que não dispõe ainda de todos os elementos que lhe permitam decidir com segurança uma qualquer questão, designadamente a prescrição, nada obsta a que a mesma seja relegada para final.
Aliás, já relativamente à anterior versão do CPTA se havia pronunciado Vieira de Andrade nesse sentido, quando referiu que há circunstâncias especiais em que a decisão das questões prévias pode ser reapreciada posteriormente pelo tribunal, designadamente quando “… só possa ser avaliado no final da discussão da matéria de facto e de direito, que constitui o objeto do processo”.*
* Sumário elaborado pelo relator.
Recorrente:Município De V. N. C.
Recorrido 1:Estado Português
Recorrido 2:MP; M. I. D.
Ministério da Educação
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho reclamado.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório
Em 8 de janeiro de 2019 foi no processo indicado proferido em 1ª instância Despacho Saneador, no qual, e no que aqui releva se referiu o seguinte:
“Com vista à efetivação da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, a Autora intentou contra o Estado Português ação administrativa, na qual formula o pedido que segue:
Que o Tribunal declare que a Autora sofreu um acidente escolar em 10/12/2004 e que condene o Réu Estado no pagamento de uma indemnização quer pelos danos patrimoniais, a determinar em execução de sentença, quer pelos danos morais, bem como no pagamento das custas processuais.
Cumpre referir que este pedido de indeminização resulta de um alegado acidente ocorrido no dia 10/12/2004 no estabelecimento de Ensino Público denominado EB1 de C., situado na freguesia de C., concelho de V. N. C., em que interveio e foi vítima a Autora, aluna desse Estabelecimento de Ensino, quando se encontrava no refeitório aguardar que lhe fosse servido o almoço.
Pelo Município de V. N. C. e pelo Ministério da Educação foi deduzida matéria de exceção quando alegaram a respetiva ilegitimidade para figurarem na presente ação como Réus. Porém, sem êxito.
Temos presente a distinção entre legitimidade processual - que constitui um pressuposto processual relativo às partes, o qual se afere tendo em consideração a relação material controvertida tal como configurada pelo autor, e cuja falta de preenchimento determina a verificação da correspondente exceção dilatória, com a consequente absolvição do réu da instância - e legitimidade substancial ou substantiva, umbilicalmente ligada à existência da relação material em discussão, conduzindo-nos, esta última, para o mérito da causa.
Se atentarmos no pedido e na causa de pedir vertidos na petição inicial desta ação administrativa, forçoso será concluir que ambos expressam uma pretensão indemnizatória pelos danos sofridos em consequência de um acidente alegadamente escolar. A atuação que a Autora reputa de conduta ilegal e culposa foi imputada a uma funcionária/assistente operacional que na área de refeitório do aludido Estabelecimento Escolar transportava uma panela de sopa acabada de confecionar.
As Entidades Públicas – Município de V. N. C. e Ministério da Educação - foram convocadas para intervirem na presente ação face à justificada dúvida sobre qual a Entidade responsável pela área do refeitório, onde ocorreu o acidente, e a relação da assistente com o Município ou com o Ministério da Educação, dúvidas essas que foram suscitadas na pendência da ação pelo Estado na respetiva contestação.
Como é de compreender, à data da entrada em juízo da petição inicial, a Autora não imputou a ilicitude da conduta ao Município de V. N. C. por desconhecer qualquer relação jurídica entre Município e/o Ministério da Educação e a Assistente Operacional.
Tanto mais que o tema relativo à existência de relação de comissão compreende inclusivamente matéria de facto controvertida, constituindo uma sub questão na apreciação da questão decidenda.
Ora, tendo em conta este contexto, e admitida que foi a intervenção do Município de V. N. C., o Município apresenta-se como parte legítima para figurar nesta ação, não se afigurando necessário determinar sequer o aperfeiçoamento da petição inicial, pois a anti juridicidade da conduta que se pretende discutir nos autos é clara e é dirigida à Entidade Pública que tinha a seu cargo a administração e gestão do refeitório escolar.
Aliás, basta atentar na contestação apresentada pelo Município de V. N. C. para concluir que interpretou bem a sua intervenção processual, apresentando defesa tendente a demonstrar o não preenchimento dos pressupostos de que depende a efetivação da responsabilidade civil extracontratual.
A Autora desconhecia ainda a existência de um Seguro Escolar.
O Tribunal foi nesta mesma diligência informado pelos ilustres Mandatários que o Seguro Escolar tem acautelado despesas com a Autora na sequência do acidente, pelo que – pese embora estarmos perante uma ação de efetivação de responsabilidade civil extracontratual doutrinalmente designada como “pura” - temos que o Ministério da Educação deve manter-se em juízo face ao feixe de direitos e obrigações resultantes do seguro escolar – e até ao limite da respetiva cobertura.
Assim, consideram-se partes legítimas para figurarem na presente ação, para além do Estado Português, o Ministério da Educação (até ao limite da cobertura do Seguro Escolar) e o Município de V. N. C..
Da prescrição do direito à indemnização.
Relega-se para momento ulterior o conhecimento desta exceção perentória deduzida pelo Município de V. N. C..
Na hipótese vertente, importa aquilatar se estão verificados os tradicionais pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar à luz do Decreto-Lei 48.051, de 21/11/1967.”

Perante o referido Despacho veio o Município De V. N. C. apresentar recurso do mesmo em 21 de fevereiro de 2019, no qual concluiu:
“I. Salvo o devido respeito, o douto despacho recorrido na parte em que relegou para final a apreciação e julgamento da exceção de prescrição do direito que a A. pretende fazer valer através da presente ação em relação ao Município de V. N. C., doravante MVNC, incorreu em erro de julgamento por violação das normas dos arts. 87.º/1/a)/c), 88.º/1/a) e 88.º/2 do CPTA.
II. O art. 88.º/2 do CPTA concentra na fase do despacho saneador a apreciação de quaisquer questões que obstem ao conhecimento do objeto do processo, correspondendo, pois, essa fase ao momento processualmente correto para a apreciação de quaisquer exceções ou questões prévias suscitadas pelas partes.
III. Nesse sentido, não só proíbe que sejam suscitadas e decididas em momento posterior do processo quaisquer outras questões ou exceções dilatórias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, como impede que as questões já decididas nesse despacho venham a ser reapreciadas com base em novos fundamentos, solução que se funda no princípio de promoção do acesso à justiça, visando evitar que o tribunal relegue para final a apreciação das questões prévias para só então pôr termo ao processo com uma decisão de mera forma e, por outro lado, que o processado seja utilizado a todo o tempo para suscitar questões formais, com consequências negativas no plano da economia/celeridade processual.
IV. O legislador do CPTA estabelece uma clara proibição de âmbito geral de apreciação de questões prévias em momento ulterior à fase do saneador, daí o dever processual que é imposto ao juiz, nos termos dos arts. 87.º/1/a)/c) e 88.º/1 do CPTA, de suscitar e decidir oficiosamente todas as questões prévias que obstem ao conhecimento do objeto do processo na fase do saneador e determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação dessas questões no despacho saneador.
V. A M.mª Juíza a quo deveria, pois, ter apreciado e decidido no douto despacho saneador a exceção de prescrição suscitada pelo Município na sua contestação, e não relegar para final a apreciação da mesma, tanto mais quanto é certo que os autos continham todos os elementos e documentos necessários e suficientes para a decisão da referida exceção nessa sede, sendo que, por isso mesmo, nem sequer foi levada aos temas de prova nenhuma matéria relativa à verificação da exceção de prescrição invocada pelo recorrente.
VI. E também não foi proferido despacho pré-saneador ordenando oficiosamente a junção de quaisquer documentos aos autos para apreciação da exceção de prescrição, o que denota, mais uma vez, que os autos contêm todos os elementos suficientes e necessários para a decisão da exceção no despacho saneador.
VII. Está provado documentalmente que a A. nasceu em 06.08.1997, que o sinistro ocorreu em 10.12.2004, que à data do sinistro a ora recorrida tinha 7 anos de idade, que a mesma perfez 18 anos, atingindo a maioridade, em 06.08.2015, que a ação deu entrada em juízo em 01.08.2016 e que o MVNC foi citado para a ação como interveniente principal em 06.06.2017.
VIII. Tendo em conta o disposto no art. 5.º/1 do DL n.º 48 051 de 21.11.1967, em vigor à data dos factos, e nos arts. 320.º/1 e 498.º/1 do C.C, o prazo de prescrição iniciou-se e decorreu durante a menoridade da A. e ora recorrida, completando-se um ano depois de ter atingido a maioridade, ou seja, em 06.08.2016.
IX. A A. e ora recorrida, em 01.08.2016, instaurou a ação para efetivação de eventual responsabilidade civil extracontratual contra o pretenso responsável pelo sinistro que a vitimou, o Estado Português, ou seja, dentro do prazo estabelecido no art. 320.º/1 do C.C., mas não em relação ao MVNC, o qual apenas foi citado para a ação enquanto interveniente principal em 06.06.2017, ou seja, muito após o termo do prazo de um ano a partir da maioridade da ora recorrida.
X. Não releva, para o efeito, a data de propositura da ação, posto que não foi interposta contra o MVNC, pelo que, tendo a menor atingido a maioridade em 06.08.2015, o prazo de um ano para que se completasse a prescrição (de três anos) terminou em 06.08.2016, data em que ocorreu a prescrição em relação ao MVNC, muito antes do seu chamamento aos autos ter sido deduzido e muito antes de o mesmo ter sido citado.
XI. Na data de ocorrência do sinistro a ora recorrida, primeiro através dos seus legais representantes, seus pais, e depois, com a maioridade, por si própria, teve conhecimento do direito que lhe assistia, bastando-se aqui um conhecimento empírico dos factos constitutivos do direito, sendo suficiente que o lesado saiba que foi praticado ato que lhe provocou danos, e que esteja em condições de formular um juízo subjetivo, pelo qual possa qualificar aquele ato como gerador de responsabilidade pelos danos que sofreu.
XII. Por outro lado, dos documentos já juntos aos autos resulta claramente que não ocorreu qualquer facto interruptivo da prescrição do direito que a ora recorrida pretende fazer valer através da ação em relação ao MVNC, designadamente o reconhecimento pelo MVNC da sua responsabilidade pelo sinistro, pelo que, também a este propósito, e salvo o devido respeito, estava o douto tribunal a quo munido à data do saneador, de documentação suficiente para decidir desta questão.
XIII. Dos documentos juntos aos autos resulta que em 29.12.2004 a CMVNC deliberou aprovar uma proposta que contemplava o pagamento de todas as despesas decorrentes da deslocação e alojamento dos familiares para acompanhamento e visita à menor enquanto esta estivesse a ser acompanhada e tratada em consequência do sinistro, no Hospital de D. Estefânia, em Lisboa, tratamento esse com natureza prolongada, concedendo, por isso, meramente um apoio de natureza social aos familiares da menor (e não à menor) pelo facto de o agregado familiar não dispor de capacidade financeira para fazer face a essas despesas, sendo que as informações dos serviços da CMVNC que serviram de base a tal deliberação referem expressamente que o pagamento deveria ser feito estritamente por razões morais atento o facto de se tratar de uma família carenciada economicamente.
XIV. O apoio social concedido pelo MVNC foi, entretanto, renovado através de deliberação da CMVNC de 31.10.2014, na sequência de requerimento apresentado pela mãe da A. (pedindo a continuação de apoio da C.M. nos termos que lho vinha concedendo, especificando que se tratava de apoio económico para suportar despesas decorrentes das deslocações, alojamento - se necessário -, alimentação, acompanhamento e visita dos pais à A. e de acompanhamento nas consultas pós-operatórias no Hospital de S. João do Porto, onde vinha sendo seguida) e de nova informação do Gabinete de Ação Social do MVNC, sendo que da análise de ambas as deliberações da CMVNC juntas pelo MVNC em 18.09.2017 resulta claro que em nenhuma delas se verifica qualquer reconhecimento ou a assunção expressa ou tácita de qualquer responsabilidade do recorrente na produção do sinistro, muito menos o reconhecimento pela obrigação de pagamento de qualquer quantia por conta de qualquer indemnização a que porventura a recorrida tivesse direito.
XV. De resto, o reconhecimento do direito e da correspondente obrigação indemnizatória idóneo a interromper a prescrição nos termos do disposto no art. 325.º/1 do CC, tem de ser feito de forma a que se torne inequívoco que o obrigado sabe que existe a obrigação e a reconhece nos termos em que lhe é exigida pelo titular do direito, não podendo, pois, subsistir qualquer dúvida quanto à sua aceitação da existência do direito do credor e da correspondente obrigação de indemnizar.
XVI. Dos documentos juntos aos autos resulta, pois, de forma palmar, que não se verifica a existência de qualquer facto interruptivo da prescrição, pelo que, o direito que a ora recorrida pretende fazer valer através da presente ação encontra-se prescrito no que ao MVNC diz respeito.
XVII. Acresce que, tal como está configurada a ação, resulta que a ora recorrida não imputa qualquer facto positivo ou negativo ao MVNC de onde possa resultar a eventual responsabilidade civil extracontratual do mesmo pelo sinistro em causa nos autos, nem deduz qualquer pedido contra o mesmo.
XVIII. A ora recorrida imputa exclusivamente ao Estado Português a responsabilidade pela produção do sinistro, alegando, inclusivamente, que o Estado assumiu os danos patrimoniais sofridos pela mesma, correspondentes ao pagamento das despesas médico-medicamentosas, cirurgias, internamentos, transporte e alojamento, etc., tendo o Estado na sua douta contestação confessado tal facto, sendo que, apesar de a mesma ter suscitado, entretanto, o incidente de intervenção principal provocada do MVNC, o que é certo é que continuou a alegar que a responsabilidade pela produção do sinistro é apenas e só do Estado Português.
XIX. Analisada a relação material controvertida, tal como é configurada pela A. e ora recorrida, quer na p.i., quer no requerimento de incidente de intervenção principal provocada, verifica-se que a mesma não respeita a uma pluralidade de sujeitos, mas, apenas e tão só, à Autora e ao R. Estado Português, mas já não ao MVNC.
XX. De referir ainda que não é correta a afirmação que consta do douto despacho recorrido no sentido de o Estado ter na sua contestação suscitado dúvidas sobre qual a Entidade responsável pela área do refeitório, onde ocorreu o acidente, e a relação da assistente com o Município ou com o Ministério da Educação, atenta a alegação supra transcrita feita pelo Estado na sua douta contestação;
XXI. Salvo o devido respeito, o douto despacho impugnado violou o disposto nos arts. 87.º/1/a)/c), 88.º/1/a), 88.º/2 e 10.º/1, todos do CPTA, e 30.º/3 do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA, 5.º/1 do DL n.º 48 051 de 21.11.1967, em vigor à data dos factos, 320.º/1 e 498.º/1 do C.C., padecendo, por isso, de erro de julgamento;
Pedido:
Termos em que, e nos do douto suprimento de v. Exªs., deve ser dado provimento ao Presente recurso e, em consequência, ser revogado o douto despacho recorrido na parte em que relegou para final a apreciação da exceção de prescrição do direito da autora Invocada pelo ora recorrente na sua contestação, e bem assim, julgou improcedente a Exceção de ilegitimidade passiva suscitada pelo município recorrente na sua contestação, Substituindo-se por nova decisão que:
A) - decidindo de acordo com a posição expressa pelo recorrente, considere que há que apreciar, antes de mais, a matéria relativa à exceção de prescrição do direito da Autora invocada pelo ora recorrente na sua contestação, e julgando efetivamente verificada tal exceção, absolva o interveniente principal e ora recorrente dos pedidos Formulados na p.i.;
B) – se, contra aquilo que se espera e admite, tal pedido não vier a proceder, o que apenas se considera por mera hipótese académica, decidindo de acordo com a posição expressa pelo recorrente, julgue procedente a exceção de ilegitimidade passiva do Interveniente principal município de V. N. C., e absolva o interveniente Principal e ora recorrente da instância, Tudo com as legais consequências, como é, aliás, de inteira Justiça.”

Relativamente ao interposto Recurso, foram apresentadas contra-alegações por parte pelo Estado Português/Ministério Público, nas quais se concluiu que “O despacho saneador não padece dos vícios alegados pelo recorrente, não tendo violado, por conseguinte, qualquer preceito legal ou constitucional, antes tendo feito uma correta aplicação do direito aos factos ainda controvertidos, donde resulta que o recurso não merece provimento e, consequentemente, deve aquele mesmo despacho ser integralmente mantido. Os senhores desembargadores decidirão”.

Igualmente M. I. D. veio apresentar contra-alegações de Recurso, nas quais concluiu:
“1- O Douto Despacho Saneador, ao relegar para momento ulterior a apreciação da questão da exceção de prescrição invocada pelo recorrente, não violou os dispositivos dos artigos 87.º, n.º s 1 al. a) e c), 88. n.º 1 al. a) e 2 do CPTA.
2- A exceção de prescrição, não sendo uma exceção dilatória, mas antes perentória não se enquadra no dispositivo da alínea a) e no n.º 2 do artigo 88.º do CPTA, mas antes na alínea b) do n.º 1), sendo forçoso concluir que o Juiz só tem de apreciar as exceções perentórias quando o estado do processo o permita, sem necessidade de mais indagações, o que a Mm. Juiz entendeu não acontecer ao relegar a sua apreciação para momento ulterior, como a lei lhe concede.
3- Sem prescindir, a ser proferida alguma decisão imediata a este respeito, que venha substituir, nesta parte, a contida no Despacho Saneador, sempre a mesma deverá ser no sentido da improcedência desta exceção e não no pretendido pelo Recorrente.
4- A Ação foi intentada tempestivamente, pois deu entrada em juízo antes de decorrido um ano sobre o termo da incapacidade decorrente da menoridade da A., como dispõe o artigo 320.º do Código Civil.
5- O recorrente reconheceu que foi citado para a ação em 6.6.2017, o que à partida suporia a prescrição do direito contra si exercido pela Autora
6- Todavia, a 31.10.2014, o recorrente deliberou manter nos mesmos termos o apoio concedido à Autora, reportando-se à decisão que tomou em 2004, pouco tempo após o acidente e que consta dos Autos.
7- Nessa deliberação de 2004, que o recorrente manteve em 2014-10-31, o Recorrente entendeu apoiar a A., atendendo, designadamente, a que: “o acidente ocorreu nas instalações da Camara Municipal e a que o seguro não cobre todas as despesas que o agregado enfrenta”; “dado o facto de o acidente com a menor ter ocorrido em instalações da Camara Municipal, e independentemente da quota-parte de responsabilidade que possa ser imputável ao pessoal da autarquia que ali presta serviços”, “ o acidente ocorreu nas instalações da Cantina Escolar de C., que são da responsabilidade da Autarquia”. – excertos extraídos da documentação junta sob o doc. 1., a fls… dos Autos, pelo Ministério da Educação com a sua Contestação, que são reveladores da consistência do fundamento do apoio concedido na responsabilidade do Recorrente.
8- Dispõe o artigo 325.º do Código Civil que o reconhecimento, ainda que apenas tácito, do direito por aquele contra quem este possa ser exercido, interrompe a prescrição.
9- A decisão do Município de 31.10.2014 é manifestamente um ato expresso, nos mesmos termos em que o foi em 2004, da responsabilidade pelo sinistro dos autos, ocorrido nas instalações da Cantina que é de sua propriedade e gestão, pelo que tem que entender-se como interruptiva da prescrição do direito da A., ao abrigo do disposto no artigo 325.º do CC.
10- A interrupção da prescrição inutiliza todo o tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, que in casu, ocorre a 31.10.2014.- Cfr. artigo 326.º Do Código Civil.
11- Reiniciado o prazo em 31.10.2014, obviamente não se mostrava decorrido em 6.6.2017, data em que o recorrente reconhece ter sido citado, pois não tinham ainda decorrido três anos, correspondentes ao prazo de prescrição do direito da A., devendo por isso a exceção de prescrição ser julgada não verificada e improcedente o pedido nesse sentido formulado pelo Recorrente.
12- A exceção de prescrição deve assim ser julgada improcedente por não provada, nesse sentido devendo ser proferida a decisão acerca desta exceção já no Saneador, se se entender ser este o momento para a sua prolação, sob pena de se proferir decisão contrária à lei, por violação do disposto nos artigos 325.º e 326.ºn.º 1 do Código Civil, com o que este Venerando Tribunal certamente não compactuará.
13- A matéria relativa à invocada Ilegitimidade, invocada pelo Município, por ser matéria de exceção dilatória, foi objeto de decisão no Despacho Saneador, como exige o dispositivo da al. a) do n.º 1) do artigo 88.º do CPTA, ainda que em sentido oposto ao da pretensão do recorrente, que julgou, e bem, improcedente.
14- O Tribunal a Quo julgou o recorrente parte legítima para os termos da presente ação, por entender que este tem legitimidade para figurar como Réu e interesse em contradizer – legitimidade processual.
15- E entendeu mante-lo na ação não se decidindo pela sua ilegitimidade substantiva, por entender que é controvertida a questão de qual é a entidade responsável pela área do refeitório onde ocorreu o acidente que vitimou a A., e ter dúvidas acerca da relação da assistente operacional com o Município e o Ministério da Educação que foram suscitadas pelo Estado na respetiva contestação- de resto tal matéria foi igualmente impugnada pela A. na Réplica de fls… deduzida a esta mesma Contestação, o que torna tal matéria necessariamente controvertida.
16- Entendeu também, a nosso entender bem, o Tribunal A Quo que o tema relativo à existência de relação de comissão compreende matéria de facto, uma sub questão decidenda, que não foi possível decidir no saneador.
17- Bem como, e é disto que o Recorrente se quer exonerar, que a anti juridicidade da conduta que se pretende discutir nos Autos é clara e é dirigida à entidade publica que tinha a seu cargo a administração e gestão do refeitório escolar, sem necessidade de correção da p.i.
18- Mais considerou o Tribunal A Quo que o recorrente interpretou bem a sua intervenção processual, apresentou defesa tendente a não demonstrar o preenchimento dos pressupostos de que defende a efetivação da sua responsabilidade civil extracontratual, donde a conclusão de o julgar parte legítima para figurar nesta ação com os demais co-RR.
19- O Município de V. N. C. é parte legítima para os termos da presente ação, atento o seu interesse direto em contradizer a pretensão da Autora e a boa interpretação que fez da sua intervenção processual, não existindo qualquer fundamento para a sua exclusão, sem que seja avaliada a pretensão da Autora, que o abrange inelutavelmente, na medida em que a mesma se dirige ao responsável pela administração e gestão do refeitório escolar.
20- Uma gestão cuja falta de rigor é notória: à notificação que lhes foi efetuada para juntarem aos Autos a título de colaboração, a documentação que possuíssem relacionada com a gestão, uso, segurança, de equipamentos e infra estruturas pertencentes aos refeitórios escolares, protocolos, acordos, documentos, que esclarecessem o Tribunal sobre os deveres inerentes a tal gestão, nenhum dos RR juntou qualquer documentação.
21- A A. sentiu tal dificuldade ao instaurar a Ação, apenas sendo elucidada pela Contestação do Estado português, responsável em última instância pelo ensino público em Portugal, no qual este estabelecimento de ensino está sem dúvida integrado.
22- Tal como dispõe o artigo 3.º n.º 3) do CPC aplicável ex-vi art. 1.º do CPTA, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeitos da legitimidade, os sujeitos da relação material controvertida tal como é configurada pelo A., sendo o R. parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
23- O R. defendeu-se por impugnação pelo que esse seu interesse é manifesto e evidente, sendo certo que a sua intervenção foi requerida para intervir na causa como associado do Estado Português e logo, valendo em relação a eles os pedidos formulados, contra aquele na P.I., enquanto responsáveis, como bem entendeu a Mm. Juiz A Quo, pelo espaço onde ocorreu e funcionária que causou o acidente.
24- Não deve pois proceder a invocada exceção de ilegitimidade do Recorrente, devendo manter-se o doutamente decidido, neste particular, no Despacho Saneador.
Termos em que, Com o douto entendimento de V.ªs Ex.ªs, Venerandos Juízes Desembargadores, que assim decidindo farão a habitual e costumada Justiça, deve o recurso ser rejeitado, por infundado, mantendo-se nos seus precisos termos o Douto Despacho Saneador, que em nada viola a lei e nomeadamente os dispositivos evocados pelo Recorrente.
Ou, se assim se não entender, deverá o mesmo ser substituído, na parte em que não decidiu a exceção perentória de prescrição, por decisão que considerando interrompida a prescrição em curso, a 31.10.2014, em face da deliberação proferida pelo Recorrente, como os fundamentos constantes do Doc. n.º 1 junto com a Contestação do Ministério da Educação, reconheça que tal prazo ainda não se encontrava preenchido a 6.6.2017, data da citação deste, julgando assim improcedente a invocada exceção, com as legais consequências.”

Correspondentemente, por Despacho de 19 de março de 2019 do TAF de Braga é o precedentemente referido Recurso indeferido “com o fundamento na primeira parte da alínea a) do nº 2 do Artº 145º do CPTA”:
(O requerimento é indeferido quando:
a) Se entenda que a decisão não admite recurso, que este foi interposto fora do prazo ou que o requerente não tem as condições necessárias para recorrer).

Discorreu-se no referido Despacho:
O Réu Município de V. N. C., em 14.01.2019, inconformado com o despacho saneador proferido em sede de audiência prévia, na parte em que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva por si suscitada, bem assim na parte em que relegou para final a apreciação da exceção da prescrição do direito que a Autora pretende fazer valer através da presente ação, vem interpor recurso para o Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, conforme fls. 356 a 367 do suporte físico dos autos.
Importa apreciar o requerimento de interposição de recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 145.º, n.º 1, do CPTA.
De acordo com o artigo 142º n.º 5 do CPTA “as decisões proferidas em despacho interlocutório podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos em que é admitida apelação autónoma nos termos da lei processual civil”.
Ou seja, apenas admitem recurso imediato os despachos interlocutórios que tenham subida imediata, nos termos do Código de Processo Civil. O recurso dos restantes despachos interlocutórios terá lugar quando do recurso que venha a ser interposto da decisão final.
Em bom rigor, resulta do artigo 644.º, n.º 1 do CPC, ex vi artigo 140.º do CPTA, que cabe recurso de apelação:
“a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”.
As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final (n.º 3).
In casu, as decisões contidas no despacho saneador supra delimitadas e que constituem objeto de censura no recurso interposto não põem termo à causa, não decidem do mérito da mesma, nem absolvem da instância a Entidade Demandada.
A exceção sobre a qual se debruçou o despacho saneador recorrido e por cuja procedência pugna a Entidade Demandada, aqui Recorrente, constitui uma exceção dilatória: ilegitimidade processual. Desde já se diga que a procedência ou improcedência de uma exceção dilatória não é uma decisão relativa ao mérito da causa, mas sim uma decisão atinente aos pressupostos processuais, que pode ou não implicar a absolvição da instância, mas já não do pedido.
Assim sendo, o despacho interlocutório que decide que não ocorre situação geradora de ilegitimidade processual conducente à absolvição da instância da parte processual apenas é recorrível quando da decisão final. Desde logo, o despacho saneador em crise não procedeu à absolvição da instância do Réu, o que basta para que essa decisão concreta não se enquadre na última parte da alínea b) do n.º 1 do art. 644.º do CPC.
A este respeito, vejam-se as seguintes doutas palavras do Tribunal Central Administrativo Norte:
“Na verdade, o normativo supra sublinhado pretendeu abranger o despacho saneador que não ponha termo ao processo por julgar procedente ou improcedente apenas algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou algum dos interessados, bem como por nele se apreciar exceção perentória seja no sentido da procedência seja no sentido da improcedência (neste último caso, apenas com efeitos parciais) e ainda (o que constitui novidade em relação à versão do CPC anterior à atual) quando absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
No que agora importa, a natureza das exceções perentórias e seus efeitos (de absolvição do pedido quando as mesmas forem consideradas procedentes) implica que o despacho saneador que se pronuncie sobre a mesma, apreciando os factos e o direito convocável, não resolva questão de forma mas sim questão de fundo, isto é decida sobre o mérito da causa.
“Ao contrário da exceção dilatória, fundada no direito processual, a exceção perentória vai buscar o seu fundamento ao direito material: tal como o efeito do facto constitutivo, o dos factos que o impedem, modificam ou extinguem é determinado pelas normas de direito substantivo, constituindo problema de interpretação destas a individualização dos respetivos tipos. Por isso, a procedência da exceção perentória leva à absolvição do pedido.” – cfr. Lebre de Freitas in Código de Processo Civil Anotado”, V. 2º, 2ª edição, 2008, p. 316.”
(cfr. Ac. do TCAN de 05.12.2014, proc. n.º 01727/09.7BEBRG-A, in www.dgsi.pt).
Cabe ainda chamar à colação os doutos ensinamentos de António Santos Abrantes Geraldes [in recursos no novo código de processo civil, 5.ª edição, Almedina p.206), que pondera que na falta de consagração do conceito de decisão que incide sobre o mérito da causa, para efeitos da interpretação da alínea b) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC, deve considerar que conhece do “mérito da causa o despacho saneador (mesmo sem pôr termo ao processo, nos termos da al. A)), que julga procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou a algum dos réus ou julga procedente ou improcedente a alguma exceção, como a caducidade, a prescrição, a compensação, nulidade ou a anulabilidade”.
Ora, a decisão de relegar para momento processual oportuno a decisão da exceção perentória de prescrição não é suscetível de recurso, dado que, em tal segmento, não foi apreciada e decidida, no sentido da procedência ou improcedência de tal exceção/mérito do pedido formulado, pelo que, não integrando a parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC, não se pode entender que tenha o despacho conhecido do mérito da causa mesmo sem pôr termo ao processo.
Sem prejuízo de todo o exposto, como resulta textualmente do n.º 4 do artigo 595.º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 1.º e 88.º, n.º 5, do CPTA, “não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhece”.
Por outro lado, o caso em apreço não se subsume a nenhuma das hipóteses previstas no artigo 644.º, n.º 2 do CPC, motivo pelo qual as decisões em causa apenas podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final do processo (cf. artigo 644.º, n.º 3 do CPC).
Assim, à luz do que vem dito, há que concluir que o despacho saneador que vem recorrido não constitui um despacho que absolva da instância o réu ou que decida do mérito da causa, quanto a algum ou alguns dos pedidos, nos termos e para os efeitos do art. 644.º, n.º 1, al. b), do CPC, não sendo o recurso apresentado admissível antes da prolação da decisão final, nos termos do art. 142.º, n.º 5, do CPTA.”

Do precedente Despacho veio o Município de V. N. C. apresentar “Reclamação” em 3 de abril de 2019, na qual, a final, requer o seguinte:
“Termos em que se requer a v. Exª. Se digne deferir a presente reclamação nos termos Acima expostos, e, em consequência, seja o despacho reclamado revogado e substituído por Nova decisão que admita o recurso interposto pelo reclamante município de V. N. C., o qual foi alvo de decisão de rejeição liminar (art. 643º/4 do CPC, aplicável ex vi da Remissão operada pelo art. 145º/3 do CPTA), com as legais consequências, como é, aliás, de Inteira Justiça.”

Em 11 de junho de 2019 decidiu-se singularmente nesta instância julgar improcedente a Reclamação.

Dessa decisão veio o Município de V. N. C. Reclamar para a Conferência em 26 de junho de 2019, tendo concluído:
“I. Salvo o devido respeito, o douto despacho reclamado, na parte em que mantém a não admissão do recurso do douto despacho saneador que relegou para momento ulterior o conhecimento da exceção de prescrição do direito de indemnização da A. suscitada pelo Município de Vila Nova de Ceveira padece de erro nos pressupostos e erro de julgamento por violação das disposições conjugadas dos arts. 88.º/2 do CPTA (por força de uma interpretação extensiva), arts. 13º/1 e 20º da CRP, 2º e 6º do CPTA e 2º e 4º do CPC (ex vi do art. 1º daquele) e pelo facto de não ser aplicável ao caso presente a norma do art. 595.º/4 do CPC;
II. Salvo o devido respeito, o douto despacho reclamado, na parte em que mantém a não admissão imediata do recurso do douto despacho saneador que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva do Município padece de manifesto erro de julgamento, porquanto assenta em pressupostos que não se verificam, violando também as normas dos arts. 88.º/2 do CPTA arts. 13º/1 e 20º da CRP, 2º e 6º do CPTA e 2º e 4º do CPC (ex vi do art. 1º daquele).
III. Sempre ressalvado o devido respeito, impõe-se, pois, a revogação do douto despacho reclamado e a sua substituição por acórdão que admita o recurso interposto, com subida imediata, e que foi alvo de decisão de rejeição liminar por força de uma suposta inadmissibilidade que não se verifica.
Pedido:
Termos em que, e nos do douto suprimento de v. Exªs., proferindo-se douto acórdão da conferência deste venerando tribunal sobre o douto despacho reclamado, proferido Pelo Exmo. Senhor juiz desembargador relator, deve a presente reclamação ser deferida, e, Em consequência, ser o douto despacho reclamado revogado e substituído por acórdão que admita o recurso interposto pelo reclamante município de V. N. C., o qual foi alvo de decisão de rejeição liminar, com as legais consequências, como é, aliás, de Inteira Justiça.”

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 10 de setembro de 2019, veio a emitir Parecer no mesmo dia, no qual se afirmou:
“I – Da decisão recorrida:
1 – Por sentença proferida neste Tribunal Central Administrativo do Norte, datada de 11 de Junho de 2019 - fls. 44 e ss. dos autos, processo físico - foi julgada improcedente a reclamação que havia sido apresentada pelo interveniente principal nos autos em questão, Município de V. N. C., da decisão do TAF de Braga que havia relegado para a decisão final o conhecimento da exceção de prescrição que aquela entidade pública pretende fazer reconhecer nos autos, por se ter entendido que o recurso admitido não beneficia do regime de subida imediata, e por isso o conhecimento das razões aí invocadas só deve ser admitido a final, juntamente com o recurso que eventualmente venha a ser interposto da decisão final, nos termos previstos no artigo 145º nº 2 do CPTA.
II – Da reclamação:
2 – Reclama dessa decisão para a Conferência deste Tribunal Central Administrativo o Município de V. N. C., por entender que no caso o TAF de Braga dispunha de todos os elementos para conhecer no despacho saneador da exceção de prescrição invocada, pelo que deveria tê-la apreciado nesse despacho, e não o fazendo incorreu em erro notório de julgamento.
3 – Não houve resposta à reclamação.
III - Examinando,
4 – Reclamação própria, atempada, legítima, nada obstando ao seu conhecimento.
5 – O Ministério Público em primeira instância teve já oportunidade de se pronunciar acerca da admissibilidade e regime de subida deste recurso, em sólida e bem fundamentada resposta ao mesmo entregue nos autos a 17.02.2019 (fls. 33 e ss., processo físico), posição que fazemos nossa e sufragamos e que por isso aqui que damos por reproduzida, com a devida vénia, pelo que nos pronunciamos igualmente no sentido da improcedência da reclamação apresentada.
Termos em que, Somos de parecer que a presente reclamação não merece provimento.”

Vejamos:
Refira-se desde logo, no que respeita o facto de ter sido relegada para final a decisão relativa à invocada prescrição, que tal se entende ser legítimo, perante a eventual verificação de inexistência de elementos para uma decisão imediata, sem que tal ponha em causa o estabelecido no Artº 88º do CPTA, atento até o referido n.º 4 do artigo 595.º do CPC, que expressamente estabelece a impossibilidade de recurso da decisão que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer.

Com efeito, sem prejuízo do que se venha a decidir a final, entendendo o tribunal a quo que não dispõe ainda de todos os elementos que lhe permitam decidir com segurança a referida questão da prescrição, nada obsta a que a mesma seja relegada para final.

Aliás, já relativamente à anterior versão do CPTA se havia pronunciado Vieira de Andrade nesse sentido (in “Justiça Administrativa” pag. 283) quando referiu que há circunstâncias especiais em que a decisão das questões prévias pode ser reapreciada posteriormente pelo tribunal, designadamente quando “… só possa ser avaliado no final da discussão da matéria de facto e de direito, que constitui o objeto do processo”.

Em face do que precede, entende-se não merecer censura o facto de ter sido relegada para final a decisão relativa à invocada prescrição, sendo que a mesma não chegou sequer a ser apreciada.
* * *
Importa agora verificar a questão da não admissão imediata do Recurso no que concerne à legitimidade do Município

No que aqui releva, consta do Despacho Reclamado, nomeadamente, que “o despacho interlocutório que decide que não ocorre situação geradora de ilegitimidade processual conducente à absolvição da instância da parte processual apenas é recorrível quando da decisão final. Desde logo, o despacho saneador em crise não procedeu à absolvição da instância do Réu, o que basta para que essa decisão concreta não se enquadre na última parte da alínea b) do n.º 1 do art. 644.º do CPC.”

Está em causa, em concreto, o facto de não ter sido reconhecido pelo Tribunal a quo que o Município não teria legitimidade para figurar como Réu na presente Ação.

Em regra, de acordo com o artigo 142º, n.º 5, do CPTA, “as decisões proferidas e despachos interlocutórios devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos de subida imediata previstos no Código de Processo Civil.”

Como entretanto foi mudado o regime dos recursos em processo civil, hoje não se prevê qualquer diferenciação quanto ao momento de subida do recurso, mas coloca-se o assento tónico nas decisões que são passíveis de impugnação autónoma.

Ver, neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, revista, 2010, pág. 932 quando refere: “Nestes termos, a remissão da segunda parte do n.º 5 do artigo 142º deve agora considerar-se feita para o artigo 691, n.º 2 do CPC (atual artigo 644º n.º 2), pelo que devem ser impugnadas com o recurso a interpor da decisão final todas as decisões proferidas em despacho interlocutório que não possam ser objeto, nos termos dessa disposição, de impugnação autónoma”.

Ou seja, todas as decisões constantes do n.º 2 do artigo 644º devem ser alvo de recurso autónomo e não de recurso com a decisão final.

No caso dos autos a questão em apreço prende-se com a legitimidade do Município para se manter na presente Ação.

Em bom rigor e incontornavelmente, não estamos perante nenhuma das situações prevista no artigo 644º, n.º 2, do CPC, nem mesmo na situação prevista na sua alínea h), quando refere que cabe ainda recurso de apelação:
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.

Tem-se entendido que o recurso das decisões previstas nesta alínea apenas terá lugar quando a sua retenção provoque um resultado irreversível do mesmo.

Como refere, Miguel Teixeira de Sousa, in, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, pág. 535, ainda que quanto ao anterior regime dos agravos, haverá recurso dos despachos cuja retenção os tornem absolutamente inúteis, isto é, “sempre que a eventual revogação da decisão recorrida depois dessa retenção seja insuscetível de produzir quaisquer efeitos práticos”.

Como se refere no Acórdão do TRP, proc. n.º 710/14.5TBSTS-B.P1, de 19.03.2015: As decisões “cuja impugnação com o recurso da decisão final é absolutamente inútil”, de acordo com o disposto na al. h) do nº 2 do artº 644º CPCiv07, são apenas as decisões cuja retenção poderia ter um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido, e não aquelas que acarretem apenas mera inutilização de atos processuais.

A questão da legitimidade do Município não é claramente uma questão que a não ser decidida agora se possa consubstanciar numa decisão irreversível sobre o conteúdo do decidido.

Reafirma-se que é incontornável, como decorre do art. 140.º nº 3 do CPTA que “Os recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil”.

Com efeito, dispõe-se no n.º 5 do art. 142º do mesmo Código que “as decisões proferidas em despachos interlocutórios podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos em que é admitida apelação autónoma nos termos da lei Processual Civil.”

Consagra-se neste preceito um regime especial de impugnação.
Por força deste preceito as decisões interlocutórias tomadas no âmbito de processos judiciais do contencioso administrativo, salvo quando subam imediatamente nos termos do CPC, são apenas impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final.

Dos ensinamentos da doutrina e jurisprudência com vista a esclarecer a expressão legal, “Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil”, colhe-se que o recurso não deve ser retido se daí resultar a sua inutilidade absoluta, se a retenção torna o recurso “sem finalidade alguma" ou se a sua decisão, ainda que favorável ao recorrente, já lhe não pode aproveitar (cfr. na doutrina, entre outros, Dr. Fernando Amâncio Ferreira in: “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6.ª edição, pág. 306; Dr. Luso Soares in: “O Agravo e o seu regime jurídico”, págs. 305 e segs.; na jurisprudência, Acs. do STA de 26/09/1996 - Proc. n.º 39763 in: Apêndice DR de 15/03/1999, págs. 6306 e segs., de 18/10/2000 - Proc. n.º 45969 in: Apêndice DR de 12/02/2003, págs. 7532 e segs. consultáveis em “www.dre.pt/gratis/ac/indexac.html”, de 19/02/2002 - Proc. n.º 048037, de 28/01/2003 - Proc. n.º 047518 in: “www.dgsi.pt/jsta”).

Tal como é referido pelo Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 5.ª Ed. Revista e Atualizada, pág. 292) “… a salvaguarda da utilidade do recurso impõe igualmente a sua subida imediata, sempre que da sua retenção já não adviessem vantagens para o agravante, por a revogação da decisão recorrida não provocar quaisquer efeitos práticos. Tal acontecerá, …, apenas quando a retenção do recurso o torne absolutamente inútil para o recorrente, e não por qualquer outra razão, como a economia processual ou a perturbação que possa causar no processo onde foi interposto. A simples inutilização de atos processuais já praticados, em consequência do provimento do agravo, não justifica a sua subida imediata, uma vez que esses atos podem ser sempre renovados …” (in: ob. cit., pág. 306).

Assim, não beneficiando o recurso controvertido do regime de subida imediata previsto no CPC a impugnação da decisão judicial em crise apenas poderá ser feita nos termos do regime processual previsto no n.º 5 do art. 142.º do CPTA, ou seja, tal decisão só passível de recurso jurisdicional no âmbito do recurso que vier a ser interposto da decisão final.

Assim e sem necessidade de outros considerandos temos que importa concluir que não merece censura a decisão objeto de reclamação.´
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento à Reclamação para a Conferência, confirmando-se o Despacho Reclamado.

Custas pelo Reclamante

Porto, 31 de outubro de 2019

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa