Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00267/15.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CADUCIDADE DA ACÇÃO; FALTA (ORIGINÁRIA) DE OBJECTO; PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO;
CAUSA DE PEDIR COMPLEXA; ARTIGO 33º Nº 4 DA LEI DO APOIO JUDICIÁRIO (LEI Nº 34/2004, DE 29.07); ARTIGOS 6º, N.º2, 277º AL. E) E 278º, N.º3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL;
Sumário:1. Se a data que a lei define como data de interposição da acção, no caso a data de dedução do pedido de apoio judiciário, é anterior ao início do prazo de caducidade, por não ter nascido sequer o direito, a conclusão a tirar não é a de que não se aplica a lei, em concreto o disposto no artigo 33º nº 4 da Lei do Apoio Judiciário, a Lei nº 34/2004, de 29.07.por força do princípio da legalidade a que estão sujeitas as decisões dos Tribunais, antes é a de que tal excepção não se verifica, sem mais, dado que o respectivo prazo nem sequer se iniciou.

2. A questão seria apenas pertinente na perspectiva de uma outra excepção dilatória, a da impossibilidade originária da lide, por falta de objecto – artigo 277º al. e) do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, excepção que, em todo o caso, se encontraria sanada face ao litígio entretanto surgido, a falta de decisão favorável, no prazo legal, sobre a queixa apresentada pelo autor, a dar objecto à acção – artigos 6º, n.º2, e 278º, n.º3, do Código de Processo Civil (de 2013).

3. No caso, estamos perante uma causa de pedir complexa que, cronologicamente, abrange a reclamação apresentada em 10.11.2012, a resposta a esta reclamação, de 14.05.2013, a queixa apresentada em 27.08.2013 e a falta de resposta, no prazo legal de 90 dias, a esta queixa.

4. Remontando esta causa de pedir complexa a um momento anterior ao da propositura da acção (a data do pedido de apoio judiciário) não se pode dizer que, em absoluto, a acção carecesse de objecto.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:PFFM
Recorrido 1:Ministério das Finanças e Município de Coimbra
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parece no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

PFFM veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 08.01.2016, pelo qual foi procedente a excepção de caducidade da acção, aí considerada intentada contra o Ministério das Finanças e, como contra-interessado, o Município de Coimbra, absolvendo-se os demandados da instância.


Invocou para tanto, em síntese, que a acção se deve considerar interposta na data em que deu entrada o requerimento de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono (20.05.2013), concluindo pela tempestividade da sua interposição.

O réu Ministério das Finanças e o contra-interessado Município de Coimbra apresentaram contra-alegações autónomas em que pugnaram pela manutenção do decidido.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer também pela improcedência do recurso.

*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª – O autor dirigiu-se às instalações da Polícia Municipal de Coimbra, no dia 10 de Novembro de 2012, pelas 18h00, com o objectivo de apresentar uma reclamação.

2ª – Para o que solicitou o competente livro de reclamações.

3ª – Tendo sido questionado sobre qual o motivo da reclamação.

4ª – Não informou, pois não tinha que o fazer.

5ª – Foi-lhe fornecido o referido livro que começou a preencher;

6ª - Quando já tinha dado início ao seu preenchimento, surgiu outro que solicitou ao autor a sua identificação, informando-o que era requisito para que pudesse preencher o livro de reclamações.

7ª - Após ter informado o referido agente que não tinha o seu documento de identificação consigo, prontificou-se a fornecer o número do bilhete de identidade e data de emissão, invocando, que nos termos da lei, o livro de reclamações não pode ser negado com fundamento na falta de documento de identificação.

8ª - Sem que nada o fizesse prever, e por ter entendimento diverso, tal agente retirou-lhe o livro de reclamações que o autor já tinha começado a preencher, com fundamento no facto de não ter consigo o seu documento de identificação.

9ª - O autor decidiu então contactar a PSP, solicitando a presença desta autoridade nas instalações da Polícia Municipal, a fim de participar a situação acima exposta.

10ª – A quem relatou o sucedido.

11ª - Mas os agentes da Polícia Municipal mantiveram a recusa de devolver o livro de reclamações, com fundamento na referida falta do seu documento de identificação.

12ª - O autor relatou tudo o que tinha sucedido aos agentes da PSP, a quem forneceu a sua identificação verbalmente, para efeitos de participação da ocorrência, uma vez que mesmo na presença da PSP, os agentes da Polícia Municipal mantiveram a recusa de facultar ao autor o livro.

13ª - Após o que abandonou as instalações da Polícia Municipal.

14ª - Passados alguns dias, solicitou à PSP cópia da participação que havia feito, sendo informado que tal expediente tinha sido enviado ao Gabinete Jurídico da Câmara Municipal de Coimbra, pelo que, seria aí que poderia solicitar, por requerimento, certidão do expediente original.

15ª – Inconformado, dirigiu correspondência à Direcção-Nacional da PSP, a dar conta do sucedido.

16ª – Sendo-lhe posteriormente informado de que, por decisão da Inspecção da Polícia de Segurança Pública, foi autorizada a entrega de fotocópia da participação por si apresentada.

17ª - Quando teve acesso à referida participação, verificou que constavam da mesma várias considerações pessoais e subjectivas do agente que elaborou o auto, relativas à sua pessoa, considerações essas que pela sua natureza – autênticos juízos de valor – não deveriam constar da mesma, tais como “ (…) mantendo sempre uma conduta conflituosa (…) e que exalava um ligeiro odor a álcool, desconhecendo se esta seria a causa da sua irritabilidade e do seu comportamento belicoso. (…) De referir ainda que, no momento em que introduzia a identificação do participante, deparei-me com inúmeras peças de expediente elaboradas em que este é interveniente, sendo que algumas delas estão relacionadas com a solicitação do livro de reclamações. (…) “.

18ª - Motivo pelo qual endereçou ao Comando Distrital da PSP de Coimbra, com conhecimento à Direcção Nacional da PSP, missiva a dar conta de tais factos.

19ª - Decorridos mais de dois meses sobre os factos descritos, não obteve qualquer resposta por parte da PSP ou da Câmara Municipal de Coimbra.

20ª - Pelo que, em 21.01.2013, remeteu ao Gabinete da Secretaria de Estado da Administração Local e da Reforma Administrativa, comunicação onde relatou o sucedido - a recusa da Polícia Municipal de Coimbra de facultar o livro de re1clamações – bem como a exposição que dirigiu ao Comando Distrital da PSP, com conhecimento à Direcção Nacional da PSP, sobre o conteúdo da participação.

21ª - Volvidos alguns meses sobre aquela data, recebeu um ofício da Polícia Municipal de Coimbra, datado de 14-05-2013, donde consta que ”Tendo em consideração a reclamação efectuada por V. Ex.ª, no dia 10 de Novembro de 2012, a qual mereceu a nossa melhor atenção, informamos que o Agente de serviço no Atendimento desta Polícia Municipal, agiu sempre de forma assertiva e nunca em momento algum foi recusado a V.ª Ex.ª o direito a reclamar previsto na lei, como resulta do processo”.

22ª - Tal resposta é passível de censura, pois, não corresponde à verdade, tendo os factos ocorrido conforme acima melhor descrito, tendo o autor sido impedido de exercer o seu direito de reclamar, com base em argumento desprovido de fundamentação legal.

23ª - Aliás, as circunstâncias assim o demonstram, pois por que razão teria chamado a PSP ao local se tivesse tido a possibilidade de exercer o direito de reclamar no competente livro de reclamações?

24ª - E, se na presença dessa autoridade, lhe tivesse sido facultado o referido livro, teria havido lugar à elaboração do auto de participação por parte da PSP?

25ª - Por isso, questiona o autor como é possível, porque, em face do acima exposto, carece de qualquer sentido lógico e de coerência alguma, a afirmação constante do ofício da Polícia Municipal, datado de 14-05-2013 que “nunca em momento algum foi recusado a V. Ex.ª o direito a reclamar previsto na lei, como resulta do processo”?

26ª - Nesta sequência, o ora autor solicitou apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e compensação de patrono, o que lhe foi deferido.

27ª – A patrona signatária, deslocou-se à Polícia Municipal para consultar o referido processo e obter cópia do mesmo, mediante requerimento a que deu entrada em 21-06-2013 e que somente quase um mês depois é que, finalmente, obteve a dita cópia.

28ª - Em 26-07-2013, o autor, representado pela aqui signatária, deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Coimbra, a um requerimento dirigido ao Presidente da Câmara Municipal onde solicitava “resposta à participação apresentada, no sentido de informá-lo qual o tratamento que foi dado à mesma, para que entidade foi remetida e se foi ou não levantado o respectivo processo de contra-ordenação.”
29ª - No dia 14-08-2013, a ora signatária recebeu missiva remetida pelos Serviços da Polícia Municipal e subscrita pelo Comandante daquela Polícia (de novo!), através de correio simples.

30ª – Inconformado, remeteu à Inspecção Geral de Finanças, queixa dirigida contra a Câmara Municipal de Coimbra e contra a Polícia Municipal de Coimbra, onde relatou todo o acima exposto, juntando toda a documentação referida e requerendo que o mesmo se dignasse:

• averiguar se a conduta dos agentes da Polícia Municipal de Coimbra foi coincidente com a que lhe é imposta por lei, nomeadamente, no que concerne à disponibilização do livro de reclamações, condicionando tal disponibilização à necessidade de exibição de documento de identificação por parte do ora autor:

• averiguar se a participação apresentada à PSP, sob a ref. NPP: 519526/2012 foi enviada à autoridade competente para a instrução do competente processo;

• promover todas as diligências adequadas ao tratamento daquela queixa, nomeadamente, instaurando o competente processo de contra-ordenação contra a Polícia Municipal de Coimbra.

31ª – Dada a falta absoluta de resposta por parte da Administração, intentou a acção administrativa especial para a condenação da Administração no acto legalmente devido de resposta à queixa apresentada contra a Inspecção Geral de Finanças e o Ministério Das Finanças e contra a Câmara Municipal de Coimbra na qualidade de contra-interessada.

32ª - Na sequência da aprovação da fusão da Inspecção-Geral da Administração Local na Inspecção-Geral de Finanças operada pelo Decreto-Lei n.º 117/2011 e nos termos do Decreto-Lei n.º 96/2012, compete à Inspecção Geral de Finanças o exercício da tutela sobre as autarquias locais.

33ª - O artigo 2.º, n.º 2, al. l) do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro) dispõe que a inspecção tributária compreende quaisquer outras acções de averiguação ou investigação de que a Administração Tributária seja legalmente incumbida.

34ª - Definindo ainda os princípios do procedimento de inspecção tributária – da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação – artigos 5.º, 6.º, 7.º,8.º e 9.º

35ª - Dispondo o artigo 11.º, o princípio da impugnabilidade dos actos, onde se afirma que o procedimento de inspecção tributária tem um carácter meramente preparatório ou acessório dos actos tributários ou em matéria tributária, sem prejuízo do direito de impugnação das medidas cautelares adoptadas ou de quaisquer outros actos, nos termos da lei.

36ª - Por seu turno, o artigo 36.º, nº 2 dispõe que o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.

37ª - Sucede que a data da propositura da acção não tinha logrado obter qualquer resposta, apesar da aqui signatária ter tentado, por diversas vezes, obter informação sobre o tratamento dado à mesma, telefonicamente, em 12-02-2014 e em 30-05-2014 e via postal em 02-06-2014.

38ª - Todas as tentativas se revelaram infrutíferas, uma vez que da parte da entidade competente não houve qualquer resposta.

39ª - Por sua vez, dispõe o artigo 69.º, nº 1, do Código de Processo nos ´Tribunais Administrativos que em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido.

40ª - Reportando-nos ao caso sub judice, a queixa foi apresentada no dia 26-08-2013, pelo que o decurso do prazo de 6 meses ocorreu em 26-02-2014, assim, verifica-se a tempestividade da apresentação do nosso petitório.

41ª – Citadas, as rés contestaram defendendo-se por excepção – ilegitimidade passiva e caducidade do direito de acção – e por impugnação.

42ª – Respondeu o autor, alegando que que as rés eram partes legítimas na acção e que o seus direito de acção não havia caducado invocando os normativos legais supra e ainda o pedido de apoio judiciário apresentado pelo autor, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono, foi efectuado no dia 20-05-2013, isto é, 6 (seis dias) após a recepção do ofício que lhe foi dirigido pela Polícia Municipal de Coimbra, datado de 14-05-2013, pelo que nos termos do n.º 4 do artigo 33.º da Lei- n.º 34/2004, de 29 de Julho, a acção considera-se proposta no dia 20-05-2013.

43ª - Do exposto resulta que o direito do autor de consultar o processo, para só após essa consulta dirigir requerimento ao Presidente da Câmara Municipal, e em face da resposta obtida, apresentar a queixa à IGF à qual não obteve resposta, por isso intentou a acção, não nem é extemporânea a queixa apresentada ao IGF, nem caducou a acção ora em causa.

44ª - Sem prescindir, sempre se dirá que se a Inspecção Geral de Finanças não era a entidade competente, o que poderia e deveria ter feito era, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 34.º e do Código de Procedimento Administrativo, era devolver a queixa/requerimento ao autor, acompanhado da indicação do ministério ou da pessoa colectiva a quem se deveria dirigir, o que não fez, como resulta do processo administrativo apenso aos presentes autos.

45ª - Pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pela ré Ministério das Finanças/ Inspecção Geral de Finanças, e contra-interessada Câmara Municipal o que se requer, julgando-se procedente a acção, concluindo-se como na petição inicial.

46ª - O quadro legal que regula o uso, a disponibilização do livro de reclamações por parte de uma entidade pública é de tal modo complexo, que o recorrente teve sérias dúvidas na sua conformação.

47ª - Como reagir? A quem apresentar a sua exposição? A quem se deveria queixar? Quais os trâmites dessa mesma queixa?

48ª - Enfim, toda uma panóplia legislativa, de atribuições e competências que deixa qualquer cidadão completamente impotente relativamente à Administração.

49ª - Ora, o raciocínio de um qualquer homem médio colocado na posição do autor recorrente será o seguinte: quer-se queixar; solicita o livro de reclamações; o mesmo livro é-lhe recusado; recorre à autoridade policial para efectivar o seu direito de queixa através da disponibilização do livro de reclamações ou para registar a sua recusa, esperando que tal auto de notícia siga os seus trâmites normais.

50ª - Sucede que no caso sub judice não existiram trâmites normais, pois a PSP começou por recusar facultar o auto de notícia ao autor, somente após várias queixas, obteve o mesmo.

51ª - Passado algum tempo, recebe resposta a tal queixa subscrita pela entidade contra a qual se queixou.

52ª - Reclamou para o órgão hierarquicamente superior, neste caso, para o Presidente da Câmara.

53ª - A resposta que recebe é novamente dada pela entidade de quem se queixou.

54ª - Posteriormente dirige queixa à IGF, onde expôs tudo quanto sucedeu na expectativa de ver tutelados os seus direitos.

55ª - Surpreendentemente não obteve qualquer resposta, como se poderá constatar pelo processo administrativo junto aos autos, nada foi feito.

56ª - Nenhuma diligência, nenhum inquérito, nada!

57ª - A Administração pura e simplesmente demitiu-se dos seus deveres mais elementares, nomeadamente do dever legal de decidir!

58ª - Vindo a mesma, posteriormente e em sede de contestação, invocar toda uma teia legal para dizer simplesmente que não tinha competência para apreciar tal questão.

59ª - Ora, se não tinha competência para apreciar a queixa apresentada pelo autor o que poderia e deveria ter feito era, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 e n.º 2 do art. 34.º e do Código de Procedimento Administrativo, devolver a queixa/requerimento ao autor, acompanhado da indicação do ministério ou da pessoa colectiva a quem se deveria dirigir, o que não fez, como resulta do processo administrativo apenso aos presentes autos.

60ª - E não o fazendo prejudicou o autor no exercício garantido por um Estado de direito democrático, o de qualquer cidadão queixar-se da própria Administração.

61ª - E continuará prejudicado, o próprio e todos os cidadãos, enquanto a Administração se comportar de tal modo, recusando resposta aos pedidos que lhe são dirigidos

62ª - Para depois vir invocar a passagem do tempo como obstáculo ao direito do autor de obter uma resposta à queixa que apresentou.

64ª - O autor não pretende qualquer indemnização, pois se a quisesse, certamente a teria peticionado, pretendendo tão-somente ver cumprida a lei, as regras, e sancionados os incumpridores.

65ª - Reitera-se que o prazo de resposta da Administração não é nem nunca poderá ser de 90 dias, mas antes de 6 meses, conforme invocado pelo mesmo, pelo que se a queixa foi apresentada no dia 26-08-2013, o decurso do prazo de 6 meses ocorreu em 26-02-2014, assim, verifica-se a tempestividade da apresentação do nosso petitório.
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II – Matéria de facto dada como provada:

1. No dia 10.11.2012 o autor solicitou, junto das Instalações da Polícia Municipal, o livro de reclamações, para ali efectuar uma reclamação (cf. participação da Polícia de Segurança Pública junta como documento n.º 5 à petição inicial).

2. Por ofício de 14.05.2013, a Polícia Municipal, informa o autor do seguinte: “Tendo em consideração a reclamação efetuada por V. Exa., no dia 10/11/2012 a qual mereceu a nossa melhor atenção, informamos que o Agente de serviço no Atendimento desta Policia Municipal, agiu sempre de forma assertiva e nunca em momento algum foi recusado a V. Exa. o direito de reclamar previsto na lei, como resulta do processo” (cf. documento n.º 3 junto com a petição).

3. Por requerimento de 20.05.2013, solicitou o autor junto do Instituto da segurança social, apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como a nomeação e pagamento da compensação de patrono a fim de instaurar uma acção administrativa, tendo sido tal pedido deferido em 27.05.2013 (cf. documento n.º 9 junto com a petição inicial).

4. Pelo ofício n.º 3230708-A, de 27.05.2013, da Ordem dos Advogados, do Concelho Distrital de Coimbra, foi o autor informado da designação da advogada AV, como sua defensora oficiosa (cf. documento n.º 10 junto com a petição inicial).

5. Em 27.08.2013, o autor deu entrada na Inspecção Geral de Finanças, do requerimento de queixa contra a Câmara Municipal de Coimbra e a Polícia Municipal de Coimbra, cujo teor consta do documento 1 da petição inicial e no processo administrativo que aqui se dá como reproduzido (cf. consta do processo administrativo junto aos autos).

6. Em 20.02.2015 o autor enviou a processo instrutor destes autos, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

III- O Enquadramento jurídico. A caducidade da presente acção.

Pretende o autor, ora recorrente, através do presente recurso, que a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra seja “revogada e substituída por outra que julgue improcedente a excepção de caducidade do direito de acção do A., seguindo-se os ulteriores termos até final, ser apreciada a prova junta e ouvidas as testemunhas indicadas…”.

Determina o artigo 69º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002, aplicável por força do artigo 15º nº 2 do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro, em vigor a partir de 1 de Dezembro de 2015, que “Em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido.

O artigo 58º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo de 1991, vigente à data dos factos, preceituava que a Administração dispunha do prazo de 90 dias para proferir decisão (cfr. também o disposto no artigo 109º, nº 2, do mesmo Código, quanto ao que então se designava como indeferimento tácito).

Sucede que, o recorrente apresentou queixa relativa à atuação da Polícia Municipal de Coimbra e da Polícia de Segurança Pública, junto da Inspecção Geral de Finanças, em 27.08.2013, data de entrada do requerimento nos serviços administrativos (artigos 79º e 80º do Código de Procedimento Administrativo vigente nessa data).

E, como supra mencionado, a presente acção deu entrada no dia 20.02.2015, via correio eletrónico.

Considerando que à actuação da Inspecção Geral de Finanças se aplica o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, aprovado pelo Decreto-Lei nº 413/98, de 31 de Dezembro (com as alterações legais nele posteriormente introduzidas), o recorrente invoca que a inspecção tributária compreende quaisquer acções de averiguação ou investigação de que a Administração Tributária seja legalmente incumbida.

E, uma vez que, nos termos do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, o procedimento de inspecção é contínuo, devendo estar concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, o decurso do prazo desses seis meses terá ocorrido em 26.02.2014, tendo, assim, a acção sido tempestivamente instaurada.

Mas não é esse o regime jurídico aplicável às inspecções da Inspecção Geral das Finanças.

Na verdade, a Inspecção Geral de Finanças e a inspecção tributária não se podem confundir, consubstanciando realidades ou entidades distintas, com missões e atribuições legais distintas.

Com efeito, a inspeção tributária diz respeito aos serviços integrados na Autoridade Tributária e Aduaneira, que resulta da fusão das extintas Direção Geral dos Impostos (DGI), Direção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC) e Direção Geral da Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA) – Decreto-Lei nº 118/2011, de 15 de Dezembro.

E, como esclarece o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, no seu artigo 16º, nº 1, os serviços competentes para a prática dos actos de inspeção tributária, nos termos da lei, são os seguintes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira:

“a) A Unidade dos Grandes Contribuintes, relativamente aos sujeitos passivos que de acordo com os critérios definidos sejam considerados como grandes contribuintes;

b) As direções de serviços de inspeção tributária que nos termos da orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira integram a área operativa da inspeção tributária, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários que sejam selecionados no âmbito das suas competências ou designados pelo diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira;

c) As unidades orgânicas desconcentradas, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários com domicílio ou sede fiscal na sua área territorial.”

A Inspecção Geral de Finanças não está legalmente habilitada a praticar actos de inspecção tributária nos termos do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, porquanto não integra a Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo serviços distintos da administração central directa do Estado que atuam no âmbito do Ministério das Finanças (artigo 4º, alªs. c) e f) do Decreto-Lei nº 117/2011, de 15 de dezembro).

E, por seu turno, os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira identificados no nº 1 do artigo16º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira e competentes para a prática de determinados actos no âmbito da inspeção tributária, em nada dizem respeito à missão da Inspecção Geral de Finanças.

O recorrente incorre, igualmente, em equívoco ao invocar, como fundamento para o procedimento de inspeção tributária, o citado normativo legal, pois este visa “a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias” (artigo 2º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira).

Mas o certo é que a situação em análise não se enquadra no âmbito de qualquer dessas realidades.

O regime consignado no Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira não se aplica à actuação da Inspecção Geral de Finanças e aos procedimentos por esta realizados no exercício das suas missão e competências legais.

Deste modo, e designadamente, o prazo de seis meses estatuído no artigo 36º, nº 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, e invocado pelo Recorrente como sendo o prazo para a para a prática do acto devido, não tem aplicação na situação em apreço.

A Inspecção Geral de Finanças, no âmbito das suas atribuições relativas às autarquias locais (artigo 2º, nº 3 do Decreto-Lei nº 96/2012, de 23 de abril), analisa as queixas, denúncias, participações e exposições respeitantes à atividade desenvolvida pelas entidades tuteladas.

Porém, no que tange ao procedimento de inspeção realizado pela Inspecção Geral de Finanças, rege o normativo ínsito no Regulamento do Procedimento de Inspeção da Inspeção Geral de Finanças, aprovado em anexo ao Despacho nº 6387/2010, de 5 de abril, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 70, de 12.04.2010.

No qual não está previsto o referido prazo de seis meses, mencionado pelo recorrente, para conclusão de um procedimento, incluindo no sentido do requerido na queixa apresentada em 27.08.2013.

Pelo que, inexistindo prazo especialmente previsto no regime específico de inspeção da Inspecção Geral de Finanças para apreciação de queixas ou petições e realização de procedimento inerente, ao caso em discussão aplicar-se-ia, necessariamente, o prazo geral previsto no Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, vigente à data dos factos.

Sendo que o prazo máximo então previsto para a prolação de decisão por parte da Administração era de 90 dias úteis, quer se considerasse o prazo previsto no artigo 109º, quer o prazo estatuído no artigo 175º, nº 1 e 177º, nº 5, do Código de Procedimento Administrativo então vigente. Ficcionando-se aqui, somente para efeitos de raciocínio hipotético e não obstante as restrições impostas pelo princípio da legalidade consignado no artigo 3º do mesmo Código, que a apresentação da queixa em causa equivaleria à apresentação de um recurso tutelar, dados os alegados poderes tutelares da Inspecção Geral de Finanças sobre as autarquias locais e polícias municipais e que estavam reunidos os pressupostos legais consignados no artigo 177º do Código de Processo Civil para tal recurso.

Pelo que o autor dispunha, numa primeira abordagem, do prazo de um ano contado desde o termo do prazo para a prática pela Administração do acto – alegadamente – devido, ou seja, prazo esse findado em 03.01.2015 (artigo 138º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo).

Deste modo, a data da instauração desta acção (20.02.2015), o prazo previsto no artigo 69º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, já se mostrava ultrapassado e estaria, assim, precludido o direito de acção do autor.

Todavia, o autor invoca, nas suas alegações de recurso, que tendo beneficiado de nomeação de patrono, no âmbito do apoio judiciário requerido em 20.05.2013, a acção deve considerar-se interposta nessa data, nos termos do artigo 33º nº 4 da Lei nº 34/2004, de 29.07.

Refere-se na decisão recorrida, a este propósito e de decisivo:

No momento em que foi pedido o apoio judiciário ainda não havia objecto para a acção – não havia direito à acção - porque não fora apresentada ainda qualquer queixa (pedido) à Inspecção-geral de Finanças.

Ora não é logicamente possível considerar instaurada uma acção determinada quando os factos naturais e jurídicos integrantes da causa de pedir consabidamente ainda não tinham ocorrido.

(…)

Ora a acção sub judice, atento o seu objecto supra relatado e resultante da PI, refere-se a um direito que supostamente surgiu na esfera jurídica do Autor depois de requerido o A.J., pelo que não pode, logicamente, identificar-se com o direito, qualquer que fosse, para cujo exercício foi pedido o apoio judiciário, enfim, não pode fazer-se o cotejo entre pedido de apoio e acção proposta, que o nº 4 supõe.

Também daqui resulta com evidência que, mais do que indevida, é logicamente impossível a aplicação do desígnio normativo do nº 4 do artigo 33º da LAJ à acção sub judice.

Se não é sequer logicamente possível uma aplicação in casu da sobredita norma especial tem de valer a regra geral, isto é a acção considera-se proposta no dia em que entrou a PI, 6/3/2015.

Consequentemente procede a excepção da caducidade do direito de acção, impondo-se a absolvição da instância.”

Simplesmente, e desde logo, se a data que a lei define como data de interposição da acção é anterior ao início do prazo de caducidade, por não ter nascido sequer o direito, a conclusão a tirar não é a de que não se aplica a lei, por força do princípio da legalidade a que estão sujeitas as decisões dos Tribunais, antes é a de que tal excepção não se verifica, sem mais, dado que o respectivo prazo nem sequer se iniciou.

A questão seria apenas pertinente na perspectiva de uma outra excepção dilatória, a da impossibilidade originária da lide, por falta de objecto – artigo 277º al. e) do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Excepção que, em todo o caso, se encontraria sanada face ao litígio entretanto surgido, a falta de decisão favorável, no prazo legal, sobre a queixa apresentada pelo autor, a dar objecto à acção – artigos 6º, n.º2, e 278º, n.º3, do Código de Processo Civil (de 2013).

Simplesmente estamos aqui perante um caso de causa de pedir complexa.

Causa de pedir complexa que, cronologicamente, abrange a reclamação apresentada em 10.11.2012, a resposta a esta reclamação, de 14.05.2013, a queixa apresentada em 27.08.2013 e a falta de resposta, no prazo legal de 90 dias, a esta queixa.

Remontando esta causa de pedir complexa a um momento anterior ao da propositura da acção (a data do pedido de apoio judiciário) não se pode dizer que, em absoluto, a acção carecesse de objecto.

Ainda que assim não se entendesse, a eventual falta de objecto do recurso, originária - única causa de extinção da instância que se poderia configurar dado não se verificar no caso a excepção de caducidade – a mesma não obstaria ao conhecimento do objecto da acção dado entretanto se encontrar sanada por a acção ter adquirido objecto.

Termos em que se impõe revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento do processo.


*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida.

B) Julgam não verificada a excepção de caducidade do direito de acção.

C) Ordenam a baixa dos autos a fim de que prossigam os seus ulteriores termos, se nada a mais tal obstar.


Porto, 15 de Julho de 2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Luís Garcia, vencido, conforme declaração que segue)

Salvo o devido respeito pela tese que faz vencimento, voto vencido.
A minha discordância logo decorre de não ver no caso uma causa complexa que abranja o que é de pretérito à queixa dirigida à Inspecção-geral de Finanças.
Verdade que essa narrativa de acontecimentos pretéritos é dada a conhecer pelo autor na sua petição inicial.
Mas dela mais se não retira que um abonar de razões para a queixa feita.
O que o autor peticiona é a «condenação da Inspeção Geral de Finanças a tratar a queixa que lhe foi apresentada pelo A., pronunciando-se quanto à mesma e praticando os demais actos que por lei se impuserem, tudo conforme as disposições legais acima referidas; Requerendo ainda a fixação de prazo para a emissão de tal acto, bem como a fixação de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso, nos termos do disposto no art. 169.ºdo CPTA.».
E, em alicerce, a causa que sustenta o pedido é uma só : a inércia na conclusão do procedimento quanto a essa queixa (o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira é trazido à liça pelo autor precisamente em função do prazo que, a seu ver – e aí mal, acompanhando-se nesta parte o Acórdão –, estaria definido para conclusão do procedimento).
A demanda proposta tem como objecto uma situação que não existia (alegada inércia da Inspecção-Geral) aquando da apresentação do requerido apoio judiciário, pelo que este não poderia servir para esta acção (quando nem a própria Lei do Apoio permite que possa ser um apoio "em branco").
Pelo que confirmaria, na íntegra, a decisão recorrida.

Porto, 15/07/2016.
Luís Migueis Garcia