Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00412/12.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/05/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA, CADUCIDADE DO DIREITO DE REVISÃO VS CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO, SUJEITO PASSIVO MISTO, MÉTODO DE AFECTAÇÃO REAL, DEDUÇÃO DO IVA
Sumário:I - Vigora no ordenamento jurídico português o dever de a Administração proceder à revisão dos actos tributários, no prazo de quatro anos a contar da data da exigibilidade do imposto, sempre que detecte uma situação de cobrança ilegal de tributos, seja por excesso, seja por defeito.

II - Existe erro de direito, fundamento do pedido de revisão do acto tributário, se na autoliquidação do imposto foi deduzido menos imposto do que o devido, por incorrecta aplicação do método (designadamente, o método de dedução directa integral - o sistema de débitos directos - método de afectação real).

III - O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito, é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 91.º, n.º 2, actual artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA.

IV - Os prazos para a revisão do acto tributário e para o exercício do direito de liquidar contam-se de modo diferente, não havendo coincidência no dies a quo de cada um dos prazos:
O prazo de quatro anos para o sujeito passivo pedir a revisão (que é o mesmo em que a AT pode proceder à revisão) conta-se da liquidação.
O prazo de caducidade do direito à liquidação conta-se a partir da ocorrência do facto tributário ou – como sucede no caso do Imposto sobre o Valor Acrescentado – a partir do termo do ano em que este se verificou, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 45.º da LGT. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:B., S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

B., S.A., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (…), (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 15/07/2016, que julgou improcedente a acção administrativa especial que intentou contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, para impugnação do acto proferido em 02/11/2011, pelo Substituto Legal do Director-Geral dos Serviços do IVA que indeferiu parcialmente o pedido de revisão oficiosa de IVA relativamente ao período compreendido entre Janeiro e Novembro de 2005, efectuado ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, por ter sido apresentado após o decurso do prazo previsto naquela norma legal.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
1.ª A douta decisão recorrida julgou improcedente a ação administrativa especial deduzida pelo ora Recorrente contra o despacho proferido pelo Senhor Subdiretor Geral, o Exmo. Dr. J., em regime de substituição, no âmbito do Recurso Hierárquico n.º R0232010303/5877, apresentado contra o despacho de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa referente ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 2005 e 2006, notificado através do Ofício 002877, de 11.11.2007, da Direção de Serviços do IVA, Divisão de Administração II, na parte em que indeferiu a dedução do imposto suportado com referência ao período entre janeiro a novembro de 2005;
2.ª Não pode o Recorrente conformar-se com a sentença recorrida;
3.ª Isto porque, à luz da factualidade invocada nos autos e que não foi tida em devida consideração pelo Tribunal recorrido, assim como da interpretação que se deve efectuar daquelas disposições legais, o prazo de quatro anos para a revisão do presente ato tributário só teve o seu início com a submissão da declaração periódica de IVA referente a dezembro de 2005;
4.ª Com efeito, e desde logo, importa ter em consideração que, em resultado do apuramento do valor do IVA dedutível com referência ao ano de 2005, nos termos do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, o Autor, ora Recorrente, apurou um pro rata definitivo de 5%, o qual consta das declarações periódicas do mês de dezembro do referido ano e foi aplicado com referência a todo o IVA passível de dedução, com exceção das áreas abrangidas pelo método da afetação real (facto dado como assente na decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa que integra as fls. 70 e seguintes do SITAF e na Informação que serviu de suporte à decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico e que integra as fls. 23 e ss. do SITAF);
5.ª Foi em consequência de uma revisão de procedimentos, que abrangeu o ano de 2005, que o Recorrente identificou uma situação adicional que preenche os pressupostos de aplicação do método de dedução direta integral, qual seja, o sistema de débitos diretos (“SDD”), tendo deduzido apenas 5% do IVA incorrido nos referidos inputs, quando tinha direito a deduzir a totalidade do IVA em causa (facto dado como assente na decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa que integra as fls. 70 e seguintes do SITAF e na Informação que serviu de suporte à decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico e que integra as fls. 23 e ss. do SITAF);
6.ª Em face do supra exposto, os referidos factos deveriam, para todos os efeitos, ter sido relevados como factos provados na decisão sub judice, atenta a manifesta relevância dos mesmos para a boa decisão da causa, pelo que, não o tendo sido, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento por insuficiência da matéria de facto, devendo, por conseguinte, ser anulada;
7.ª Deste modo, e para os devidos efeitos, não pode o Recorrente deixar de impugnar os pontos do probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, na medida em que, concomitantemente com os factos ali descritos, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
a. O Autor, ora Recorrente, apurou um pro rata definitivo de 5%, o qual consta das declarações periódicas do mês de dezembro do referido ano e foi aplicado com referência a todo o IVA passível de dedução, com exceção das áreas abrangidas pelo método da afetação real (facto dado como assente na decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa que integra as fls. 70 e seguintes do SITAF e na Informação que serviu de suporte à decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico e que integra as fls. 23 e ss. do SITAF);
b. Entretanto, em consequência de uma revisão de procedimentos, que abrangeu o ano de 2005, o Recorrente identificou uma situação adicional que preenche os pressupostos de aplicação do método de dedução direta integral, qual seja, o sistema de débitos diretos (“SDD”) (facto dado como assente na decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa que integra as fls. 70 e seguintes do SITAF e na Informação que serviu de suporte à decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico e que integra as fls. 23 e ss. do SITAF);
c. Efetivamente, com referência a esta situação específica, o Recorrente deduziu apenas 5% do IVA incorrido nos referidos inputs, quando tinha direito a deduzir a totalidade do IVA em causa (facto dado como assente na decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa que integra as fls. 70 e seguintes do SITAF e na Informação que serviu de suporte à decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico e que integra as fls. 23 e ss. do SITAF);
d. Assim, o Recorrente suportou em excesso o diferencial de 95% do valor do IVA relativo a estes encargos, situação que configura, na prática, a entrega de prestação tributária em valor superior ao devido (facto dado como assente na decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa que integra as fls. 70 e seguintes do SITAF e na Informação que serviu de suporte à decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico e que integra as fls. 23 e ss. do SITAF);
e. Deste modo, o Recorrente tinha direito a deduzir IVA, com referência ao ano de 2005, no montante de € 46.265,89, correspondente à diferença entre o valor do IVA que foi efetivamente deduzido, na proporção do pro rata de 5% (assente no pressuposto erróneo de se tratarem de custos comuns / de utilização mista), e aquele que, face ao n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA devia ter sido deduzido (100%), por se tratarem de custos/encargos exclusivamente imputáveis às operações de cobrança automática, sujeitas e tributadas em IVA nos termos gerais (facto dado como assente na decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa que integra as fls. 70 e seguintes do SITAF e na Informação que serviu de suporte à decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico e que integra as fls. 23 e ss. do SITAF), conforme melhor se demonstra no quadro infra:
Encargos
Encargos com SDD Período Base tributável IVA incorrido pro rata IVA deduzido pro rata IVA a deduzir
Tarifa paga à SIBS por número de registos
Comunicados 2005 242.086,00 € 48.700,94€ 5% 2.435,05 € 46.265,89 €
Total 242.086,00 € 48.700,94 € 2.435,05 € 46.265,89 €

8.ª De igual modo, e para os devidos efeitos, dá-se como impugnada a matéria de facto não provada na parte em que se consideraram implicitamente como não provados os factos acima indicados;
9.ª Pelo que, em suma, deverão ser relevados como factos provados todos os supra evidenciados e, em conformidade com o exposto, ser proferida uma nova decisão que julgue a ação administrativa especial deduzida pelo Recorrente procedente;
10.ª Acresce que, admitindo-se que de acordo com o entendimento desse Ilustre Tribunal não constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão proferida e que permitam a esse Ilustre Tribunal a reapreciação da matéria de facto, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto, por força do disposto no artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT;
11.ª Tendo presente a factualidade acima exposta, resulta evidente o erro de julgamento de direito em que também incorreu, com o devido respeito, o Tribunal recorrido;
12.ª Com efeito, a aferição da medida de IVA dedutível no caso de sujeitos passivos “mistos” é realizada numa base anual, com referência a 31 de dezembro (cfr. artigo 23.º, n.º 6 do Código do IVA), isto é, a dedução do IVA incorrido é efetuada com base em critérios provisórios e apenas, no final de cada ano, perante a consolidação dos dados relevantes (a 31 de Dezembro) quanto aos métodos de dedução utilizados, se corrige ou ajusta o IVA efetivamente dedutível na declaração referente ao mês de dezembro do ano a que se reportam as operações (como é, aliás o entendimento perfilhado pela administração tributária no ofício-circulado n.º 30103, de 23.04.2008);
13.ª Face ao exposto, é manifesto que o direito à dedução definitivo, no âmbito dos métodos de dedução aplicados aos recursos de utilização mista (i.e., utilizados, simultaneamente, em atividades que conferem o direito à dedução e em atividades que não conferem este mesmo direito), não pode deixar de se referir à regularização (ajustamento, a favor do sujeito passivo ou do Estado) anual que estes sujeitos passivos devem efetuar em dezembro (no caso dos sujeitos passivos enquadrados no regime mensal, como é o caso do Autor, ora Recorrente) de cada ano, face aos critérios definitivos de dedução a aplicar (determinados, quer pelo método do pro rata, quer pelo método da afetação real);
14.ª Deste modo, o termo inicial da contagem do prazo de 4 (quatro) anos, para efeitos da apresentação da revisão oficiosa do ato de autoliquidação do IVA, não pode deixar de ter em consideração que, nestes casos particulares, a dedução definitiva ocorre numa base anual que só é ajustada em dezembro;
15.ª Neste sentido, refere João Canelhas Duro que a referida norma assume “(…) uma provisoriedade global da dedução relativa a bens mistos até à apresentação da última declaração periódica do ano, a qual constituirá a opção definitiva” (cf. Cadernos IVA 2015, “Dedução de IVA, Regularizações e revisão da autoliquidação”, pp. 346, Editora Almedina), sendo que, relativamente à correção de erros no apuramento do pro rata de dedução, deve considerar-se admissível “(…) que o prazo se conte a partir da data da apresentação da declaração periódica prevista no n.º 6 do art.º 23.º. A este respeito, embora esta norma não tenha sido salvaguardada no n.º 5 do art.º 97.º, tal permissão será uma decorrência necessária do facto de se admitir a regularização dos erros no apuramento da percentagem de dedução nos termos do n.º 6 do art.º 23.º do CIVA” (cf. Cadernos IVA 2015, “Dedução de IVA, Regularizações e revisão da autoliquidação”, pp. 350, Editora Almedina);
16.ª Parece, pois, dever concluir-se que não é despicienda a contagem do prazo de quatro anos para a revisão do ato tributário com referência à declaração periódica submetida relativamente ao mês de dezembro;
17.ª A esta conclusão não obsta a invocação do artigo 91.º, n.º 2, do Código do IVA, na redação à data aplicável, efetuada na sentença recorrida, no sentido de que o prazo de quatro anos para a revisão do ato tributário se deve contar desde a data em que o imposto se tornou exigível, já que esta é uma interpretação que extravasa a letra e o alcance do artigo 78.º da LGT e que não pode servir como fundamento para negar provimento à pretensão do contribuinte;
18.ª Com efeito, o exercício do direito à dedução nos termos do artigo 91.º, n.º 2, do Código do IVA e a correção do ato tributário nos termos do artigo 78.º da LGT são institutos diferentes, prevendo a lei distintas formas de contagem do prazo de quatro anos neles previsto;
19.ª Se o artigo 91.º, n.º 2, do Código do IVA se refere ao exercício de um direito no prazo de quatro anos desde a exigibilidade do imposto (independentemente da sua liquidação), o artigo 78.º da LGT reporta-se à correção do apuramento entre o IVA liquidado e o IVA deduzido e tem o seu início com a liquidação do imposto (independentemente da sua exigibilidade);
20.ª Ora, se o que está em causa nos autos é uma correção a um ato tributário, e não o exercício do direito à dedução, resulta evidente o erro em que incorreu o Tribunal recorrido na aplicação do disposto no artigo 91.º, n.º 2, do Código do IVA, na redação à data aplicável;
21.ª De facto, a própria administração tributária salienta a diferença entre exercício do direito à dedução e regularização/correção do imposto, no ofício-circulado n.º 30.082/2005, de 17 de novembro, da Direção de Serviços do IVA, esclarecendo que o critério diferenciador entre um e outro reside no facto de o primeiro respeitar a um documento ainda não registado e o segundo a um documento já registado;
22.ª Deste modo, e em face de todo o exposto, resulta evidente que o prazo para revisão do ato tributário sub judice só pode ter o seu início com referência à declaração periódica de dezembro de 2005, razão pela qual a revisão oficiosa deve julgar-se tempestiva com referência aos períodos de janeiro a novembro de 2005;
23.ª Resulta, pois, evidente o erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida, a qual deve ser anulada e substituída por outra que julgue procedente a ação administrativa especial, determinando a anulação das decisões de indeferimento sub judice e a condenação da administração tributária ao deferimento da pretensão do Recorrente;
24.ª Para além do exposto, importa apelar ainda a uma interpretação atualista do regime de caducidade, em matéria de IVA, em face da modificação legislativa operada pela redacção do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária com a Lei do Orçamento do Estado para 2003, através da qual o cômputo mensal da caducidade para efeito de IVA foi transformado para uma contagem anual, à semelhança do que então já ocorria com os impostos periódicos;
25.ª Ora, se assim fosse, implicaria que não seriam passíveis de correção/ajustamento os mesmos períodos de impostos, consoante estivéssemos a falar da administração tributária e dos sujeitos passivos;
26.ª Esta disparidade é ainda menos compreensível, tendo em conta a desigualdade de “armas” e a situação não paritária dos contribuintes versus administração tributária que surge investida de poderes de autoridade;
27.ª De facto, importa ter presente que, embora o IVA seja um imposto cuja incidência, facto gerador e exigibilidade são típicos dos impostos sobre o consumo, a sua liquidação e pagamento aproximam-no mais de um imposto sobre o rendimento ou sobre o património;
28.ª Foi esta circunstância que motivou a alteração constante do n.º 4 do artigo 45.º da LGT, através da qual se pretendeu “(…) reforçar a dimensão periódica do IVA, centrando as obrigações dos sujeitos passivos e a intervenção da administração tributária em torno de prazos certos, com base nos quais se possa construir uma relação mútua de confiança” (cf. Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2016, “A Caducidade do direito à liquidação do IVA”, Editora Almedina, pp. 361);
29.ª Em face do exposto, entende o Recorrente que as razões que motivaram esta alteração não poderão deixar de subjazer à interpretação que deve ser efetuada em matéria de contagem do prazo para a revisão do ato tributário sub judice;
30.ª Com efeito, tendo presente a anualidade em que assenta a dedução definitiva do IVA no caso dos sujeitos passivos mistos, existem razões mais do que suficientes para transpor este entendimento para o caso sub judice, contando-se o prazo de 4 anos para a revisão do ato tributário com referência à submissão da declaração periódica de dezembro de 2005;
31.ª Assim, ficou demonstrado de forma inequívoca que o pedido de revisão oficiosa dos atos tributários relativos aos períodos compreendidos entre janeiro a novembro de 2005 se apresenta tempestivo;
32.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, se impõe a revogação da decisão recorrida, a qual deve ser anulada e substituída por outra que julgue procedente a ação administrativa especial, determinando a anulação da decisão de indeferimento sub judice e a condenação da administração tributária ao deferimento da pretensão do Recorrente.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da decisão recorrida e, nessa medida, emitindo-se uma nova decisão que julgue a ação administrativa especial procedente nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”
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A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, sem que, contudo, tenha formulado conclusões nas mesmas.
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O Ministério Público junto deste Tribunal não se pronunciou sobre o mérito do recurso, no entendimento de que a relação jurídico-material controvertida não implica direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou valores constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais (artigo 9.º, n.º 2, 85.º, n.º 2 e 146.º, n.º 1 do CPTA).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida errou no julgamento de facto e de direito ao decidir que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado após o decurso do prazo previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“É a seguinte a matéria de facto assente com relevância para a decisão da causa, por ordem lógica e cronológica:
A. Para efeitos de IVA, a autora encontra-se enquadrada no regime geral mensal – cfr. fls. 73 do processo físico.
B. A autora suportou IVA com referência ao Sistema de Débitos Directos nos períodos de tributação compreendidos entre Janeiro e Novembro de 2005 – facto admitido por acordo.
C. Em 31.12.2009, a autora remeteu, via correio registado, pedido de revisão oficiosa da autoliquidação e pagamento do IVA efectuado em excesso nas declarações periódicas deste imposto relativas aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2005 e 2006, no valor de € 101.048,33 - cfr. doc. 2 junto com a p.i..
D. Em 16.04.2010, em sede de apreciação do pedido que antecede, os Serviços de Inspecção Tributária elaboraram “Informação” com o seguinte teor – cfr. fls. 70 e ss. do SITAF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

E. Em 26.05.2010, pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária foi elaborada “Informação” relativamente ao pedido que antecede com o seguinte teor – cfr. fls. 66 e ss. do SITAF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

F. Em 09.06.2010, sobre a “Informação” que antecede recaiu despacho de concordância do Director de Serviços de Inspecção Tributária – cfr. fls. 65 do SITAF.
G. A impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão que antecede – cfr. doc. 3 junto com a p.i.
H. Em 08.09.2011, no âmbito do recurso hierárquico interposto pela autora, pela Direcção de Serviços do IVA foi elaborada “Informação” com o seguinte teor – cfr. fls. 23 e ss. do SITAF:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

I. A autora foi notificada para exercer o direito de audição prévia – cfr. fls. 21 do SITAF.
J. Em 21.10.2011, no âmbito do recurso hierárquico interposto pela autora, pela Direcção de Serviços do IVA foi elaborada “Informação” com o seguinte teor – cfr. fls. 21 e ss. do SITAF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
K. Em 02.11.2011, pelo Substituto Legal do Director-Geral dos Serviços do IVA foi indeferido parcialmente o pedido de revisão oficiosa de IVA relativamente ao período compreendido entre Janeiro e Novembro de 2005, efectuado ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, nos termos da informação que antecede – cfr. fls. 20 do SITAF.
L. Em 13.02.2012, foi remetida a este Tribunal, via site, a p.i. que deu origem aos presentes autos – cfr. fls. 2 do processo físico.
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos, com relevância para a decisão da causa.
Motivação:
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como assentes tendo por base os documentos juntos aos autos, os quais não foram objecto de impugnação, bem como o posicionamento das partes, assumido nos respectivos articulados.”
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2. O Direito

No presente recurso, a Recorrente volta a insistir na tese preconizada na sua petição inicial que:
(i) A aferição da medida de IVA dedutível no caso de sujeitos passivos “mistos” é realizada numa base anual, com referência a 31 de Dezembro, pelo que a dedução do IVA incorrido é efectuada com base em critérios provisórios e apenas, no final de cada ano, perante a consolidação dos dados relevantes (a 31 de Dezembro) quanto aos métodos de dedução utilizados, se corrige ou ajusta o IVA efectivamente dedutível na declaração referente ao mês de Dezembro do ano a que se reportam as operações, o que resulta do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, com o que a contagem do prazo de 4 anos deve considerar que, nestes casos particulares, a dedução definitiva ocorre numa base anual ajustada em Dezembro;
(ii) A Lei do Orçamento do Estado para 2003 alterou a redacção do n.º 4 do artigo 45.º da LGT no sentido do cômputo mensal da caducidade para efeito de IVA ter sido transformado para uma contagem anual, à semelhança do que já acontecia com os impostos periódicos.
O Recorrido também reitera que o pedido de revisão oficiosa tem de ser exercido no prazo de 4 anos a contar da autoliquidação do imposto, nos termos do artigo 78.º da LGT, a qual, no caso, ocorreu ao longo de todos os períodos de imposto do ano de 2005, e não só no final do referido ano, pelo que quando a Recorrente formulou o pedido de revisão oficiosa, em 31/12/2009, só a autoliquidação relativa ao mês de Dezembro desse mesmo ano é que ainda era passível de ser revista, não sendo aplicável o disposto no artigo 45.º da LGT.
A sentença recorrida, contra a qual se insurge a Recorrente, tem o seguinte teor:
« (…) Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, na redacção aplicável ao caso, “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.” Para o efeito, considera-se imputável aos serviços o erro na autoliquidação – cfr. n.º 2 do mesmo artigo.
Por sua vez, dispõe o n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA, na redacção aplicável ao caso, que “(…) o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só poderá ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.”
Finalmente, o direito à dedução do imposto nasce no momento em que o imposto se torna exigível – cfr. artigos 7.º, 8.º e 22.º do Código do IVA.
Das normas legais enunciadas resulta, assim, que, em caso de erro na autoliquidação é possível a revisão do acto no prazo de quatro anos após o momento em que o imposto se torna exigível ou em que é pago em excesso.
Resulta da matéria assente que, para efeitos de IVA, a autora se encontra enquadrada no regime geral mensal, tendo suportado IVA com referência ao Sistema de Débitos Directos nos períodos de tributação compreendidos entre Janeiro e Novembro de 2005 e tendo pedido, em 31.12.2009, a revisão oficiosa da autoliquidação e pagamento do IVA efectuado em excesso nas declarações periódicas deste imposto relativas aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2005 e 2006, no valor de € 101.048,33.
Subsumindo a factualidade em causa ao quadro jurídico aplicável e acima referenciado, não há dúvidas de que, relativamente ao IVA pago nos períodos de tributação compreendidos entre Janeiro e Novembro de 2005, à data do pedido de revisão – 31.12.2009 – já havia decorrido o prazo de quatro anos para o efeito. Na verdade, como vimos, o termo inicial de tal prazo coincide com o pagamento do imposto a mais ou com a sua exigibilidade.
No enquadramento legal exposto, não tem cabimento a tese da autora no sentido de que tal prazo se deve contar de Dezembro pois que, como a própria admite, a dedução do IVA é feita mensalmente – ainda que com base em critérios provisórios – e no final de cada ano apenas ocorrem correcções ou ajustamentos do IVA efectivamente dedutível. Ora, resultando da letra da lei com clareza que o termo inicial do prazo de 4 anos coincide com o pagamento do imposto a mais ou com a sua exigibilidade, não tem o mínimo de correspondência com o seu texto a interpretação da autora no sentido de que substituir o pagamento do imposto pelo ajustamento do mesmo para efeitos de determinação do termo inicial do prazo.
Por outro lado, também não tem cabimento defender a contagem anual deste prazo com base na norma do artigo 45.º, n.º 3, da LGT, como o faz a autora, pois que essa interpretação contraria frontalmente a letra das normas citadas, aplicáveis expressa e explicitamente à contagem do prazo de revisão da autoliquidação.
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, improcede o pedido da autora. (…)»

Não acolhemos a ideia da Recorrente de que o prazo de quatro anos para o sujeito passivo pedir a “revisão oficiosa” ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e o prazo para o exercício do direito à liquidação seriam os mesmos ou, pelo menos, deveriam contar-se nos mesmos termos.
A Recorrente labora em erro ao considerar que o prazo de revisão de uma liquidação deve contar-se nos mesmos termos do prazo para exercício do direito à liquidação, sendo falacioso o argumento, que é recorrente apontar, de que, a não ser assim, a AT poderia proceder à correcção a seu favor em momento em que o sujeito passivo já não podia pedir a revisão, em violação da «igualdade de armas» entre a AT e os sujeitos passivos prosseguida pela legislação tributária.
Desde logo, há que ter em conta que enquanto o prazo da caducidade do direito à liquidação se conta a partir da ocorrência do facto tributário ou – como sucede no caso do Imposto sobre o Valor Acrescentado, de que ora nos ocupamos – a partir do termo do ano em que este se verificou, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 45.º da LGT, o prazo para o sujeito passivo pedir a revisão (que é o mesmo em que a AT pode proceder à revisão) se conta da liquidação. Ou seja, não há coincidência no dies a quo de cada um dos prazos.
Aliás, nem faria sentido que se fizesse corresponder o prazo de revisão ao prazo de caducidade do direito à liquidação: basta pensar que se a liquidação fosse efectuada – leia-se, validamente notificada ao contribuinte (cfr. n.º 1 do artigo 45.º da LGT) – no último dia do prazo não restaria prazo algum para efectuar a revisão.
Por outro lado, também não colhe o entendimento de que «permitiria à Autoridade Tributária corrigir, a seu favor, erros para lá do período em que o contribuinte o poderia fazer». É certo que a AT poderá efectuar correcções a seu favor até ao termo do prazo da caducidade; mas, se o fizer, será através de uma liquidação adicional (Neste sentido, RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, pág. 204.) e, relativamente a esse acto, sempre poderá o sujeito passivo, no prazo de quatro anos a contar da data em que o mesmo ocorreu, pedir à AT que proceda à sua revisão (necessariamente a favor do sujeito passivo) – cfr., neste sentido, o Acórdão do STA, de 09/11/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1524/15.
Assim sendo, entendemos que a sentença recorrida não incorreu em qualquer erro de julgamento ao considerar intempestivo o pedido de revisão no que concerne aos actos de autoliquidação de Janeiro a Novembro de 2005, na medida em que se confirma que o prazo para pedir a revisão se conta da liquidação.
Não sofre dúvida que vigora no ordenamento jurídico português o dever de a Administração proceder à revisão dos actos tributários, sempre que detecte uma situação de cobrança ilegal de tributo. É que, ao contrário do acto jurisdicional, o acto tributário, uma vez praticado, não implica o esgotamento do poder que lhe deu causa; seja o seu autor, seja o superior hierárquico deste, podem sempre refazer ou desfazer a decisão tomada – cfr. Acórdão do STA, de 06/10/2005, proferido no âmbito do processo n.º 0653/05.
O procedimento de revisão do acto tributário pode constituir «meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos ou contenciosos (quando for usada em momento em que aqueles podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação)» - cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, anotada, Encontro da Escrita, 2012, p. 705.
Seja como meio alternativo, seja como meio complementar, o procedimento de revisão do acto tributário não pode deixar de ser visto como forma de correcção da tributação ilegal e injusta, actuando um dever de garantia da legalidade e da justiça, que recai sobre a Administração Fiscal. Mais se refere que «[o] “erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à administração, com a ressalva da situação de erro na autoliquidação que, para o efeito de acesso a este meio de defesa, é equiparado ao daquela primeira espécie» - cfr. Paulo Marques, A revisão do acto tributário, Cadernos IDEFF, n.º 19, Almedina, 2012, pp. 234/235.
A Recorrente é um sujeito passivo misto utilizando o método do pro rata de dedução e o método de afectação real relativamente a parte das operações que pratica no exercício da sua actividade.
A Recorrente identificou uma área da sua actividade sujeita a imposto onde é possível deduzir o imposto suportado a montante, utilizando o método da afectação real – o sistema de débitos directos. Contudo, a Recorrente não procedeu ao exercício do seu direito à dedução com base nas referidas regras, tendo vindo, posteriormente, com o pedido de revisão oficiosa em apreço, invocar o direito à dedução com fundamento em erro nas respectivas autoliquidações de imposto.
Como já fomos adiantando, esse pedido de revisão oficiosa, para se poder considerar tempestivo, tinha que ter sido formulado no prazo previsto no artigo 78.º da LGT, ou seja, in casu, no prazo de quatro anos a contar da autoliquidação do imposto:
Estabelece o artigo 78.º da LGT que: “1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.
3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.
7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.”
A autoliquidação do imposto ocorreu ao longo de todos os períodos do ano de 2005 e não só no final do referido ano, pelo que quando a Recorrente formulou o pedido de revisão oficiosa, em 31/12/2009, só a autoliquidação relativa ao mês de Dezembro de 2005 é que ainda era passível de ser revista. O mencionado prazo de quatro anos conta-se a partir da liquidação do imposto, no caso em apreço, a partir do alegado erro na autoliquidação.
Todavia, a Recorrente insiste que a aferição da medida de IVA dedutível no caso de sujeitos passivos “mistos” é realizada numa base anual, com referência a 31 de Dezembro (cfr. artigo 23.º, n.º 6 do Código do IVA), isto é, a dedução do IVA incorrido é efectuada com base em critérios provisórios e apenas, no final de cada ano, perante a consolidação dos dados relevantes (a 31 de Dezembro) quanto aos métodos de dedução utilizados, se corrige ou ajusta o IVA efectivamente dedutível na declaração referente ao mês de Dezembro do ano a que se reportam as operações.
Defende, portanto, a Recorrente ser manifesto que o direito à dedução definitivo, no âmbito dos métodos de dedução aplicados aos recursos de utilização mista (i.e., utilizados, simultaneamente, em actividades que conferem o direito à dedução e em actividades que não conferem este mesmo direito), não pode deixar de se referir à regularização (ajustamento, a favor do sujeito passivo ou do Estado) anual que estes sujeitos passivos devem efectuar em Dezembro (no caso dos sujeitos passivos enquadrados no regime mensal, como é o caso da ora Recorrente) de cada ano, face aos critérios definitivos de dedução a aplicar (determinados, quer pelo método do pro rata, quer pelo método da afectação real).
Deste modo, o termo inicial da contagem do prazo de 4 (quatro) anos, para efeitos da apresentação da revisão oficiosa do acto de autoliquidação do IVA, não pode deixar de ter em consideração que, nestes casos particulares, a dedução definitiva ocorre numa base anual que só é ajustada em Dezembro.
Portanto, a Recorrente pugna pela contagem do prazo a partir do ajustamento que se efectua em Dezembro e não a partir de cada autoliquidação mensal de IVA.
Desde logo, o recurso dirige-se à decisão da matéria de facto, que a Recorrente apelida de insuficiente para a decisão da causa, pretendendo a ampliação da factualidade que se mostra vertida na conclusão 7.ª, pontos a. a e.
Contudo, essa matéria, como a própria Recorrente o indica, já decorre da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa que integra as fls. 70 e seguintes do SITAF e da Informação que serviu de suporte à decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico e que integra as fls. 23 e seguintes do SITAF, cujo teor, no essencial, já se mostra vertido na decisão da matéria de facto – cfr. pontos D., E., F. H. e J.
Nesta conformidade, tal matéria já será, de todo o modo, considerada na decisão da causa e, concretamente, na análise do presente recurso.
Importa começar por esclarecer que, relativamente aos sujeitos passivos mistos, quando há oscilações entre o pro rata provisório e o definitivo, a que alude o n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, faz-se uma “regularização das deduções efectuadas”, na última declaração do ano a que respeita, no caso, na de Dezembro. Portanto, os ajustamentos a que se refere a Recorrente são estas regularizações de deduções já efectuadas, o que significa que a liquidação ocorreu no momento da entrega da declaração com a autoliquidação do IVA, sendo que o respectivo pagamento deve ser feito simultaneamente, nos termos previstos no artigo 26.º do Código de IVA, na redacção aplicável à data.
Todavia, na presente situação, a Recorrente entende que o erro se localiza nas operações onde haveria direito à dedução integral do IVA suportado, por utilização do método de afectação real (e não por uso do método da percentagem), não contendendo, pelo menos directamente, com a declaração onde se efectuam regularizações no final do ano.
É a própria Recorrente que apresenta o erro incorrido desta forma:
“Foi em consequência de uma revisão de procedimentos, que abrangeu o ano de 2005, que o Recorrente identificou uma situação adicional que preenche os pressupostos de aplicação do método de dedução direta integral, qual seja, o sistema de débitos diretos (“SDD”), tendo deduzido apenas 5% do IVA incorrido nos referidos inputs, quando tinha direito a deduzir a totalidade do IVA em causa.” – cfr. conclusão 5.ª das alegações de recurso.
Nestes termos, a correcção pretendida, por via do presente pedido de revisão oficiosa, é dirigida aos actos de autoliquidação dos períodos de imposto em que a Recorrente incorreu no tipo de inputs que indica. Em rigor, não se trata de regularizar a percentagem do pro rata provisório em função da percentagem do pro rata definitivo.
Efectivamente, o exercício do direito à dedução pretendido pela Recorrente, relativamente ao imposto que incidiu sobre os inputs afectos à realização de operações tributáveis, era o método de afectação real, o que inviabiliza qualquer correcção a efectuar na citada declaração periódica relativa ao mês de Dezembro de 2005. Nem tão-pouco esta regularização no final do ano consubstancia uma liquidação diferente, no sentido de autónoma, adicional ou reformatória.
Releva, nesta matéria, a delimitação dos conceitos de acto de anulação, de liquidação adicional e de reforma de actos tributários. Ora, como doutrina o Prof. Alberto Pinheiro Xavier, in Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, Coimbra, 1972, pág.127 e seg., a anulação é o acto pelo qual a Administração Fiscal revoga, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária superior à que decorre directamente da lei. A liquidação definitiva excessiva (ou infundada) padece de um vício em sentido próprio. Os seus efeitos cessam de se produzir mercê de um acto jurídico que os constata e que, consequentemente, os destrói retroactivamente. Por sua vez, o acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de uma omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida. Por último, a reforma do acto tributário verifica-se quando, por posterior variação da matéria colectável, a lei manda substituir a liquidação praticada, ainda que correctamente, com base na expressão daquela matéria ao tempo em que a Administração Fiscal a realizou. Ao contrário do que se passa na anulação e no acto tributário adicional não se verifica aqui um vício originário mas uma modificação superveniente do seu objecto - cfr. também Diogo Leite de Campos e Outros, in Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, 2012, pág.365 e seg.
Em face da dilucidação dos conceitos expostos, é nossa convicção que o ajustamento ou regularização das deduções já efectuadas não consubstancia uma nova autoliquidação; caso contrário, bastaria a lei prever somente essa autoliquidação (definitiva e única) a realizar no final do ano. Mas, mesmo que se entenda que substitui as anteriores efectuadas mensalmente, não podemos esquecer que a reforma tem efeito retroactivo, pelo que os seus efeitos se reportam à data em que aquelas autoliquidações mensais foram efectuadas – cfr. artigo 137.º, n.º 4 do CPA então em vigor.
Nesta conformidade, bem andou a sentença recorrida ao considerar dever ser em função da data de cada acto de autoliquidação, relativo a cada mês, que se deve aferir a tempestividade do pedido de revisão formulado. Em consonância com este entendimento foi realizado julgamento no Acórdão do STA, de 14/12/2011, proferido no âmbito do processo n.º 0366/11.
As regras relativas ao exercício do direito à dedução constantes do Código do IVA também apontam neste sentido, não podendo esquecer-se que a pretensão da Recorrente é corrigir as autoliquidações de imposto pelo facto de não ter efectuado a dedução integral do IVA a que tinha direito em cada efectivo período de imposto, no caso mensal.
As disposições do Código do IVA que chamamos à colação são os artigos 22.º e 91.º, n.º 2, que estabelecem o seguinte, nas redacções vigentes ao tempo em que ocorreram os factos dos autos:
– Artigo 22.º, n.º 2, do CIVA, na redacção dada pelo DL n.º 166/94, de 9 de Junho:
«Sem prejuízo da possibilidade de correcção prevista no artigo 71.º, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação».
– Artigo 91.º, n.º 2, na redacção dada pelo DL n.º 472/99, de 8 de Novembro:
«Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só poderá ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.»
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA, o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.
Foi neste contexto legal que se sumariou no Acórdão do STA, de 18/05/2011, proferido no âmbito do processo n.º 0966/10, o seguinte:
“I – Em regra, estabelecida no art. 22.º, n.º 1, do CIVA, a dedução de imposto deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, admitindo-se, no entanto, a possibilidade de correcções previstas no art. 71.º.
II – Assim, a dedução do imposto não pode ser efectuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.
III – O n.º 2 do art. 91.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efectuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efectuar em momentos diferentes dos indicados naquele art. 22.º. (realce nosso)
IV – Para além do art. 71.º, n.º 6, do CIVA, não existe qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam deste art. 22.º indicados, nos casos em que, por lapso efectuado na sua contabilidade, só detecte que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efectuar.”
Resta, por isso, reiterar a jurisprudência fixada no Acórdão do STA, de 28/06/2017, proferido no âmbito do processo n.º 01427/14, segundo a qual, «[o] prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA».
Pelo que o regime de preclusão aplicável ao presente caso corresponde ao prazo de quatro anos, previsto no preceito do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, a que corresponde o artigo 91.º, n.º 2 do Código do IVA, na redacção aplicável à data (prazo de revisão da autoliquidação).
Na situação em apreciação não é controvertido que o caso não se enquadra no denominado erro material ou de cálculo, mas diversamente no apelidado erro de direito, como no referido Acórdão do STA, de 28/06/2017, proferido no âmbito do processo n.º 01427/14. Relembramos que a Recorrente formulou pedido de revisão de matéria tributável em sede de IVA, uma vez que os seus serviços não haviam computado e feito a devida destrinça das diferentes actividades por si prestadas - umas sujeitas àquele imposto e outras não sujeitas.
Assim, como já ficou expresso supra, o pedido de revisão oficiosa do imposto é intempestivo, atento o disposto no artigo 78.º da LGT. Porém, mesmo que se admitisse a apreciação da pretensão da Recorrente, a mesma mostrava-se, desde logo, votada ao insucesso, conforme decidido no tribunal recorrido, dado que em 31/12/2009, data do pedido de revisão, já se encontravam ultrapassados todos os prazos para o exercício do direito à dedução – cfr. os artigos 22.º, 23.º e 91.º, n.º 2 do Código do IVA.
Efectivamente, o prazo máximo de quatro anos para exercer o direito à dedução do IVA já se mostrava ultrapassado quanto a todos os períodos de Janeiro a Novembro de 2005, cujo cômputo se conta a partir do momento em que o imposto dedutível se torna exigível – cfr. artigo 22.º, n.º 1 e n.º 2 do Código do IVA.
Pelo exposto, é forçoso negar provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida e julgar prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas.


Conclusões/Sumário

I - Vigora no ordenamento jurídico português o dever de a Administração proceder à revisão dos actos tributários, no prazo de quatro anos a contar da data da exigibilidade do imposto, sempre que detecte uma situação de cobrança ilegal de tributos, seja por excesso, seja por defeito.
II - Existe erro de direito, fundamento do pedido de revisão do acto tributário, se na autoliquidação do imposto foi deduzido menos imposto do que o devido, por incorrecta aplicação do método (designadamente, o método de dedução directa integral - o sistema de débitos directos - método de afectação real).
III - O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito, é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 91.º, n.º 2, actual artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA.
IV - Os prazos para a revisão do acto tributário e para o exercício do direito de liquidar contam-se de modo diferente, não havendo coincidência no dies a quo de cada um dos prazos:
O prazo de quatro anos para o sujeito passivo pedir a revisão (que é o mesmo em que a AT pode proceder à revisão) conta-se da liquidação.
O prazo de caducidade do direito à liquidação conta-se a partir da ocorrência do facto tributário ou – como sucede no caso do Imposto sobre o Valor Acrescentado – a partir do termo do ano em que este se verificou, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 45.º da LGT.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 05 de Março de 2020


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães