Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00130/16.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/01/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE ACTO ADMINISTRATIVO;
ARTIGO 120º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS COM A REDACÇÃO DADA PELO DECRETO-LEI N.º 214-G/2015, DE 2 DE OUTUBRO; FUMUS BONI IURIS; INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO CAUTELAR; PERDA DE COMPLEMENTO REMUNERATÓRIO
Sumário:1. No artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro (que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2015, nos termos do n.º1 do artigo 15º deste diploma), deixou de existir a possibilidade de decretar uma providência cautelar com base na evidência da procedência da acção principal, prescindindo-se dos demais requisitos, assim como a distinção entre providências conservatórias e antecipatórias, exigindo-se em ambas a demonstração do fumus boni iuris, ou seja, da probabilidade de procedência da acção principal.

2. Invocando o requerente apenas vícios de forma em relação ao acto impugnado que o retirou dos serviços de investigação criminal da PSP, em concreto, o vício de falta de fundamentação e de falta de audiência prévia, apenas poderá obter com a decisão judicial do processo principal a prolação de uma decisão administrativa devidamente fundamentada e depois de ser assegurada a audiência prévia, mas não já uma decisão de recolocação na investigação criminal, dada a larga margem de discricionariedade de que goza a Administração na avaliação e integração jurídica da conduta do autor, com vista a decidir pela sua reintegração naquele serviço ou na manutenção do afastamento.

3. O requerente não pode obter no processo cautelar mais do que pode obter no processo principal, dada a instrumentalidade daquele em relação a este, pelo que não poderá obter a título cautelar a manutenção no serviço de investigação criminal, do que resulta não ser facto consumado que se possa evitar pela decisão cautelar o afastamento daquele serviço e a perda do complemento remuneratório que lhe corresponde, sendo, de resto, a diferença remuneratória pela perda desse complemento, no valor mensal de 75,44 euros, facilmente indemnizável.

4. Estando em causa, além da difícil relação do requerente, agente da PSP, com os colegas, o processo-crime de que é alvo, por abuso de poder e procuradoria ilícita, de que foi acusado nesse processo, manifestamente se justifica não suspender a execução do acto, na ponderação da lesão do interesse público e do interesse do requerente.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério da Administração Interna
Recorrido 1:JMBV
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Ministério da Administração Interna veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 27 de Abril de 2016, pela qual foi julgada procedente a providência cautelar intentada por JMBV com vista a obter a suspensão do acto praticado pelo Comandante Distrital de Viana do Castelo, da Polícia de Segurança Pública, comunicado na Ordem de Serviço n.º 48, de 27.11.2015 daquele Comando, do qual resultou a sua transferência, por conveniência de serviço, do Serviço de Investigação Criminal de Viana do Castelo para a Esquadra de Viana do Castelo, com efeitos reportados a 01 de Dezembro de 2015.

Invocou para tanto, em síntese, que o Tribunal não poderia ter decidido pelo decretamento da providência, incorrendo a sentença em erro de julgamento na apreciação dos critérios plasmados no artigo 120º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na sua actual redacção (e não na anterior, aplicada pela decisão recorrida) que, em consequência, violou.

O recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido, embora à luz do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos na sua actual redacção, aplicável ao caso.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª – O requerente, ora recorrido, nunca invocou, na petição inicial, como fundamento de direito, a violação dos preceitos contidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

2ª – Contudo, tendo em conta a matéria factual provada, concluiu a sentença que a situação posta a juízo encontra enquadramento e fundamento legal na alínea a) do n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cujos requisitos tem como verificados, por não se oferecerem dúvidas da evidente procedência da acção principal do requerente, tornando-se então, por isso, desnecessária a apreciação dos demais pressupostos processuais invocados pelo requerente.

3ª – E, assim sendo, não haveria que provar, na perspectiva do Tribunal a quo, a existência de um fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou de difícil reparação de danos, nem de ponderar os eventuais prejuízos que a concessão pudesse vir a causar ao interesse público.

4ª – Acontece que o direito aplicado na douta sentença não é o direito aplicável in casu como aliás resulta da contestação do réu, aqui recorrente.

5ª – Com efeito, em 15 de Janeiro de 2016, data da interposição da providência em juízo, o n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos já não integrava qualquer alínea, nem obviamente a alínea a) transcrita na sentença recorrida, por força da alteração da sua redacção operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, que entrou e, vigor após a sua publicação.

6ª – A nova redacção do n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos passou a ter a seguinte redacção:

“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”

7ª – Por outro lado, o n.º 2 da nova redacção do artigo 120º prevê expressamente que a adopção da providência deva ser recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e provados em presença, os danos que resultariam da sua concessão, se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recursa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

8ª – Ao aplicar, erradamente, as normas da alínea a) do n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na sua anterior redacção, a sentença recorrida violou as normas do n.º 1 deste artigo 120º na sua actual redacção que, obviamente, deveriam ter sido aplicadas, em vez daquelas.

9ª – Uma simples leitura do actual artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos mostra que a lei exige agora a verificação cumulativa dos três requisitos ali expressamente prescritos para que a providência seja decretada, longe da formulação consignada na alínea a) do n.º 1 do referido artigo 120º que já não se encontrava em vigor na data em que a providência foi interposta.

10ª - E releva também, a lei, a ponderação de interesses em jogo, no n.2 do citado artigo 120º para uma decisão ajustada ao caso concreto, considerando os danos numa hierarquia de valores.

11ª – Importaria, então, que, na aplicação do direito efectivamente aplicável, o Tribunal a quo considerando a matéria alegada pelas partes, ajuizasse de acordo com os normativos do n.º1 e do n.º2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos na sua actual redacção, o que não fez, violando tais normas.

12ª – E neste âmbito, impor-se-ia, como se impõe, o indeferimento do pedido de suspensão da eficácia do acto questionado por não se verificarem os requisitos legais previstos no artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na sua actual redacção, para que a providência seja adoptada.

13ª – Com efeito, perante os factos efectivamente ocorridos e alegados pelo requerente, não pode haver fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, uma vez que sempre será possível reconstituir a situação anterior perante a eventual invalidade do acto.

14ª - De igual modo, não pode haver fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal, porquanto os prejuízos alegados correspondentes à diferença entre os valores dos suplementos, no total de 75,44 euros mensais seriam naturalmente indemnizáveis.

15ª - É que, impugnado, o acto em causa e sendo este anulado, todos os efeitos se reportam à data da sua emissão, devendo reconstituir-se a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, não se verificando, assim, os requisitos previstos na primeira parte do n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

16ª – Também não se verifica o requisito previsto na última parte do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, segundo o qual se requer um juízo de probabilidade de procedência relativamente à pretensão que o requerente venha a formular na acção principal.

17ª - Perante a factualidade constante da Informação de Serviço, do Comandante da Esquadra de Investigação Criminal, e a proposta de transferência constante do seu n.º 12, que fundamentaram a transferência do requerente, o grave prejuízo para o interesse público que adviria da sua manutenção, no serviço anterior, traduz um claro estado de necessidade a transferência que se configura como excepção à obrigatoriedade de formulação de um procedimento administrativo específico e à audiência prévia do requerente.

18ª – Daí que se opere, no caso dos autos, a nulidade do acto impugnado prevista no artigo 161º, n.º2, alínea l) do Código de Procedimento Administrativo, nem a anulabilidade, considerando que o acto questionado teria sido praticado com o mesmo conteúdo, degradando-se, por isso, a audiência do interessado in casu, em formalidade não essencial, não se produzindo o efeito anulatório (artigo 163º, n.º5, alínea c) do Código de Procedimento Administrativo).

19ª – Não se verifica, em suma, nenhum dos requisitos no artigo 120º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e muito menos a verificação cumulativa dos três requisitos ali expressamente prescritos.

20ª – Acresce que os danos que resultariam da concessão da providência sempre se mostrariam superiores àqueles que poderiam eventualmente resultar da sua recusa, com grave prejuízo para o interesse público, como decorre da matéria dos n.ºs 6 a 12 da informação de Serviço que serviu de fundamento ao despacho de 23.11.2015, do Comandante do Comando de Viana do Castelo (artigo 120º, n.º2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

21ª – Assim, o Tribunal não pode ria ter decidido pelo decretamento da providência, incorrendo a sentença em erro de julgamento na apreciação dos critérios plasmados no artigo 120º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que, em consequência, violou.

22ª – Tratando-se de uma providência conservatória, não se verificam os critérios cumulativos previstos no n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nem forma ponderados os interesses em presença, nos termos do nº2 do mesmo artigo, motivo por que deve o presente recurso ser julgado procedente, com revogação da sentença recorrida e indeferimento da providência requerida.


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II – Matéria de facto.

Deram-se como indiciariamente provados os seguintes factos na sentença recorrida, sem preparos nesta parte:

1) O requerente é trabalhador da Polícia de Segurança Pública, com a categoria profissional de agente principal (n.º 1…/1…), desempenhando as suas funções no Comando Distrital da PSP de Viana do Castelo, sito na Rua… cidade de Viana do Castelo.

2) O autor, desde o ano de 2008, integra o quadro efectivo da esquadra de investigação criminal daquela Polícia – documento 1 junto com o requerimento inicial.

3) No exercício dessas funções, é da responsabilidade do autor a preparação e instrução de inquéritos-crime, a constituição de arguidos e seu posterior interrogatório, a inquirição de testemunhas, a realização de buscas e apreensões e a recolha de indícios e provas relevantes para o processo.

4) O autor está igualmente afecto ao cumprimento de cartas precatórias e ao contacto, regular e permanente, com os tribunais e órgãos de polícia criminal, com vista ao desenvolvimento da investigação e ao apuramento da verdade material nos processos que lhe estão atribuídos.

5) O autor sempre foi um profissional responsável e dedicado ao serviço.

6) Em 02.11.2015, o Comandante da Esquadra de Investigação Criminal de Viana do Castelo, elaborou informação de serviço, solicitando a transferência do Agente Principal M/1… – JMBV, a qual tem o teor constante do documento de fls. 62 a 65 do suporte físico dos autos e que aqui se têm por integralmente reproduzidas, da qual consta, o seguinte:

(texto em imagem que aqui se dá por reproduzido).

7) Sobre a Informação datada de 02.11.2015, foi proferido despacho datado de 23.11.2015, com o seguinte teor:

“À SRH.// Publique-se na próxima ordem de serviço, a colocação, por conveniência de serviço, do Agente Principal JMBV, na Esquadra de Viana do Castelo, com efeitos a 01 de Dezembro de 2015”.

8) Através da Ordem de Serviço n.º 48 de 27.11.2015, do Comando Distrital de Viana do Castelo, foi comunicado, no que aqui mais releva, “que o Agente Principal nº 146/135516, JMBV do efectivo da esquadra de Investigação Criminal, seja colocado, por conveniência de serviço, na Esquadra de Viana do Castelo, com efeitos reportados a 01 de Dezembro de 2015” – cfr. documento 2 junto com a Oposição do Ministério.

9) A Informação de Serviço datada de 02.11.2015, assim como o despacho de 23.11.2015 que sobre ela recaiu, foram notificados ao autor, por via de carta registada expedida a 04.022016 – cfr. documentos 5 e 6 juntos com a oposição;

10) O requerimento inicial foi remetido a este Tribunal, por correio registado, em 15.01.2016 – cfr. fls. 32 do suporte físico dos autos.


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III - Enquadramento jurídico.


1. A lei aplicável. O periculum in mora.

Antes de mais importa referir que, tal como reconhece o recorrido, a norma aplicável ao caso é a do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2015, nos termos do n.º1 do artigo 15º deste diploma, ou seja, antes de intentada a presente providência.

Dispõe agora o n.º1 deste artigo:

“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.

Deixou, portanto, de existir o critério da evidência que permitia decretar, só por si, a providência requerida.

Há que averiguar agora, desde logo, a existência do periculum in mora, a constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.

Em particular quanto ao requisito do periculum in mora, refere Mário Aroso de Almeida O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, 4ª edição revista e actualizada, pág. 260 “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade.

Continua este autor a referir que a providência deve também ser concedida, “sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (...) quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”.

Por seu lado quanto a esta questão, refere Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa 4º ed. p. 298, que:

“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.

Analisando a nossa situação concreta verificamos que quanto às diferenças remuneratórias, se traduzem num decréscimo do valor mensal de 75,44 euros o que, à míngua de outros elementos e na falta de qualquer invocação nesse sentido, não traduz uma diminuição minimamente significativa no rendimento do requerente e, por isso, sempre seria facilmente indemnizável, pelo respectivo pagamento, sendo certo que a retribuição eliminada, o suplemento de investigação criminal, não tem sequer a natureza de retribuição permanente.

Em sentido idêntico e sobre este tema pronunciou-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05.05.2011, no processo 07484/11.

Temos apenas a situação de facto consumado, de o requerente deixar de exercer a actividade de investigação criminal até o processo principal estar decidido com trânsito em julgado.

Simplesmente:

O procedimento cautelar caracteriza-se pela sua instrumentalidade, (dependência da acção principal), provisoriedade (não está em causa a resolução definitiva de um litígio) e sumariedade (summaria cognitio do caso através de um procedimento simplificado e rápido (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, paginas 228 a 231).

No caso concreto o requerente imputa ao acto em causa apenas vícios formais, inicialmente a falta de fundamentação, e depois a falta de audiência prévia.

No caso de proceder o julgado anulatório, ao contrário do que o requerente defende, a entidade demandada não está obrigada, em termos estritamente vinculados, a colocar o requerente no seu posto originário, o de investigação criminal.

Apenas está obrigada a praticar um acto expurgado dos vícios que o afectam, no caso, praticar um acto devidamente fundamentado e apenas depois de ouvir o autor sobre o projecto de decisão.

Decisão que poderá ser – ou não - de recolocação do requerente no seu posto originário.

Isto sendo certo que o acto a praticar, porque envolve uma larga margem de discricionariedade no apuramento, na apreciação e na integração jurídica da conduta do visado e da conveniência para o serviço, não se circunscreve a uma única solução legalmente possível.

Como no processo cautelar o requerente não pode obter mais do que poderá obter no processo principal, dada a instrumentalidade daquele face a este, não poderá aqui obter o efeito de se manter no posto originário, paralisando o acto praticado.

Termos em que por esta via improcede logo o pedido cautelar, ao contrário do decidido.

2. O requisito do fumus boni iuris (a aparência do bom direito).

Tendo em conta os termos do recurso jurisdicional e da sentença recorrida e porque sempre é preferível conhecer em excesso do que a menos, importa prosseguir na análise dos restantes requisitos enunciados na decisão recorrida.

A segunda parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015) determina:

“ … e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”

Deixou assim de existir a distinção (existente na anterior redacção do preceito) entre providências conservatórias, como a suspensão da eficácia do acto, e providências antecipatórias, sendo agora o grau exigido de probabilidade de êxito da acção principal, o mesmo para todo o tipo de providências.

Face ao teor deste preceito é necessário, além do mais, para o decretamento de uma providência cautelar, que seja “provável que a pretensão formulada ou a formular no processos principal venha a ser julgada procedente para que uma providência antecipatória possa ser concedida. Como, neste domínio, o requerente pretende, ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da sua pretensão deduzida no processo principal” – Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, página 609.

Dos vícios invocados, de falta de fundamentação e de falta de audiência prévia, apenas este último se mostra de muito provável êxito, sendo que em relação ao primeiro, dada a sua discutibilidade, apenas se poderá ter por não manifestamente infundado.

Na verdade não se discute que se omitiu a audiência prévia e que esta no caso não poderia ter sido dispensada.

Apenas se afirma que se degradou em formalidade não essencial quando que se puder concluir que a Administração não podia ter decidido de outro modo, dentro dos limites da legalidade, ou seja, no caso de actos estritamente vinculados (veja-se neste sentido, bem como a doutrina e a jurisprudência aí citadas, o acórdão do Tribunal Central Administrativo de 05.06.2003, no processo 05516/01, e o acórdão do Tribunal do Tribunal Central Administrativo Norte de 19.12.2014, no processo 02841/12.7 PRT).

Pelo que este requisito se teria por verificado, o que só por si não bastaria para proceder a providência dado não se verificar o primeiro requisito, o do periculum in mora e tendo em conta que os requisitos enunciados são, como é pacificamente aceite, cumulativos (neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 26.10.2012, no processo 01087/12.9 –A BRG e toda a jurisprudência aí citada).

3. A ponderação de interesses.

Estipula o n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015):

“Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”

Como nos diz Cármen Chinchilla Marín em “La tutela cautelar en la nueva justicia administrativa”, Civitas, Madrid, 1991, pág. 163: “… o interesse público há-de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia dos actos administrativos …”

Deste modo, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os outros prováveis prejuízos que se contrapõem é que se impõe a execução imediata do acto, indeferindo-se, por esse facto, o pedido de suspensão – acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2005, Proc. n.º 959/04.9BEVIS.

Neste caso os prejuízos invocados pela requerida, ora recorrente, de grave perturbação para o serviço, prevalecem sobre os interesses que o requerente, ora recorrido, vê atingidos.

Na verdade estando em causa, além da difícil relação com os colegas, o processo-crime de que o requerente é alvo, por abuso de poder e procuradoria ilícita, de que foi acusado nesse processo, manifestamente se justifica não suspender a execução do acto.

Pelo que também por esta via, ao contrário do decidido, se impõe indeferir o pedido cautelar.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

a) Revogam a decisão recorrida.

b) Indeferem o pedido de suspensão da eficácia.

Custas em ambas as instâncias pelo requerente, ora recorrido.


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Porto, 01 de Julho de 2016.
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro, (em substituição)