Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00099/16.8BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CGA; DFA; GRATIFICAÇÃO DE PARAQUEDISTA
Sumário:1 – A Caixa Geral de Aposentações, não detinha, quer à data em que o Autor pediu a retificação da sua pensão, quer aquando das informações prestadas em outubro e dezembro de 2015 o dever legal de incluir na respetiva pensão a parcela respeitante à gratificação de paraquedista, por falta de informação através dos canais próprios e adequados.

2 - Em qualquer caso, no momento em que o seu serviço comunicou que o militar havia auferido no ativo a controvertida gratificação, ter-se-á verificado uma alteração de circunstâncias justificativa da correspondentemente alteração do valor da pensão.

3 - Assim, a partir do momento em que a CGA foi formalmente notificada do direito ao recebimento do referido complemento remuneratório por parte do militar aposentado, tal determinou uma alteração dos pressupostos, determinante do correspondente recálculo do valor da Pensão atribuída, em conformidade com o estatuído nos art. 101.º, 104.º e 121.º do Estatuto da Aposentação, bem como no Decreto-Lei n.º 253-A/79, de 27 de Julho e o art. 9.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Caixa Geral de Aposentações
Recorrido 1:L.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso da CGA, e conceder parcial provimento ao recurso subordinado.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A Caixa Geral de Aposentações, no âmbito da Ação Administrativa intentada por P., tendente, em síntese e designadamente, à declaração de nulidade do despacho da CGA de 30.10.2015, e condenação da Ré a reconhecer que o Autor tem direito a ver incluído no cálculo da sua pensão de DFA, a gratificação de paraquedista, desde 30.05.1997, e a contabilizar a totalidade do tempo de serviço atendível para o efeito, ou seja 36 anos, inconformada com a Sentença proferida em 14 de junho de 2019 que julgou a Ação parcialmente procedente, condenando-se a Ré a proferir nova decisão no sentido de alteração da pensão de DFA auferida pelo Autor, em face da gratificação de paraquedista, considerando o tempo completo, de 36 anos ou 72 semestres, com efeitos a partir do mês seguinte àquele que for proferida, veio interpor recurso jurisdicional do mesmo.
Formulou a aqui Recorrente/CGA nas suas alegações de recurso, apresentadas em 8 de outubro de 2019, as seguintes conclusões:
“1. Salvo o devido respeito, não pode a ora Recorrente conformar-se com a parte condenatória da sentença recorrida, a qual não interpreta nem aplica corretamente o disposto nos artigos 101º, 104º e 121º do Estatuto da Aposentação, o Decreto-Lei nº 253-A/79, de 27 de julho, e o artigo 9º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de janeiro.
2. Desde logo, porque entende a ora Recorrente que o ora Recorrido não tem o direito a que a Caixa Geral de Aposentações proceda à alteração da sua pensão de reforma extraordinária que aufere como DFA, de modo a incluir a gratificação de paraquedista, mesmo que os seus efeitos se produzam a partir do dia 1 do mês seguinte à deliberação de alteração.
3. É que a gratificação de paraquedista, sendo uma remuneração atribuída e reconhecida pelos serviços do ativo, no caso, o Exército Português, competia a este serviço informar a CGA, atempadamente, de que o Autor, ora Recorrido, auferia tal gratificação.
4. Ora, os serviços do Exército apenas vieram informar a CGA de que o ora Recorrido era abonado da aludida gratificação de paraquedista por ofício datado de 28 de janeiro de 2016.
5. Determina o artigo 101º do Estatuto da Aposentação que “as resoluções finais podem, oficiosamente ou mediante requerimento, ser objeto de revisão quando, por facto não imputável ao interessado, tenha havido falta de apresentação, em devido tempo, de elementos de prova relevantes”, sendo que, nos termos do nº 2 do mesmo normativo, os «prazos para requerer a revisão (…) são os referidos no n.º 1 do artigo 104.º”.
6. Esta última norma – nº 1 do artigo 104º do EA -, encontra-se revogada, mas é suscetível de interpretação atualista, na medida em que se reportava aos prazos fixados para os recursos contenciosos perante o STA.
7. Ora, sendo hoje o prazo de impugnação de um ato administrativo de 3 meses, é este o prazo que deverá ser considerado para efeitos de pedidos de retificação de pensões de reforma ou de aposentação.
8. No presente caso, a pensão do Autor fixada em 2003, foi objeto, em 2005-03-30, de uma alteração na sequência de uma ação administrativa comum por si proposta. E, nesta ação, o Autor nem sequer peticionou a inclusão da gratificação de paraquedista no cálculo da sua pensão de reforma.
9. Ora, o facto de o Recorrido perceber a aludida gratificação de paraquedista é um facto pessoal que aquele não podia desconhecer, pelo que deverá entender-se que prescreveu o direito requerer a retificação da pensão por terem sido ultrapassados todos os prazos legais para o efeito.
10. Por outro lado, mesmo que assim se não entenda – o que apenas se admite para efeitos de raciocínio, sem conceder – e se conclua que a pensão pode ser alterada a todo o momento, o certo é que nunca o valor da gratificação de serviço de paraquedista poderia relevar por inteiro para o recálculo da pensão de reforma do ora Recorrido, pelo que, salvo o devido respeito, também nesta parte, a sentença recorrida não interpretou nem aplicou corretamente a lei, em concreto o disposto no Decreto-Lei nº 253-A/79, de 27 de julho, no artigo 121º do Estatuto da Aposentação e no artigo 9º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de janeiro.
11. Com efeito, o ora Recorrido pretende receber por inteiro um suplemento remuneratório que nem todos os militares no ativo (com cuja situação pretende estabelecer comparação, por força do seu estatuto de DFA e da indexação da pensão com as remunerações do ativo) em situação semelhante à sua têm direito a receber.
12. Esclareça-se que a gratificação de serviço de paraquedista é matéria que se mantém ainda regulada pelos artigos 9º e 10º do Decreto-Lei nº 253-A/79, de 27 de julho.
13. Ora, estabelece o nº1 do artigo 9º daquele diploma que o quantitativo mensal da gratificação de paraquedista é apurado em função da percentagem correspondente à categoria do gratificado (cfr. alíneas a) e b) do quadro de percentagens constante no referido nº 1 do artigo 9º) e do vencimento base de Capitão.
14. Por outro lado, o nº 3 do artigo 121º do Estatuto da Aposentação estabelece que “à pensão calculada nos termos do n.º 1 será adicionada uma parcela de montante da gratificação de serviço aéreo e de serviço de paraquedista, respetivamente, no quantitativo correspondente ao último posto em que esse serviço foi prestado, multiplicada pela expressão em anos do número de meses, incluindo as percentagens legais de aumento, em que foi exercida a atividade inerente ao abono dessa gratificação, considerando-se esse tempo até ao limite de 36 anos e a gratificação até ao quantitativo correspondente ao posto de oficial general.”
15. Assim, em cumprimento do disposto no nº 3 do artigo 121º do Estatuto da Aposentação, a gratificação de serviço de paraquedista terá de considerar o tempo de serviço em que o Recorrido exerceu efetivamente o serviço de paraquedista, constante do mapa de efetividade enviado pela entidade militar competente.
16. A ora Recorrente não pode, pois, concordar com o entendimento vertido na decisão recorrida de que a gratificação de paraquedista deverá ser considerada com base no tempo completo de 36 anos de serviço ou 72 semestres.
17. É que o artigo 9º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de janeiro, que estabelece o regime aplicável aos DFA e aos Grandes DFA, apenas prevê que “O montante da pensão de reforma extraordinária ou da pensão de invalidez devido aos militares considerados DFA nos termos deste diploma será sempre calculado por inteiro.”
18. Ora, a expressão “por inteiro”, igualmente utilizada no nº 3 do artigo 54º do Estatuto da Aposentação (dispositivo hoje revogado pelo Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, mas mantido em vigor para os acidentes em serviço e doenças profissionais ocorridos ou diagnosticadas antes de 1 de Maio de 2000), não pode deixar de ser entendida no sentido de o tempo de serviço para efeitos de cálculo da pensão de reforma – e só quanto a ele – dever ser considerado pelo seu máximo (36 anos de serviço).
19. A expressão “por inteiro” constante do referido artigo 9º do Decreto-lei nº 43/76, de 20 de janeiro, é feita, portanto, com referência ao tempo de serviço e não quanto às gratificações a que os interessados tenham direito à data da sua passagem à reforma.
20. É que o abono das gratificações depende do efetivo desempenho da atividade perigosa que lhe está subjacente, isto é, no caso dos paraquedistas, depende da realização efetiva dos saltos.
21. Dito de outro modo, trata-se de matéria que não se pode ficcionar, e que são relevantes em sede de reforma nos termos do disposto no artigo 121º do Estatuto da Aposentação, ou seja, na exata medida em que forem atribuídas, sejam fixas ou proporcionais ao tempo de saltos.
22. O que significa, no caso concreto, que o ora Recorrido apenas poderia ver refletida na sua pensão de reforma o montante da gratificação de paraquedista relativo aos semestres em que efetuou, de forma efetiva, os respetivos saltos, à semelhança dos outros militares.
23. E esta regra de cálculo não contende com o disposto nos artigos 9º a 12º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro.
24. Apenas se tem em consideração que os suplementos remuneratórios relevam no cálculo da pensão, posteriormente indexada, nos termos do artigo 121º do Estatuto da Aposentação e nos exatos termos que a lei estabelece.
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a decisão recorrida, com as legais consequências.”

O aqui Recorrido/P. veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 19 de novembro de 2019, nas quais concluiu que “Não merece qualquer censura a decisão do tribunal a quo (na parte objeto do presente recurso), não sofrendo esta de nenhum dos vícios que a Recorrente lhe aponta, devendo ser mantida.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida.”

O Autor P. veio ainda, no entanto, apresentar Recurso subordinado no mesmo dia 19 de novembro de 2019, aí concluindo:
“1.ª A douta sentença absolveu a RECORRIDA, do pedido efetuado pelo RECORRENTE, de condenar a aquela a reconhecer que este, tem direito a ver incluído no cálculo da sua pensão de DFA, a gratificação de paraquedista, desde a data em que foi declarada a incapacidade pela competente junta médica, ou seja, desde 30.05.1997.
2.ª O acerto da decisão de que, subordinadamente, se recorre impõem-se de forma categórica, numa primeira análise, efetuando de forma formalmente correta a aplicação do probatório à lei aplicável.
3.ª No entanto, a decisão a que se chega, não pode deixar de se considerar injusta para o cidadão deficiente, que sempre pautou a sua relação com as entidades públicas, integradas na Administração Direta e Indireta do Estado, de boa-fé e confiando que o Estado agiria para consigo de forma correta, não permitindo que este fique em situação diferente de todos os outros deficientes nas mesmas condições.
4.ª O RECORRENTE entende que nos termos do probatório, estão reunidos todos os requisitos para ver incluído na sua pensão de DFA o suplemento remuneratório de “gratificação de paraquedista”, desde a data em que foi declarada a incapacidade (de 68,40%) pela competente junta médica, ou seja desde 30.05.1997 e só não a recebendo, não a estando a receber, porque Serviços do Estado, cometeram o “lapso” de não informar completamente e corretamente outros Serviços do Estado, sendo certo que o RECORRENTE, estando de boa-fé, quando disso teve conhecimento, requereu a respetiva alteração.
5.ª O RECORRENTE questiona que prejuízo advém à RECORRIDA se fizer retroagir os efeitos pecuniários do pagamento do suplemento remuneratório à data a partir da qual era, em termos substantivos, devido? ou por outras palavras, se não tivesse existido o erro ou lapso dos Serviços a prestarem a informação, a RECORRIDA estaria a pagar, desde o início (efeitos à data de 30.05.1997), aquele suplemento remuneratório ao RECORRENTE.
6.ª É certo que a RECORRIDA pode, como bem refere a sentença, atribuir efeitos retroativos à decisão que venha a proferir, nos termos previstos no art. 171.º n.º 1, segunda parte do CPA.
7.ª Estando para o efeito reunidos todos os pressupostos, quer os previstos no art. 171.º n.º 1 (pois a eficácia retroativa é favorável ao RECORRENTE, este concorda expressamente com ela e não estão em causa direitos ou interesses indisponíveis), quer os previstos nas várias alíneas do art. 156.º n.º 2, ambos do CPA.
8.ª A questão colocada pelo RECORRENTE no presente recurso subordinado prende-se com o facto de apurar se deve (tem que) ficar na livre esfera do poder discricionário da administração, de acordo com juízos de conveniência ou oportunidade, a atribuição de eficácia retroativa ao ato, por convocação do art. 3.º, n.º 1, in fine do CPA, ou antes se
9.ª o douto tribunal pode “ultrapassar”, ir mais longe do que a estrita aplicação da lei prevê, e em nome dos princípios da justiça e da boa fé, previstos no art. 266.º n.º 2, da Constituição e art. 10.º, do CPA, interpretar o complexo normativo que resulta dos art. 58.º, n.º 2 e art. 102.º, do E.A., art. 171.º n.º 1, segunda parte, art. 156.º n.º 2, alíneas a), c) e d), do CPA e art. 3.º, n.º 1 in fine do CPTA, de forma a que sejam atribuídos efeitos retroativos à alteração do quantitativo da pensão do RECORRENTE.
10.ª Freitas do Amaral, define “a justiça” como “o conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido e função da dignidade da pessoa humana.”, cfr. Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 1.ª Edição, pág. 119.
Sobre o princípio da justiça consagrado no art. 266.º, n.º 2, da C.R.P., refere o citado Autor, a pág. 122, da obra citada “da análise literal deste preceito podem tirar-se, de imediato, três conclusões:
“- a justiça, tal como está tratada neste artigo, é algo que está para além da legalidade, uma vez que o preceito dissocia o respeito pela lei do respeito pelo princípio da justiça (deve respeitar-se a legalidade e também a justiça);
- no artigo 266.º n.º 2, a CRP não trata de todo o problema da justiça, mas apenas do dever de atuar com justiça que se impõe à administração pública. (…)
– quando a CRP diz que a Administração Pública deve respeitar o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade, o princípio da justiça e o princípio da boa fé está a desdobrar a ideia de justiça em algumas noções que sempre foram consideradas, desde Aristóteles, como fazendo parte essencial do conceito de justiça – nomeadamente, a ideia de igualdade e a ideia de proporcionalidade: ser justo é tratar de modo igual o que é igual e não agir excessivamente para além da medida adequada. E, por isso, entendemos que o princípio fundamental consagrado no artigo 266.º, n.º 2, é o princípio da justiça, sendo que os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé são subprincípios que se integram no princípio da Justiça.”.
11.ª Quanto ao princípio da justiça em sentido estrito, refere o insigne mestre, citando Sérvulo Correia, in Contencioso Administrativo e Estado de Direito, in RFDUL, XXXVI, Lisboa, 1995, p. 447, é um princípio com uma “capacidade irradiante” própria, isto é um princípio diretamente constitutivo de regras jurídicas que se venham a apresentar como consequência imediata e irrecusável daquilo que vimos constituir o seu cerne.
12.ª Em Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, tirado no processo 01105/04.4BEVIS, em que foi relator o Senhor Desembargador José Augusto Araújo Veloso, disponível em www.dgsi.pt, o principio da justiça é concretizado desta forma:
I. O princípio da justiça [artigos 266º nº2 CRP e 6º CPA] funciona como limite à atuação discricionária da administração, sendo o ato injusto um ato ilegal [artigo 135º CPA], porque violador desse princípio estruturante da conduta de todos os entes públicos;
II. É injusta a decisão administrativa que faz recair sobre o particular os efeitos nocivos de uma anterior conduta pública ilegal, pois trata-se de lhe impor um sacrifício infundado, que surge como desnecessário, resultante de um errado exercício de poder;
III. Quando isso acontece, impõe-se à administração que procure reparar a injustiça decorrente da ilegalidade, devendo fazê-lo tanto quanto lhe permita a fronteira da legalidade a que está sujeita [artigos 266º nº2 CRP e 3º CPA]. Neste caso, a legalidade surge como autêntico instrumento de justiça, e o seu uso, caso se trate do exercício de um poder discricionário, impõe-se, por via direta, do princípio da justiça;
IV. No caso, a imposição do princípio da justiça que deverá conduzir à utilização, pelo CEME, da faculdade de dispensa do curso de formação para sargento-ajudante, porque suportada na lei, não pode chegar ao ponto de lhe impor a utilização da mesma faculdade relativamente ao curso de formação para sargento-chefe, pois que esta repetição é proibida por lei, sendo que a administração militar deverá pautar a sua conduta pelo princípio da justiça e pelo princípio da legalidade.
13.ª Neste aresto do Supremo Tribunal Administrativo, tirado no processo n.º 032909, de que foi relator o Senhor Conselheiro Nuno Salgado, disponível em www.dgsi.pt, refere-se o seguinte:
I - Revogação anulatória é aquela que, fundamentando-se em ilegalidade, retroage os seus efeitos jurídicos ao momento da prática do ato revogado e, em consequência, os efeitos de tal ato ter-se-ão como não produzidos, os atos de execução e os atos consequentes do ato revogado tornar-se-ão ilegais e as operações materiais desencadeadas ao abrigo do ato revogado tornar-se-ão ilícitas, já que a revogação opera com efeitos "ex tunc", fazendo desaparecer o anterior ato da ordem jurídica.
II - Revogação extintiva ou ab-rogatória é aquela que, fundamentando-se não em ilegalidade mas sim em mera conveniência ou oportunidade, faz cessar para o futuro os efeitos produzidos entre o início da eficácia do ato revogado e o início da eficácia do ato revogatório, ou seja, respeita os efeitos já produzidos pelo ato ulteriormente considerado inconveniente e apenas faz cessar, para o futuro, os efeitos que tal ato ainda estivesse em condições de produzir, operando, assim, com efeitos "ex nunc".
III - O princípio da justiça, bem como o princípio da imparcialidade, após a CRP de 1976, formam, com os princípios tradicionais da prossecução do interesse público, do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos particulares e da legalidade, os chamados princípios constitucionais aplicáveis ao exercício do poder administrativo (art. 266 da CRP).
IV - Assim, a violação do princípio da justiça é fundamento da anulação contenciosa de um ato administrativo pelo vício de violação de lei, situando-se, assim, no âmbito do contencioso, e não, como anteriormente no campo do mérito.
V - Deve considerar-se como revogação anulatória e não extintiva ou ab-rogatória e que, assim, retroage os seus efeitos ao momento da prática do ato revogado a resolução da Caixa Nacional de Pensões (CNP) que, a reclamação do interessado, aceita e determina, por "razões de justiça", a revogação de uma pensão de aposentação do referido interessado, quanto ao seu quantitativo, a fixar de acordo com os valores que legalmente teria se tivesse sido fixada com efeitos a partir da data em que foi requerida, mas com efeitos para o futuro.
VI - A nova pronúncia ou regulamentação da situação operada pelo ato revogatório, ou seja, os efeitos construtivos da revogação hão-de produzir-se de acordo com as normas legais existentes no momento em que foi praticado o ato revogado, sob pena do ato revogatório enfermar do vício de violação de lei.
14.ª Para o saudoso mestre Freitas do Amaral “também a Administração Pública está obrigada a obedecer à bona fide nas relações com os particulares. Mais: ela deve mesmo dar, também aí, o exemplo aos particulares da observância da boa-fé, em todas as suas várias manifestações, como núcleo essencial do seu comportamento ético. Sem isso nunca se poderá afirmar que o Estado (e com ele outras entidades públicas) é pessoa de bem, em lugar de se transformar no modelo de pessoa sem escrúpulos no cumprimento da lei e dos princípios meta-jurídicos que o regem, ou sem normas éticas e irresponsável no seu comportamento quotidiano, é condição sine qua non da própria credibilidade das instituições públicas.”
15.ª Concretizando – “O princípio da boa-fé, sendo embora “dotado de elevado grau de abstração”, está longe de ser uma “fórmula vazia pseudonormativa”. A sua concretização é possibilitada através de dois princípios básicos: o princípio da tutela da confiança legitima e o principio da materialidade subjacente. Quer dizer, a boa-fé determina a tutela das situações de confiança e procura assegurar a conformidade material – e não apenas formal – das condutas aos objetivos do ordenamento jurídico.”, obr. Citada, pág. 135.
16.ª Revertendo estes princípios para a douta sentença, verificamos que, conforme resulta do probatório o RECORRENTE reunia à data em que lhe foi calculada a pensão, todos os requisitos para ver incluído no cálculo da sua pensão de Deficiente das Forças Armadas o suplemento remuneratório, por receber, enquanto no ativo a “gratificação de paraquedista” e sobre ela haver efetuado os descontos respetivos.
17.ª O RECORRENTE sempre confiou que os vários serviços da Administração Pública, haviam calculado a sua pensão de acordo com as leis e regulamentos aplicáveis.
18.ª Naturalmente, estando de boa-fé e confiando nas Instituições, assim que soube que teria direito a receber tal complemento remuneratório, veio pedir que lho atribuíssem.
19.ª Por estas razões, em obediência aos princípios da justiça e da boa-fé, entende o RECORRENTE que não deve ficar na dependência de juízos de oportunidade e conveniência da CGA, ora RECORRIDA, a atribuição de efeitos retroativos à alteração da pensão daquele,
20.ª devendo, outrossim, ser o douto tribunal a determinar a RECORRIDA a assim proceder, interpretando os art. 58.º, n.º 2 e art. 102.º, do EA, art. 171.º n.º 1, segunda parte, art. 156.º n.º 2, alíneas a), c) e d), do CPA e art. 3.º, n.º 1 in fine do CPTA, de forma a que sejam atribuídos efeitos retroativos à alteração do quantitativo da pensão do RECORRENTE a coberto do princípio da justiça e da boa-fé, previstos no artigo 266.º n.º 2, da CRP e no artigo 10.º do CPTA.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o recurso subordinado ser julgado procedente, e revogada a douta sentença recorrida e ser substituída por outra que condene a RECORRIDA Caixa Geral de Aposentações a proferir nova decisão, no sentido da alteração da pensão de DFA auferida pelo RECORRENTE, em face da gratificação de paraquedista comunicada pelo ofício indicado em N) do probatório, considerando o tempo completo, de 36 anos ou 72 semestres, com efeitos reportados a 30.05.1997.

A CGA veio apresentar as suas Contra-alegações relativamente ao Recurso Subordinado, em 3 de janeiro de 2020, nos quais se limitou a “dar por integralmente reproduzidas as suas Alegações que apresentou no recurso jurisdicional que interpôs da mesma sentença.”
Os Recursos Jurisdicionais apresentados (Independente e Subordinado) vieram a ser admitidos por Despacho de 15 de janeiro de 2020.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 24 de janeiro de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas no Recurso Independente e Subordinado, sendo que o objeto dos Recursos se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar se o Recorrente terá direito ao recebimento da requerida parcela correspondente ao suplemento do serviço de paraquedista, na sua pensão de DFA, e em que termos e desde quando.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade como provada:
A) O Autor era soldado e no dia 21 de Fevereiro de 1994, foi incorporado na Escola de Tropas Aerotransportadas de (...), na qual fez a instrução básica e tirou a especialidade de paraquedista – cfr. processo administrativo apenso (PA.);
B) No dia 02.11.1994, sofreu uma queda de que lhe veio a ser considerado Grande Deficiente das Forças Armadas – cfr. doc. 1 e 2 juntos ao PA;
C) Pela Junta Médica da CGA veio a ser-lhe reconhecida uma incapacidade de 68,84% e reconhecido o direito à aposentação, conforme despacho da Direção da CGA de 06.06.1999, tendo sido considerada a situação existente em 97/05/30 cfr. doc. 3 junto à p.i. e fls. 128 e 119 a 123 do PA,
D) O ora Autor pediu a revisão do seu processo, tendo vindo a ser qualificado como DFA, conforme Despacho de 12.04.2002 do então Ministro da Defesa Nacional – vide fls. 87 a 115 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
E) A pensão de reforma extraordinária, como DFA, foi fixada ao A., por resolução de 2003.01.29 – cfr. fls. 82 e 83 do processo administrativo (PA);
F) O ora Autor intentou uma ação administrativa comum neste Tribunal, em que não peticionou o pagamento da gratificação como paraquedista – cfr. fls. 56 e 57 do PA;
G) Por despacho da Direção da Ré de 30.03.2005, foi alterada aquela resolução de modo a retroagir os efeitos da pensão de reforma à data da homologação da junta médica militar que o havia considerado incapaz – cfr. fls. 48 do p.a.
H) Tendo o A. sido notificado de tal resolução, por ofício emitido na mesma data, nos termos do disposto no artigo 109.º, n.º 2 do EA, isto é, através dos serviços do Exército – cfr,. fls. 47 do PA;
I) Em 08.06.2015 o ora Autor solicitou informação à CGA acerca da fórmula de cálculo utilizada para alcançar o montante da Pensão de DFA que lhe é paga – cfr. doc. 7 junto à p.i;
J) No dia 09.06.2015, recebeu a resposta da Ré CGA, informando que as remunerações que consideradas no cálculo da pensão foram as comunicadas pelo Exército que eram as seguintes: vencimento base, suplemento de condição militar e abono suplementar de invalidez – cfr. mesmo documento;
K) Com data de 19.10.2015, o ora Autor requereu à CGA a inclusão da sua pensão de DFA a gratificação de serviço de para-quedista por referência a 36 anos de serviço (72 semestres), com efeitos reportados a 30.05.1997, invocando o entendimento da jurisprudência (Ac. TCA de sul de 22.04.2010, proferido no rec. 04118/08) – vide fls. 205 a 209 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
L) Pelo oficio de 2015-10-30, foi o Autor informado de que “Assim, apesar do aludido aresto ter sido levado devidamente em consideração, a CGA mantém a posição de que tem vindo a sustentar que, de acordo com o disposto no artigo 121º, nº 3 do EA “a parcela a adicionar à pensão é de montante igual á 36ª parte do montante do suplemento do serviço de para-quedista, no quantitativo correspondente ao último posto em que o serviço foi prestado, multiplicado”, razão porque na sua pensão não foi incluída qualquer importância a título de gratificação de serviço de paraquedista, uma vez que os serviços do Exército nunca informaram esta Caixa sobre se tinha direito àquela prestação, direito este que não é de conhecimento oficioso”. - cfr. fls. 218 do PA;
M) Informação que lhe foi reiterada posteriormente, por ofício de 2015-12-11 – cfr. fls. 222 do PA;
N) Por ofício datado de 28.01.2016, subscrito pelo Chefe de Repartição da Direção de Administração de Recursos Humanos, Repartição de Pessoal Fora da Efetividade de Serviço, o Exército, dirigido à CGA, relativamente ao pedido de retificação de pensão do Autor, com o seguinte teor:
“ Sobre o assunto em título, encarrega-me o Exmº Major-General de, nos termos do artigo 9º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, solicitar os bons ofícios a esses serviços para a alteração das condições de aposentação referentes ao Deficiente das Forças Armadas (DFA) indicado em assunto, em virtude de, aquando da comunicação da qualificação como DFA, do referido militar pelos nossos serviços a essa Caixa, em 3 de maio de 2002, não ter sido contemplada para o cálculo da pensão a respetiva condição de paraquedista. Face ao anteriormente mencionado e para os devidos efeitos, junto se envia a relação de saltos do referido DFA e respetivo valor de gratificação de paraquedista á data do acidente” – cfr. fls. 223 a 227 do PA / cfr. doc. 22 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;”

IV – Do Direito
Analisemos então o suscitado.
A questão aqui em causa reconduz-se predominantemente a saber se o Autor, aqui Recorrido e Recorrente subordinado, detém o direito, e em que termos, a que a Caixa Geral de Aposentações, proceda à retificação da sua pensão enquanto DFA, por forma a incluir a gratificação de paraquedista, e desde quando.

No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...)
Apreciando;
Segundo o Autor, a Ré Caixa Geral de Aposentações deve proceder à retificação da sua pensão de reforma que aufere como DFA de molde a incluir o subsídio de paraquedista, desde 1997.05.30, e consequentemente ao pagamento das diferenças de pensão e dos juros de mora.
Acontece que há que distinguir duas situações:
A primeira é a de saber se a pensão que foi calculada pela CGA e fixada conforme despachos de 1999 e em 2002 podem ser alteradas com efeitos retroativos, como pretende o Autor.
Ora, as decisões através das quais foram fixadas as respectivas pensões, quer quanto à produção de efeitos, como quanto ao valor das mesmas, não foram impugnadas pelo Autor e, nesta medida, a eventual ilegalidade de que padecessem (por errada interpretação da lei ou de erro sobre os pressupostos de facto, vícios geradores de mera anulabilidade) consolidou-se como caso resolvido, por falta de atempada impugnação.
E desta feita, não é possível afastar os pressupostos que motivaram as referidas decisões da CGA de 1999.06.06 e de 2002.03.30 (vide alíneas C) e G) do probatório).
Sendo assim, não pode admitir-se a satisfação da pretensão do Autor, de molde a afastar os efeitos daqueles atos já produzidos e consolidados, porquanto esta contenderia com os efeitos já fixados por ato administrativo cujos efeitos se consolidaram na ordem jurídica, constituindo caso decidido ou resolvido [veja-se, neste sentido, entre outros, os acórdãos do TCA-Sul, de 15 de março de 2012, processo n.º 05963/10, de 5 de maio de 2016, processo n.º 12958/16, de 19 de maio de 2016, processo n.º 11688/14, do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de novembro de 2013, proferido no processo n.º 01421/12, do TCA-Norte, 8 de abril de 2011, proferido no processo n.º 01467/08.4BEVIS, de 15 de abril de 2011, proferido no processo n.º 00228/09.8BEVIS, de 22 de maio de 2015, proferido no processo n.º 00938/13.5BEAVR, de 24 de abril de 2016, proferido no processo n.º 00432/15.0BEVIS, de 9 de junho de 2017, proferido no processo n.º 03005/15.BEBRG, todos acessíveis em www.dgsi.pt ].
Apreciemos então a segunda situação, ou seja se, com a apresentação do pedido formulado pelo Autor em 2015 (alínea K) do probatório), a Ré deveria ter deferido o mesmo, em conformidade com a jurisprudência emanada do Acórdão do TCA SUL de 22.04.2010, proferida no proc. nº 04118/08
Ora, desde logo, ao contrário do que aconteceu no citado Acórdão, o serviço do Autor nunca informou a Ré Caixa Geral de Aposentações que o ora Autor auferia, à data do acidente, qualquer gratificação de serviço como paraquedista, nem aquando dos pedidos iniciais nem aquando do pedido formulado pelo ora Autor em 2015.
Ou seja, para a CGA os elementos de que dispunha por parte do serviço de origem, a quem compete fornecer os dados que serão tidos em conta nos cálculos das respectivas pensões, eram os mesmos que até aí.
Pois, para a CGA a questão da gratificação do serviço de paraquedista ser paga por inteiro ou não, e que foi objeto do citado Acórdão do TCA Sul, não se colocava em relação ao ora Autor. Sendo que essa informação, isto é, das gratificações auferidas pelos trabalhadores no ativo não são de conhecimento oficioso da CGA. Como decorre do Estatuto da Aposentação, designadamente do artigo 121º e como se aludiu, a informação de qual a remuneração ou suplementos ou outras gratificações terão de ser comunicadas à CGA, uma vez que esta não detém qualquer competência em matéria remuneratória ou de controle das remunerações pagas aos trabalhadores do ativo.
Como resulta do probatório o serviço do Autor só em 2016, veio “assumir” o erro – vide alínea N) do probatório.
Mas ao contrário do que pretende o Autor não se trata de qualquer erro que deva ser retificado pela CGA nos termos e para efeitos do artigo 58º do EA, o qual tem como epígrafe “Alteração da pensão”, e segundo o qual:
“1. A alteração de resoluções definitivas sobre o quantitativo da pensão, nos casos em que a lei a permita, só produzirá efeitos a partir do dia 1 do mês imediato àquele em que for deliberada.
2. Os efeitos da alteração reportar-se-ão, todavia, à data em que a resolução anterior os produziu, nos casos seguintes:
a) Se a alteração derivar de recursos contencioso ou hierárquico, de retificação da pensão ou de resolução revogatória da Caixa;
Sendo que a retificação ocorre nos casos do art. 102º do EA, por erro de escrita ou de cálculo, em conformidade com o artigo 249º do Código Civil, ou seja “revelado no próprio contexto em que a declaração é feita”, o que não se verifica.
Neste contexto verifica-se que a Ré, Caixa Geral de Aposentações, não detinha quer à data em que o Autor pediu a retificação da sua pensão, como nas informações prestadas em outubro e dezembro de 2015 o dever legal de incluir na respetiva pensão a parcela respeitante à gratificação de paraquedista.
Contudo, no momento em que o Serviço do Autor comunica que afinal o Autor auferia a referida gratificação aquando do acidente que motivou a sua qualificação como DFA, então houve uma alteração das circunstâncias.
E assim sendo, nos termos do art. 173º do CPA são aplicáveis as normas reguladoras da revogação, o que in casu convoca o art. 167º, nº 2, alínea a) e 171º, nº 1, do CPA, que em consonância com o art. 58º, nº 1 do EA a “A alteração de resoluções definitivas sobre o quantitativo da pensão, nos casos em que a lei a permita, só produzirá efeitos a partir do dia 1 do mês imediato àquele em que for deliberada”.
Relativamente à eventual atribuição de efeitos retroativos estará na disponibilidade da entidade administrativa como resulta do art. 171º, nº 1, segunda parte do CPA e sobre a qual o Tribunal não pode interferir, por ser matéria que se insere no âmbito da sua conveniência ou oportunidade – cfr. art. 3º, nº 1 in fine do CPTA.
Relativamente ao valor da gratificação a ter em conta seguimos a jurisprudência do citado Acórdão do TCA Sul, de 22.04.2010:
“(…) a redação do artigo 9º do DL nº 43/76, de 20/1, que estabelece o modo do cálculo da pensão de reforma extraordinária ou de invalidez dos DFA’s, não suscita qualquer dificuldade interpretativa quando refere que o montante da pensão de reforma extraordinária ou da pensão de invalidez devido aos militares considerados DFA será sempre calculado por inteiro, isto é, por referência à totalidade do tempo contável para efeitos de aposentação, ou seja, 36 anos.
E tanto assim é que a CGA não teve dúvidas, quando procedeu ao cálculo da pensão devida ao autor, em considerar a totalidade do tempo, ou seja, 36 anos. Porém, esta norma tem de ser compatibilizada com o nº 3 do artigo 121º do Estatuto da Aposentação, que previu – para o pessoal especializado que, à semelhança do autor, tenha servido na Marinha, no Exército e na Força Aérea – que à pensão calculada nos termos do citado artigo 9º do DL nº 43/76 fosse adicionada uma parcela de montante igual à 36ª parte do montante da gratificação de serviço aéreo, do suplemento de serviço aéreo, da gratificação de serviço para-quedista ou do suplemento de serviço aerotransportado, no quantitativo correspondente ao último posto em que esse serviço foi prestado, multiplicado pela expressão em anos do número de meses de serviço, incluindo as percentagens legais de aumento, em que foi exercida a atividade inerente ao abono dessa gratificação ou suplemento, considerando-se esse tempo até limite de 36 anos e a gratificação ou suplemento até ao quantitativo correspondente ao menor valor atribuído a oficial-general na efetividade de serviço.”
Pois que o Acórdão do STA invocado pela Ré, de 02.06.2010, proferido no Proc. nº 146/10, não teve em consideração as condições especiais das pensões dos DFAs e o disposto no art. 9º do DL 43/76.
Em suma: deverá a Ré Caixa Geral de Aposentações proferir nova decisão, no sentido da alteração da pensão de DFA auferida pelo Autor, em face da gratificação de paraquedista comunicada pelo ofício indicado em N) do probatório, considerando o tempo completo, de 36 anos ou 72 semestres, com efeitos nos termos do art. 58º, nº 1, do EA, ou seja a partir do mês seguinte àquele que for proferida.
Os demais pedidos formulados pelo Autor, como seja o pagamento da nova pensão com efeitos a 30.05.1997, e respetivos juros de mora, terão de improceder.

Vejamos:
A sentença recorrida julgou a ação parcialmente procedente, tendo condenado a CGA a proferir nova decisão no sentido da alteração da pensão de DFA auferida pelo Autor, de modo a atender à gratificação que este auferia enquanto paraquedista, considerando o tempo completo, de 36 anos ou 72 semestres, com efeitos a partir do mês seguinte àquele que for proferida, absolvendo a CGA dos demais pedidos.

Do Recurso Independente
Entende a Recorrente/CGA, em síntese, que “…o ora Recorrido não tem o direito a que a Caixa Geral de Aposentações proceda à alteração da sua pensão de reforma extraordinária que aufere como DFA, de modo a incluir a gratificação de paraquedista, mesmo que os seus efeitos se produzam a partir do dia 1 do mês seguinte à deliberação de alteração, mais entendendo que “…nunca o valor da gratificação de serviço de paraquedista poderia relevar por inteiro para o recálculo da pensão de reforma do ora Recorrido”.

Não se vislumbra que assim seja, atenta até a factualidade dada como provada e precedentemente transcrita.
Efetivamente, a sentença recorrida justificou quer de facto quer de direito a sua opção, considerando que o Autor teria direito a que a Caixa Geral de Aposentações procedesse à alteração da sua pensão de reforma auferida enquanto DFA, de modo a incluir a gratificação de paraquedista, sem ignorar, no entanto, que já anteriormente a pensão havia sido alterada, sem que a presente questão tivesse então sido suscitada, o que determinou a consolidação no tempo das pensões e então estabelecidas.

Importa, em qualquer caso, não ignorar que com a apresentação do pedido formulado pelo Autor em 2015 (alínea K) dos factos provados), a CGA deveria, no mínimo, ter ponderado o requerido em função da apresentação de factos anteriormente não considerados, em linha com o entendimento jurisprudencial resultante, designadamente, do Acórdão do TCAS de 22.04.2010, proferido no proc. nº 04118/08, sendo que na situação em apreciação, o serviço do Autor não cuidou de informar a Caixa Geral de Aposentações de que o militar em causa, auferia, à data do acidente, gratificação de serviço como paraquedista, o que determinou que a mesma inadvertidamente não tenha sido considerada no valor da pensão atribuída, tanto mais que o vencimento e suplementos dos trabalhadores não são de conhecimento oficioso por parte da CGA, a qual não detém competência em matéria remuneratória ou de controlo das remunerações pagas aos trabalhadores do ativo.

Com efeito, decorre do Artº 121º do EA, que:
“1. Sem prejuízo do disposto no artigo 51.º, o cálculo da pensão de reforma tem por base as remunerações de caráter permanente referidas nos artigos 47.º e 48.º, que correspondam ao último posto no ativo.
2. (…)
3. Para o pessoal especializado que tenha servido na Marinha, no Exército e na Força Aérea, à pensão calculada nos termos do n.º 1 será adicionada uma parcela de montante igual à 36.ª parte do montante da gratificação de serviço aéreo, do suplemento de serviço aéreo, da gratificação de serviço para-quedista ou do suplemento de serviço aerotransportado, no quantitativo correspondente ao último posto em que esse serviço foi prestado, multiplicado 46/52 pela expressão em anos do número de meses de serviço, incluindo as percentagens legais de aumento, em que foi exercida a atividade inerente ao abono dessa gratificação ou suplemento, considerando-se esse tempo até ao limite de 36 anos e a gratificação ou suplemento até ao quantitativo correspondente ao menor valor atribuído a oficial-general na efetividade de serviço”.

Como resulta do Facto Provado N), só em 2016 o serviço do militar Autor da presente Ação veio reconhecer e comunicar à CGA que o mesmo auferia no ativo o controvertido suplemento remuneratório.

Como sublinhado em 1ª Instância, a referida circunstância não poderia, no entanto, sem mais, determinar a retificação da pensão pela CGA por sua iniciativa exclusiva, por não se incluir nos pressupostos constantes do artigo 58º do EA.

Com efeito, refere o indicado normativo, com a epígrafe “Alteração da pensão”, o seguinte:
“1. A alteração de resoluções definitivas sobre o quantitativo da pensão, nos casos em que a lei a permita, só produzirá efeitos a partir do dia 1 do mês imediato àquele em que for deliberada.
2. Os efeitos da alteração reportar-se-ão, todavia, à data em que a resolução anterior os produziu, nos casos seguintes:
a) Se a alteração derivar de recursos contencioso ou hierárquico, de retificação da pensão ou de resolução revogatória da Caixa.

Assim, e tal como é reconhecido pelo próprio Autor, a Ré, Caixa Geral de Aposentações, não detinha, quer à data em que pediu a retificação da sua pensão, quer aquando das informações prestadas em outubro e dezembro de 2015 o dever legal de incluir na respetiva pensão a parcela respeitante à gratificação de paraquedista, por faltas de informação.

Em qualquer caso, entende o então Autor que no momento em que o seu serviço comunicou que havia auferido no ativo a controvertida gratificação, ter-se-á verificado uma alteração de circunstâncias que justificaria correspondentemente a alteração do valor da pensão.

Foi pois este facto que determinou que o tribunal a quo tivesse determinado o recálculo do valor da pensão, ainda que sem efeitos retroativos, nos termos do art. 173º do CPA, quanto à revogação, e art. 167º, nº 2, alínea a) e 171º, nº 1, do CPA, conjugado com o art. 58º, nº 1 do EA, o qual estabelece que “A alteração de resoluções definitivas sobre o quantitativo da pensão, nos casos em que a lei a permita, só produzirá efeitos a partir do dia 1 do mês imediato àquele em que for deliberada”.

Mais se afirmou em 1ª instância que a eventual atribuição de efeitos retroativos estará na disponibilidade, no caso, da CGA, nos termos do art. 171º, nº 1, segunda parte do CPA, matéria que se insere incontornavelmente no âmbito da conveniência ou oportunidade, a ser aferida pela Administração, tanto mais que não estão em “causa direitos ou interesses indisponíveis”.

Com efeito, relativamente ao valor da gratificação, refere-se no citado Acórdão do TCAS, de 22.04.2010, o seguinte:
“(…) a redação do artigo 9º do DL nº 43/76, de 20/1, que estabelece o modo do cálculo da pensão de reforma extraordinária ou de invalidez dos DFA’s, não suscita qualquer dificuldade interpretativa quando refere que o montante da pensão de reforma extraordinária ou da pensão de invalidez devido aos militares considerados DFA será sempre calculado por inteiro, isto é, por referência à totalidade do tempo contável para efeitos de aposentação, ou seja, 36 anos.
E tanto assim é que a CGA não teve dúvidas, quando procedeu ao cálculo da pensão devida ao autor, em considerar a totalidade do tempo, ou seja, 36 anos.
Porém, esta norma tem de ser compatibilizada com o nº 3 do artigo 121º do Estatuto da Aposentação, que previu – para o pessoal especializado que, à semelhança do autor, tenha servido na Marinha, no Exército e na Força Aérea – que à pensão calculada nos termos do citado artigo 9º do DL nº 43/76 fosse adicionada uma parcela de montante igual à 36ª parte do montante da gratificação de serviço aéreo, do suplemento de serviço aéreo, da gratificação de serviço para-quedista ou do suplemento de serviço aerotransportado, no quantitativo correspondente ao último posto em que esse serviço foi prestado, multiplicado pela expressão em anos do número de meses de serviço, incluindo as percentagens legais de aumento, em que foi exercida a atividade inerente ao abono dessa gratificação ou suplemento, considerando-se esse tempo até ao limite de 36 anos e a gratificação ou suplemento até ao quantitativo correspondente ao menor valor atribuído a oficial-general na efetividade de serviço.”

Aqui chegados, mostra-se que a Sentença recorrida, no que concerne ao segmento analisado, interpretou e aplicou corretamente o direito vigente, mormente os art. 101.º, 104.º e 121.º do Estatuto da Aposentação, bem como o Decreto-Lei n.º 253-A/79, de 27 de Julho e o art. 9.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, não se reconhecendo a verificação de qualquer dos vícios suscitados.

Sem necessidade de aqui reproduzir tudo quanto a respeito do aqui analisado se expendeu no tribunal a quo, o que se mostraria inútil e redundante, aqui se ratifica o discurso fundamentador justificativo do aí decidido, sem prejuízo do que ainda se referirá a propósito do Recurso Subordinado.

Assim, mostra-se efetivamente devido ao Autor o pagamento da gratificação de paraquedista comunicada pelo oficio de 28/01/2016 da Direção de Administração de Recursos Humanos do Exército dirigido à CGA, considerando-se o tempo completo, de 36 anos, ou 72 semestres, importado agora, em função do Recurso Subsidiário, verificar a partir de que momento é o mesmo devido.

Do Recurso Subordinado
No que respeita ao Recurso Subordinado há uma questão incontornável, independentemente de qualquer justiça ou injustiça relativa que a situação em concreto possa evidenciar e que se prende com o facto de se terem anteriormente consolidado duas decisões relativamente ao quantitativo da pensão do então Autor e que não podem ser subvertidas pela decisão que ora se possa adotar.

Com efeito, a pensão do aqui Recorrente Subordinado foi recalculada e fixada pela CGA em 1999 e em 2002, sem que tenha sido objeto de qualquer impugnação, o que determinou a sua consolidação na ordem jurídica.

Por outro lado, a CGA só foi notificada por ofício de 28 de janeiro de 2016 pelo serviço do militar paraquedista aqui em causa de que o mesmo auferia no ativo o reclamado suplemento remuneratório, o qual deveria ser considerado para efeitos do valor da pensão, sendo que a partir desta data não o poderá ignorar.

É essencial não perder de vista que a presente Ação não vem intentada contra o Estado nem contra o Exército, mas singelamente contra a CGA, em face do que esta só responderá na medida das suas competências e responsabilidades, não lhe podendo pois ser imputada qualquer responsabilidade decorrente do facto de apenas tardiamente lhe ter sido transmitido o facto de o então autor auferir no ativo uma gratificação enquanto paraquedista.

Assente que está já, em função do decidido em 1ª instância e que aqui se ratificará, que na pensão auferida pelo identificado militar paraquedista, deverá ser considerada a gratificação que auferia no ativo, “comunicada pelo oficio indicado em N) do probatório, considerando o tempo completo, de 36 anos ou 72 semestres”, importa agora saber, em função do recurso subordinado, a partir de que momento será tal quantitativo devido.

Como resulta de tudo quanto precedentemente se afirmou, a CGA só tomou conhecimento em pleno da situação remuneratória do aqui Recorrente subordinado no ativo, com o ofício de 28 de janeiro de 2016, pelo que a recálculo da pensão só poderá operar a partir desse momento, ou seja a partir da pensão relativa a fevereiro de 2016.

O Tribunal de Recurso, em função da factualidade dada como provada e de acordo com o alegado no referido Recurso subordinado, aqui em análise, deverá assim repor, na medida do possível, a justiça do quantitativo da pensão auferida pelo militar identificado.

Como resulta do sumariado no Acórdão deste TCAN nº 01105/04.4BEVIS, de 08-05-2008:
I. O princípio da justiça [artigos 266º nº2 CRP e 6º CPA] funciona como limite à atuação discricionária da administração, sendo o ato injusto um ato ilegal [artigo 135º CPA], porque violador desse princípio estruturante da conduta de todos os entes públicos;
II. É injusta a decisão administrativa que faz recair sobre o particular os efeitos nocivos de uma anterior conduta pública ilegal, pois trata-se de lhe impor um sacrifício infundado, que surge como desnecessário, resultante de um errado exercício de poder;
III. Quando isso acontece, impõe-se à administração que procure reparar a injustiça decorrente da ilegalidade, devendo fazê-lo tanto quanto lhe permita a fronteira da legalidade a que está sujeita [artigos 266º nº2 CRP e 3º CPA]. Neste caso, a legalidade surge como autêntico instrumento de justiça, e o seu uso, caso se trate do exercício de um poder discricionário, impõe-se, por via direta, do princípio da justiça (...)”

O que aqui está pois em causa é singelamente a reparação de uma injustiça, decorrente de uma omissão de prestação de informação, a qual deverá reparada dentro das fronteiras da legalidade e atenta a circunstância já sublinhada de a entidade aqui demandada ser apenas a CGA.

Assim, e se é certo que o militar paraquedista reunia à data em que lhe foi calculada a pensão, condições que lhe permitiriam auferir a sua pensão tendo em conta a sua situação no ativo, em que recebia, designadamente, o suplemento remuneratório correspondente à “gratificação de paraquedista”, o que é facto é que essa informação não foi transmitida à CGA, sendo que a mesma não é de conhecimento oficioso.

Acresce que, tendo a referida omissão sido do próprio Exército que aqui não é parte, e uma vez que à CGA não poderão ser imputadas responsabilidades de entidades diversas, ainda que de natureza pública, aquela só será responsável pela reposição do valor devido pela Pensão, a partir do momento em que tal necessidade lhe foi comunicada (Janeiro de 2016).

Em face de tudo quanto precedentemente ficou expendido, julgar-se-á parcialmente procedente o Recurso Subordinado, determinando-se que a CGA proceda à correção do valor da Pensão do militar paraquedista a partir do mês seguinte àquele em que foi notificada da necessidade de incluir no valor da pensão o quantitativo correspondente à gratificação de paraquedista no ativo (Fevereiro de 2016), nos termos do Art. 58.º, n.º 2 e art. 102.º, do E.A.

V - Decisão
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, acordam:
a) Negar provimento ao Recurso Independente;
b) Julgar parcialmente procedente o Recurso Subordinado, determinando-se que a CGA proceda à correção do Valor da Pensão, incluindo-se na mesma o valor da gratificação de paraquedista, desde fevereiro de 2016, acrescida dos correspondentes juros moratórios.

Custas nesta instância pelo Recorrente/CGA (3/4) e Recorrente Subordinado (1/4)

Porto, 17 de abril de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa