Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01227/17.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/30/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CPAS; INIMPUGNABILIDADE DE ATO; AUTOVINCULAÇÃO; ATO CONFIRMATIVO
Sumário:1 – Resulta do Artigo 11º nº 2 do CPA que “A Administração Pública é responsável pelas informações prestadas por escrito aos particulares, ainda que não obrigatórias” pelo que a informação facultada pela CPAS na notificação efetuada de acordo com a qual “Da presente notificação cabe impugnação contenciosa para os Tribunais Administrativos nos termos do CPTA, no prazo de 3 meses a contar da data da presente notificação”, não pode deixar de relevar, sob pena de violação do princípio da boa-fé, patente nos termos do artigo 10º do CPA.

2 – A referida notificação incutiu na sua destinatária a convicção de que teria o referido prazo para impugnar o ato notificado, em face do que mal se compreenderia que tendo a mesma impugnado o ato no prazo que lhe foi facultado, viesse a sua pretensão a ser indeferida, por estar alegadamente em causa um ato meramente confirmativo e como tal insuscetível de impugnação contenciosa autónoma, sendo que a Recorrente se limitou a exercer a faculdade que a própria CPAS lhe havia conferido.

3 - Tendo-se a CPAS autovinculado por via da informação prestada aquando da notificação, a admitir a Recorribilidade da segunda deliberação, supostamente confirmativa, tendo vindo ela própria a suscitar a inimpugnabilidade do ato objeto de impugnação, mitigando assim as suas próprias estatuições em função de interesses circunstanciais, evidencia até alguma má-fé. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:I.
Recorrido 1:Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
I., devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa intentada contra a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, inconformado com a Sentença proferida em 4 de fevereiro de 2019, no TAF do Porto, que julgou verificada “a exceção da inimpugnabilidade da deliberação impugnada”, e que, consequentemente declarou “a absolvição do Réu da instância”, veio em 11 de março de 2019 Recorrer Jurisdicionalmente da referida Sentença.
Formula a aqui Recorrente nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
“A. A Sentença recorrida ignora, em absoluto, um facto fundamental para a decisão tomada, que conclui pela caducidade do direito da ação da Recorrente – a notificação do ato impugnado referia, expressamente, o seguinte:
“Da presente deliberação cabe:
Impugnação contenciosa para os Tribunais Administrativos nos termos do CPTA, no prazo de 3 meses a contar da presente notificação, no caso de atos anuláveis” (cf. DOC. 1 junto com a P.I.)
B. Por isso, consta do processo um documento que, só por si, implica necessariamente decisão diversa da proferida, o que se argui nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, obrigando à reforma da Sentença.
C. O teor literal de tal documento obriga à aplicação do disposto da alínea b) do n.º 3 do artigo 58.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, uma vez que é evidente que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível à Recorrente, enquanto cidadã normalmente diligente, em virtude de a conduta da Administração – expressa na indicação constante do referido documento quanto ao prazo da impugnação – a ter induzido em erro quanto ao prazo de impugnação.
D. O direito de ação da Autora também não haveria caducado, pois, atenta a conduta da Ré com o texto da citada notificação, verifica-se a hipótese da alínea c) do n.º 3 do artigo 58.º do CPTA: no momento da impugnação – em 23.05.2017 –, (i) ainda não tinha decorrido um ano sobre a data da prática do ato impugnado (em 28.12.2016);
(ii) o atraso na impugnação (de menos de 2 meses) deve ser considerado desculpável, atendendo às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável;
(iii) dificuldades essas a que a própria Recorrida deu causa (o que, aliás, torna a alegação da exceção por parte da Recorrida uma insuportável violação do princípio da boa-fé administrativa, na modalidade de venire contra factum proprium, a que, infelizmente, o Tribunal a quo deu guarida).
E. É evidente que o ofício através do qual a Recorrida notificou a Recorrente do ato impugnado nos presentes autos, obrigava Tribunal a quo a necessariamente proferir decisão diversa da constante do Despacho Saneador-Sentença, muito concretamente, a aplicar, no âmbito da suscitada exceção de caducidade do direito de ação da Recorrente, as normas especiais que regulam os prazos de impugnação dos administrativos, nomeadamente:
(i) aplicando o disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 58.º do CPTA, ou, subsidiariamente, o disposto alínea c) da mesma disposição processual;
(ii) e nunca aplicando o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA.
F. No caso de o Tribunal a quo não proceder, como deve, à reforma da Sentença recorrida, então a decisão recorrida será ilegal por se verificar flagrante erro de julgamento na aplicação ao caso sub iudice da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA.
G. Atento o teor do DOC. 1 junto com a Petição Inicial – do qual resulta, literalmente, a indicação da Recorrida de que se aplicaria um prazo de três meses contado daquele ato pretensamente confirmativo –, constitui flagrante erro de julgamento a aplicação da sobredita norma, que impõe um prazo-regra de três meses.
H. Era legalmente obrigatório para o Tribunal a quo aplicar ao caso sub iudice a norma especial da alínea b) do n.º 3 do artigo 58.º do CPTA, uma vez que, em face da indicação literal constante do DOC. 1 junto com a Petição Inicial – que manifesta e deliberadamente induziu a Recorrente em erro quanto ao prazo de impugnação –, não se mostrava exigível que a Recorrente apresentasse a petição no prazo-regra de três meses, mas apenas após a cessação do erro em que a Recorrida a induziu.
I. Assim, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, violando, com a decisão quanto à procedência da exceção de inimpugnabilidade, alínea b) do n.º 3 do artigo 58.º do CPTA.
J. Subsidiariamente e para o caso de assim não se entender – o que verdadeiramente não se antecipa –, sempre ocorreria erro de julgamento por não aplicação da norma especial da alínea c) do n.º 3 do artigo 58.º do CPTA, uma vez que o caso sub iudice sempre se encontraria, no limite, dentro do âmbito de aplicação da referida norma dado que:
(i) “não tendo decorrido um ano sobre a data da prática do ato” no momento da sua impugnação – já que a impugnação ocorreu a 23.05.2017 e o ato pretensamente impugnável é de 28.12.2018 –,
(ii) o atraso na impugnação – que a Recorrente concretizou, em sede de Réplica, num pedido subsidiário de correção ao pedido – deveria, nos termos da 2.ª parte da alínea c) do n.º 3 do artigo 58.º do CPTA, “ser considerado desculpável, atendendo (…) às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável”, dificuldades essas que decorrem do teor literal da notificação da Recorrente.
K. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou também a sobredita alínea c) do n.º 3 do artigo 58.º do CPTA.
L. Se não for dado provimento ao pedido de reforma do Despacho Saneador-Sentença, ocorrerá, necessariamente, nulidade do Despacho Saneador-Sentença, resultante do facto de o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre uma questão que deveria necessariamente apreciar: a invocada nulidade do ato impugnado, arguida na Réplica (cf. artigos 7.º a 12.º).
M. A errada indicação sobre o prazo de impugnação contenciosa constante do ofício de notificação do ato impugnado (cf. DOC. 1 junto com a Petição Inicial), por estar em causa um ato que a Recorrida sabia ser meramente confirmativo e, por isso, sujeito à limitação do n.º 1 do artigo 53.º do CPTA, em vez de ao n.º 1 do artigo 58.º do mesmo Código, implica uma nulidade do ato impugnado: violação do conteúdo essencial do direito de ação, assegurado legal (artigo 2.º do CPTA) e constitucionalmente (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa), o que redunda na nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo.
N. Além disso, essa causa de nulidade é, por si só, razão para desaplicar aquela disposição do CPTA que determinou a verificação da exceção de caducidade de direito de ação, uma vez que “a impugnação de atos nulos não está sujeita a [qualquer] prazo”, nos termos do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA.
O. Pelo que, tendo omitido pronúncia relativamente à nulidade imputada ao ato impugnado – que impedira a decisão de procedência da exceção de inimpugnabilidade desse ato – se verifica nulidade do Despacho Saneador-Sentença.
P. Se, por motivo que verdadeiramente não se antecipa, não for dado provimento à invocação da nulidade da Sentença, ocorrerá, pelas mesmas razões alegadas, erro de julgamento da Sentença recorrida que ignorou a existência de uma nulidade do ato de impugnado, que consistiu em aquele conter uma indicação quanto ao prazo da sua impugnação contenciosa – “no prazo de 3 meses a contar da presente notificação” (cf. DOC. 1 junto com a P.I.) –, com o que induziu em erro a Recorrente (quanto ao prazo de impugnação) e, com isso, ofendeu gravemente o seu direito de ação, dando causa a uma nulidade do ato impugnado, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo.
Q. Assim, ao decidir pela existência de uma exceção de inimpugnabilidade do ato em crise nos presentes autos, aplicando o disposto na alínea b) do n.º 1 do CPTA, o Tribunal a quo violou a dita norma processual e, bem assim, o disposto na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA que estabelece que “a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo”, devendo, por isso, ser revogada a Sentença recorrida e substituída por outra decisão que, aplicando corretamente as normas processuais violadas, ordene o prosseguimento dos autos, por inexistir qualquer exceção que legalmente o impeça.
R. Errou ainda a Sentença corrida ao decidir pela natureza meramente confirmativa do ato impugnado, uma vez que este não tem conteúdo meramente confirmativo. já que, através dele, a Direção da CPAS veio, logo num primeiro momento, remeter na íntegra para a reclamação apresentada pela aqui Autora daquela primeira deliberação e, se se remete na íntegra para um documento que não existia no momento do ato que, alegadamente, é confirmado, então, o ato não pode ser – como não é – confirmativo.
S. O referido ato também não pode ser confirmativo se se refere que dele consta um esclarecimento; se se esclarece que as concretas razões para o indeferimento da pretensão o, isso é, também, uma decisão adicional e não um ato confirmativo.
T. Se o ato impugnado fosse meramente confirmativo, a Recorrida não teria colocado, na notificação do mesmo a já referida menção ao prazo de impugnação contenciosa, pois estaria, com isso, a violar os mais elementares princípios aplicáveis à atividade administrativa, com o princípio da boa-fé administrativa à cabeça, induzindo a Autora em erro quanto à possibilidade e ao prazo em que poderia exercer o seu direito de ação relativamente às evidentes ilegalidades praticadas, o que resultaria, então, em (nova) nulidade do ato impugnado por ofensa do conteúdo essencial do direito de ação, nos termos do disposto na alínea d), do n.º 2 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo.
U. Donde, é evidente que o ato impugnado não é – ou não pode ser, sem grave prejuízo para o princípio da boa-fé administrativa – um daqueles “que se limitam a reproduzir, em todos os seus elementos uma decisão já tomada”.
V. Pelo que, a teoria (da irrelevância impugnatória) dos atos confirmativos de atos administrativos não tem qualquer aplicação ao caso sub iudice, devendo a exceção invocada – de impugnabilidade da Deliberação da Entidade Demandada de 15.02.2017 – ter sido ser julgada improcedente, por não provada.
W. Mesmo que se considerasse que havia, naquela deliberação, algum conteúdo meramente confirmativo, isso apenas poderia valer parcialmente, no sentido em que apenas quanto a parte desse ato haveria mera confirmação, constituindo outra parte dele verdadeira inovação por se divergir do ato confirmado: é assim, pelo menos, quanto às remissões para a reclamação apresentada (ponto 2 da deliberação) e quanto ao “resumo” de fundamentação apresentado (ponto 4 da deliberação), pelo que nessas partes – que são as que interessam verdadeiramente ao processo sub iudice – há inovação na ordem jurídica, lesiva do interesse da Autora.
X. Pelo que, sempre se estaria, no mínimo, perante um ato que é apenas parcialmente confirmativo, não se verificando, quanto à matéria em que há inovação, a exceção de inimpugnabilidade julgada procedente na Sentença recorrida, que violou, assim, o n.º 1 do artigo 53.º do CPTA.
Termos em que, impetrando o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente com as demais consequências legais.”

A Recorrida/Caixa de Previdência veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 29 de abril de 2019, nas quais concluiu:
“1.ª Vem o presente recurso do despacho saneador – sentença que absolveu a Ré da instância pelo facto de ter julgado procedente a invocada exceção da impugnabilidade do ato (deliberação da Direção da CPAS de 15 de Fevereiro de 2017, constante da Ata 23/2017), pelo facto de o ato impugnado ser meramente confirmativo.
2.ª O despacho – sentença, proferido pelo tribunal “a quo”, fez uma correta aplicação das normas aos factos dados como provados e, por isso, a decisão recorrida não violou o disposto no n.º 1 do art.º 53.º do CPTA.
3.ª De facto, ato impugnado – a deliberação de 15.02.2017 -- é meramente confirmativo da deliberação proferida também pela Direção da CPAS de 28.12.2016.
4.ª Nos termos da nossa Jurisprudência unanime, para que uma ato seja confirmativo é necessário que, cumulativamente, estejam reunidos os seguintes requisitos:
a) Que o ato confirmado seja lesivo;
b) Que tal ato seja do conhecimento do interessado;
c) Que entre o ato confirmado e o ato confirmativo haja identidade de sujeitos, de objeto e de decisão.
5.ª No caso “sub judice” não restam dúvidas que a deliberação de 28.12.2016 da Direção da CPAS (o ato confirmado) é lesiva dos interesses da Autora, por que lhe negou a comparticipação nas despesas hospitalares.
6.ª Por outro lado, não há dúvidas de que tal ato (deliberação de 28.12.2016) foi, efetivamente, notificado à Autora.
7.ª Por último, não restam também dúvidas que entre o ato confirmado (deliberação da Direção da CPAS de 28.12.2016) e o ato confirmativo há identidade de sujeitos, objeto e de decisão.
8.ª De facto, os sujeitos são os mesmos em ambos os atos (o ato de 28.12.2016 e o de 15.02.2017), ou seja, a CPAS enquanto Entidade Demandada e a Autora enquanto interessada (ou destinatária dos atos); o objeto de ambas as deliberações, é idêntico, ou seja, ambas se debruçam sobre a questão da falta de legitimidade da Autora para requerer junto da CPAS a comparticipação nas despesas hospitalares incorridas pelo beneficiário da Caixa, entretanto falecido, e, finalmente, ambas as decisões (as constantes das deliberações de 28.12.2016 e de 15.02.2017) são idênticas pois recusam a atribuição à Autora da comparticipação nas despesas hospitalares incorridas pelo beneficiário, da Caixa, falecido.
9.ª Sendo irrelevante para a confirmatividade do ato impugnado que a deliberação da Direção da CPAS, de 15.02.2017, remeta na íntegra para a reclamação apresentada pela Autora, que ainda não existia no momento em que foi proferido o ato confirmado (28.12.2016), pois, tal facto, em nada altera os pressupostos de facto e de direito que estiveram na base de ambas as decisões.
10.ª Por outro lado, a deliberação impugnada não é, na verdade, «uma decisão adicional», pelo que, também por isso, a deliberação impugnada não passa de um ato meramente confirmativo, logo inimpugnável.
12.ª Como da notificação da deliberação de 15.02.2017, efetuada pela CPAS à Autora, não se pode concluir que o ato não era confirmativo.
13.ª É que, do ato impugnado (a deliberação de 17.02.2017), não restam dúvidas que a decisão mais não é do que a repetição do ato anterior, uma vez que a Direção da CPAS se limita a remeter para os fundamentos constantes da Deliberação de 28.12.2016, dando-os por reproduzidos na deliberação impugnada.
14.ª Mas, além disso, a Recorrente esquece que consta expressamente da notificação que lhe foi efetuada por ofício de 30 de Dezembro de 2016, através do qual a CPAS lhe remeteu a deliberação de 28.12.2016, que o ato devia ser impugnado contenciosamente para os Tribunais Administrativos, no prazo de 3 meses, a contar dessa notificação.
15.ª Ou seja, a Autora tinha nas suas mãos a informação de que devia impugnar contenciosamente, no prazo de 3 meses, a deliberação datada de 28.12.2016 que lhe havia sido notificada por ofício de 30.12.2016.
16.ª Como sabia, igualmente, que uma eventual reclamação do ato apenas suspenderia o prazo para impugnação contenciosa, nos termos do disposto no art.º 59.º, n.º 4 do CPTA.
17.ª Mas, além disso, à notificação da deliberação de 15.02.2017, não é aplicável o regime previsto no art.º 60.º do CPTA pois o seu teor respeitou os requisitos para a sua validade, uma vez que indica o autor, a data, o sentido e fundamentos da decisão.
18.ª E, por outro lado, a notificação da deliberação de 15.02.2017, respeitou todos os requisitos previstos no art.º 114.º do CPA.
19.ª De facto consta da notificação em causa: a) o texto integral do ato, incluindo a respetivo fundamentação; b) a identificação do procedimento, incluindo a indicação do autor do ato e a respetiva data.
20.ª Mas, além disso, a referida notificação não padece de nulidade, uma vez que a alegada irregularidade não se enquadra nos casos previstos no art.º 161.º do CPA.
21.ª Como a notificação em causa não violou o direito à tutela jurisdicional efetiva, previsto no art.º 2.º do CPTA, o princípio pro accione, previsto no art.º 7.º do CPTA, nem o direito constitucionalmente previsto do art.º 20.º da CRP de acesso aos tribunais.
22.ª Por fim, refira-se que a Recorrente invoca o prazo previsto no art.º 58, n.º 3, al. c) do CPTA, para sustentar a tese de que a presente ação foi intentada tempestivamente, quando, na verdade, a CPAS não invocou a intempestividade da ação nem deduziu a exceção da caducidade do direito à ação.
23.ª De facto, a CPAS deduziu como exceção a inimpugnabilidade dos atos confirmativos (cfr art.º 53.º, n.º 1 do CPTA).
24.ª Pois no caso “sub judice”, sendo o ato impugnado (Deliberação de 15.02.2017) meramente confirmativo do anteriormente praticado pela Direção da CPAS (Deliberação da Direção da CPAS de 28.12.2016, constante da Ata n.º 209/2016), não pode ser impugnado.
25.ª Para ultrapassar ou suprir a inimpugnabilidade do ato confirmativo a Autora tentou, ainda, na Réplica corrigir o pedido, fazendo com que a Deliberação impugnada não fosse a proferida em 15.02.2017, mas sim a tomada em 28.12.2016.
26.ª Todavia, a sentença recorrida não aceitou essa correção com fundamento no facto de a exceção da inimpugnabilidade do ato não poder ser suprível e a Autora também não recorreu dessa parte da decisão.
27.ª Assim, tendo em consideração a invocada exceção da inimpugnabilidade do ato confirmativo, o recurso ao prazo previsto no art.º 58.º, n.º 3, al. c) do CPTA de nada valeria no presente caso.
28.ª Deste modo deve o recurso jurisdicional interposto pela Recorrente ser julgado improcedente e o despacho – sentença recorrido ser mantido por não merecer qualquer censura.
Nestes termos, devem as conclusões do recurso interposto pela Recorrente serem julgadas improcedentes, por não provadas e, em consequência, a sentença recorrida ser confirmada.
Deve a presente ação ser julgada improcedente, absolvendo-se a CPAS da instância. E, em consequência, deve a Deliberação da Direção da CPAS, constante da Ata nº 23/2017, tomada na sessão de 15 de Fevereiro de 2017, ser mantida.”
O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 13 de maio de 2019, no qual igualmente se sustenta a decisão recorrida, atenta nulidade suscitada no Recurso.
O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 10 de julho de 2019, nada veio dizer requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
As questões a apreciar e decidir prendem-se predominantemente com a necessidade de verificar se o tribunal a quo agiu corretamente ao ter declarado a inimpugnabilidade do ato objeto de impugnação proferido pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, como provada, a qual aqui se reproduz:
“1.º - Em 28/12/2016, o Núcleo de Gestão de Beneficiários da R. elaborou uma proposta de indeferimento sobre o pedido da ora A., na qualidade de esposa do beneficiário falecido, para a comparticipação de despesas de internamentos (cf. fls. 65 a 67 do processo físico);
2.º - Sobre a proposta supra recaiu a deliberação de 28/12/2016 da Direção da CPAS, que decidiu indeferir o pedido de comparticipação (cf. fl. 64 do processo físico);
3.º - Do ofício destinado à notificação da deliberação antecedente, endereçado à ora A., consta o seguinte: “…Da presente deliberação cabe:
(…)
2. Impugnação contenciosa para os Tribunais Administrativos nos termos do CPTA, no prazo de 3 meses a contar da data da presente notificação…” (cf. fl. 64 do processo físico);
4.º - Da deliberação supra, a ora A. deduziu reclamação para a Direção da CPAS (cf. fls. 68 a 72 do processo físico);
5.º - Em 07/02/2017, a assessora da Direção da R. elaborou proposta de indeferimento da reclamação (cf. fl. 33 do processo físico);
6.º - Em 15/02/2017, a Direção da CPAS deliberou indeferir a reclamação supra (cf. fls. 32 e 33 do processo físico).

IV – Do Direito
Vejamos então o suscitado.
Está em causa a decisão proferida por Acórdão no TAF do Porto em 4 de fevereiro de 2019, que julgou procedente a exceção da inimpugnabilidade da deliberação objeto de impugnação, por entender ser esta um mero ato confirmativo de anterior decisão, mais tendo absolvido a Ré da instância.

Discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida, no que concerne ao direito, o seguinte:
“O artigo 53.º, n.º 1, do CPTA, preceitua o seguinte: “Não são impugnáveis os atos confirmativos, entendendo-se como tal os atos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores”.
A A., depois de ter requerido à Impetrada o pagamento da comparticipação de despesas de internamentos realizadas por um beneficiário da referida CPAS, foi notificada da deliberação de 28/12/2016 da Direção da CPAS, que decidiu indeferir esse mesmo pedido de comparticipação.
A fundamentação de facto e de direito da decisão acima identificada pode ser encontrada na proposta de indeferimento do Núcleo de Gestão de Beneficiários da R., de 28/12/2016, patente nas fls. 65 a 67 do processo físico (fundamentação “per relationem” - cf. artigo 153.º, n.º 1, do CPA).
Escalpelizemos, então, a deliberação de indeferimento.
O enquadramento factual é simples e imutável (é o mesmo na deliberação que decide o req. administrativo inicial e na deliberação emitida sobre a reclamação que posteriormente foi apresentada): trata-se de um pedido de comparticipação de despesas com internamentos de um beneficiário da Impetrada, entretanto falecido, pedido esse que foi apresentado pela esposa do beneficiário.
No que à aplicação do direito diz respeito, importa dizer que a ora R. suportou a sua argumentação com base num argumento basilar: convocou o Regulamento da Comparticipação de Despesas e aplicou as normas que julgou válidas ao caso concreto - artigos 1.º, 2.º, n.º 2, e, sobretudo, o artigo 9.º, de forma a sustentar a tese de que o “requerimento para atribuição desta comparticipação deve ser feito pelo próprio Beneficiário”, citando o “princípio da intransmissibilidade das prestações”, para, no fim, concluir que “resulta que, os beneficiários da CPAS são os únicos com legitimidade para requerer a comparticipação em apreço, razão pela qual a ora requerente carece de legitimidade para fazê-lo”.
Em síntese, facilmente se depreende que a CPAS indeferiu o pedido de comparticipação de despesas por entender que à esposa do falecido faltava legitimidade procedimental para formular tal pretensão. Enfim, para a ora R. tudo de resume à questão excetiva da ilegitimidade procedimental da ora Impetrante.
E foi com aqueles argumentos que a ora A. teve logo de se confrontar com a notificação da deliberação de 28/12/2016 e com os fundamentos inclusos na proposta adjacente, deliberação essa que, de forma assertiva, claramente enunciou o indeferimento do pedido administrativo.
Portanto, a decisão de 28/12/2016 tornou-se bem evidente, mormente, o seu sentido negativo e prejudicial quando em confronto com o direito ou o interesse que a ora A. pretendia fazer valer. É, sem dúvida, uma decisão que visou “produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”, segundo o conceito de ato impugnável vertido no artigo 51.º, n.º 1, do CPTA.
Isto equivale a dizer que a A. encontrava-se em plenas condições para, logo nesse momento, poder reagir contra tal decisão, impugnando contenciosamente a deliberação de indeferimento de 28/12/2016, tanto mais que o ofício de notificação de tal ato decisório da CPAS informou a ora Impetrante de forma cristalina que daquela deliberação cabia logo “Impugnação contenciosa para os Tribunais Administrativos nos termos do CPTA, no prazo de 3 meses a contar da data da presente notificação…” (cf. ponto 3.º do probatório).
Aliás, a impugnabilidade contenciosa da deliberação supra era imediata, não dependendo de qualquer reclamação prévia, pois, segundo o prescrito no artigo 185.º, n.º 2, do CPA, “as reclamações…têm carácter facultativo”.
Apresentada reclamação da deliberação de indeferimento, a CPAS acabou por indeferi-la através da deliberação de 15/02/2017 da Direção da mesma CPAS, cujos fundamentos podem ser detetados na “proposta de indeferimento da reclamação” inserta na fl. 33 do processo físico, destacando-se os pontos 4 e 5, como seguem:
“4. Nos termos e com os fundamentos já aduzidos na deliberação de 28.12.2016, ora em apreço e para que se remete…não estamos em presença de um direito de natureza patrimonial transmissível sucessoriamente aos seus herdeiros.
5. Nestes termos, e com os fundamentos constantes da Deliberação de 28.12.2016, Ata n.º 209/2016, para que se remete e aqui se dão por reproduzidos…”.
O que se verifica na proposta que fundamenta o ato impugnado nesta demanda nada mais é do que a repetição, por reprodução diretamente assumida pela Direção da CPAS, dos argumentos já derramados na deliberação reclamada, ou seja, no fundo, a R., tendo em conta a mesma factualidade, sustenta a sua decisão na mesma tese jurídica: a falta de legitimidade dos sucessores/herdeiros, entre eles, a do cônjuge sobrevivo, para requerer e obter o direito ao pagamento do valor pecuniário relativo à comparticipação de despesas com os internamentos do beneficiário falecido.
Os excertos atrás transcritos e a tese da ilegitimidade procedimental que dos mesmos dimana consubstancia o argumento de direito fundamental e imutável de uma decisão para a outra, que perdura na equação, sem qualquer carácter inovatório, ante o qual a ora A., dele discordando, já poderia ter impugnado a sua valia jurídica aquando da notificação do ato reclamado.
A falta de inovação entre ambas as decisões (o mesmo requerimento/pretensão [pagamento de despesas], o mesmo enquadramento jurídico [a ilegitimidade procedimental] e a mesma decisão final - o indeferimento), a par do carácter repetitório do ato impugnado, pois limita-se a reiterar o que antes já fora decidido pela CPAS (relação da confirmatividade), confere à deliberação de 15/02/2017 a natureza de ato confirmativo, sendo, por isso, inimpugnável, ante o exposto no já aludido artigo 53.º, n.º 1, do CPTA.
Neste sentido, vide, entre outros, o douto acórdão do TCAS, de 09/02/2017, proferido no processo n.º 471/13.3BELLE, “in” www.dgsi.pt, destacando-se os seguintes pontos do seu sumário, como segue:
“…V - Ato confirmativo é o ato administrativo pelo qual um órgão da administração reitera e mantém em vigor um ato administrativo anterior, isto é, que se limita a repetir um ato anterior, nada retirando ou acrescentando ao seu conteúdo, pelo que, é ato administrativo confirmativo o que, perante uma mesma realidade fáctica e dentro de um mesmo quadro jurídico, decide em idêntico sentido ao anteriormente proferido.
VI – A natureza confirmativa do ato pressupõe que ambos os atos tenham sido praticados sob a mesma disciplina jurídica e que entre ambos haja correspondência de fundamentos e efeitos jurídicos.
VI – O critério da identidade entre os fundamentos do ato primário e os do ato secundário (agora explicito no artigo 53.º, n.º 1, do CPTA) e a irrelevância para efeitos de decisão de uma eventual fundamentação implícita impõe a conclusão de que um ato só é confirmativo de outro se num e noutro são seguidos precisamente os mesmos raciocínios lógicos ou quando no segundo se remete explicita ou expressamente para o raciocínio lógico do primitivamente proferido e que, na ausência de uma destas situações fica afastada a possibilidade de negar natureza inovadora ao ato secundário…”.
Por fim, numa tentativa de suprir a exceção que ora se sindica, a A. ainda tentou o expediente de pedir a correção do pedido, ou seja, que o Tribunal substitua a deliberação impugnada para passar a considerar como ato impugnado a deliberação de 28/12/2016, chamando em seu abono o artigo 58.º, n.º 3, alínea b), do CPTA.
Acontece que a exceção de inimpugnabilidade do ato impugnado não é suscetível de suprimento. Neste sentido, vide, entre outros, o douto acórdão do TCAN, de 14/07/2017, proferido no processo n.º 02969/14.9BEBRG, “in” www.dgsi.pt, destacando-se o seguinte excerto: “…O convite ao aperfeiçoamento só não será admissível, havendo lugar a decisão de absolvição da instância, quando estejamos em presença da exceção dilatória insuprível que não consinta a renovação da instância [v.g., a inimpugnabilidade do ato, a ineptidão da petição inicial, a caducidade do direito de ação, a litispendência, o caso julgado…”.
Por outro lado, o comando legal referido pela A. já não tem a ver com a impugnabilidade dos atos administrativos, mas sim com a eventual exceção de intempestividade da prática do ato processual, matéria excetiva distinta daquela para a qual o Tribunal foi chamado a julgar.
Como se vê, por provada, há que julgar procedente a exceção da inimpugnabilidade da deliberação impugnada, por se reputar esta última de um ato confirmativo, nos moldes definidos no artigo 53.º, n.º 1, do CPTA, devendo, por isso, a R. ser absolvida da presente instância, nos termos do artigo 89.º, n.º 4, alínea i), do CPTA.”

Vejamos:
Todo o raciocínio adotado em 1ª instância mostrar-se-ia exato e bem fundamentado, não fosse a circunstância da Entidade Recorrida aquando da notificação do segundo ato, alegadamente confirmativo, se ter autovinculado a reconhecer a sua recorribilidade contenciosa.

Com efeito, consta expressamente do ofício de notificação da deliberação de 15/02/2017, o seguinte:
“Da presente notificação cabe:
Impugnação contenciosa para os Tribunais Administrativos nos termos do CPTA, no prazo de 3 meses a contar da data da presente notificação, no caso de atos anuláveis, ou a qualquer tempo, no caso de atos nulos ou inexistentes (Artº 58º, nº 1 e nº 2 alínea b) do CPTA”

Ainda que admitindo que o transcrito possa constituir uma “chapa” incluída em todas as notificações da CPAS, em qualquer caso, a referida entidade terá necessariamente de se responsabilizar pelas suas declarações e informações, mormente quando prestadas por escrito.

Efetivamente, resulta incontornavelmente do Artigo 11º nº 2 do CPA que “A Administração Pública é responsável pelas informações prestadas por escrito aos particulares, ainda que não obrigatórias” pelo que a informação facultada pela CPAS na controvertida notificação não pode deixar de ser relevante nesta sede, sob pena de violação do princípio da boa-fé, patente nos termos do artigo 10º do CPA.

Se é certo que aquando da notificação da deliberação de 15/02/2017, ainda estava a decorrer o prazo para eventual impugnação contenciosa da deliberação de 28/12/2016, e tendo aquela notificação incluído a referência, já transcrita, segundo a qual o seu destinatário teria 3 meses para impugnar a deliberação mais recente, naturalmente que tal incutiu no seu destinatário a convicção de que teria ainda tal prazo para impugnar a mais recente decisão que entendia ser lesiva dos seus direitos.

Assim a atuação da aqui Recorrente ao impugnar contenciosamente a deliberação de 15/02/2017 não se mostra censurável, nem condenada à declaração de inimpugnabilidade da referida decisão, pela singela razão que foi a CPAS que a informou dessa possibilidade.

Reitera-se pois que, mesmo que se considerasse que a deliberação impugnável seria a de 28/12/2016, enquanto ato que meramente veio a ser confirmado pela deliberação de 15/02/2017, tendo-se a CPAS auto-vinculado por escrito a admitir a recorribilidade contenciosa da mais recente deliberação, mal se compreenderia que a aqui Recorrente viesse a ser penalizada pela mera circunstância de se ter limitado a exercer a faculdade que a própria Administração lhe havia conferido.

Com efeito, tendo-se a Recorrida CPAS auto-vinculado por via da informação prestada aquando da notificação a admitir a Recorribilidade da segunda deliberação, supostamente confirmativa, mal se compreende como pôde logo em sede de Contestação vir a suscitar a inimpugnabilidade do ato objeto de impugnação, mitigando assim as suas próprias estatuições em função de interesses circunstanciais, deixando até algum rasto de litigância de má-fé, que aqui só se não condena como tal, por se lhe dar o beneficio da dúvida.

Assim, sem necessidade de acrescida argumentação, julgar-se-á procedente o Recurso, não se reconhecendo, em função da informação prestada pela CPAS, a inimpugnabilidade do ato objeto de impugnação.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso interposto, não se reconhecendo a declarada inimpugnabilidade da deliberação impugnada, mais se determinando a baixa dos Autos para prosseguimento da sua normal tramitação, se a tal nada mais obstar.

Custas pela Entidade Recorrida

Porto, 30 de abril de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa