Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00182/10.3BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:INDEFERIMENTO DA PRODUÇÃO DE PROVA - MATÉRIA DE FACTO CONTROVERTIDA - COGNIÇÃO PLENA - PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL
Sumário:I- Detetando-se a existência de matéria de matéria de facto contravertida essencial à boa decisão da causa, não pode o Tribunal a quo avançar para o julgamento da causa com preterição das fases processuais que lhe antecedem, sob pena de infração do disposto no artigo 87º, n.º 1, al. c) e 91º, nº. 4, ambos do CPTA, na versão originária.

II- Quer se entenda, ou não, que a atividade avaliativa da Administração se insere na discricionariedade técnica e integra reserva de administração, os Tribunais Administrativa dispõem de poderes de jurisdição e de cognição plena em matéria de sindicabilidade do juízo técnico que a Administração elaborou ao considerar certas ou erradas as respostas à prova escrita a que o Recorrente se submeteu.

III- A prova testemunhal serve para demonstrar factos, não para emitir opinião especializada no domínio técnico científico, cujo desígnio se encontra reservado para a prova pericial.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:P.
Recorrido 1:Ministério da Justiça e Outro.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
P., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do (i) despacho do Tribunal Administrativo de Viseu, datado de 24.06.2019, que indeferiu o pedido de produção de prova testemunhal e pericial formulado pelo Autor, bem como da (ii) sentença promanada nos presentes autos, que julgou a presente ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

1) Ao manter a decisão de revogação da majoração (decisão esta autónoma e autonomizável na economia do ato, isto relativamente ao arredondamento), a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, por violação de lei (dos princípios jurídicos) que impõe a sua revogação, nos seguintes termos:
2) Primo: porque aplica o princípio da divulgação atempada a matéria que com o mesmo não contende, já que não cuidamos de critérios de seleção ou avaliação, dirigidos à apreciação do mérito dos candidatos e, assim, não se trata de fatores contendentes com a respetiva performance (violação de lei, por violação do próprio princípio);
3) Secundo: sem conceder quanto ao que vimos de expor, ainda que assim não fosse, não assegura a articulação prático-concreta do princípio da divulgação atempada com os outros princípios aplicáveis ao caso concreto e que impunham a majoração, como os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da justiça e da boa-fé, tudo em violação dos mesmos e dos arts. 3.°, 4.°, 6.°, 6.°-A do CPA aplicável ao procedimento (anterior ao DL n.° 4/2015, de 7/1) e art. 266.°, n.ºs 1 e 2 da CRP;
4) Tertio: a própria igualdade (art. 5.° do CPA) sai violada porque alicerçada em motivo da decisão quando inexiste razão para o ser, pois a medida não só mantém a igualdade relativa entre todos os candidatos, como, em último termo e porque cuidamos de um ato plural e divisível, teria que relevar-se que a não exclusão do A. não era passível de prejudicar ninguém (a lista de Coimbra, a que o mesmo concorreu, não ficou preenchida na totalidade, preenchimento que se impunha, entre outros, pelo princípio da prossecução do interesse público e inclusive pelo princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade).
5) No que diz respeito à fundamentação, não há um único facto externado que alicerce o juízo de suposta inadequação da majoração às características da prova, usado para motivar a revogação - desafiamos mesmo o Digníssimo Tribunal ad quem (e a própria Administração, que tem o ensejo de o fazer em sede de contra-alegações) a indicar esses factos, já que o Digno Tribunal a quo o não fez (o que se compreende e explica por impossibilidade evidente, pois os factos inexistem e o Tribunal não pode substituir-se à Administração nessa tarefa).
6) A sentença padece, assim, de erro de julgamento, por violação do art. 125.°, n.ºs 1 e 2 do CPA aplicável ao procedimento (aprovado pelo DL n.° 442/91, de 15/11), devendo ser revogada.
7) Em relação à não disponibilização atempada dos textos de suporte aos formandos, não pode admitir-se o julgamento no sentido de que não há ilegalidade porque nem a lei nem o aviso de abertura do concurso determinam tal obrigatoriedade, desde logo porque as normas legais e regulamentares não esgotam a juridicidade vigente e que vincula a Administração, cuja atuação é ampla e concretamente conformada pelos princípios jurídicos e orientada, em último termo, para o fim e interesses públicos visados.
8) No caso vertente, a lei não só determina a existência do concurso para ingressar na lista de peritos, como determina a existência do curso, destinado a escolher os candidatos que, através do mesmo, fiquem melhor habilitados a exercer aquelas funções e, assim, a servir o interesse público em existir uma lista de peritos altamente especializados para proceder às avaliações expropriativas, em sede judicial.
9) Deste modo, não pode entender-se que é juridicamente indiferente o modo como o curso é ministrado (que é o juízo que subjaz ao julgamento), pois tal seria admitir ser indiferente que os formandos aprendessem ou não alguma coisa com o mesmo e que a lei que o institui não tem qualquer sentido nem valia. Seria caso para dizer, acabe-se então com o curso, que gasta tempo e recursos administrativos!
10) Por outras palavras, só com a disponibilização dos textos de apoio - que corporizavam o conteúdo das formações e, assim, cuja disponibilização era e é, em qualquer curso e como todos sabem, prática administrativa, nomeadamente acordada entre formadores e formandos, contando estes com esses elementos essenciais ao estudo para se prepararem para as provas - ficava cumprida a formação e, assim, ficava cumprida a formação legalmente instituída.
11) Só assim temos uma formação séria e que permite escolher os melhores candidatos; seriedade e mérito que saem violados sem a majoração, pois a própria Administração reconheceu, a vários passos, que o curso não correu bem e que, nomeadamente a não disponibilização atempada dos elementos de estudo, teve um reflexo negativo na preparação da prova - não há, pois, dúvidas quanto a este juízo, nunca o mesmo foi contrariado ou desdito.
12) Portanto, esta ilegalidade decorrente determinantemente da falta dos elementos de estudo, reconhecida pela Administração e que comina o próprio curso de ilegalidade, só ficaria sanada ou com a prática do ato revogado ou com a anulação da prova.
13) Ao entender diversamente, a sentença incorre em erro de julgamento por força da violação de lei, ou seja, dos princípios jurídicos da prossecução do interesse público, da igualdade, da razoabilidade e da justiça, da boa-fé (cfr. arts. 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 6.°-A do CPA e 266.°, n.ºs 1 e 2 da CRP), e não pode manter-se na ordem jurídica.
14) A redistribuição da pontuação da (repetida) questão 47 pelas questões 45, 46 e 48 não tem subjacente qualquer critério ou sentido orientador e materialmente fundado e, ademais, não se antevê qualquer lógica jurídico-administrativa ou outra em distribuir a cotação da questão repetida pelas duas questões anteriores e pela questão seguinte, saindo beneficiados os candidatos que acertaram as três perguntas e prejudicados aqueles cujas respostas a essas perguntas foram consideradas erradas.
15) Nestas situações, em que tem que ser suprida ilegalidade verificada na prova, por repetição de perguntas, a prova toda deve ser cotada para 20 valores sem a pergunta (redistribuindo-se a cotação por todas as perguntas da prova) ou, então, a questão deve ser considerada certa para todos os candidatos (atribuindo a todos a cotação da questão), pois só assim se garante que a ilegalidade é inócua, do ponto de vista de nenhuma influência ter nos resultados.
16) Depois, quanto à “desestabilização” e “prejuízo da concentração” que o Tribunal diz não consubstanciados nem demonstrados, tratam-se de factos notórios que qualquer pessoa que já realizou uma qualquer prova, por exemplo no âmbito de uma licenciatura (como é o caso de quem nos lê) conhece.
17) Deste modo, ao julgar improcedente a ilegalidade assacada a este passo, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, por violação dos princípios da igualdade, da confiança, da proporcionalidade e da justiça (cfr. arts. 5.° e 6.° do CPA e 2.°, 13.° e 266.°, n.° 2 da CRP), que determinavam uma solução com a que expomos, devendo ser revogada.
18) No caso vertente, em que estamos no âmbito de um controle de correção científico-especializado, não há discricionariedade. Não há, pura e simplesmente, discricionariedade na técnica, podendo e devendo as apreciações técnicas ser completamente revistas, se necessário for, mediante o recurso a peritos.
19) O problema do controlo jurisdicional dos espaços de conformação administrativa ou margem de liberdade tem a ver, na perspetiva que interessa a quem julga, com a possibilidade de poder ou não controlar efetivamente a validade da decisão administrativa.
20) Assim, o princípio a seguir e a ter presente, aquele que o julgador deve sempre assumir no ato do julgamento, é o da revisibilidade total dos atos administrativos, sendo que «Um “espaço livre de decisão limitado” somente entra em consideração, quando conceitos jurídicos indeterminados, por causa da alta complexidade e da dinâmica especial da matéria regulada (são) tão vagos e a sua concretização no seguimento da decisão administrativa (é) tão difícil, que o controlo judicial bate nos limites funcionais da jurisdição» - cfr. Hartmut Maurer, ob. cit., mormente pp. 158 e 161; cfr. Acórdão do TCA-Sul de 4/4/2019, proc. 2807/16.8BELSB.
21) No caso de exames, existirá um espaço livre de decisão (sempre limitado quanto aos factos, sua existência e acerto que não comportam nunca qualquer discricionariedade, à observação das prescrições do procedimento, a critérios prévios de avaliação, à conformidade com os direitos fundamentais, a erros crassos não só no plano dos factos como dos interesses a sopesar), em casos de valorações administrativas de seleção (escolha de candidatos), quando a valoração dependa ou possa depender de impressões subjetivas (casos de exames orais, em que, para a diferenciação de pontuação, pode relevar a postura do candidato, os trejeitos, gestos, etc., nada disso podendo ser apreendido pelo Tribunal).
22) Portanto, o acerto técnico-científico das questões e, bem assim, o acerto da respetiva formulação (também esta determinada pela técnica, por ela balizada e orientada), que o Recorrente coloca em causa, não pode jamais escapar à sindicância do Tribunal - numa palavra, as ilegalidades assacadas têm que ser conhecidas pelo Tribunal.
23) Tal implica a apreciação e apreensão de factos para os quais são requeridos conhecimentos técnicos específicos de que o julgador não dispõe, de áreas diversas, razão pela qual impõe-se o recurso à prova requerida pelo A. para efetivar essa sindicância - desde logo, à prova de índole pericial, conforme requerida.
24) Bem assim, nada impede a produção de outros meios de prova quando estão em causa este tipo de factos, de índole técnica, pelo contrário, o direito à prova e o princípio da liberdade de prova ou universalidade dos meios de prova, todos ínsitos à tutela jurisdicional efetiva, impõem que essa prova seja admitida e valorada pelo Tribunal (sujeita naturalmente ao princípio da livre apreciação das provas).
25) O que vimos de dizer vale para a prova testemunhal requerida, bem como em relação à prova documental junta aos autos pelo A.: pareceres técnicos e outros documentos com relevo para a apreciação das ilegalidades assacadas, tudo junto aos autos a fls. 277 e ss. (docs. 1 a 9), e admitido nos mesmos por despacho de 10/9/2013, a fls. 379 - todos estes documentos, que não mereceram impugnação do R. e respeitam às ilegalidades assacadas à prova, devem ser aditados aos factos provados (existência e teor) e valorados pelo Tribunal.
26) Portanto e em suma, a este passo, quer a sentença, quer o despacho que a precedeu e de que também se recorre (despacho da mesma data que indeferiu a prova testemunhal e pericial requeridas, por entender serem as mesmas desnecessárias à decisão da lide) incorrem em erro de julgamento, por violação de lei, concretamente do art. 90.°, n.ºs 1 e 2 do CPTA, do direito à prova e dos princípios da liberdade de prova ou universalidade dos meios de prova, da descoberta da verdade material e da justa composição do litígio, todos ínsitos à tutela jurisdicional efetiva (arts. 2.° do CPTA e 20. ° e 268. °, n.° 4 da CRP);
27) A que acresce o erro quanto aos factos, de insuficiência da matéria provada, por força dos documentos juntos e que devem ser levados aos factos provados, por essenciais ao conhecimento das ilegalidades assacadas à prova e, assim, à descoberta da verdade material e à justa composição do litígio.
28) Sem nunca conceder quanto ao que vimos de expor, cumpre sempre acrescentar o seguinte:
29) A existência de erro grosseiro ou manifesto (aquele que é tão grosseiramente erróneo que é evidente para qualquer leigo) implica que haja discricionariedade, coisa que aqui, já o vimos, não há. O erro na premissa de que a sentença parte (de que existe discricionariedade) contamina a decisão quando a mesma conclui que aquele vício não foi arguido e, em algumas questões de que liminarmente conhece, quanto à sua não verificação.
30) A este propósito, em primeiro lugar, ainda que fosse de seguir o entendimento propugnado na sentença, quanto à discricionariedade, o Tribunal sempre tinha o dever de conhecer da existência de eventuais vícios de erro manifesto, nos termos e ao abrigo do art. 95.°, n.° 2 do CPTA, o qual sempre sairia violado, impondo a revogação da sentença.
31) Em segundo lugar, acontece que o Tribunal a quo acaba por, liminarmente, pronunciar-se de mérito sobre algumas questões, erroneamente e, portanto, em erro de julgamento; além disso, omite pronúncia quanto a outras cujo conhecimento estava ao seu alcance - omissão de pronúncia geradora de nulidade que se invoca (cfr. art. 615. °, n.° 1, al. d) do CPC, ex vi arts. 1.° e 140. ° do CPTA). Vejamos:
32) O juízo quanto à questão 2 é contrário ao que resulta dos documentos n.ºs 2, 3 e 4 juntos aos autos a fls. 277 e ss., que a sentença apagou do processo, quando devia tê-los consignado nos factos provados e valorado.
33) Em relação à questão 8, o Tribunal a quo acaba por concluir que a resposta do júri (al. d) é a mais correta à luz do art. 26. ° do Código das Expropriações e dos arts. 135.° e 136.° do RJIGT; considerando que o art. 26.° do CE reporta-se ao cálculo do valor do solo apto para a construção no âmbito de expropriações por utilidade pública, não contendo qualquer referência nem a planos de pormenor, nem a sistemas de perequação, não podemos perceber o entendimento expendido, o mesmo valendo em relação à mera referência às normas do RJIGT (o art. 136.° limita-se a referir, no n.° 2, que a perequação realiza-se no âmbito dos planos de pormenor, não se retirando, de qualquer das normas, qualquer indício da ratio dessa solução, que é o que vem questionado).
34) A este passo, além de erro de julgamento, existe mesmo falta de fundamentação que comina a decisão de nulidade, que se assaca (art. 615. °, n.° 1, al. b) do CPC, ex vi arts. 1.° e 140. ° do CPTA).
35) Quanto à questão 10, cremos ocorrer o mesmo vício gerador de nulidade, bem como ininteligibilidade nos termos da al. c) do mesmo n.° 1 do art. 615. ° do CPC, já que não se percebe, não se vê sentido algum no que vem dito (no mínimo, há erro de julgamento, não podendo, na lógica da questão que pergunta sobre o valor, aplicar-se o termo “apenas” à localização do prédio).
36) Idêntica conclusão (falta de fundamentação e ininteligibilidade) se retira quanto às questões 20 e 21, não podendo alcançar-se o sentido das conclusões alcançadas pelo Tribunal.
37) Por fim, no que diz respeito à questão 34, a sentença incorre também em omissão de pronúncia geradora de nulidade (art. 615.°, n.° 1, al. d) do CPC), que se assaca, pois a matéria é de índole jurídica e o respetivo conhecimento está, portanto, ao alcance do Tribunal. Neste sentido, a norma violada pela Administração é, aqui, o art. 29.° do CE, pois arvora-se a regra constante do n.° 1 da norma, no sentido de que a avaliação das partes não expropriadas de uma parcela deve ser sempre feita pelos árbitros (hipótese a) de resposta e que tem que ser considerada correta), em exceção (consagrada no n.° 3 do art. 29.° do CE), o que se retira da formulação da questão conjugada com a resposta que se pretende correta (al. b), tudo em violação da norma legal e da interpretação que da mesma é devida ao abrigo do art. 9.° do CC.
38) Numa palavra, não podem a sentença e o despacho recorridos manter-se na ordem jurídica, atentos os erros de julgamento por violação de lei e por insuficiência da matéria de facto dada por provada que encerram, a que acrescem os motivos de nulidade da sentença elencados.
Termos em que, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente procedente, por provado, revogando-se a sentença e despacho recorridos, para todos os efeitos e com todas as legais consequências, só assim se fazendo, JUSTIÇA!(…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se:
(i) o despacho recorrido enferma de erro de julgamento de direito, “(…) por violação de lei, concretamente do art. 90.°, n.°s 1 e 2 do CPTA, do direito à prova e dos princípios da liberdade de prova ou universalidade dos meios de prova, da descoberta da verdade material e da justa composição do litígio, todos ínsitos à tutela jurisdicional efetiva (arts. 2.° do CPTA e 20.° e 268.°, n.° 4 da CRP (…)”;
(ii) a sentença recorrida (ii.1) enferma de nulidade de sentença, por (i.1.a) omissão de pronúncia e (i.1.b) falta de fundamentação, bem como se incorre em erro de julgamento de direito, (ii.2) por errada aplicação do princípio da divulgação atempada e por ofensa dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da justiça e da boa-fé, e da igualdade; (ii.2) por violação do art. 125.°, n.ºs 1 e 2 do CPA; (ii.3) por ofensa dos princípios jurídicos da prossecução do interesse público, da igualdade, da razoabilidade e da justiça, da boa-fé; e (ii.4) ainda por violação dos princípios da igualdade, da confiança, da proporcionalidade e da justiça.

Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO

O quadro fáctico [positivo, negativo e respetiva motivação] apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…)
A) Pelo aviso (extrato) n° 19710/2008, publicado na 2ª Série do Diário da República, n° 131, de 09/07/2008, foi tornada pública a abertura do concurso para recrutamento de peritos avaliadores (cfr. fls. 23 e ss. do lote 3 do PA, apenso aos autos de processo cautelar n° 182/10.3BEVIS-A);
B) Do aviso identificado em A) constava, designadamente, o seguinte: “(...) 7 - No concurso são utilizados sucessivamente os seguintes métodos de seleção de candidatos: a) Prova escrita de conhecimentos, que é classificada numa escala valorimétrica de 0 a 20 e tem caráter eliminatório para os candidatos com classificação inferior a 10 valores; b) Curso de formação. 8 - O programa da prova escrita de conhecimentos e a legislação e bibliografia recomendadas constam da Portaria n.° 241/2008, de 17 de março. 9 - O enunciado da prova é elaborado pelo júri do concurso, contém perguntas e problemas relativo às matérias constantes do programa da prova e inclui a respetiva cotação e os critérios de correção. 10 - A duração da prova não deve exceder as três horas, sendo permitida a consulta de legislação em suporte de papel. 11 - A indicação das pontuações específicas constam das atas das reuniões do júri. 12 - Os resultados da prova são afixados nos Tribunais da Relação e deles cabe reclamação para o júri do concurso, no prazo de cinco dias úteis a contar da data da afixação, com fundamento em manifesto lapso na classificação, não havendo reapreciação da prova. 13 - O curso de formação é organizado pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) e o respetivo plano consta da Portaria n.° 240/2008, de 17 de março. 14 - Serão admitidos à frequência do curso de formação os 612 candidatos aprovados mais bem graduados na prova escrita de conhecimentos, o que corresponde ao dobro do número de vagas postas a concurso. 15 - No final do curso, os candidatos submetem-se a uma prova escrita e a uma prova oral perante o júri do concurso e por docentes do curso, composto paritariamente por elementos do júri do concurso e por docentes do curso, sendo as provas classificadas numa escala valorimétrica de 0 a 20 e tendo a classificação, em qualquer das provas, inferior a 10 valores caráter eliminatório. 16 - A classificação do curso de formação é o resultado da média aritmética simples da prova escrita e da prova oral. Os resultados das provas são afixados no CEJ e deles cabe reclamação para o júri do curso, no prazo de cinco dias úteis a partir da data da afixação, com fundamento em manifesto lapso, não havendo reapreciação da prova. 17 - Classificação final do curso: a) A classificação final do concurso, expressa numa escala valorimétrica de 0 a 20, resulta da média aritmética simples da nota da prova escrita de conhecimentos e da classificação no curso de formação; b) O desempate faz-se, sucessivamente, pela média do curso superior de habilitação, preferindo a mais alta, e pela idade dos candidatos, preferindo os mais velhos. (...) ” (cfr. idem);
C) O Autor foi admitido ao sobredito curso de formação, que frequentou (cfr. acordo das partes e fls. 29 e ss. do Lote 2 do PA);
D) Na segunda fase do concurso, os candidatos, de entre os quais o Autor, realizou a prova final do curso de formação dos peritos avaliadores (cfr. acordo das partes);
E) No enunciado da prova final, constava, entre outras, a seguinte indicação: “(...) Assinale a resposta que considera correta, ou mais correta, inscrevendo uma cruz no quadrado situado imediatamente à esquerda da respetiva hipótese. (…)” (cfr. fls. 33 e ss. do Lote 4 do PA);
F) As perguntas 2, 5, 7, 8, 9, 10, 12, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 34 e 42 da prova indicada em E) tinham o seguinte teor: “(...) 2. Havendo conflitos de interesses e margem para interpretação, no estrito quadro da Lei, em nome de uma ética compassiva, o perito avaliador deve optar por se aproximar da parte mais fraca: a) Sempre; b) Nunca, em nome da imparcialidade; c) Umas vezes sim, outras não, fruto da margem da interpretação; d) Dependendo do registo prudencial. Cotação: 0,40. (...) 5. A «Ética» de Aristóteles ainda hoje é fonte de inspiração a nível académico, mas a sua «Física» pertence há muito às velharias da História. Como explicar o facto referido na frase introdutória desta pergunta?: a) A Ética, pela sua própria natureza, não muda; b) Os físicos nunca têm de se preocupar com questões éticas; c) Aristóteles considerava a escravatura como uma boa prática. Mas nem todo o pensamento de Aristóteles sobre Ética ficou obsoleto, ao fim de mais de dois mil anos; d) Só por razões religiosas pode algum académico analisar hoje a «Ética» de Aristóteles. Cotação: 0,40. (.) 7. A legislação que permitia estabelecer normas provisórias para os PDM foi revogada quando praticamente estavam concluídos todos os PDM do País, visto que a partir daí já não tinha interesse. Escolha o comentário mais adequado: a) A revogação foi uma má medida, tanto mais que nesta fase há muitos planos a serem revistos e seria útil dispor desse dispositivo legal; b) A revogação da lei não traz inconveniente algum porque é possível proceder à suspensão total ou parcial dos planos sempre que for necessário e o município assim o considerar; c) A revogação não toma em conta os casos em que as circunstâncias justificam a alteração do plano vigente e em que é por vezes urgente continuar a gerir a situação em novos moldes; d) A criação de normas provisórias é em si mesmo uma medida arriscada e contrária ao espírito das leis, pelo que era urgente revogar o dispositivo legal relativo às normas provisórias. Cotação: 0,40. 8. Das justificações seguintes, qual é aquela que melhor justifica o facto da figura de plano de pormenor ser a mais adequada à operacionalização de um sistema de perequação de benefícios e encargos: a) Pelo facto de um plano de pormenor poder ter efeitos registrais; b) Por detalhar os espaços destinados ao domínio público municipal; c) Por facilitar a avaliação dos valores de mercado das parcelas de terreno abrangidas pelo plano, antes e depois da sua execução; d) Pela escala cartográfica de um plano de pormenor e por este detalhar os traçados das infraestruturas. Cotação: 0,40. 9. Num plano de urbanização, o zonamento do uso do solo, ao classificar e qualificar as áreas de solo urbano e as suas categorias, destina-se principalmente a: a) Promover a segregação entre todas as categorias de uso do solo; b) Promover a segregação entre usos do solo considerados incompatíveis entre si quando localizados na mesma unidade operativa de planeamento; c) Definir a estrutura urbana; d) Garantir o respeito por todas as servidões administrativas e restrições de utilidade pública aplicáveis no interior da área do plano. Cotação: 0,50. 10. A localização de um prédio afeta o seu valor incidindo: a) Sobre o seu valor patrimonial global; b) Apenas sobre o valor do terreno considerando a sua dimensão e direitos de construção e de utilização constituídos; c) Sobre o valor patrimonial do espaço edificado; d) Sobre o valor matricial. Cotação: 0,50. (...) 12. Considere um loteamento para 100 moradias, para um terreno de 20 ha., em que a superfície de cedência para equipamentos e espaços verdes públicos é de 5 ha. Qual a área do lote de cada moradia, em média, se a superfície de arruamentos e passeios for de 40% da superfície líquida? a) 600 m2; b) 800 m2; c) 900 m2; d) 1.200m2. Cotação: 0,50. (.) 19. Admita que é chamado a avaliar um prédio rústico de 10 hectares que está totalmente ocupado com uma plantação de eucaliptos feita há, exatamente, 8 anos. Sabe-se que: O melhor aproveitamento cultural da propriedade é a produção de madeira de eucalipto para pasta de papel; O custo de plantação é de 1.500 € por hectare; O sistema de exploração recomendado é o da plantação seguida de 3 cortes (aos 11, 22 e 33 anos) e, depois, nova plantação (e assim sucessivamente à perpetuidade). Cada corte dá uma produção de 90 toneladas, por hectare, e que o valor da madeira em pé é de 40 € a tonelada. Para simplificar a estimativa, considere que não há mais custos nem proveitos. Nesta situação, se um investidor pretender uma taxa de rentabilidade de 5,9% ao ano, em capitalização contínua, o valor a atribuir à propriedade está no intervalo: a) De 57.000 a 60.000 €; b) De 61.000 a 64.000 €; c) De 47.000 a 50.000 €; d) De 20.000 a 23.000 €. Cotação: 0,50. 20. O Sr. José tem 75 anos de idade e dispõe de uma pensão de reforma muito pequena e do rendimento de uma propriedade, onde atualmente reside. Pensando que poderia terminar a sua vida com maior dignidade se vendesse a sua propriedade, propõe-se vender a propriedade, mas ficar com o respetivo usufruto, isto é, o eventual comprador só a poderá explorar depois da morte do Senhor José. Sabe-se que se a propriedade for explorada racionalmente se obterá um rendimento fundiário médio anual de 10.000 € (para efeitos de cálculo admita que este rendimento seria obtido no fim de cada ano). Sabe-se, também que a esperança de vida do Sr. José é de 83 anos e que, para o mesmo grau de risco, é possível obter uma taxa de juro de 0,40% ao mês, em capitalização contínua. Nestas condições, o valor justo da propriedade está no intervalo: a) De 195.000 a 200.000 €; b) De 125.000 a 130.000 €; c) De 205.000 a 210.000 €; d) De 135.000 a 140.000 €. Cotação: 0,50. 21. «A avaliação de um projeto ou de uma empresa deve basear-se no método DCF e complementada com o método dos múltiplos”. a) A afirmação é totalmente incorreta, pois devemos unicamente ter em atenção o valor dos imóveis e equipamentos que se encontram no ativo da empresa; b) A afirmação é correta uma vez que ao recorrer ao método dos múltiplos é possível encontrar uma banda de valores de um projeto ou de uma empresa onde se deve situar o valor encontrado pelo método DCF; c) A afirmação é parcialmente correta, pois devemos optar apenas por um método ou por outro; d) A afirmação é parcialmente incorreta, pois devemos preferir o método dos múltiplos por ser rápido, simples e preciso, recorrendo apenas ao DCF se não conseguirmos encontrar ativos comparáveis. Cotação: 0,30. 22. Quando se pretende saber se o valor da quota no capital de uma empresa, pode-se recorrer ao cálculo do valor da totalidade dos ativos, que são igualmente financiados por passivo bancário? a) Não. Deve-se calcular apenas o valor de mercado dos ativos que são apenas financiados por capital próprio; b) Sim. Apesar de ser pouco frequente nas avaliações, pode-se calcular o valor dos ativos recorrendo aos valores que se encontram inscritos no balanço, retirar a dívida e por diferença calcular o valor da quota; c) Sim. Na maioria das situações é esse o procedimento seguido. Valorizar a totalidade dos ativos a preços de mercado, deduzir o valor da dívida, e desta forma obter por diferença o valor do Capital Próprio, isto é, o valor da quota pertencente ao sócio; d) Não. Os especialistas em avaliação de empresas preferem calcular os dividendos futuros prometidos pela empresa, atualizá-los à taxa média do custo do capital e dessa forma calcular o valor de uma quota. Cotação: 0,40. 23. Na avaliação de uma massa mineral... a) Não é preciso conhecer o coeficiente de recuperação global da pedreira; b) É necessário conhecer o PDM do concelho onde se situa; c) É indiferente conhecer os produtos que a massa mineral pode fornecer; d) Os investimentos necessários à sua exploração não influenciam o seu valor. Cotação: 0,40. 24. Relativamente aos depósitos minerais e massas minerais, um recurso hidromineral... a) Não é renovável; b) Não se avalia da mesma maneira que os outros recursos geológicos; c) Depende do mercado consumidor; d) Não depende da natureza e qualidade do produto que comercializa. Cotação: 0,30. 25. Quando o valor de uma fração habitacional que se encontra arrendada por 586 € ao mês com contrato a prazo não renovável, sabendo que: O contrato cessa dentro de dezasseis meses, a renda unitária de mercado é de 6,20 €/m2, o imóvel tem 120 m2 de área bruta privativa e a Yield bruta é de 4,75%? a) 125.300 €; b) 185.500 €; c) 188.000 €; d) 148.000 €. Cotação: 0,40. (.) 28. Ao proceder à avaliação de um prédio rústico totalmente ocupado com uma cultura de rendimento anual, temporário e variável, qual das situações deve o perito considerar: a) A totalidade do ciclo de vida útil do povoamento; b) O período desde a implantação do povoamento até à data da avaliação; c) O período entre a data da avaliação e o fim da vida útil do povoamento; d) Unicamente as características da cultura relativas à idade do povoamento à data da avaliação.
Cotação: 0,30. (...) 34. A avaliação das partes não expropriadas deve ser feita pelos árbitros: a) Sempre; b) Apenas quando possam ocorrer as circunstâncias que possibilitem a aplicação do regime da expropriação total; c) Apenas quando os árbitros entendam que o expropriado vai ou pode vir a requerer a expropriação total; d) Apenas quando a entidade beneficiária da expropriação o exija. Cotação: 0,40. (.) 42. O objeto primário ou direto da expropriação em sentido clássico: a) Confunde-se com o objeto da expropriação de sacrifício; b) Tem de abranger sempre o direito de propriedade que incide sobre bens imóveis; c) Pode abranger somente um direito que incide sobre um imóvel distinto do direito de propriedade; d) Tem de abranger sempre o direito de propriedade que incide sobre bens imóveis e os direitos reais limitados ou direitos obrigacionais que incidem sobre os mesmos bens. Cotação: 0,40. (...)” (cfr. idem);
G) O júri do concurso considerou como corretas as seguintes respostas às questões referidas em F): 2 - d); 5 - c); 7 - c); 8 - d); 9 - b); 10 - b); 12 - c); 19 - a); 20 - d); 21 - b); 22 - c); 23 - b); 24 - c); 25 - b); 28 - a); 34 - b); e 42 - c) (cfr. fls. 55 e ss. do Lote 5 do PA);
H) No decorrer da realização da prova final, tendo sido verificado que existiam duas perguntas iguais, a 46 e a 47, foi oralmente comunicado aos candidatos que o júri havia decidido eliminar a pergunta 47 e que a sua cotação seria distribuída pelas perguntas 45, 46 e 48 (cfr. acordo das partes);
I) O Autor obteve a classificação de 8,70 valores na prova final do curso de formação de peritos avaliadores (cfr. fls. 88 e ss. do Lote 6 do PA);
J) A 27/11/2009, o júri do curso de peritos avaliadores reuniu, deliberando o seguinte: “(...) 1ª- Constatando ter havido lapso na indicação no enunciado da prova das cotações das questões que integravam o módulo III foi aprovado creditar a todos os examinandos a cotação de 0,10 (zero vírgula dez) valores de forma a perfazer a cotação global do referido módulo III. 2ª - Tendo em conta que, apesar dos esforços desenvolvidos pelo Presidente do Júri, não foi possível disponibilizar atempadamente alguns elementos de apoio pedagógico, nomeadamente, o teor de comunicações escritas apresentadas por alguns docentes do curso, e considerando ainda o reflexo negativo de tal omissão na preparação da prova final do curso, em creditar a todos os examinandos uma cotação adicional de 1,50 (um vírgula cinquenta) valores. 3ª - Proceder ao arredondamento para o valor inteiro imediatamente superior de todas as classificações finais situadas entre 9,50 (nove vírgula cinquenta) valores e 9,90 (nove vírgula noventa) valores, sendo atribuída a classificação de 10,00 (dez vírgula zero) valores. 4ª - Ordenar a publicação dos resultados assim corrigidos, da prova final do curso de formação de peritos avaliadores no dia 30 de novembro de 2009 na sede do Centro de Estudos Judiciários e na página oficial do Centro de Estudos Judiciários na Internet (www.cej.mj.pt). (...) ” (cfr. fls. 23 do Lote 7 do PA);
K) Em virtude do deliberado em J), ao Autor foi atribuída a classificação de 10,00 valores (cfr. acordo);
L) A 29/12/2009, o júri do curso de peritos avaliadores reuniu, deliberando, designadamente, o seguinte: “(…) A reunião teve como ponto único da Ordem de Trabalhos a análise e decisão das reclamações apresentadas por alguns candidatos relativamente às deliberações n° 2 e 3 tomadas pelo Júri em 27 de novembro de 2009 e das reclamações apresentadas por manifestos lapsos de correção ou de somatório de cotações atribuídas por respostas corretas. No início dos trabalhos, como ponto prévio, perante o teor de algumas reclamações sobre a grelha de correção da prova realizada em 14 de novembro de 2009, o júri procedeu à reanálise da grelha anteriormente aprovada e de todas as questões e respetivas respostas, tendo constatado a existência de um manifesto lapso de escrita na transcrição do enunciado das questões e respetivas respostas elaborado pelo formador responsável, no que se refere às respostas consideradas corretas às questões n° 36 e 37. Na verdade, de acordo com a lição do Professor G. no âmbito do curso, as respostas às referidas questões são as seguintes: Questão n° 36 (igual à questão n° 37 da prova realizada em 26 de novembro): A resposta certa é a terceira opção - «Aníbal tem direito a ser ressarcido por todos os danos referidos»; Questão n° 37: a resposta correta corresponde à terceira opção - «Sim. Aníbal tem direito a ser indemnizado atendendo à diferença de valores entre a renda vigente e a renda que irá pagar depois da celebração de um novo contrato de arrendamento.». Assim, e ao abrigo do disposto no artigo 148o do Código de Procedimento Administrativo, delibera o júri a retificação do erro de escrita em causa e consignar que as respostas corretas às questões 36 e 37 da prova realizada em 14 de novembro de 2009 (e da questão 37 da prova realizada em 26 de novembro de 2009) são, em ambos os casos, a terceira opção. Determina-se, em conformidade, a divulgação das grelhas de correção das duas provas, devidamente corrigidas, bem como a imediata reanálise de todas as provas, em ordem a efetuar as correções nas classificações finais a que houver lugar. Prosseguindo os trabalhos, o júri iniciou a apreciação das reclamações conforme consta da Ordem de Trabalhos da reunião. (...) P.- reclamou fora do prazo legal previsto para o efeito e sem indicar qualquer fundamento, pelo que dela não se conhece; (.). Sobre a deliberação do júri de 27 de novembro de 2009, que decidiu atribuir uma cotação adicional a todos os candidatos na nota da prova do curso de formação de peritos e proceder ao arredondamento para o valor inteiro imediatamente superior das notas situadas entre 09,50 e 09,90 valores (2a e 3a deliberações de 27 de novembro de 2009: A reclamação apresentada pelos candidatos acima identificados encontra fundamento legal nos artigos 158° e seguintes do Código de Procedimento Administrativo. O artigo 159° do mencionado diploma prevê que os fundamentos para a reclamação dirigida ao órgão autor do ato são ou a ilegalidade do ato praticado ou a sua inconveniência para o reclamante. (.) As normas legais alegadamente violadas pelas deliberações invocadas são o artigo 9°/A e 9°/B do Decreto-Lei n° 125/2002, de 10 de maio, na sua atual redação. No caso estamos perante um concurso abrangendo um número elevado de candidatos, pelo que se torna necessário, para garantir a transparência da atuação da administração, que as regras a aplicar sejam previamente conhecidas de todos os candidatos. Em causa estão as deliberações do júri tomadas a 27 de novembro de 2009 e de que resultou a atribuição a todos os candidatos que se submeteram à prova final do curso de formação de uma cotação adicional 01,50 valores e bem assim aquela que determinou se procedesse ao arredondamento para o número inteiro imediatamente superior de todas as classificações entre 09,50 valores e 09,90 valores. Nem uma nem outra das deliberações assenta diretamente nos preceitos legais invocados nem foram resultado de critérios de avaliação definidos pelo júri do curso e previamente dados a conhecer aos candidatos. Assentou a primeira nos fundamentos então invocados - alguns dos textos de apoio às comunicações não foram disponibilizados aos candidatos por não terem sido facultados pelos formadores - e na convicção do prejuízo que disso terá advindo aos candidatos (convicção reforçada, aliás, pela comparação com a classificação obtidas na prova que deu acesso ao concurso) - e a segunda numa prática habitual em muitos estabelecimentos de ensino superior e de formação profissional pós graduada. Nada obstaria a tal deliberação, por caber dentro dos poderes de avaliação do júri e não representar violação dos preceitos legais que regulam o concurso, se ocorressem duas circunstâncias que, em verdade, não se verificam: terem os candidatos tido prévio conhecimento da possibilidade de apreciação ponderada do mérito revelado na prova final do curso e ser essa reapreciação adequada às características da prova realizada. Por outro lado, também a operação de arredondamento das classificações entre 09,50 valores e 09,90 valores para o valor inteiro imediatamente superior implica uma alteração aos critérios de avaliação que não tinha sido anteriormente dada a conhecer aos candidatos. Tanto bastaria para se concluir que as duas deliberações postas em causa pelos reclamantes deveriam ser anuladas e dadas sem efeito, e que as classificações a atribuir aos candidatos são aquelas que correspondem à soma aritmética das cotações às respostas corretas dadas pelos candidatos. Uma outra razão acresce relativamente a alguns dos candidatos: das duas deliberações em causa resulta que todos os candidatos que obtiveram classificação na prova entre 08,00 valores e 09,90 valores não seriam excluídos do curso. Uma vez que a classificação final do concurso corresponde à média aritmética simples da prova de acesso ao concurso e da prova final do curso (artigo 9°/B do Decreto-Lei no 125/2002, de 10 de maio), não sendo tais candidatos excluídos pode suceder que venham a ficar graduados em posição mais favorável para o preenchimento de vagas do que outros que tenham obtido classificação positiva em ambas as provas. Perante a possibilidade de tal resultado prejudicial para os candidatos que obtiveram notação positiva em ambas as provas não podem subsistir as deliberações sem as quais os atrás indicados candidatos ficariam excluídos no concurso. Nestes termos e apreciando as reclamações dos candidatos atrás identificados, que na sua essência, coincidem nos seus fundamentos, os membros do júri acordam em, concedendo provimento às reclamações apresentadas por (...), dar sem efeito as deliberações 2ae 3a, tomadas em 27 de novembro de 2009, de adicionar a todos os candidatos a cotação adicional de 01,50 valores e de proceder ao arredondamento das classificações entre 09,50 e 09,90 valores para o valor inteiro imediatamente superior. Em conformidade ordena-se a reformulação das listas de classificações da prova do curso de formação e a sua publicação no dia 8 de janeiro de 2010, conforme oportunamente divulgado. (...)” (cfr. fls. 13 e ss do Lote 7 do PA);
M) A 14/01/2010, o Autor dirigiu ao presidente do júri do curso de formação de peritos avaliadores uma reclamação, que aqui se dá por integralmente reproduzida (cfr. fls. 3 e ss. do Lote 9 do PA);
N) Alega, sumariamente, o seguinte: “Pede, em síntese, a revogação da deliberação de 29 de dezembro, bem como se proceda de novo à classificação da sua prova tendo em conta a atribuição de cotações a respostas que considera terem sido corretamente respondidas, contra o entendimento do júri expresso na grelha de correção. Invoca igualmente violação do princípio da igualdade na decisão de distribuir a cotação da pergunta anulada, prejudicando quem nelas não acertou e por admitir a realização de uma prova em data diferente. Contesta a anulação da deliberação no que concerne à atribuição do crédito adicional e ao arredondamento das classificações por violação do princípio da autovinculação do júri. O requerente vem questionar a correção da sua prova na medida em que não foram consideradas como corretas respostas que, em seu entender, o são. (...) ” (cfr. fls. 1 e ss. do Lote 9 do PA);
O) A 28/01/2010, o júri do curso de peritos avaliadores reuniu para apreciar das reclamações apresentadas pelos candidatos, deliberando, designadamente, o seguinte: “(...) A reunião do Júri teve como ponto único da Ordem de Trabalhos a análise e decisão das reclamações apresentadas na sequência da publicação do teor da ata da reunião do Júri de 29 de dezembro de 2009 e dos resultados relativos à prova final do curso de peritos avaliadores, a qual teve lugar no passado dia 8 de janeiro de 2010. (.) 1. Reclamações sobre a grelha de correção da prova. Foi oportunamente comunicado a todos os candidatos que a prova final do curso de formação de peritos avaliadores incidiria sobre o teor das comunicações orais apresentadas ao curso pelos docentes e sobre o teor dos elementos de apoio disponibilizados. A prova final do curso de formação de peritos avaliadores foi, efetivamente, elaborada a partir de questões concretas formuladas pelos docentes do curso, na parte que a cada um dizia respeito, sendo a grelha de correção, aprovada pelo Júri, elaborada a partir das indicações dadas pelos próprios autores materiais das questões incluídas na prova. Na elaboração da prova procuraram expurgar-se questões de índole subjetiva ou de resposta duvidosa, mas a circunstância de terem sido eventualmente expressas, no âmbito do curso, opiniões divergentes sobre a matéria em causa - essencial ao aprofundar da reflexão em torno das questões - na medida em que não tornou duvidosa a solução, não constituiu obstáculo à sua inclusão no enunciado da prova. A grelha de correção da prova final do curso de formação de peritos avaliadores, que nenhuma dúvida suscita ao Júri, foi divulgada a todos os interessados em 27 de novembro de 2009, tendo a correção do lapso que incidia sobre as respostas às questões 36 e 37 sido divulgada em 29 de dezembro de 2009. Após a divulgação da grelha de correção aprovada pelo Júri, dispunham os interessados do prazo legal de quinze dias para apresentar reclamações com fundamento na incorreção da grelha de respostas consideradas corretas pelos Júri (artigo 162° do Código de Procedimento Administrativo), pelo que são extemporâneas todas as reclamações relativas à grelha de correção da prova após o decurso de tal prazo cujo termo inicial é o da data em que os reclamantes tiveram conhecimento da decisão do Júri. Sem deixar de salientar a substancial inconsistência geral das reclamações e o facto de as reclamações apresentadas configurarem, quando consideradas individualmente, um pedido de reapreciação das provas, expressamente proibido pelo artigo 9°-A n° 6 do Decreto-Lei 125/2002, de 10 de maio, na sua atual redação, indeferem-se, por extemporâneas, nos termos atrás expressos, as reclamações apresentadas por: (...) P.; (...). 3.1. Da violação do princípio da igualdade. Para pedir a anulação da prova e sua repetição, alguns reclamantes invocam ter havido violação do princípio da igualdade entre os candidatos, com dois fundamentos diferentes: por um lado por ter sido redistribuída a cotação relativa a uma pergunta repetida e anulada (questão 47) por três perguntas do mesmo módulo, daí resultando, no seu entender, desigualdade entre os que acertaram nas respostas destas últimas e os que erraram as respostas; por outro lado pelo facto de ter sido permitida a realização da prova e data diferente a uma candidata. O princípio constitucional da igualdade impõe o mesmo tratamento pela administração de situações substancialmente iguais, mas não impede o tratamento diferenciado de situações que não sejam, posto que o tratamento diferenciado seja justificado e proporcional. Ora, no caso da distribuição da cotação da pergunta 47 por três perguntas do mesmo módulo a situação de facto é a seguinte: Logo que detetada a repetição da questão, foi comunicado a todos os examinandos, que a sua cotação era distribuída por outras perguntas do mesmo módulo. Todos os candidatos/examinandos ficaram em situação de igualdade e na situação de poderem beneficiar da cotação, ou de parte dela, correspondente à pergunta suprimida se acertassem nas perguntas que se mantiveram e cuja cotação foi majorada. Sendo esta regra conhecida de todos os examinandos não existe qualquer tratamento injustificadamente desigual entre quem respondeu corretamente às perguntas cuja cotação foi majorada e quem não respondeu corretamente a tais questões e, naturalmente, não beneficiou da respetiva cotação. (...) Improcede, pois, a alegação de violação do princípio da igualdade. 3.3. Da manutenção da deliberação de 27 de novembro de 2009 e consequente revogação da deliberação de 29 de dezembro de 2009 quanto à atribuição de uma cotação adicional e ao «arredondamento» das classificações. Alguns reclamantes formulam expressamente o pedido de anulação da prova e a sua repetição. Tal solução não tem qualquer justificação de facto ou de direito, não relevando para o caso o facto de nem todas as vagas do concurso serem ou não preenchidas. Todo o curso teve lugar com inteira observância dos diplomas reguladores. As condições em que se realizou o curso e a prova, não sendo porventura ótimas, permitiram a todos os candidatos em perfeitas condições de igualdade, e dentro dos padrões de exigência previstos nos diplomas reguladores, demonstrar o seu nível de conhecimentos. As deliberações tomadas pelo Júri estão fundamentadas e não se alcança a existência de qualquer irregularidade que determine a anulação da prova e a sua repetição. (...) Improcede a alegação, não havendo fundamento para a anulação da prova ou repetição de qualquer procedimento. (.) 3.6. Da impossibilidade de reapreciação das provas. Foi invocado por alguns reclamantes a impossibilidade legal de reapreciação oficiosa das provas face ao disposto no artigo 9O-A no 6 do Decreto-Lei no 125/2002, de 10 de maio. Tal alegação parece assentar num equívoco: aquilo que o Júri fez foi reanalisar todas as provas à luz da grelha de correção corrigida, o que não podia deixar de ser feito, por decorrer da própria essência da correção da prova. O que é muito diferente da reapreciação/revisão da prova aceitando a argumentação expressa em eventuais reclamações de candidatos/examinandos quanto à correção de respostas dadas eventualmente contrárias à grelha de correção aprovada pelo Júri. Nos casos expressamente invocados, e como resulta claramente da deliberação, do que se tratou foi de apreciação da reclamação quanto a manifestos lapsos na aplicação da grelha de correção da prova corrigida, apreciação essa permitida pelo artigo 90-A no 6 do Decreto-Lei nº 125/2002, de 10 de maio, e de não reapreciação substancial do teor das respostas, proibida pela parte final do mesmo preceito. Improcede tal alegação. 3.7. Conclusão. Em função do atrás exposto, as reclamações apresentadas pelos candidatos adiante identificados em que foram invocadas, total ou parcialmente, expressa ou implicitamente, as questões mencionadas neste ponto 3 ou formulados os pedidos indicados, são julgadas improcedentes: (...) Pedro Jorge (...) Fernandes Fonseca (...)” (cfr. fls. 1 e ss. do Lote 7 do PA);
P) A 06/04/2010, o júri do curso de peritos avaliadores reuniu e deliberou aprovar a lista de classificação e graduação provisória dos candidatos a peritos avaliadores, da qual não consta o Autor (cfr. fls. fls 1 e ss. do Lote 8 do PA);
Q) A lista referida em P) foi publicada a 22/04/2010, para efeitos de audiência de interessados (cfr. documentos constantes a fls. 149 e ss. dos autos);
R) O Autor apresentou reclamação, em sede de audiência de interessados, da lista de graduação provisória referida em Q) (cfr. documentos constantes de fls. 242 e ss. dos autos);
S) A 07/06/2010, o júri do curso de peritos avaliadores reuniu, para apreciar as reclamações apresentadas em sede de audiência de interessados e deliberou aprovar a lista de classificação e graduação definitiva dos candidatos a peritos avaliadores (cfr. idem);'
T) Da ata identificada em S) consta, designadamente, o seguinte: “(...) Reclamaram da lista de graduação provisória de graduação os seguintes candidatos: (...) A., P., H., com providências cautelares a correr termos em diversos Tribunais Administrativos e Fiscais do país, solicitaram a suspensão e a consequente proibição de executar atos administrativos (.). O júri do concurso tem conhecimento que o senhor Ministro da Justiça proferiu a resolução fundamentada a que se refere o no 1 do artigo 128o do CPTA, pelo que não se encontra impedido de prosseguir o concurso. Assim, na esteira desta resolução e enquanto não houver decisão judicial, o júri do concurso manterá as decisões tomadas. De igual modo entende o júri não incluir os reclamantes na lista de graduação definitiva a submeter para homologação ao senhor Ministro da Justiça, que se encontra em anexo à presente ata e dela faz parte integrante, pelo que deverá ser indeferido o requerido. (.)” (cfr. idem);
U) Por despacho do Secretário de Estado da Justiça, de 31 de agosto de 2010, foi homologada a ata decima sexta do concurso de recrutamento de peritos avaliadores, que aprovou a lista com a classificação final e a graduação dos candidatos (cfr. documento constante de fls. 235 e ss. dos autos);
V) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 20/04/2010 (cfr. fls. 1 e ss. dos presentes autos).
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Factos não provados:
Com pertinência para o conhecimento da lide, não se deram quaisquer factos como não provados.
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Motivação da decisão sobre a matéria de facto:
Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes, como foi sendo especificamente indicado ao longo do probatório coligido (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
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I- Recurso do despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal e pericial
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O Autor intentou a presente ação visando a desintegração jurídica, por anulabilidade, da deliberação do Júri do Curso de Formação de Peritos Avaliadores, datada de 29/12/2009, que ordenou a reformulação das listas de classificações da prova do curso de formação, e que revogou a deliberação datada de 27.11.2009, no segmento que arredondou e majorou as classificações obtidas na prova escrita final.

Como se colhe inequivocamente do relatório da sentença recorrida, fundou tal pretensão jurisdicional no entendimento de que “(…) tal ato [está ferido de ilegalidade, por deficiente fundamentação, mais considerando verificar-se o vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, uma vez que a majoração e o arredondamento que haviam sido adotados não contendiam com as características da prova nem com qualquer alteração de critérios, em prol do princípio da transparência, e ainda violação dos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público. Invoca também que não foi respeitado o disposto no artigo 100º do Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA; também na redação em vigor à data). Considera ainda o Autor que se verificaram ilegalidades na própria prova de avaliação, especificamente, por terem sido introduzidos elementos de desigualdade, e por incorrer o enunciado em deficiente, equívoca e errónea redação, e mesmo em erro manifesto, mais discordando o Autor da hipótese de resposta que o Júri reputou de correta, penalizando-o de forma efetiva (…)”.

Trata-se, em suma, de uma ação impugnatória de ato administrativo fundada na alegada verificação dos vícios (i) de falta de fundamentação; (ii) de erros nos pressupostos, aferido na vertente da falta de certeza jurídica de um dos fundamentos que esteou a revogação da deliberação datada de 27/11/2009, como seja, a inadequação das características da prova escrita [do tipo teste americano] à majoração efetuada; (iii) de ofensa dos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público; (iv) de preterição da formalidade de audiência prévia de interessados; e ainda (v) de “erro manifesto” quanto às hipóteses de resposta reputadas corretas pelo júri do concurso no âmbito da prova escrita realizado no decurso do procedimento concursal.

Escrutinados os autos, verifica-se que, no decurso do pleito, formulou o Autor, aqui Recorrente, um pedido de produção de prova testemunhal e pericial.

Tal pretensão instrutória, como sabemos, logrou obter despacho de indeferimento fundado no entendimento de que “(…) está o Tribunal munidos de todos os elementos necessários para que se possa proceder à análise conscienciosa das matérias e ao conhecimento do mérito da lide (…)”.

O Recorrente insurge-se contra o assim decidido, impetrando-lhe erro de julgamento de direito.

De facto, patenteiam as conclusões alegatórias que o Recorrente invoca o erro de julgamento pelo Tribunal quando indeferiu a produção de prova testemunhal e pericial por si requerida, o que funda na convicção de que tais meios de prova dirigem-se à comprovação dos vícios alegados nos autos, não podendo, por isso, ser coartado o seu direito à prova, sendo que a tal não pode obstar o entendimento de que nos situamos no domínio de uma atividade técnica da Administração, portanto, só sindicável através do erro grosseiro, mas antes no âmbito de um controle de correção científico especializado, onde não há discricionariedade, podendo e devendo as apreciações técnicas ser completamente revistas, se necessário.

Vejamos, sublinhando, desde já, que, nos casos de comprovada ausência de factualidade controvertida, maxime, por se encontrar documentalmente fixada, a situação de dispensa de um período de produção de prova não consubstancia nenhuma violação de qualquer ato ou formalidade imposta por lei, já que é a própria lei que expressamente atribui ao juiz a faculdade de dela poder prescindir.

De facto, estabelece o nº. 2 do artigo 90º do C.P.T.A., na versão anterior ao DL n.º 214-G/2015, de 02/10, que:
“(…) O juiz ou relator pode indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova quando, o considere claramente desnecessário, sendo, quanto ao mais, aplicável o disposto na lei processual civil no que se refere à produção de prova (…)”.

Assim, e nestas situações, não se vislumbra compatível que, de um passo, se confira ao juiz o poder de não produzir prova requerida pelas partes litigantes, designadamente a testemunhal e pericial, e, em simultâneo, se sancione a utilização de tal poder com invalidade.

O mesmo, todavia, já não se pode afirmar quando nos defrontemos com a comprovada situação de existência de tecido fáctico controvertido essencial à boa decisão da causa.

A este propósito, ressalte-se o teor da jurisprudência firmada por este Tribunal Central Administrativo Norte promanado no processo nº. 00724/10.4BEPR, datado de 31.05.2013, porque esclarecedora desta temática:
“(…)
XIV.O julgador deve proceder ao julgamento de facto selecionando da alegação feita pelas partes aquela realidade factual concreta tida por provada e necessária à apreciação da pretensão formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas da causa, não sendo de exigir a fixação ou a consideração de factualidade que se repute ou se afigure despicienda para e na economia do julgamento da causa.
XV. Nesse e para esse julgamento o decisor, tendo presente o objeto da ação, deverá atentar aos posicionamentos expressos pelas partes nas suas peças processuais quanto às alegações factuais invocadas entre si, aferindo e selecionando aquilo em que estão de acordo e aquilo de que divergem, na certeza de que existindo matéria de facto controvertida que releve para a apreciação da pretensão formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas para a causa importa proferir despacho saneador com elaboração de matéria de facto assente e base instrutória [arts. 511.º, n.º 1 CPC, 87.º e 90.º do CPTA], seguido de ulterior instrução quanto a tal realidade factual controvertida [arts. 513.º, 552.º, n.º 2, 577.º, n.º 1, 623.º, n.º 1, 638.º, n.º 1 todos do CPC, e 90.º do CPTA] e, por fim, emissão de decisão sobre tal matéria de facto [arts. 646.º, n.º 4 e 653.º, n.º 2 do CPC, 91.º e 94.º do CPTA].
XVI. Não pode o juiz, uma vez confrontado com existência de factualidade controvertida essencial para a boa e correta decisão da causa e sob pena de ilegalidade por preterição das mais elementares regras, suprimir ou omitir qualquer daquelas fases processuais precludindo os direitos das partes em litígio, seja em termos de ação ou de defesa.
XVII. Note-se que face ao nosso sistema probatório o julgador no julgamento de facto detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos objeto de discussão em sede de julgamento com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
XVIII. Este sistema não significa minimamente puro arbítrio por parte do julgador já que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão (…)”.

Posição que se manteve no Aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte de 14.03.2014, no processo nº. 02699/09.3BEPRT:
“(…)
II. O julgador deve proceder ao julgamento de facto selecionando da alegação feita pelas partes aquela realidade factual concreta tida por provada e necessária à apreciação da pretensão formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas da causa considerando, mormente, toda a realidade factual relevante para apreciação de todos os fundamentos de ilegalidade invocados, não sendo de exigir a fixação ou a consideração de factualidade que se repute ou se afigure despicienda para e na economia do julgamento da causa.
III. Nesse e para esse julgamento o decisor, tendo presente o objeto da ação, deverá atentar aos posicionamentos expressos pelas partes nas suas peças processuais quanto às alegações factuais invocadas entre si, aferindo e selecionando aquilo em que estão de acordo e aquilo de que divergem, na certeza de que existindo matéria de facto controvertida que releve para a apreciação da pretensão impugnatória formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas para a causa importa proferir despacho saneador com elaboração de matéria de facto assente e base instrutória [arts. 511.º, n.º 1 CPC/2007, 87.º e 90.º do CPTA], seguido de ulterior instrução quanto a tal realidade factual controvertida [arts. 513.º, 552.º, n.º 2, 577.º, n.º 1, 623.º, n.º 1, 638.º, n.º 1 todos do CPC/2007, e 90.º do CPTA] e, por fim, emissão de decisão sobre tal matéria de facto [arts. 646.º, n.º 4 e 653.º, n.º 2 do CPC/2007, 91.º e 94.º do CPTA].
IV. Ou, para utilizar a atual terminologia do CPC/2013, importa que se haja procedido à definição/identificação do objeto do litígio e à enunciação dos “temas da prova” [art. 596.º do referido Código - conceito que pressuporá na sua base apenas realidade factual controvertida tanto mais que a instrução, incidindo sobre aqueles temas e portanto num enquadramento tendencialmente “menos limitador”, prende-se ainda assim com a demonstração da veracidade ou não de determinados factos alegadamente ocorridos de cuja reconstituição do processo histórico se pretende obter e aos quais partes, testemunhas, perícias e documentos, respetivamente, são ouvidos, prestam depoimentos, incidem, respondem ou demonstram - cfr., entre outros, arts. 410.º, 420.º, 423.º, n.º 1, 452.º, n.º 2, 454.º, 466.º, 475.º, n.º 1, 516.º, n.ºs 1 e 2 do CPC/2013] considerando também sempre as várias e/ou possíveis soluções jurídicas da causa.
V. Não pode o juiz, uma vez confrontado com existência de factualidade controvertida essencial para a boa e correta decisão da causa considerando os vários fundamentos de ilegalidade invocados e sob pena de ilegalidade por preterição das mais elementares regras, suprimir ou omitir qualquer daquelas fases processuais precludindo os direitos das partes em litígio, seja em termos de ação ou de defesa.
VI. Note-se que face ao nosso sistema probatório o juiz administrativo no julgamento de facto detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos objeto de discussão em sede de julgamento com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
VII. Este sistema não significa minimamente puro arbítrio por parte do julgador já que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
VIII. Importa ter presente que com a Lei n.º 15/2002, que aprovou o CPTA, se procedeu à revogação dos diplomas que disciplinavam a tramitação, poderes instrutórios e de julgamento nos processos do anterior contencioso, mormente, os normativos que nos mesmos regulavam tais matérias e fases [v.g., arts. 12.º e 24.º da Lei Processo Tribunais Administrativos (abreviadamente «LPTA») (aprovada pelo DL n.º 267/85), 817.º , 845.º e 847.º do Código Administrativo (aprovado pelo DL n.º 31.095, de 31.12.1940) e 20.º da Lei Orgânica Supremo Tribunal Administrativo (vulgo «LOSTA») (aprovado pelo DL n.º 40.768, 08.09.1956)].
IX. Assim, passou a disciplinar-se no art. 90.º do CPTA que no “caso de não poder conhecer do mérito da causa no despacho saneador, o juiz ou relator pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade” [n.º 1], podendo o juiz/relator “indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova quando, o considere claramente desnecessário, sendo, quanto ao mais, aplicável o disposto na lei processual civil no que se refere à produção de prova” [n.º 2].
X. Nessa medida e através da remissão operada pela parte final do n.º 2 do citado preceito mostram-se hoje afastadas as limitações de instrução probatória e de meios de prova legalmente admissíveis no contencioso administrativo e que existiam no anterior contencioso já que as ações administrativas especiais previstas e reguladas no CPTA passaram, nesse âmbito, a ser disciplinadas pelo regime decorrente dos arts. 410.º a 526.º do CPC/2013 [anteriores arts. 513.º a 645.º do CPC/2007], atribuindo-se ao julgador administrativo poderes de controlo e de instrução nesse mesmo domínio, quer em 1.ª instância quer mesmo em sede de recurso jurisdicional [cfr. arts. 90.º, n.º 1 e 149.º, n.º 2 ambos do CPTA], o que aporta claras consequências para e no julgamento de facto a realizar [cfr. arts. 91.º do CPTA, 653.º e 655.º do CPC/2007 - 607.º, n.ºs 4, 5 e 6 do CPC/2013] e mais amplamente, no nosso entendimento, no objeto do processo e da pronúncia a emitir.
XI. Neste domínio da instrução e da prova cumpre, ainda, ter presentes os princípios da investigação [do inquisitório ou da verdade material - cfr. arts. 06.º e 411.º do CPC/2013], da aquisição processual [cfr. art. 413.º do CPC/2013], da universalidade dos meios de prova [o qual só sofre compressão por força de limitação dos meios de prova decorrente de proibições de prova determinadas por normas constitucionais, mormente, relativas a direitos, liberdades e garantias] e, bem assim, o da livre apreciação das provas [cfr., nomeadamente, os arts. 83.º, n.º 4 do CPTA e 607.º, n.º 5 do CPC/2013], princípios esses que se mostram válidos e plenamente operantes no nosso contencioso administrativo vigente.
XII. Detendo o julgador administrativo, de harmonia com os normativos enunciados, amplos poderes inquisitórios em matéria de investigação e de instrução probatória o mesmo poderá ter em consideração os elementos probatórios que se mostrem constantes do processo administrativo/instrutor, enquanto lastro documental à sua disposição, sem que daí derive ou possa derivar qualquer entendimento que limite ou condicione a possibilidade do autor apresentar ou indicar e produzir outros meios de prova com os quais vise contraditar os pressupostos factuais nos quais se estribou o ato administrativo impugnado.
XIII. Note-se que o processo administrativo/instrutor, mormente, documentos e depoimentos/declarações nele prestados ou insertos, enquanto prova documental não possui ou lhe pode ser conferido ou reconhecido um qualquer valor probatório acrescido face ou no confronto com outros meios de prova legalmente admitidos no processo judicial, valendo, assim, em pleno as regras decorrentes dos arts. 341.º e segs. do Código Civil, 653.º e 655.º do CPC/2007 -607.º, n.º 5 do CPC/2013.
XIV. Com efeito, o teor ou conteúdo do processo administrativo/instrutor não faz fé em juízo e a sua valoração como meio de prova não pode implicar uma ofensa ao princípio da igualdade de armas entre as partes.
XV. Atente-se que o respeito pelo princípio da separação de poderes não impede o julgador administrativo de apreciar e julgar da exatidão de determinada realidade factual que se mostra controvertida e na qual a Administração assenta a sua decisão.
XVI. De facto, se é para nós certo que o julgador administrativo não pode substituir-se à Administração na formulação de valorações que envolvam ou se prendam com juízos sobre a conveniência e/ou a oportunidade do exercício de determinados aspetos do poder administrativo, aquilo que em geral se denomina de “discricionariedade administrativa”, temos, ao invés, que não se enquadra naquele juízo a apreciação da exatidão ou veracidade da referida factualidade.
XVII. É que na fixação dos factos que funcionam como pressupostos das decisões/pronúncias administrativas a Administração não detém um poder insindicável em sede contenciosa já que não nos situamos no domínio da “discricionariedade administrativa”, pelo que nada obsta a que o julgador administrativo sobreponha o seu juízo de avaliação face àquele que foi adotado pela Administração, mormente, por reputar existir uma situação ilegalidade objetiva material relativa aos pressupostos de facto, ou seja, por insuficiência probatória e erro na valoração e fixação do quadro factual tida por apurado em sede de procedimento administrativo.
XVIII. Por outro lado, temos para nós que inexistem hoje, como vimos, quaisquer limitações de instrução e de prova salvo as restrições decorrentes de proibições de prova determinadas por normas constitucionais, mormente, relativas a direitos, liberdades e garantias, não sendo hoje mais legítimas a justificação de decisões que deneguem o acesso à prova e, mais vastamente, à defesa e igualdade de armas, denegação essa que se traduz e redunda num claro "deficit" do direito à tutela jurisdicional efetiva e na infração dos comandos constitucionais constantes, mormente, dos arts. 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP.
XIX. Tal como afirma Michelle Taruffo “… o direito a apresentar todas as provas relevantes constitui parte essencial das garantias gerais sobre a proteção do direito defesa, pois a oportunidade de provar os factos nos quais assentam as pretensões das partes é condição necessária da efetividade de tais garantias (…). (…) o direito a apresentar todos os meios de prova relevantes que estejam ao alcance das partes é um aspeto essencial do direito de ação e deve reconhecer-se como pertencendo às garantias fundamentais das partes …” [in: “La Prueba”, 2008, pág. 56 - tradução livre nossa].
XX. De referir, ainda, que, face ao que se mostra disciplinado em sede da tramitação da ação administrativa especial no art. 87.º do CPTA, o juiz administrativo confrontado com a falta de acordo das partes quanto à dispensa da prova e com a existência de factualidade controvertida relevante para a decisão da causa deve, em sede de despacho saneador e apesar da falta expressa de referência à aplicação do CPC na tramitação da fase de saneamento e condensação, atualmente denominada de “gestão inicial do processo e da audiência prévia”, proceder à fixação do objeto do litígio e definir aquilo que são os temas da prova tal como determina o art. 596.º do CPC/2013 à luz das várias soluções plausíveis de direito, preceito este que importa convocar e aplicar para assegurar uma regular e adequada tramitação do referido meio processual.
XXI. Será sobre os factos alegados pelas partes ponderadas e consideradas as regras e ónus probatórios a atender ao caso [cfr. arts. 342.º e segs. do CC, 513.º, 514.º, 515.º, 523.º, 552.º, 554.º, 568.º, 578.º e 638.º do CPC/2007 - 410.º, 412.º, 413.º, 423.º, 452.º, 454.º, 466.º, 475.º, 516.º todos do CPC/2013] que irá ou deverá incidir a prova carreada para os autos ou oficiosamente determinada pelo julgador, ressalvados os factos que, nos termos do art. 412.º do CPC/2013 [art. 514.º CPC/2007] não careçam de alegação ou de prova, na certeza de que na enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova não poderá o julgador administrativo deixar de ter em linha de conta aquilo que constitui o objeto do processo, a causa de pedir e o pedido deduzido (…)”.

Acompanhando e acolhendo a interpretação assim declarada por este Tribunal Superior, tem-se, portanto, por assente, no mais fundamental para o que ora importa julgar, que não pode o juiz, uma vez confrontado com existência de factualidade controvertida essencial para a boa e correta decisão da causa, e sob pena de ilegalidade por preterição das mais elementares regras, suprimir ou omitir qualquer daquelas fases processuais, precludindo os direitos das partes em litígio, seja em termos de ação ou de defesa.

Assente o que se vem de expor, e volvendo ao caso concreto, importa determinar se estamos [ou não] perante uma situação de comprovada ausência de tecido fáctico controvertido justificativa da opção tomada pelo Tribunal a quo, aqui sob censura.

Neste domínio, dir-se-á que, em face da causa de pedir, tal como conformada pelo Autor, que é para nós apodítico que, quanto aos invocados vícios de (i) falta de fundamentação; (ii) preterição de audiência prévia de interessados; (iii) erro nos pressupostos; quando aferido da falta de certeza jurídica de um dos fundamentos que esteou a revogação da deliberação datada de 27.11.2009; e (iv) ofensa dos princípios estruturantes que regem a atividade da Administração, resulta inútil ordenar a realização de quaisquer diligências de prova adicionais, por a matéria de facto atinente, documentalmente fixada, não ser controvertida.

Porém, já não é assim no que tange ao invocado vício de “erro manifesto” quanto às hipóteses de resposta reputadas corretas pelo júri do concurso no âmbito da prova escrita realizado no decurso do procedimento concursal.

Na verdade, resulta cristalino que a factualidade invocada sob os artigos 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º, 67º, 68º, 59º, 70º, 76º - que contende com o erro reportado às respostas reputadas corretas pelo júri concursal no âmbito da prova escrita do tipo teste americano - foi expressamente impugnada pelo Réu, desembocando em matéria controvertida, cujo ónus de prova impendia sobre o Autor.

Ora, sendo este tecido fáctico controvertido essencial à boa decisão da causa, impunha-se a possibilidade de produção de prova neste desígnio, sob pena de se coartar o “direito à prova” dos seus apresentantes.

De facto, este “direito à prova” postula a ideia as partes têm o direito (i), por via de ação e da defesa, de utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal, de (ii) contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal, bem como o (iii) direito à contraprova.

Nesta esteira, é de manifesta evidência que impunha-se a abertura de duma fase de instrução, nos termos do disposto nos artigos 87º, nº.1, alínea c), e 90º do CPTA, fase essa seguida de julgamento de facto sobre tal matéria controvertida, de harmonia com o preceituado nos artigos 91º e 94º do C.P.T.A.

Naturalmente, poder-se-á objetar, como perspetiva o Recorrido, que a sindicância do juízo técnico que a Administração elaborou ao considerar certas ou erradas as respostas à prova escrita a que o Recorrente se submeteu encontra-se jugulada à existência de erro grosseiro ou manifesto, procurando com tal alegação evidenciar, está-se em crer, a impossibilidade ou, pelo menos, a desnecessidade de produção de prova em tal domínio.

Esta intenção, porém, não é minimamente sustentável, desde logo, por carecer de manifesto substrato validatório e legitimador.

De facto, destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 18.10.2019, no processo nº. 00345/10.1BECBR, cujo teor ora parcialmente se transcreve:
“(…)
Como decorre do n.º1 do artigo 3º do CPTA, a lei do processo, ao mesmo tempo que outorga aos tribunais poderes de jurisdição e de cognição plena, acaba também por restringi-los à aplicação da lei e do direito, vedando-lhes a possibilidade de se substituírem à Administração Pública na formulação e aplicação de valorações próprias da sua atividade que compreendem a realização de juízos de conveniência e oportunidade. Esta separação tem sido comummente designada por reserva de discricionariedade da Administração, configurada enquanto concretização do princípio constitucional da separação de poderes.
A atividade avaliativa da Administração Pública, que aqui está em causa, destinada a testar os conhecimentos dos candidatos no domínio da ciência médica, traduz-se na realização de uma prova de escolha múltipla, vulgo teste americano, em que, das várias respostas científicas apresentadas aos candidatos (perante uma pergunta científica), uma ou algumas delas era (m) considerada (s) correta (s).
Esta atividade avaliativa da Administração consiste apenas em averiguar se os candidatos respondem corretamente às perguntas que lhe são formuladas [destaque nosso].
Poderá esta atividade avaliativa ser sindicada pelos tribunais como defende o Recorrente? E em que termos? [destaque nosso].
Estaremos aqui perante a denominada discricionariedade técnica, que, não configurando poderes discricionários em sentido estrito, comunga da característica de sindicabilidade jurisdicional limitada, sendo apenas possível o controlo dos casos, entre outros, de erro manifesto ou grosseiro?
No acórdão do TCAS de 28.06.2018, proferido no processo nº 2416/12, evocando-se Guido Corso (in “Diritto Amministrativo”, Sesta edizione, G. Giappichelli Editore, Torino, 2013, p. 205) entendeu-se não existir liberdade administrativa no âmbito da chamada discricionariedade técnica. Lê-se, nesse aresto, o seguinte “o facto de um juízo feito pela Administração assentar numa ciência não jurídica, longe de legitimar uma reserva de administração, constitui o melhor argumento para a sua fiscalização jurisdicional, precisamente à luz da ciência ou técnica não jurídicas em causa, através da prova pericial, quando tal ciência ou técnica não fixarem uma só interpretação ou solução. À semelhança do que acontece normalmente no contencioso cível.”
Também Mário Aroso de Almeida in Teoria Geral do Direito Administrativo, 2015, 2º edição, pág. 53, escreve o seguinte: “A questão que se coloca é, pois, a de determinar a justa medida a que deve corresponder esse espaço próprio de autonomia da Administração Pública. Ora, o caminho parece dever passar, em primeiro lugar, pela redução da discricionariedade administrativa às devidas proporções e, por outro lado, pela intensificação do controlo da observância pela Administração Pública de um elenco de princípios jurídicos de conteúdo cada vez mais densificado e exigente.
No primeiro dos planos referidos, há, na verdade, que começar, a nosso ver, por limitar o âmbito da chamada discricionariedade técnica, em nome da qual os nossos tribunais administrativos tradicionalmente se furtam ao dever que se lhes impõe e deve ser veementemente afirmado de, recorrendo à prova pericial, sindicarem os juízos técnicos da Administração, que, por não envolverem prerrogativas de avaliação valorativa ou de prognose, não exprimam o exercício de verdadeiro poder discricionário.”
Ora, no caso concreto, o juízo técnico que a Administração elaborou ao considerar certas ou erradas as respostas à prova a que o Recorrente se submeteu, assentou numa ciência não jurídica (a ciência médica), a cujos cânones está vinculada na avaliação. Não envolveu prerrogativas de avaliação valorativa. Envolveu apenas conhecimentos científicos, que, como tal, podem ser sindicados pelo tribunal através de prova pericial [destaque nosso].
E quer se entenda, ou não, que a referida atividade avaliativa da Administração se insere na discricionariedade técnica e integra reserva de administração, a verdade é que, tendo sido invocado pelo Recorrente erro manifesto, sob pena de denegação de justiça, o tribunal recorrido sempre deveria sindicar o juízo técnico elaborado pela Recorrida. (…)” [destaque nosso].

Tem-se, portanto, por assente que, quer se entenda, ou não, que a atividade avaliativa da Administração se insere na discricionariedade técnica e integra reserva de administração, os Tribunais Administrativa dispõem de poderes de jurisdição e de cognição plena no que tange à tarefa de saber, face à ciência não jurídica, se as respostas apontadas pela Recorrente no domínio da prova escrita realizada no procedimento visado nos autos são corretas ou incorretas.

O que serve para concluir que nada obsta à produção de prova com vista a este propósito, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à tese da Recorrida ora em análise.

Uma nótula, todavia, se impõe no tocante à produção de prova admissível no domínio em desígnio.
Como se decidiu no aresto supra mencionado:
(…)
Importa ter bem presente que o que há a apreciar judicialmente se cinge a saber se, face à ciência médica, as respostas apontadas pelo Recorrente são corretas ou incorretas.
E, também, que o juiz não domina a matéria científica, objeto da avaliação, que diz respeito à área científica da medicina.
Na verdade, saber se as respostas dadas no âmbito de uma prova destinada a avaliar conhecimentos médicos estão certas ou erradas requer, manifestamente, conhecimentos na área do saber da medicina, que o tribunal não possui (Para alcançar esta conclusão basta atentar no teor das perguntas formuladas e das respostas possíveis, das quais teriam os candidatos de eleger uma).
(…)
Só através da prova pericial se afigurava possível dilucidar pelo alegado erro científico perpetrado pela Administração (in casu, pelo júri do concurso em causa), designadamente o erro manifesto [destaque nosso].
Os tribunais administrativos não estão impedidos de recorrer à prova pericial quanto a factos controvertidos ou conclusões controvertidas de natureza extrajurídica (através da remissão operada pela parte final do n.º 2 do artigo 90º do CPTA, mostram-se hoje afastadas as limitações de instrução probatória e de meios de prova que existiam no contencioso administrativo antes da reforma de 2002, pois as ações administrativas previstas e reguladas no CPTA passaram, nesse âmbito, a ser disciplinadas pelo regime decorrente dos artigos 410º a 526º do CPC/2013)(…)”.

Temos, pois, assim que, no particular conspecto em análise, a prova pericial requerida serve o pleno propósito visado pelo Autor, sendo a mesma plenamente admissível no processo judicial em curso.

Já não será, todavia, assim quanto à requerida prova testemunhal, pois que a sindicabilidade do juízo técnico da Administração esgota-se na apreciação de matérias de cariz eminentemente técnico para as quais a prova testemunhal não está legalmente habilitada.

Na verdade, a prova testemunhal serve para demonstrar factos, não para emitir opinião especializada no domínio técnico científico, cujo desígnio se encontra reservado para a prova pericial.

Daí que a mesma não possa servir o propósito de colmatar ou complementar eventuais lacunas no domínio da perícia eventualmente realizada, ou mesmo para contestar as conclusões da perícia.

Admitir-se o contrário, seria subverter toda a arquitetura dos tipos de prova previstos na lei processual em vigor.

Concludentemente, não é de admitir a prova testemunhal para efeito de sindicabilidade do juízo técnico que a Administração elaborou ao considerar certas ou erradas as respostas à prova a que o Recorrente se submeteu.

Dito isto, e sopesando que o Tribunal a quo, não obstante confrontado com existência de matéria de facto essencial controvertida à boa decisão da causa, avançou para o julgamento da causa sem antes determinar a abertura de um período de produção de prova, impera concluir que ocorre infração do disposto no artigo 87.º, n.º 1, al. c) e 91º, nº. 4, ambos do CPTA, porque proferido antes de tempo, isto é, com preterição de fases processuais e do ónus probatório.

Consequentemente, impõe-se conceder provimento ao recurso do despacho do Tribunal Administrativo de Viseu, datado de 24.06.2019, que indeferiu o pedido de produção de prova testemunhal e pericial formulado pelo Autor, devendo ser anulado o todo o processado praticado desde a sua prolação para que proceda à instrução dos autos com a produção da prova pericial oferecida seguida da legal tramitação processual e oportuna prolação de sentença.
Ao que se provirá no dispositivo, o que determina a prejudicialidade do conhecimento do recurso interposto da sentença promanada nos autos.
* *

IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em:
(i) CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto do despacho que indeferiu a produção de prova, e, em consequência, anular o todo o processado praticado desde a sua prolação para que se se proceda à instrução dos autos com a produção da prova pericial oferecida seguida da legal tramitação processual e oportuna prolação de sentença.
(ii) NÃO TOMAR CONHECIMENTO do objeto do recurso interposto da sentença promanada nos autos.
*
Sem custas.
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Registe e Notifique-se.
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Porto, 05 de fevereiro de 2021,


Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro