Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02380/10.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/18/2011
Tribunal:TAF do Porto
Relator:José Augusto Araújo Veloso
Descritores:PROCESSO CAUTELAR
MANIFESTO FUMUS BONUS
PERICULUM IN MORA
Sumário:A evidência exigida pela alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA deverá ser [passe o pleonasmo] ostensiva, sem haver necessidade da sua demonstração jurídica.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:02/23/2011
Recorrente:Ministério da Cultura
Recorrido 1:Município de V. N. de Gaia
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
O Ministério da Cultura [MC] interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – em 10.12.2010 – que suspendeu a eficácia do Aviso nº15173/2010 [publicado no nº147 da II série do Diário da República de 30.07.2010] na parte em que publicita que o Centro Histórico do Porto beneficia da Zona Especial de Protecção [ZEP] melhor identificada no seu anexo I - a sentença recorrida culmina processo cautelar em que o Município de Vila Nova de Gaia, ora recorrido, demanda o MC, formulando ao TAF do Porto o pedido cautelar que acabou deferido.
Conclui assim as suas alegações:
1- Em 1996 foi incluído/inscrito na lista do Património Mundial da UNESCO o conjunto conhecido por Centro Histórico do Porto;
2- Tal inclusão na referida lista significa que o denominado Centro Histórico do Porto está, desde essa altura, classificado como Património Mundial da Humanidade;
3- Nos termos do artigo 15º nº7 da Lei nº107/2001 de 08.09 [Lei do Património Cultural Português] Os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional;
4- Dispõe, por seu turno, o nº1 do artigo 43º dessa Lei nº107/2001, que os bens imóveis classificados nos termos do artigo 15º beneficiarão, automaticamente, de uma zona de protecção de 50m, contados a partir dos seus limites externos;
5- Acrescentado o número seguinte que Os bens imóveis classificados nos termos do artigo 15º da presente lei… devem dispor ainda de uma zona especial de protecção, a fixar por portaria do órgão competente da administração central...;
6- Porém, os bens imóveis inscritos na lista do Património Mundial da UNESCO dispõem, por força dessa mesma inscrição e como consta nas referidas normas técnicas, de uma zona tampão de protecção;
7- Que corresponde, ex vi do nº2 do artigo 72º do DL nº309/2009, de 23.10, a uma zona especial de protecção;
8- 0 Centro Histórico do Porto está, desde 1996, incluído na lista definitiva e não na lista indicativa do Património Mundial da UNESCO;
9- Por força desse preceito, e das normas de direito internacional citadas supra, ela está automaticamente estabelecida e plenamente em vigor na ordem jurídica não havendo, em consequência, necessidade de abertura de qualquer procedimento interno;
10- Mas apenas ao cumprimento de um procedimento previsto no nº3 do artigo 72º do DL nº309/2009, de 23.10 - a publicação, no prazo de um ano, da planta de localização e implantação do centro histórico e da respectiva zona especial de protecção;
11- Qualquer futura inscrição na lista indicativa, resultante de uma nova candidatura apresentada por Portugal, determinará, essa sim, a abertura oficiosa do procedimento de classificação e de fixação de uma zona especial de protecção, de acordo com os procedimentos previstos no DL nº309/2009, de 23.10 [nº1 do citado artigo 72º];
12- Ao contrário do decidido na douta sentença ora atacada, a zona especial de protecção do Centro Histórico do Porto já se encontra criada e em vigor na ordem jurídica interna desde aquela data.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, bem como o indeferimento da providência cautelar solicitada pelo requerente.
O recorrido contra-alegou, concluindo assim:
1- O recorrido limitar-se-á a pugnar pela manutenção do julgado, louvando-se no acerto desse decisão, de facto e de direito;
2- O Centro Histórico do Porto não beneficia[va] da ZEP pretendida publicitar no Anexo I do Aviso nº15173/2010, de 30.07.2010, cuja eficácia, nessa parte, foi judiciosamente suspensa;
3- À data da entrada em vigor do DL nº309/2009, de 23.10, estava em curso procedimento para a definição da ZEP do Centro Histórico do Porto;
4- À míngua de tramitação procedimental prevista nos artigos 41º e seguintes do dito diploma, e criação e fixação formal por via legislativa, como sentenciado, é inexistente a ZEP do Centro Histórico do Porto;
5- Sendo que o Aviso enferma de violação de lei ao publicitar facto inexistente;
6- Deve manter-se o julgado qua tale, pois não violou qualquer preceito, e nunca os indicados.
Termina pedindo a manutenção da sentença recorrida.
O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º nº1 do CPTA] sobre o mérito do recurso jurisdicional.
De Facto
Dado que a matéria de facto indiciariamente provada no âmbito da sentença recorrida não foi impugnada pelo recorrente, nem existe necessidade de proceder à sua alteração, limitamo-nos, nesta sede, a remeter para os termos da respectiva decisão de instância [artigo 713º nº6 do CPC ex vi 140º do CPTA].
De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1.
II. O requerente cautelar veio pedir a tribunal que suspendesse a eficácia do Aviso nº15173/2010 [publicado no nº147 da II série do Diário da República de 30.07.2010] na parte em que publicita a implantação da Zona Especial de Protecção [ZEP] do Centro Histórico do Porto [CHP], incluído, em 1996, na lista indicativa do Património Mundial da UNESCO.
Alega, para o feito, que esse acto é manifestamente ilegal [120º nº1 alínea a) do CPTA], porque tal zona ainda não existe, nem de facto nem de direito, e porque é publicitada de forma ininteligível, e, acrescenta, a não ser deferida a providência cautelar solicitada, ser-lhe-ão causados prejuízos de difícil reparação [120º nº1 alínea b) do CPTA], pois que essa ZEP acarreta servidão que onera o respectivo território municipal, abalando o planeamento e ordenamento constante do seu PDM, e potenciando a declaração de nulidade de licenças, de autorizações e comunicações prévias já admitidas, com consequentes indemnizações, tudo gerando sério risco de bloqueio dos serviços, e irremediáveis prejuízos para o interesse público.
O TAF do Porto, em sede de decisão, julgou ser improcedente a questão da falta de impugnabilidade do acto suspendendo, suscitada na oposição, e concedeu a pretensão de suspensão de eficácia.
Fê-lo, no tocante ao mérito, com base na manifesta ilegalidade do aviso suspendendo, por entender que o mesmo publicita um facto inexistente, o da existência da ZEP do CHP. Isto é, fê-lo com base na alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA.
O recorrido discorda, e qualifica de errado este julgamento de direito.
Nada mais imputa à sentença recorrida, nomeadamente quanto a nulidades e erros de julgamento de facto.
Ao conhecimento desse erro de julgamento de direito se reduz, pois, o objecto deste recurso jurisdicional.
Cumpre apreciá-lo e decidi-lo.
III. O TAF entendeu ser evidente a procedência da pretensão a formular pelo requerente cautelar na acção administrativa especial, a intentar, porque está em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal [artigo 120º nº1 alínea a) do CPTA]. Constatou, para assim concluir, que o aviso suspendendo publicita facto inexistente, isto é, a existência da ZEP do CHP. A qual inexiste, de facto e de direito, porque, esclarece o TAF, conforme emerge da oposição deduzida, sobretudo nos artigos 24º e seguintes, o Ministério requerido ainda não procedeu à criação e fixação formal dessa ZEP, visto que tal só ocorrerá, após o decurso legal de trinta dias, através da publicação de portaria do membro do Governo responsável pela área da Cultura.
Na sua oposição, o Ministério requerido disse que a publicitação da ZEP do CHP, no âmbito do Aviso 15173/2010, apenas pretendeu dar cumprimento a uma obrigação internacional do Estado Português, que se traduz no comando do artigo 72º nº3 do DL nº309/2009 de 23.10, e que emerge quer da Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural, aprovada em 1972, e em vigor a nível interno desde 1980, quer da zona tampão decorrente da inscrição definitiva do CHP na lista do Património Mundial da UNESCO, à qual a ZEP, em princípio, corresponderá. Mas, advertiu, a nível interno, a fixação da ZEP do CHP será efectuada mediante Portaria do membro do Governo responsável pela área da Cultura.
O Ministério requerido, agora como recorrente, veio dizer mais, pois retira-se das suas conclusões que, em face do disposto no artigo 72º nº2 do DL nº309/2009, a zona tampão decorrente da inscrição do CHP no Património Mundial da UNESCO determina a fixação da sua ZEP, que está em pleno vigor na ordem jurídica interna, motivo pelo qual nem sequer é necessário abrir procedimento interno.
Bastará a constatação destas posições, para o julgador cautelar dever concluir que, em termos jurídicos, a procedência da pretensão a formular pelo requerente cautelar, na acção principal, é tudo menos evidente.
Lembramos que, nos termos de jurisprudência consistente, e já vasta, a evidência exigida pela alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA deverá ser - passe o pleonasmo - ostensiva, sem haver necessidade da sua demonstração jurídica.
Procede, pois, o erro de julgamento de direito que foi imputado pelo recorrente a sentença recorrida.
Isto não significa, todavia, e sem mais, que deva ser indeferida a pretensão cautelar deduzida nos autos.
Efectivamente, ela foi requerida também ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 120º do CPTA, que exige, para o seu deferimento, a ocorrência cumulativa de periculum in mora, consistente no fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal, e do designado fumus non malus juris, que se traduz num juízo negativo, de mera aparência, acerca da manifesta falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal.
No caso, cremos que ressuma já do que ficou dito a respeito da alínea a) do artigo 120º do CPTA, que, se é verdade não ser evidente a procedência da pretensão a deduzir no processo principal, também o é que essa pretensão não é manifestamente improcedente.
Verifica-se, pois, a exigida aparência de bom direito, na vertente negativa, aqui aplicável.
E verifica-se, também, o fundado receio de que, no caso de não ser concedida a providência cautelar, venham a produzir-se prejuízos de difícil reparação na esfera jurídica do município requerente, e que ele pretende evitar com a impugnação da publicitação da dita ZEP do CHP.
Na verdade, esses prejuízos que o requerente cautelar teme, e invoca em abono da sua pretensão, resultam da própria lei, uma vez que a fixação da ZEP do CHP se reflecte no PDM, e constitui servidões administrativas que poderão conduzir a declarações de nulidade quer de licenças, quer de autorizações e comunicações prévias admitidas, e isto com consequentes indemnizações [DL nº309/2009 de 23.10, nomeadamente artigos 51º nº4 e 71º].
A ponderação de interesses e danos imposta, neste caso, pelo nº2 do artigo 120º do CPTA, não impede a concessão da providência de suspensão de eficácia aqui em causa, pois que, em confronto com os alegados interesses e prejuízos da requerente, nenhum interesse ou prejuízo relevante foi invocado pelo requerido.
Deve, tudo visto, ser mantida a decisão da sentença recorrida, embora com diferente fundamento, sendo que, nessa medida, deve também ser negado provimento ao recurso jurisdicional.
Decisão
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, negar provimento ao recurso jurisdicional, e manter a sentença recorrida, mas com o actual fundamento.
Custas pelo recorrente - artigos 446º, 447º, 447º-C e 447º-D, todos do CPC, 189º do CPTA, 1º, 2º, 3º nº1, 6º nº2, 7º nº2, 12º nº1 alínea b) e nº2, 13º nº1, e 29º nº2, todos do RCP, bem como Tabela I-B a ele Anexa.
D.N.
Porto, 18.03.2011
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho