Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01058/10.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/30/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO; FUNDAMENTOS PROBATÓRIOS; FACTOS; JUÍZOS CONCLUSIVOS.
Sumário:1- A menor suficiência dos fundamentos probatórios invocados pelo recorrente que, na sua perspetiva, imporão o julgamento de facto diverso que propugna, não releva como requisito formal do ónus de impugnação do julgamento de facto, não determinando a rejeição do recurso quanto ao julgamento de facto impugnado em relação ao qual se verifica essa deficiente fundamentação do recurso de facto, mas apenas releva como parâmetro de reapreciação desse julgamento de facto pelo tribunal ad quem, exigindo da parte deste um menor grau de fundamentação na reapreciação desse julgamento de facto realizado pelo tribunal a quo.

2- O tribunal apenas pode julgar provados ou não provados “factos”, isto é, acontecimentos externos ou internos suscetíveis de serem percecionados pelos sentidos.

3- A expressão “sofreu danos morais e patrimoniais na sua vida pessoal e patrimonial” é insuscetível de ser julgada como provada ou não provada, por não integrar matéria fáctica, mas um mero juízo conclusivo e de direito.

4- O depoimento e as declarações de parte não confessórias ficam sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, mas salvo casos excecionais, esse depoimento ou declarações não podem suportar a prova dos factos quando desacompanhadas de outros elementos de prova que os confirmem, dado que os factos em julgamento são apenas relatados por quem tem interesse na causa e deles beneficia.

5- O tribunal ad quem deve abster-se de reapreciar o julgamento de facto realizado pelo tribunal a quo que vem impugnado pelo recorrente, julgando inútil essa apreciação, quando a matéria de facto impugnada, independentemente do resultado dessa impugnação, ponderadas as várias soluções de direito plausíveis suscetíveis de serem aplicadas ao caso concreto, é insuscetível de se projetar na decisão de mérito proferida, não implicando qualquer alteração dessa decisão de mérito, sob pena de estar a levar uma atividade processual que sabe, de antemão, ser inconsequente e inútil e, por isso, proibida por lei (art. 130º do CPC).*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte.
*
I - RELATÓRIO

1.1.J., residente na Rua (…), (…), instaurou ação administrativa comum para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, contra o ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 120.000,00 euros, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos, e a quantia de 59.500 euros, a título de danos patrimoniais, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.

Para tanto alega, em síntese, ter sido constituído arguido em 20 de junho de 2002, no âmbito do Processo-crime n.º 1043/06.2TAGDM, que correu termos pelo 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal de Gondomar, no qual prestou termo de identidade e residência em 20 de junho de 2002;
Em 26 em novembro de 2004 alterou a sua residência, tendo vindo a ser declarado contumaz, do que o seu defensor oficioso foi notificado.
Por sua iniciativa deslocou-se no dia 16.05.2007, ao Tribunal Judicial de Gondomar para prestar novo TIR;
Em 15 de junho de 2007 foi detido pela 6.ª esquadra da PSP, onde teve de prestar novo TIR;
Em 06 de julho de 2007 foi declarada cessada a contumácia por despacho da juíza do referido processo.
Apesar disso, a sua inscrição como contumaz continuou válida em vários processos;
Após requerimentos efetuados, obteve resposta por parte da Direcção-Geral da Administração da Justiça em 05 de maio de 2008, de que o boletim relativo à cessação da contumácia foi recebido nos serviços daquela apenas em 02 de maio de 2008, o que indicia que existiram erros grosseiros e inadmissíveis, por parte de algum funcionário judicial a prestar funções ao serviço do ora Réu, junto da Secretaria do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar;
Esse facto acarretou-lhe avultados danos morais e patrimoniais na sua vida pessoal e profissional, cuja indemnização reclama.

1.2.O Réu contestou impugnando os factos alegados pelo Autor e reputando as quantias indemnizatórias reclamadas como exageradas.
Conclui pela improcedência da ação e solicita a sua absolvição do pedido.

1.3. Realizou-se audiência prévia, onde se fixou o valor da ação, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e designou-se data para a realização de audiência final.

1.4. Foram apensados aos presentes autos o Processo n.º 1043/01.2TAGDM.

1.5. Realizada audiência final proferiu-se sentença, julgando a ação improcedente e absolvendo o Réu do pedido e que consta do seguinte segmento decisório:
«Termos em que, face ao que deixamos expendido supra, julgo os pedidos deduzidos pelo Autor totalmente improcedentes, e consequentemente, deles absolvo o Réu.
Custas a cargo do Autor - nos termos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, e artigos 6.º, n.º 1, 11.º e 13.º, n.º 1, todos do RCP -, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que ainda goze – Cfr. fls. dos autos».

1.6. Inconformado com o decidido o Autor interpôs o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:
«A. Cumprindo o disposto no artigo 640.º, nº 1, alínea a) do CPC, indica-se que, na opinião do apelante, foi errada a decisão proferida sobre a matéria de facto constante dos pontos 27 e 28 dos factos provados na sentença, bem como alíneas A, D e H dos factos não provados.
B. Nos termos do disposto no artigo 640.º, nº 1, alínea c) do CPC, o recorrente entende que a decisão correta quanto à matéria de facto constante do ponto 27 dos factos provados deveria ser: “No dia 16 de Junho de 2007, com fundamento em que o automóvel do arguido (ora autor) tinha sido furtado, o mesmo dirigiu-se à 6ª Esquadra da P.S.P (...) para apresentar a respetiva participação criminal, o que o fez por volta das 14 horas”.
C. Na verdade, a seguir à determinação do ponto 27 como facto provado, o tribunal recorrido fundamenta tal decisão com recurso à hora em que ficou registado o furto (15,55h).
D. Porém, a hora do registo do furto não é a hora em que o autor se dirigiu à esquadra, mas apenas a hora em que a participação ficou registada no término de tal procedimento.
E. O concreto meio probatório que nos permite chegar a tal conclusão, para além da experiência comum, consiste nas declarações do autor e no depoimento da testemunha A. que o acompanhou.
F. Na verdade, refere a este propósito o autor em sede de declarações de parte, cujo depoimento ficou gravado em CD, em formato digital, com o programa Cícero:
- A partir do minuto 12:05 da gravação até ao minuto 13:00explica que se apresentou na esquadra para apresentar uma denúncia de furto e ficou detido quase a tarde toda até cerca das cinco horas da tarde porque ficou à espera do envio de toda a documentação por parte do comando da (...).
- A partir do minuto 23:20 até 25:30 - Refere que entrou na esquadra (...) perto das duas horas da tarde para apresentar uma queixa-crime e os documentos que vieram do comando da (…) é chegaram por volta das cinco horas da tarde, tendo ficado detido sem poder sair, tendo ficado na esquadra entre 3 a 4 horas.
G. Refere ainda a este propósito a testemunha A. cujo depoimento ficou gravado em CD, em formato digital, com o programa Cícero:
- Do minuto 1:58:35 até ao minuto 2:04:30 – Refere que acompanhou o autor à Esquadra no dia da apresentação da queixa-crime por furto, na sequência de um encontro no café “Velasquez” após o almoço, tendo ficado à espera do demandante entre as duas e as seis horas, explicando tal circunstancialismo.
H. Nos termos do disposto no artigo 640.º, nº 1, alínea c) do CPC, o recorrente entende que a decisão correta quanto à matéria de facto constante do ponto 28 dos factos provados deveria ser: “Na sequência da deslocação do Autor À 6ª Esquadra da P.S.P (...), e dentro da esquadra, perante o agente que o recebeu, o arguido foi identificado como estando contumaz, tendo sido detido e privado da sua liberdade cerca das 14 horas e sujeito a novo T.I.R. (o 3º), tendo sido devolvido à liberdade às 17,10 horas.”
I. Com efeito, mesmo seguindo as regras de experiência comum, não seria crível que o autor tivesse estado detido apenas durante 10 minutos, quando na fundamentação a tal matéria é o próprio Tribunal a referir que foi aquando da apresentação da participação por furto (o qual terminou até às 15,55 horas, conforme fundamentação do ponto anterior) que o sistema informático o remeteu para detenções a cumprir.
J. E os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa são precisamente os mesmos referidos quanto à impugnação da decisão da matéria de facto do ponto anterior e que se reproduzem por uma questão de economia processual.
K. Nos termos do disposto no artigo 640.º, nº 1, alínea c) do CPC, o recorrente entende que a decisão correta quanto à matéria de facto constante da Alínea A) dos factos não provados deveria ser considerada provada nos seguintes termos: “A constituição do autor no regime de contumaz em 29 de abril de 2007, assim como a manutenção da sua inscrição sob esse regime, até 2 de maio de 2008, depois de declarada a sua cessação em 06 de julho de 2007 provocou ao Autor danos morais e patrimoniais na sua vida pessoal e patrimonial.”.
L. Na verdade, refere a este propósito o autor em sede de declarações de parte, cujo depoimento ficou gravado em CD, em formato digital, com o programa Cícero:
No minuto 14:45 da gravação até ao minuto 17:15 - Entre 2007 e 2008 houve várias situações que lhe causaram prejuízos, nomeadamente nos processos em que era assistente em processos-crime e num processo em que era expropriado na (...), bem como nas empresas de que era titular, tendo tido problemas nos registos de atos dessas sociedades em virtude da contumácia que ainda figurava nos registos.
No minuto 17:20: Refere que procurou o nome no google e que aparecia o seu nome como contumaz.
No minuto 19:00 da gravação até ao minuto 20:55: explica que a questão da contumácia registada continuava ainda em 2015 a ter influência noutros processos, pois foi peticionada a invalidade de vários negócios por si realizados nesse período com base na contumácia registada, situação reforçada do minuto 22:30 até ao minuto 23:00.
No minuto 20:55: refere que neste momento já desapareceu toda a informação do google em virtude de reclamações do mesmo, mostrando-se visível até 2014.
M. Nos termos do disposto no artigo 640.º, nº 1, alínea c) do CPC, o recorrente entende que a decisão correta quanto à matéria de facto constante da Alínea D) dos factos não provados deveria ser considerados os mesmos provados.
N. Não só é uma consequência legal da contumácia, como o autor em sede de declarações de parte, no minuto 14:45 da gravação até ao minuto 17:15 refere - Entre 2007 e 2008 houve várias situações que lhe causaram prejuízos, nomeadamente nos processos em que era assistente em processos-crime e num processo em que era expropriado na (...), bem como nas empresas de que era titular, tendo tido problemas nos registos de atos dessas sociedades em virtude da contumácia que ainda figurava nos registos.
O. Nos termos do disposto no artigo 640.º, nº 1, alínea c) do CPC, o recorrente entende que a decisão correta quanto à matéria de facto constante da Alínea H) dos factos não provados deveria ser toda ela considerada provada.
P. O concreto meio probatório que nos permite chegar a tal conclusão consiste nas declarações do autor:
No minuto 17:20: Refere que procurou o nome no google e que aparecia o seu nome como contumaz; e
No minuto 20:55: refere que neste momento já desapareceu toda a informação do google em virtude de reclamações do mesmo, mostrando-se visível até 2014.
– Da aplicação do direito aos factos
Q. O entendimento de que uma privação da liberdade que ocorreu única e exclusivamente por ineficácia do sistema judiciário não é indemnizável, viola inequivocamente o disposto nos artigos 22.º e 27.º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 5.º da Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem.
R. Conforme se pode ler no Acórdão do STJ de 22/06/2010 disponível em www.dgsi.pt: “A responsabilidade civil do Estado é, assim, alargada, no domínio dos factos decorrentes da função jurisdicional, não ficando circunscrita ao plano do clássico erro judiciário (condenação injusta), a que alude o n.º 6 do art. 29.º do diploma fundamental.
A Constituição conforma-se com o que dispõe a Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem (aprovada para ratificação pela Lei 65/78, de 13 de Outubro), que, no seu art. 5.º, depois de consignar que toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança (n.º 1), acrescenta que ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos que explicita, entre eles «se se tratar da detenção legal de uma pessoa susceptível de propagar uma doença contagiosa, de um alienado mental, de um alcoólico, de um toxicómano ou de um vagabundo», e remata, no n.º 5, estatuindo que «qualquer pessoa vítima de prisão ou detenção em condições contrárias às disposições deste artigo, tem direito a indemnização».”
S. Também nos termos do artigo 27.º, nº 5 do mesmo diploma fundamental, a simples privação da liberdade por erro grosseiro do sistema de troca de informações no Estado é indemnizável, sabendo-se que gera danos não patrimoniais de relevo uma detenção (desnecessária e sem fundamento).
T. E na impossibilidade de se apurar o valor exato dos danos não patrimoniais resultantes do sofrimento, conforme se pode ler no Acórdão do STJ de 14/12/2016 disponível em www.dgsi.pt “(...)o montante indemnizatório deverá ser fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade, não devendo nortear-se por critérios minimalistas e revestir carácter meramente simbólico, antes devendo traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e, se for o caso, a suportar (arts. 496.º, n.º 4, e 566.º, n.º 3, do CC).”
U. Também já do ponto de vista dos danos patrimoniais, não se compreende como é que não se concede uma indemnização ao autor quando se encontra demonstrado que figurava como contumaz por erro do sistema judiciário, muitos meses após ter sido judicialmente declarada a sua cessação – vide pontos 29 e 34, 35, 36, 37, 38 e 39 dos factos provados.
V. Sabendo-se que o autor era sócio e gerente de três sociedades comerciais melhor identificadas no ponto 42 dos factos provados, a referência à contumácia no registo (sem que espelhasse a realidade) provocou necessariamente a impossibilidade do mesmo atuar em benefício direto das mesmas (e seu benefício indireto), ainda que não se tenha conseguido apurar com o rigor o prejuízo ou dano efetivo.
W. Ou seja, é inequívoco que provocou danos, ainda que não se tenha conseguido apurar com rigor a dimensão real dos mesmos, conforme se pode ler no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3/10/2006 disponível em www.dgsi.pt supra transcrito em sede de alegações.
X. Acredita-se, assim, que o Tribunal de primeira instância deveria ter condenado o demandado na quantia que se viesse a apurar em sede de ulterior liquidação de sentença.
Y. Devendo, pois, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, sendo substituída por outra que atribua ao demandante uma indemnização por danos não patrimoniais e relegue para execução de sentença os danos patrimoniais pelo mesmo sofridos.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas mui doutamente suprirão, deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira instância, substituindo-se a decisão por outra que considere procedente, por provada a ação.»

1.7.O apelado contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação, apresentando as conclusões que se seguem:
«1- Deve, todavia, proceder-se à retificação, nos termos do artº 614º do CPC, do erro material de escrita constante do item 27 da factualidade provada da douta sentença, pois onde está «16 de junho» deve ler-se «15 de junho»
2- O A./Recorrente nas suas doutas alegações para as pretendidas alterações da matéria de facto considerada provada socorre-se quer das suas próprias declarações prestadas em audiência de julgamento, quer do depoimento prestado pela testemunha A., que arrolou.
3- Atentos os depoimentos prestados em audiência de julgamento a pretensão do A. /Recorrente de alteração da matéria de facto deve improceder, porquanto:
a- das suas declarações conectadas com o depoimento da testemunha A., por insuficiência e inidoneidade, não se pode concluir pela pretendida alteração dos itens da factualidade provada sob os itens 27 e 28 da factualidade provada na douta sentença;
b- as declarações de parte, «per se», por ausência de qualquer elemento probatório que as corrobore, são inidóneas para permitir que seja dada como provada, conforme pretendido, a factualidade constante das als. A), D) e H) dos factos não provados, pois seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, se desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos;
c- Se atentarmos ao depoimento da testemunha P. prestado a 02.11.2015, e que se encontra gravado (a «00.17.10 até 00.27.43» ), conectado com os documentos juntos em especial, os lavrados a 15.06.2007, e ao depoimento da testemunha J., prestado igualmente a 02.11.2015 e que está gravado a «00H27M45S a 00H42M50S, verifica-se que os mesmos se mostram idóneos e convincentes, ferindo fatalmente a pretensão do A./Recorrente de alteração da matéria de facto provada;
4- Atento o teor da douta sentença recorrida, a conduta ilícito-culposa da Administração ocorreu (apenas) «no período de tempo superior a um ano» que mediou entre a cessação da contumácia, por despacho de 06.07.2007 e a data em que foi registada na DSIC (a 02.05.2008), e consubstanciou-se no facto de durante esse período «o tratamento da sua situação, enquanto contumaz,» ter sido «negligenciada por parte dos oficiais de justiça… que demoraram tempo em demasia no cumprimento das notificações para com a Direção do serviços de identificação criminal do Ministério da Justiça»;
5- A violação de um direito fundamental não gera, só por si, independentemente dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, obrigação de indemnizar, sendo imprescindível para haver obrigação de indemnizar a existência de danos e estes estejam numa relação de causalidade adequada com o facto que consubstancia tal violação;
6 - O A./Recorrente, invoca agora, habilidosamente, a privação da liberdade resultante da alegada detenção ilegal, como fonte autónoma de indemnização, ocorrida aquando da prestação de TIR na 6ª Esquadra do Porto (Esquadra (...)), desenquadrando o ocorrido na referida Esquadra da alegada (e não provada) indevida declaração de contumácia;
7- Todavia, atento o conceito de ilegalidade que o legislador adota nos normativos processuais penais, como acontece no artº 220.º do CPP relativo ao “habeas corpus” concernente à detenção, há que reconhecer que inexiste «in casu» (manifesta) detenção ilegal;
8- Assim, a obrigação de indemnizar, por parte do Estado, só o poderá ser no respeitante aos danos que tenham com a referida conduta considerada ilícita uma relação de causalidade adequada;
9- Da factualidade provada não resulta a existência de qualquer facto donde dimane por si só ou conectado com outro ou outros, que o A, ora recorrente, sofreu danos materiais /patrimoniais e/ou danos não patrimoniais.
10- O dano patrimonial e o dano moral não são consequência presumida do facto ilícito; ou seja, não se presumem como existentes, não são consequência automática do facto ilícito-culposo, pelo que há necessidade de deles o A. fazer prova (sempre que a violação desse direito se tenha objetivamente verificado);
11- O A. fracassou em absoluto na (alegação e) prova que haveria de ter realizado no que concerne aos danos patrimoniais e não patrimoniais, pois não se encontram (alegadas nem) provadas quaisquer despesas, gastos ou prejuízos no património (danos emergentes e lucros cessantes) por si sofridos ou a existência de dores, desilusões, desgostos, vexames e de perda de prestígio, ou outros sofrimentos ou tratamento ofensivos da sua personalidade, por si sofridos (em razão da conduta ilícita e culposa do lesante);
12- Em face da factualidade trazida a Tribunal pelo A./Recorrente e da prova aqui produzida, inexiste qualquer prejuízo, qualquer dano ocorrido na esfera jurídica patrimonial e não patrimonial do Autor, e que deva ser objeto de indemnização por parte do Réu, não permitindo ainda os factos estabelecer o nexo de causalidade adequada entre os pretensos danos sofridos pelo A. e a alegada morosidade;
13- Tendo sempre, em conta a factualidade que dimana da prova efetivamente produzida, constata-se inexistirem factos donde dimane a verificação de danos e do exigido nexo de causalidade a totalidade dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a sentença recorrida não viola, contrariamente ao sustentado pelas AA, qualquer preceito do CC, do DL nº 48 041, de 21.11, ou do RRCEEDEP, nem os artºs 22° e 27º, nº5, da CRP e 6° da CEDH;
14- Inexistindo, por conseguinte, violação de qualquer disposição (ou princípio) legal na douta sentença recorrida, o Mmº. Juiz “a quo” fez, salvo melhor entendimento, uma correta interpretação da Lei, devendo o recurso interposto pelo A./Recorrente ser rejeitado e confirmada nos seus precisos termos a antedita douta decisão recorrida, assim se fazendo a acostumada Justiça.
No entanto, Vossas Excelências, decidindo, farão, como habitualmente, JUSTIÇA!»
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1.8. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Assentes nestas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se ao seguinte:
a- se a sentença recorrida padece de erro quanto ao julgamento de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade nela julgada provada nos pontos 27º e 28º e quanto aos factos nela julgados como não provados nas alíneas A), D) e H) e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela prova do seguinte:
- quanto aos pontos 27º e 28º dos factos julgados provados na sentença, impõe-se concluir pela prova da seguinte facticidade:
«27- No dia 16 de junho de 2007, com fundamento em que o automóvel do arguido (ora Autor), tinha sido furtado, o mesmo dirigiu-se à 6ª Esquadra da PSP do Porto, para apresentar a respetiva participação criminal, o que fez por volta das 14 horas;
28- Na sequência da deslocação do Autor à 6ª Esquadra da PSP do Porto, e dentro da esquadra, perante o agente que o recebeu, o arguido foi identificado como estando contumaz, tendo sido detido e privado da sua liberdade cerca das 14 horas e sujeito a novo TIR (o 3º), tendo sido devolvido à liberdade às 17.10horas».
-A propósito da facticidade julgada provada no ponto 27º da sentença, impõe-se verificar se essa facticidade julgada provada padece de erro de escrita, suscetível de ser retificado, quando nele se escreve “16 de junho”, em vez de “15 de junho”, conforme é requerido pelo apelado;
- quanto à alínea A) dos factos julgados não provados, se se impõe concluir pela prova da seguinte facticidade:
«A constituição do Autor no regime de contumaz em 29 de abril de 2007, assim como a manutenção da sua inscrição sob esse regime até 2 de maio de 2008, depois de declarada a sua cessação em 06 de julho de 2007 provocou ao Autor danos morais e patrimoniais na sua vida pessoal e patrimonial».
- quanto à facticidade julgada não provada nas alíneas D) e H) da sentença, se se impõe concluir pela prova desta;
b- se a sentença recorrida padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida.
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III- FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1.A 1.ª instância julgou como provada a seguinte facticidade:
«1 – No dia 29 de novembro de 2001, foi apesentada queixa por injúria e difamação contra o aqui Autor, por J., tendo sido indicado como domicílio profissional do participado, a rua (…), (…) - cfr. fls. 2 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
2 – No dia 20 de junho de 2002, o Autor foi constituído arguido no processo-crime n.º 1043/06.2TAGDM, que correu os seus termos no 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal de Gondomar - cfr. fls. 72 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
3 - No Termo de Identidade e Residência [o 1.º] que o Autor prestou nesse Processo n.º 1043/06.2TAGDM, enquanto arguido, em 20 de junho de 2002, constava como sua residência e como local de trabalho, a Rua (...), (...), com o mesmo número de telefone fixo - cfr. fls. 72 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
4 – Por procuração outorgada a favor de advogados em 03 de julho de 2002, o arguido, ora Autor, referiu como endereço, o seu domicílio profissional na Rua (...), (...) - cfr. fls. 118 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
5 – A Rua (...), (...), à data de 20 de junho de 2002, era o endereço do local de trabalho do arguido, ora Autor, local onde se situavam as instalações do “Instituto Superior de Tecnologia Empresarial (ISTE)“, de que à data era diretor.
6 – Na sequência da comunicação da renúncia à procuração pelos mandatários constituídos, em 12 de dezembro de 2003, o Ministério Público nomeou defensor oficioso ao arguido, ora Autor, o advogado, Dr. M. - cfr. fls. 139 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
7 - Para efeitos do pedido de proteção jurídica, em 06 de janeiro de 2004, o arguido, ora Autor, indicou como domicílio, a Rua das (...), n.º 62, (...) - cfr. fls. 172 a 175 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
8 – No dia 26 de novembro de 2004, mediante requerimento, o arguido, ora Autor, informou os Serviços do Ministério Público de Gondomar, da alteração de morada para a Praça (...), (...) - cfr. fls. 185 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
9 – Nesse requerimento de 26 de novembro de 2004, para apresentação de morada diversa, o arguido, ora Autor, referiu o seguinte: “Vem o Denunciado/Arguido devidamente identificado nos autos comunicar a alteração do endereço inicial para o seguinte endereço: […]”
10 – No dia 21 de dezembro de 2005, foi proferida douta decisão de pronúncia do arguido, ora Autor, pelo crime de injúria, constando da decisão proferida que o mesmo tem residência na Rua (...), (...) - cfr. fls. 368 a 374 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
11 – Nos dias 06 de dezembro de 2005, 14 de dezembro de 2005 e 18 de janeiro de 2006, na sequência de pedido de notificação ao arguido da decisão instrutória, a PSP emitiu certidão negativa, informando que na Rua (...), (...), funcionou um estabelecimento de ensino, mas que estava encerrado há cerca de ano e meio, e que desde 2005 o arguido, ora Autor, também não residia na Rua das (...) - cfr. fls. 381, 383, 395 e 403 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
12 – Na sequência de douto despacho datado de 06 de fevereiro de 2006, o defensor oficioso do arguido veio informar, por requerimento de 20 de fevereiro de 2006, que a morada que conhece do arguido é a que consta de um requerimento que o mesmo terá apresentado nos autos, na “Praça (...), (...)” - cfr. fls. 393, 397, 398, 399 e 400 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
13 – Nos anos de 2005/2006, o arguido, ora Autor, residia na Rua (...), n.º 179, (...).
14 – No dia 20 de março de 2006, precedendo promoção do Ministério Público, foi ordenada a notificação do arguido, ora Autor, para a morada constante do TIR, a fls. 72 dos respetivos autos – cfr. fls. 72, 404, 405 e 406 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
15 – No dia 06 de junho de 2006, foi proferido douto despacho a designar dia para a Audiência de Julgamento, tendo sido ordenada a prestação de novo T.I.R. por parte do arguido, ora Autor, com fundamento em que o TIR prestado a fls. 72 não obedecia ao disposto no artigo 196.º do CPP – cfr. fls. 412 e 413 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
16 – Por ofício datado de 21 de junho de 2006, foi notificado o Comandante da PSP do Porto, para efeitos de proceder à notificação do arguido, ora Autor, com domicílio na Rua (...), (...), a fim de comparecer em audiência de julgamento no dia 18 de janeiro de 2007, às 9,30 horas, e que devia o mesmo arguido prestar TIR, e para também em 20 dias deduzir contestação ao pedido de indemnização cível, do que também foi notificado o defensor oficioso do arguido – cfr. fls. 416, 417 e 418 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
17 – No dia 17 de julho de 2006, o arguido, ora Autor, deduziu contestação à acusação particular, na qual o seu Defensor Oficioso [do arguido] referiu a impossibilidade de contactar com o mesmo (o ora Autor) - cfr. fls. 435 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
18 – No dia 27 de outubro de 2006, precedendo promoção do Ministério Público, foi ordenada a notificação do arguido, ora Autor, para a morada constante das bases de dados, que se soube ser na Rua das (...), 62, (...) – cfr. fls. 452 e 453 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
19 – Por ofícios datados de 26 de outubro de 2006, e 08 de novembro de 2006, foi notificado o Comandante da PSP do Porto, para efeitos de proceder à notificação do arguido, ora Autor, com domicílio na Rua das (...), 62, r/c, (...), para comparecer em audiência de julgamento no dia 18 de janeiro de 2007, às 9,30 horas, e que deve o mesmo arguido prestar TIR, e para também em 20 dias deduzir contestação ao pedido de indemnização cível, do que também foi notificado o defensor oficioso do arguido [em 26 de outubro de 2006] – cfr. fls. 416, 417, 418 e 463 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
20 – Na impossibilidade de conhecer o paradeiro do arguido, foi oficiada a Segurança Social, a qual, por ofício datado de 11 de dezembro de 2006, veio informar que o arguido reside na Rua (...), n.º 179, (...), sendo que, nessa sequência, foi promovido pelo Ministério Público e acolhido por douto despacho, que o arguido fosse citado por Editais [onde foi mencionado que o mesmo residia na Rua das (...), 62, r/c, (...)], para se apresentar em juízo no prazo de 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz, editais esses que foram emitidos em 08 de janeiro de 2007 – cfr. fls. 475, 478 a 485 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
21 – No dia 18 de janeiro de 2007, foi realizada audiência de julgamento, que não prosseguiu termos, pois que foi adiada sine die, faltando o arguido e o seu defensor, e porque o TIR prestado a fls. 72 não obedecia ao disposto no artigo 196.º do CPP, e que já tinha sido determinado que o arguido prestasse novo TIR, o que não se revelou possível – cfr. fls. 489 e 490 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
22 - Nessa sequência, precedendo promoção do Ministério Público datada de 17 de abril de 2007, por douto despacho datado de 29 de abril de 2007, o arguido [ora Autor] foi declarado contumaz, com domicílio na Rua das (...), n.º 62, r/c, (...), tendo o seu Defensor Oficioso sido notificado dessa decisão, por notificação expedida em 04 de maio de 2007, o que foi objeto de publicitação no Diário da República, 2.ª série, n.º 112, de 12 de junho de 2007 – cfr. fls. 501, 503, 504, 507 e 543 dos autos do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
23 – No dia 04 de maio de 2007, foi emitido mandado de detenção do arguido, ora Autor – cfr. fls. 5121 dos autos do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
24 – O arguido [ora Autor] entrou em contacto com o seu Defensor, que lhe comunicou a "existência da contumácia" - cfr. fls. 51 dos autos em suporte físico.
25 - Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai a comunicação estabelecida entre o advogado J. - cfr. fls. 51 dos autos em suporte físico -, em quem o Defensor oficioso do arguido, ora Autor, substabeleceu várias vezes, como segue:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

26 - Por iniciativa do arguido, ora Autor, o mesmo deslocou-se ao Tribunal Judicial de Gondomar para prestar novo Termo de identidade e Residência [o 2.º] em 16 de maio de 2007, tendo referido viver na Rua (...), n.º 179, que era uma residencial – cfr. fls. 527 e seguintes do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
27 – No dia 16 de junho de 2007, com fundamento em que o automóvel do arguido [ora Autor] tinha sido furtado, o mesmo dirigiu-se à 6.ª Esquadra da P.S.P. do Porto para apresentar a respetiva participação criminal, o que fez.
28 – Na sequência da deslocação do Autor à 6.ª Esquadra da P.S.P. do Porto, e dentro da esquadra, perante o agente que o recebeu, o arguido foi identificado como estando contumaz, tendo sido sujeito a novo T.I.R [o 3.º] por volta das 17h00 e devolvido à liberdade às 17,10 horas – cfr. fls. 537, 538 539, 541, 542 e seguintes do Processo n.º 1043/06.2TAGDM.
29 - Por douto despacho proferido pela Senhora Juíza de Direito titular do referido Processo n.º 1043/06.2TAGDM, em 06 de julho de 2007, com fundamento na prestação de TIR pelo arguido em 15 de junho de 2007, foi declarada cessada a contumácia do arguido, ora Autor, do que o mesmo [Autor] e o seu mandatário foram notificados, em 10 de julho de 2007 – Cfr. fls. 544, 556 e 557 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
30 – O Boletim de contumácia do Autor, então arguido, foi rececionada na Direção dos Serviços de identificação Criminal, provindo do Tribunal de Gondomar, em 08 de maio de 2007, e o Boletim relativo à cessação da sua contumácia foi remetido pelo mesmo Tribunal de Gondomar àquela Direção de serviços, por telecópia, em 02 de maio de 2008 – cfr. fls. 524, 532, 673 e 674 dos autos do Processo n.º 1043/06.2TAGDM; Cfr. fls. 112 dos autos em suporte físico.
31 – Na sequência de agendamento da continuação da audiência de julgamento, o arguido, ora Autor, apresentou contestação, onde entre o mais arguiu a prescrição da responsabilidade criminal, tendo o Ministério Público dado o seu parecer nesse mesmo sentido, que por douta decisão datada de 14 de dezembro de 2007, o processo foi declarado extinto por prescrição da responsabilidade criminal – cfr. fls. 588 e seguintes do Processo n.º 1043/06.2TAGDM; ainda fls. 627 a 629 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
32 – No dia 10 de julho de 2007, no âmbito do Processo n.º 1043/06.2TAGDM, foram efetuados anúncios de cessação da contumácia que foram distribuídos por várias entidades – Cfr. fls. 545 a 557 do Processo n.º 1043/06.2TAGDM;
33 – No dia 17 de julho de 2007, a INCM confirmou a receção no Diário da República da cessação da contumácia do arguido, ora Autor, cujo anúncio, n.º 5427/2007, foi publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 155, de 13 e agosto de 2007 – Cfr. fls. 558 e 559 dos autos do Processo n.º 1043/06.2TAGDM; ainda fls. 108 dos autos em suporte físico;
34 – No dia 04 de outubro de 2007, na sequência de consulta dos autos do processo 341/06.3YPPPRT, que correu os seus termos no 1.º Juízo de Execução do Porto-3.ª secção, foi constatado que nessa data o ora Autor ainda era dado como contumaz – cfr. fls. 80 dos autos em suporte físico;
35 – No dia 25 de outubro de 2007, na sequência de consulta dos autos do processo n.º 7451/05.2TDPRT, que correu os seus termos no 3.º Juízo do Tribunal da Instrução Criminal do Porto, foi constatado que nessa data o ora Autor ainda era dado como contumaz – cfr. fls. 81 a 84 dos autos em suporte físico;
36 - No processo n.º 3393/07.5TBPVZ, que correu os seus termos no 2.º Juízo de Competência Cível do Tribunal da Póvoa de Varzim, assim como no Inquérito 608/06,0SMPRT, 1.ª Secção, o Autor constatou que ainda era dado como contumaz – cfr. fls. 81 a 84 dos autos em suporte físico;
37 - No dia 28 de abril de 2008, por consulta do seu Certificado de Registo de Contumazes, o ora Autor apurou que ainda estava declarado como contumaz – cfr. fls. 99 e 100 dos autos em suporte físico;
38 - Esse facto foi comunicado por escrito e pelo Autor aos autos do Processo 1043/01.2TAGDM, do 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal de Gondomar em 02 de maio de 2008 – cfr. fls. 101 dos autos em suporte físico;
39 – Aquele facto foi também comunicado pelo Autor à Direcção dos Serviços de identificação criminal, em 28 de abril de 2008 e em 30 de abril de 2008, à qual foram solicitadas outras informações – cfr. fls. 102 a 111 dos autos em suporte físico;
40 – O ora Autor obteve resposta por parte da Direcção-Geral da Administração da Justiça em 05 de maio de 2008, tendo-lhe então sido referido que o boletim relativo à cessação da contumácia foi recebido naqueles serviços apenas em 02 de maio de 2008, e que nesse mesmo dia registaram o boletim e cancelaram o registo da contumácia – cfr. fls. 102 a 118 dos autos em suporte físico;
41 - Por douto despacho datado de 09 de maio de 2008, proferido no processo-crime n.º 1043/06.2TAGDM, que correu os seus termos no 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal de Gondomar, o Senhor Juiz de Direito referiu que “.... foi declarada cessada a contumácia neste processo por despacho de fls. 544 e cumprida as formalidades de fls. 546 a 557.” – cfr. fls. 120 dos autos em suporte físico;
42 - No ano de 2007, o ora Autor era gerente e sócio de três sociedades comerciais, a saber, a “C., Lda.", a "C-., Lda." e a "Y., Lda." cfr. fls. 125 a 137 dos autos em suporte físico;
43 - O Autor possui licenciatura em Comunicação Social, MBA em Gestão de empresas, e fazia Doutoramento em Economia na Universidade de Santiago de Compostela, em Espanha – cfr. fls. 38 a 143 dos autos em suporte físico;
44 - Na data dos factos submetidos à apreciação do Tribunal no âmbito do Processo n.º 1043/06.2TAGDM, em 20 de junho de 2002 e até julho de 2005, o Autor, então arguido, residia na Rua das (...) n.º 62 r/c, (...) – cfr. fls. 170 e 171 dos autos em suporte físico.
45 – O Autor detém o seguinte endereço de correio eletrónico: XXXXXX@gmail.com - Cfr. fls. 51 dos autos em suporte físico.
46 – Desde a fase do inquérito, que veio a motivar o Processo n.º 1043/06.2TAGDM, que o Autor sempre se relacionou com o seu mandatário pelo seu endereço de correio electrónico.
47 – A Petição inicial que motiva os presentes autos, foi entregue neste Tribunal, em 08 de abril de 2010 – Cfr. fls. 3 dos autos em suporte físico.
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Por sua vez, a 1ª Instância julgou como não provados os seguintes factos:
A - Que a constituição do Autor no regime de contumaz em 29 de abril de 2007, assim como a manutenção da sua inscrição sob esse regime, até 02 de maio de 2008, depois de declarada a sua cessação em 06 de julho de 2007, tenha provocado ao Autor avultadíssimos danos morais e patrimoniais na sua vida pessoal e profissional.
B - Que por causa da constituição do Autor no regime de contumaz em 29 de abril de 2007, assim como a manutenção da sua inscrição sob esse regime, até 02 de maio de 2008, depois de declarada a sua cessação em 06 de julho de 2007, foi facto impeditivo para não conseguir concluir o Doutoramento em Economia na Universidade de Santiago de Compostela, em Espanha, assim como, impeditivo de exercer a atividade de angariação Imobiliária, e que por essa razão, se encontra agora em situação económica muito difícil [Cfr. fls. 138 a 143 dos autos em suporte físico].
C - Que por causa da constituição do Autor no regime de contumaz em 29 de abril de 2007, assim como a manutenção da sua inscrição sob esse regime, até 02 de maio de 2008, depois de declarada a sua cessação em 06 de julho de 2007, o Autor veio a sofrer de doença grave desde março de 2006, a qual implicou o seu internamento e sujeição a tratamentos médicos e medicamentos, do que apenas foi dado como curado em inícios de Junho de 2007 [Cfr. fls. 144 e 145 dos autos em suporte físico].
D - Que por causa da constituição do Autor no regime de contumaz em 29 de abril de 2007, assim como a manutenção da sua inscrição sob esse regime, até 02 de maio de 2008, depois de declarada a sua cessação em 06 de julho de 2007, o Autor ficou impossibilitado de concretizar negócio, para o qual estava devidamente mandatado, relativo a cessão de quota de sociedade comercial, por lhe ter sido vedada a realização da escritura, bem como a solicitação de quaisquer documentos para o efeito [Cfr. fls. 146 a 150 dos autos em suporte físico].
E - Que por causa da constituição do Autor no regime de contumaz em 29 de abril de 2007, assim como a manutenção da sua inscrição sob esse regime, até 02 de maio de 2008, depois de declarada a sua cessação em 06 de julho de 2007, o Autor tenha sofrido prejuízos patrimoniais elevados estimados em 59.600 euros [Cfr. fls. 146 a 148 dos autos em suporte físico].
F - Que por causa da constituição do Autor no regime de contumaz em 29 de abril de 2007, assim como a manutenção da sua inscrição sob esse regime, até 02 de maio de 2008, depois de declarada a sua cessação em 06 de julho de 2007, foi vedada ao Autor pelas instituições de crédito a concessão de empréstimos para a realização de negócios relacionados com a sua atividade empresarial, o que originou que ficasse, durante longos períodos, na situação de incumprimento com clientes e fornecedores.
G - Que por causa da constituição do Autor no regime de contumaz em 29 de abril de 2007, assim como a manutenção da sua inscrição sob esse regime, até 02 de maio de 2008, depois de declarada a sua cessação em 06 de julho de 2007, o Autor não consegue obter na Câmara Municipal (…), qualquer certidão [Cfr. fls. 149 e 150 dos autos em suporte físico].
H – Que pela simples indicação do seu nome na Internet (Google), surge a indicação de que o Autor se encontra na situação de "contumaz».
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III. B. DO DIREITO
3.2. Da Impugnação do Julgamento da Matéria de Facto Realizado pela 1ª Instância.
O Apelante impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada provada nos pontos 27º e 28º na sentença e à nela julgada não provada nas alíneas A), D) e H).
3.2.1. Porém, antes de apreciarmos os concretos fundamentos em que o apelante sustenta o erro de julgamento de facto que assaca à decisão sob sindicância, impõe-se verificar se o mesmo cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento de facto que se encontram elencados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, sem o que não é permitido ao tribunal ad quem entrar na reapreciação desse julgamento.
3.2.2. Ónus impugnatórios em geral.
Em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto, da conjugação dos arts. 637º, n.º 2, 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), 641º, n.º 2, al. b) e 662º do CPC resulta que o Tribunal de 2.ª Instância tem de efetuar um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada pelos recorrentes, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da 1ª Instância, formando a sua convicção autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e recorrendo a presunções judiciais ou naturais, embora esteja naturalmente limitada pelos princípios da imediação e da oralidade Acs. STJ de 17/12/2019, Proc. 603/17.4T8LSB,L1.S1; de14/01/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.S1; e RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BRGC.C1, in base de dados da DGSI..
Não foi propósito do julgador permitir recursos genéricos, sequer transformar o recurso da matéria de facto na repetição do julgamento realizado na 1ª Instância e daí que tenha imposto ao recorrente o cumprimento de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC.
Em função desses critérios, para além do recurso da matéria de facto se restringir à matéria de facto impugnada António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 153., estando subtraída ao campo de cognição do Tribunal ad quem a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação, tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo dos princípios da auto responsabilidade, cooperação, lealdade e boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu a 1ª Instância ao decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a concreta matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida quanto à mesma, os concretos meios de prova que ancoram esse julgamento de facto diverso que propugna, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada como provada ou não provada pelo tribunal a quo (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC).
Acresce que caso os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 640º do CPC).
Precise-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações de recurso a missão essencial de delimitação do objeto do recurso (art. 635º, n.º 4 do CPC), fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem Acs. STJ. de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; de 27/10/2016, Proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1; RG. de 2/11/2017, Proc. 212/16.5T8MNC.G1, in base de dados da DGSI., daqui deriva que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna e a concreta decisão que, na sua perspetiva, deve ser dada quanto a essa facticidade cujo julgamento de facto impugna.
Já os demais ónus impugnatórios, porque estes não têm a função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Destarte, em síntese, de acordo com Abrantes Geraldes Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155., sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e) o recorrente deixará expressa, na motivação (segundo a generalidade dos tribunais superiores, incluindo o STJ e STA, nas conclusões), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
O cumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” Acs. do STJ de 26/09/2018, Proc. 141/17.5T8PTM.E1-S1; 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1-S2; 01/03/2018, Proc. 85/14.2TTMAI.P1.S1; de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; 06/06/2018, Proc. 1474/16.38CLD.C1.S1; 06/06/2018, Proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, todos in base de dados da DGSI..
No entanto, na apreciação desse critério de rigor impõe-se operar a distinção entre: a) ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso em sede de impugnação da matéria de facto, onde os requisitos impostos ao recorrente se encontram ligados com o mérito ou demérito do recurso; e b) ónus secundários, que se prendem com os requisitos formais.
Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, que são os elencados no n.º 1 do art. 640º do CPC (indicação, nas conclusões, dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgada e que, por isso, impugna; indicação, nas conclusões, da concreta decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida quanto a essa facticidade, e indicação, na fundamentação do recurso, dos concretos meios de prova que suportarão esse julgamento de facto que é defendido pelo apelante), tem-se entendido que esse critério de rigor se aplica de forma estrita, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de qualquer um desses ónus, se impõe a rejeição do recurso da matéria de facto na parte em que se verifica a omissão.
Por sua vez, no que tange aos ónus da impugnação secundários, que são os enunciados no n.º 2, al. a) do art. 640º, considera-se que não convém exponenciar esse critério de rigor ao ponto de se violar o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, todos in base de dados da DGSI., uma vez que se está na presença de meros requisitos de forma, destinados a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar da indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento” Ac. STJ. 29/10/2015, Proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, in base de dados da DGSI..
Assentes nestas premissas, importa verificar se o Apelante cumpriu com os identificados ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto em relação ao julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, que impugna.

3.2.3. Pontos 27º e 28º dos factos julgados provados e alíneas D) e H) dos factos nela julgados como provados.
Analisadas as alegações de recurso apresentadas pelo Apelante dir-se-á que o mesmo cumpriu com os ónus impugnatórios da matéria de facto quanto à facticidade julgada provada nos pontos 27º e 28º da sentença sob sindicância e, bem assim, quanto à nela julgada como não provada nas alíneas D) e H), uma vez que indica, nas conclusões de recurso, a concreta decisão da matéria de facto que impugna e a decisão que, na sua perspetiva, deve recair sobre essa facticidade, além de que indica, na fundamentação do recurso, os concretos meios probatórios que fundamentarão esse julgamento de facto diverso que propugna, e indica os excertos da prova pessoal gravada em audiência final em que funda esse seu recurso.
3.2.4. Fê-lo, no entanto, de forma deveras deficiente, embora, na nossa perspetiva, ainda suficiente.
Na verdade, tendo a 1ª Instância julgado provada a matéria do ponto 27º com base no “depoimento prestado pela testemunha P., agente principal da PSP na 6.ª esquadra do (...), que referiu em audiência final que o Autor foi apresentar denúncia por furto, às 15,55 horas, que foi a hora em que registou a participação, o que julgamos prestado com objetividade e permitiu a fixação da nossa convicção em torno da matéria vertida neste item” e a do ponto 28º, com fundamento no teor dos documentos juntos afls. 537, 538 539, 541, 542 e seguintes do Processo n.º 1043/06.2TAGDMeainda o depoimento prestado pela testemunha P., agente principal da PSP na 6.ª esquadra do (...), que referiu em audiência final que quando o Autor foi apresentar a denúncia por furto, e quando estava a fazer o expediente, que o sistema informático o remeteu para detenções a cumprir, e que se não tivesse efectuado o expediente por furto, que nunca teria conhecido o mandado de detenção para cumprir [emitido em 04 de maio de 2007 pela Senhora Juíza de Direito titular do referido Processo n.º 1043/06.2TAGDM, para que o arguido fosse sujeito a TIR], mas que logo que foi cumprido, o arguido, ora Autor, foi restituído à liberdade”, verifica-se que o Apelante, nas alegações de recurso que apresentou, não faz qualquer referência, pelo menos, expressa, a esses fundamentos probatórios em que a 1ª Instância motivou o julgamento de facto que realizou, como que os ignorando, não fazendo sequer qualquer alusão expressa ao depoimento da testemunha P. e ao teor daqueles documentos, não obstante ter sido neles que precisamente a 1ª Instância alicerçou o julgamento de provado que realizou, a quem não imputa ter incorrido em qualquer infidelidade em relação àquilo que por P. terá sido afirmado em audiência final e aquilo que consta, na motivação exarada na sentença, como tendo sido por ele dito em audiência, sequer ter incorrido em qualquer infidelidade ou deficiente leitura do teor dos identificados documentos.
O Apelante limitou-se, nas suas alegações de recurso, a invocar as suas próprias declarações de parte e o depoimento prestado pela testemunha A., para concluir que os factos que por eles foram relatados em audiência final, conjugados com as regras da lógica e da experiência comum, impõem o julgamento de facto diverso, que propugna.
Não obstante isso, julga-se que, ainda assim, o Apelante cumpriu, de forma suficiente, o ónus da al. b), do n.º 1 do art. 640º quanto aos pontos 27º e 28º da matéria de facto julgada como provada na sentença.
É que apesar do art. 640º, n.º 1, al. b) do CPC, o obrigar, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto, não só a indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nela realizada, que, na sua perspetiva, impõem o julgamento de facto que propugna, mas também a fazer uma análise crítica desses meios de prova e dos que foram considerados pela 1ª Instância na sentença e que levaram a realizar esse julgamento de facto que consta desta e que aquele impugna, nomeadamente, conjugando-os entre si e com as regras da lógica, da experiência e/ou da ciência, tudo por forma a demonstrar o porquê dos fundamentos probatórios invocados pelo tribunal a quo, não imporem esse julgamento de facto que realizou, mas antes, face aos meios de prova que indica nas suas alegações de recurso, quando considerados isoladamente e/ou com aqueles outros considerados pela 1ª Instância na fundamentação do julgamento de facto que explana na sentença recorrida e/ou com as regras da lógica, da experiência e/ou da ciência, imporem o julgamento de diverso que propugna, tem-se considerado que a menor suficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação Ac. STJ. de 19/02/2015, Proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1..
Acresce que ao indicar as suas declarações de parte e o depoimento da testemunha A. como impondo o julgamento de facto que propugna, automaticamente e de forma implícita, o Apelante, na nossa perspetiva, colocou em crise o depoimento prestado pela testemunha P., em que a 1ª Instância alicerçou o julgamento de facto que realizou e a credibilidade que esta conferiu ao depoimento desta testemunha.
Acresce precisar que quer quanto à matéria de facto julgada provada nos pontos 27º e 28º da sentença sob sindicância, quer quanto à matéria nela julgada não provada nas alíneas A), D) e H), o Apelante não foi rigoroso no cumprimento do ónus impugnatório fixado na al. a), do n.º 2 do art. 640º do CPC, uma vez que não indica o início e o termo dos excertos do depoimento de parte e do depoimento da testemunha A. que alegadamente imporão aquele julgamento diverso que propugna, sequer procede, em alternativa, à transcrição desses excertos.
Na verdade, o Apelante limita-se a indicar o início desses excertos, sem indicar o respetivo termo de cada um desses excertos, e não procedeu à transcrição desses excertos, mas o que faz é uma transcrição subjetiva (em discurso indireto) daquilo que, na sua perspetiva, terá sido referido pelo próprio e por A. em audiência final.
3.2.5.No entanto, porque se trata de vícios ocorridos ao nível dos ónus impugnatórios secundários do julgamento da matéria de facto, apelando ao enunciado critério de proporcionalidade que nesta sede de impõe seguir, não existe fundamento legal para se rejeitar o recurso da matéria de facto com esse fundamento, até porque ao indicar o início desses excertos e ao indicar a sua interpretação subjetiva daquilo que ele próprio e a testemunha A. terão relatado, em audiência final, em cada um dos excertos a que se reporta o apelante, tal permite ao tribunal ad quem (e ao próprio apelado), sem grande esforço, detetar os excertos relevantes que o Apelante elegeu para fundamentar o seu recurso e, inclusivamente, apreender qual a lógica de raciocínio por ele seguido e que, na sua perspetiva, impõe o julgamento de facto que propugna.
Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo, que o Apelante cumpriu, de forma deficiente, mas suficiente, com os ónus impugnatórios do art. 640º do CPC, quanto à matéria de facto julgada provada nos pontos 27º e 28º e nas alíneas D e H da nela julgada como não provada.

3.2.6.- Incumprimento dos ónus impugnatórios quanto à matéria julgada não provada na alínea A.
O Apelante imputa erro de julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à alínea A) dos factos não provados na sentença sob sindicância, pretendendo que perante as declarações de parte que prestou em audiência final, se impõe concluir pela prova do seguinte:
“A constituição do Autor no regime de contumaz em 29 de abril de 2007, assim como a manutenção da sua inscrição sob esse regime até 2 de maio de 2008, depois de declarada a sua cessação em 06 de julho de 2007 provocou ao Autor danos morais e patrimoniais na sua vida pessoal e patrimonial”.
A propósito da mencionada impugnação, dir-se-á que o Apelante apenas cumpre, de modo meramente aparente, mas não efetivo, o ónus impugnatório da al. b), do n.º 1 do art. 640º do CPC, na medida em que o segmento danos morais e patrimoniais na sua vida pessoal e patrimonial, não integra qualquer matéria fáctica, mas apenas matéria conclusiva e de direito.
Na verdade, “danos” são os prejuízos sofridos por uma pessoa por ato de terceiro.
Esses prejuízos podem ser patrimoniais (perda ou deterioração de um bem, realização de uma despesa, perda de um ganho, etc.) ou morais, também designados de “dano não patrimonial (sofrimento físico ou psicológico, atentado à dignidade, ao respeito da vida privada, etc.) Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5ª ed., Almedina, pág. 434..
Dito por outras palavras o dano “é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais que o direito ou a norma infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtração ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea”.
Esses danos podem ser patrimoniais ou não patrimoniais.
O dano patrimonial “é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado (…) e “compreende o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão” (os denominados danos emergentes) e os lucros cessantes, isto é, “os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão”.
Já os “danos morais” ou “não patrimónios” são os prejuízos sofridos pelo lesado mas que não são suscetíveis de avaliação pecuniária atenta a sua natureza Antunes Varela, “Das Obrigações Em Geral”, vol. I, Almedina, págs. 619 e 621..
Assim é que se considera que “os danos patrimoniais” são os prejuízos sofridos pelo lesado que “sendo suscetíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão diretamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão), pelo menos indiretamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária”. Os danos não patrimoniais ou morais são os “prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integra o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” Antunes Varela, ob. cit., págs. 622 e 623. .
Por sua vez, são “factos” os acontecimentos externos ou internos suscetíveis de serem percecionados pelos sentidos Ac. STJ. de 03/04/1963, Proc. 058690, in base de dados da DGSI..
Nos termos do art. 341º do CC, os factos são demonstrados através da prova.
Segundo Manuel Andrade, os “factos” que podem ser objeto de prova tanto podem ser: 1) estados ou acontecimentos que, direta ou indiretamente, sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, como os factos acessórios, que tocam apenas à admissibilidade dum meio probatório (ex: à capacidade duma testemunha) ou à sua autoridade (exs.: autenticidade dum documento, a credibilidade de uma testemunha); 2) como podem ser factos do mundo exterior (factos externos: uma convenção oral ou escrita, um choque de viaturas, a morte duma pessoa, etc.), como os da vida psíquica (factos internos: o dolo, o conhecimento de dadas circunstâncias, uma certa intenção, etc.); 3) como podem ser os factos reais (segundo a respetiva afirmação da parte) como os chamados factos hipotéticos (lucros cessantes, vontade hipotética ou conjetural das partes, para efeitos, v.g., de redução ou conversão de negócios jurídicos, etc.); como factos nus e crus (se verdadeiramente os há) como os juízos de facto (a impossibilidade de se produzir um certo facto, etc.) Manuel Andrade, ob. cit., pág. 194..
Por sua vez, são meios de prova legalmente admissíveis para prova dos factos: a prova por confissão (arts. 352º a 361º do CC e 452º a 466º do CPC); a prova documental (arts. 362º a 387º do CC e 423º a 451º do CPC); a prova pericial (arts. 388º, 389º do CC e 467º a 489º do CPC); a prova testemunhal (arts. 392º a 396º do CC e 495º a 526º do CPC); a prova por inspeção judicial (arts. 390º, 391º do CC e 490º a 493º do CPC); e a prova por apresentação de coisas (art. 416º do CPC) Teixeira de Sousa, ob. cit. “Estudos…”, págs. 324 a 333..
Logo, “danos morais e patrimoniais na sua vida pessoal e patrimonial” não são factos, mas são meros conceitos conclusivos e de direito que hão-de resultar da facticidade alegada (e provada) pelo Apelante, na petição inicial, atinente às repercussões negativas que a conduta que imputa ao Apelado alegadamente teve, como consequência direta e necessária, na sua esfera jurídica pessoal e patrimonial.
Essa facticidade atinente a essas repercussões negativas que emerjam em consequência direta e necessária da conduta (ilícita e culposa) do Apelado para a esfera jurídica pessoal ou patrimonial que se venham a apurar (mediante a utilização dos meios de prova legalmente permitidos) é que serão enquadrados pelo tribunal, em sede de subsunção jurídica da factualidade apurada e não provada ao direito aplicável (mérito), de acordo com as classificação doutrinal e jurisprudencial, que distingue entre danos patrimoniais e não patrimoniais (morais), numa ou na outra das referidas categorias, que prevêem regras próprias e específicas de ressarcibilidade/compensação de cada uma dessas categorias de danos.
Consequentemente, aqui chegados, porque o tribunal, em sede de julgamento de facto, na sentença, apenas pode julgar provados ou não provados factos (art. 607º, n.ºs 2 e 3 do CPC), devendo declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados e discriminar os que julga provados, e não conclusões ou classificações jurídicas, é indiscutível que materialmente o Apelante não cumpriu com o ónus impugnatório do julgamento da matéria de facto previsto na al. b) do n.º 2 do art. 640º do CPC, na medida em que a decisão que, na sua perspetiva, deve ser proferida em relação à facticidade julgada não provada na al. A) da sentença, não consubstancia quaisquer factos, mas meras expressões conclusivas e de direito.
Nesta sequência, rejeita-se o recurso quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância em relação à alínea A) dos factos julgados não provados na sentença, por incumprimento, pelo apelante, do ónus impugnatório do art. 640º, n.º 1, al. b) do CPC.

3.4. Impugnação do julgamento das alíneas D) e H) dos factos julgados não provados.
A 1ª Instância julgou como não provada a seguinte facticidade:
D - Por causa da constituição do Autor no regime de contumaz em 29 de abril de 2007, assim como a manutenção da sua inscrição sob esse regime, até 02 de maio de 2008, depois de declarada a sua cessação em 06 de julho de 2007, o Autor ficou impossibilitado de concretizar negócio, para o qual estava devidamente mandatado, relativo a cessão de quota de sociedade comercial, por lhe ter sido vedada a realização da escritura, bem como a solicitação de quaisquer documentos para o efeito.
H – Pela simples indicação do seu nome na Internet (Google), surge a indicação de que o Autor se encontra na situação de "contumaz”.
E fundamentou a não prova dessa facticidade nos seguintes termos:
“Porquanto, no âmbito desta factualidade, e sobre esta matéria, para além dos documentos enunciados em cada um dos factos supra, cujo teor tinha já sido objeto de impugnação pelo Réu, apenas o Autor emitiu pronúncia em audiência final, e nesse domínio, de relevo, ele próprio apenas referiu que “entre 2007 e 2008, houve várias situações que lhe complicaram a vida”, e que “a contumácia teve consequências diretas e imediatas na sua vida”, e que, “os danos patrimoniais tem a ver com a imprevisibilidade de realizar atos de registo junto da Conservatórias”, e que “as pessoas têm dificuldades em lidar com as entidades públicas quando está em causa a contumácia”, e que, “teve problemas de saúde em 2005, 2006 e 2007”.
E para além da vaguidão e generalidade com que alegou a ocorrência dos danos em apreço na petição inicial, assim como a sua quantificação, nem mesmo em sede de produção de prova, em audiência final, o Autor logrou fazer prova cabal do que alegou, pois que ainda mais vago e genérico se manteve. De resto, a única testemunha que se referiu sobre essa matéria, e versando em especial o seu estado anímico, foi a testemunha J., advogado e colega do Defensor Oficioso nomeado ao arguido, ora Autor, Dr. M., e que referiu que no ano de 2007, a Autor “andava ansioso e preocupado”, e que “ essa ansiedade advinha dos seus problemas de vida”, e ainda, que “não teve conhecimento de negócios queridos realizar pelo Autor.”
O Apelante impugna este julgamento de não provado realizado pela 1ª Instância, sustentando que perante os excertos das suas declarações de parte (que indica, nos termos acima já enunciados), se impõe concluir pela prova da facticidade das referidas alíneas D) e H), mas sem indiscutível razão.
Vejamos:
É inegável que as declarações de parte de teor não confessórias, por regra, não podem suportar a prova dos factos quando desacompanhadas de outra prova que as confirme, face, nomeadamente, ao manifesto interesse que o declarante tem na causa e à previsível e natural existência de outra prova disponível para o efeito, pessoal e/ou documental.
Com efeito, é a própria lei que afirma que as declarações de parte não confessórias serão livremente apreciadas pelo tribunal, por naturalmente beneficiarem o próprio declarante (art. 466.º, n.º 3 do CPC).
Enuncie-se que perante o reconhecimento da inegável fragilidade decorrente do interesse próprio de quem depõe, a doutrina e a jurisprudência não têm sido unânimes sobre a força probatória a atribuir às declarações e ao depoimento de parte sem valor confessório.
Na verdade, segundo uns, essas declarações e depoimento de parte sem valor confessório nunca podem servir para que com base exclusivamente nelas, se dar como provada determinada realidade factual, podendo as mesmas apenas valer como princípio ou complemento de prova (exigindo a demonstração do facto que afirmam por uma prova adicional), ou como um de meio de prova eminentemente integrativo (clarificando o resultado dos demais).
Já outros defendem que essas declarações ou depoimento de parte sem valor confessório, apenas podem ser considerados e com base exclusivamente nelas ser julgada provada a realidade dos factos em julgamento, em situações verdadeiramente excecionais e subsidiários, como acontece naquelas situações em que não existam outros elementos de prova, como acontece nos acidentes de viação, em que o acidente apenas foi percecionado pelo autor (declarante e condutor de um dos veículos) e pelo condutor do veículo seguro pela Ré Neste sentido, mais exigente, Carolina Henriques Martins, Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, pág. 58, José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 278, Paulo Pimenta, Processo Declarativo, Almedina, julho de 2014, pág. 357, Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pág. 383-384, ou Remédio Marques, «A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte chamada a prestar informações ou esclarecimentos», Julgar, 2012, págs. 137-172.
Na jurisprudência, Ac. da RG de 16/11/2017, Proc. 51/11.0TBMDR-A.G1; de 01/03/2018, Proc. 755/14.5TBFAF.G1; da RP, de 15.09.2014, Processo n.º 216/11.4TUBRG.P1, Ac. da RP, de 20.11.2014, Processo n.º 1878/11, Ac. da RP, de 17.12.2014, Processo n.º 2952/12, Ac. da RP, de 17.12.2014, Processo n.º 8181/11, Ac. da RP, de 23.03.2015, Processo n.º 1002/10.4TVPRT.PI, Ac. da RL, de 07.06.2016, Processo n.º 427/13.8TVLSB.L1-1, Ac. da RP, de 20.06.2016, Processo n.º 2050/14, Ac. da RE, de 06.10.2016, Tomé Ramião, Processo n.º 1457/15, ou Ac. da RL, de 13.10.2016, Processo n.º 640/13.8TCLRS.L1.-2

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Finalmente, outros não degradam antecipadamente o valor probatório das declarações de parte, pelo que a maior ou menor idoneidade que lhes seja conferida, no caso concreto, dependerá nomeadamente da possibilidade, ou impossibilidade, de recurso a outros meios de prova, e da forma como foram prestadas, isto é, com ou sem serenidade e relativo desapego face à realidade retratada (circunstâncias a ponderar cum grano salis, face à natureza de parte do depoente), com ou sem convicção e assertividade, nomeadamente na fundamentação (incluindo corroborações periféricas), com ou sem contradições (incluindo correções espontâneas), com ou sem hesitações ou tibiezas (incluindo reação da parte a perguntas inesperadas), com ou sem espontaneidade e fluidez (incluindo contextualização espontânea do relato, e riqueza de detalhes) Neste outro sentido, menos exigente, Elizabeth Fernandez, «Nemo Debet Esse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)Coerência do Sistema Processual a Este Propósito», Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, pág. 23, Catarina Gomes Pedra, A Prova por Declarações das Partes no Novo Código de Processo Civil. Em Busca da Verdade Material no Processo, Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, pág. 145, Mariana Fidalgo, A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, pág. 80, ou Luís Filipe Pires de Sousa, «As malquistas declarações de parte», in
http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquios_STJ/CPC2015/painel_1_articulados_audiencia_LuisSousa.pdf, consultado em Junho de 2018.
Na jurisprudência, Ac. da RE, de 12.03.2015, Processo n.º 1/12.6TBPTM.E1, Ac. do STJ, de 05.05.2015, Processo n.º 607/06.2TBPMS.C1.S1, Ac. da RG, de 17.09.2015, Processo n.º 912/14.4TBVCT-A.G1, Ac. da RG, de 02.05.2016, Processo n.º 2745/15.1T8VNF-A.G1, Ac. da RE, de 12.01.2017, Processo n.º 812/13.5TBVNO.E1, Ac. da RL, de 26.04.2017, Processo n.º 18591/15.0T8SNT.L1-7, ou Ac. do TCAS, de 19.10.2017, Processo n.º 985/16.5BEALM..
Acontece que conforme se vem dizendo, apesar das enunciadas divergências, mesmo para os defensores desta última corrente, as declarações de parte, sem valor não confessório, quando se destinam a beneficiar o próprio declarante, têm de ser vistas com as necessárias, reforçadas e naturais cautelas, uma vez que são prestadas por quem naturalmente tem interesse na causa.
Ora, no caso, para além do Apelante não concretizar que concretos negócios aquele ficou impossibilitado de celebrar/concretizar em consequência da contumácia, quando se impunha que o fizesse, verifica-se que não juntou aos autos outros meios de prova, designadamente, documental, que corroborassem essas declarações, quando se julga que lhe era fácil fazê-lo, nomeadamente, através de prova documental atinente a esse negócio ou negócios que terão ficado por concretizar, quando, inclusivamente, diz ter sido mandatado para a concretização daqueles, pelo que o mesmo, facilmente poderia juntar aos autos a procuração ou procurações que alegadamente lhe foi(oram) passada(s), mandatando-o para executar esse(s) negócio(s), bem como os documentos comprovativos da(s) data(s) designada(s) para a convocação de assembleias da sociedade ou sociedades a que se refere(em) esse(s) negócio(s) ou da data ou datas designada(s) pelo cartório notarial referente à celebração desse negócio ou negócios, que pretensamente terão ficado sem efeito, e arrolar como testemunha a pessoa ou pessoas que o mandataram para o efeito, o que não fez, o que de per se, levaria à improcedência da impugnação do julgamento da matéria de facto quanto às enunciadas alíneas D) e H) dos factos julgados não provados na sentença.
Acresce precisar que sempre perante o caráter interessado das declarações de parte prestadas pelo Apelante e perante a ausência de outra prova que comprovasse a realidade dos factos que por aquele foi relatado nessas declarações, o tribunal teria de ficar necessariamente numa situação de dúvida face à possibilidade ou não dessas suas declarações corresponderem à realidade ontológica acontecida.
O ónus da prova dessa facticidade impendia sobre o Apelante (art. 342º, n.º 1 do CC), pelo que perante essa situação de dúvida quanto à veracidade ou dos factos a que se reportam essas alíneas D) e H), sempre se teria de dirimir essa situação de dúvida, nos termos do art. 414º do CPC, contra a parte a quem o facto aproveita, isto é, contra o Apelante, concluindo pela não prova dessa facticidade.
Finalmente, incumbe relembrar ao Apelante que para que o tribunal de recurso possa alterar o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, nos termos do n.º 1 do art. 662º do CPC, não basta que a prova por ele indicada, conectada com a restante prova constante dos autos, a que o tribunal ad quem, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta esse julgamento diverso que postula, mas antes que o imponha.
Com efeito, no atual vigente CPC mantém-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, pelo que nos casos em que os factos em julgamento vêm esse julgamento submetido ao princípio da livre apreciação da prova, perante esses princípios e considerando que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao juiz da 1ª Instância, sequer desconsiderar totalmente os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis a esse julgador, que intermediou na produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da sua convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação áudio dos depoimentos pessoais prestados em audiência final.
Deste modo, é que o uso pela 2.ª Instância dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só devem ser usados quando a prova produzida ou um documento superveniente “impuserem decisão diversa”, isto é, quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, ou seja, quando depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova produzida que entenda pertinente, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância, devendo a 2.ª Instância “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida” fazer “prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609..
Resulta do que se vem dizendo, improceder a impugnação do julgamento da matéria de facto quanto às alíneas D) e H) dos factos julgados na sentença, que assim se mantém inalteradas.

3.5- Impugnação do julgamento da matéria dos pontos 27º e 28º - inutilidade.
Perante a improcedência da impugnação do julgamento da matéria de facto das alíneas D) e H) da matéria julgada não provada na sentença, compulsada a facticidade julgada provada na sentença sob sindicância, verificando-se que o Apelante não logrou fazer prova, conforme era seu ónus fazer (art. 342º, n.º 1 do CC) em como, em consequência direta e necessária da situação de contumácia em que foi mantido após esta ter sido levantada pelo juiz, tivesse sofridos quaisquer danos, naturalmente que a apreciação da impugnação da matéria de facto julgada provada nos pontos 27º e 28º operada pelo Apelante é inútil e traduzir-se na prática de um ato inútil, uma vez que o resultado dessa impugnação, nunca seria suscetível de se projetar na decisão de mérito a proferir nos autos.
Na verdade, conforme cremos ser entendimento jurisprudencial pacífico, o direito do recorrente à impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância não subsiste a se, mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito, pelo que por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais, a 2.ª Instância não deve reapreciar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quando os factos concretos objeto dessa impugnação sejam insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias e específicas do caso e às diversas soluções plausíveis de direito, o resultado dessa impugnação não assumir qualquer relevância jurídica, sob pena de assim não se proceder se estar a levar a cabo uma atividade processual que, de antemão, se sabe ser inútil e inconsequente.
Destarte, o princípio da limitação dos atos, consagrado no art.º 130º do CPC, tem de ser observado em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto se face à análise da situação concreta, ponderadas as várias soluções de direito plausíveis, evidenciar que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir Neste sentido Ac. STJ. 17/05/2017, Proc. 4111/13.4TBBRG; RG. de 09/04/2015, Proc. 4649/11.8TBRG.G1; 18/12/2017, Proc. 3892/16.8TBRG.G1, em que fomos 2º adjunto; RL. 10/1072017, Proc. 23656/15.5T8SNT.L1-7; RC. de 27/5/2014, Proc. 104/12.0T2AVR.C1 e de 24/04/2012, Proc. 219/10.6T2VGS.C1, todos in base de dados da DGI..
No caso, o Apelante pretende exercer o seu direito indemnizatório contra o Estado Português por via dos pretensos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência de continuar, ilícita e culposamente, a figurar como contumaz após essa contumácia ter sido levantada pelo tribunal que a decretou.
Essa responsabilidade civil que o Apelante pretende exercer contra o apelado, Estado Português, funda-se no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, e conforme decorre dos artigos 7.º e 8.º da Lei 67/2007 e n.º 1 do art. 483º, tem como pressuposto o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
Trata-se de pressupostos legais cumulativos, pelo que para além de sobre o Apelante impender o ónus da alegação da facticidade integrativa do facto, da ilicitude, da culpa, do dano e da existência do nexo causal entre o facto e o dano, sobre o mesmo, nos termos do disposto no art. 342º, n.º 1 do CC, impende o ónus da prova da verificação dessa facticidade.
Destarte, para que a pretensão indemnizatória exercida nos autos proceda, não basta que aquele alegue e prove a facticidade atinente ao facto, à ilicitude e à culpa, mas é ainda necessária que prove que por facto desse facto ilicitude e culposo, isto é, da situação de contumácia em que foi mantido após esta ter sido levantada pelo juiz que a decretou, sofreu os concretos danos patrimoniais e não patrimoniais que alegou e que esses danos são consequência necessária e direta daquele facto ilícito e culposo.
Ora, verificando-se que o Apelante não logrou fazer prova em como tivesse sofrido nenhum dos danos que invocou, naturalmente que não se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar que pretende exercer sobre o apelado, do dano e do nexo causal entre o facto e o dano, pelo que tornou-se absolutamente inútil apreciar a impugnação do julgamento da matéria de facto que o apelante opera quanto à facticidade julgada provada nos pontos 27º e 28º da sentença.
Termos, em que nos abstemos de reapreciar o julgamento da matéria de facto julgada provada nos pontos 27º e 28º, dada a respetiva inutilidade.

4. Do Mérito.
O Apelante imputa erro de direito à decisão de mérito proferida na sentença sob sindicância, que julgou a ação indemnizatória improcedente e absolveu o apelado do pedido, sustentando que o Tribunal de Gondomar declarou cessada a contumácia em 06/07/2007, mas só em maio de 2008 é que o boletim relativo a essa cessação foi rececionado pela DSIC.
Conclui que perante as consequências ao nível do seu bom nome e descritas nos pontos 34º a 37º e 42º dos factos provados na sentença, necessariamente, há que se lhe arbitrar uma compensação.
Mais conclui que a simples privação por erro grosseiro do sistema de troca de informações do Estado dá lugar a indemnização, sabendo-se que gera danos patrimoniais de relevo e que na impossibilidade de apurar esses danos impõe-se relegar o seu apuramento para incidente de liquidação.
Conclui, sustentando não se compreender como lhe foi negada uma indemnização quando se encontra demonstrado que aquele figurou como contumaz por erro do sistema judiciário muitos meses após ter sido judicialmente declarada cessada essa situação – pontos 29º e 34º, 35º, 36º, 37º, 38º e 39º dos factos provados na sentença – e quando o mesmo era sócio gerente de três sociedades – art. 42º dos factos apurados – e quando a referência à sua contumácia no seu registo criminal provocou necessariamente a impossibilidade do mesmo atuar em benefício direto dessas sociedades e em benefício indireto do próprio.
A este propósito, reafirma-se, que a procedência da pretensão do direito indemnizatório que o Apelante pretende exercer contra o Apelado com fundamento no instituto da responsabilidade aquiliana depende da alegação e prova por parte do Apelante de factos integrativos dos pressupostos do facto, da ilicitude, da culpa, do dano e da verificação do nexo causal entre o facto e o dano ( art.º 483º, n.º 1 do CC).
Deste modo, não é suficiente para proceder a pretensão indemnizatória que o Apelante exerce contra o Apelado nos presentes autos, que o mesmo alegue e prove, como fez, que durante vários meses, após o juiz do Tribunal Judicial de Gondomar ter declarado cessada a situação de contumácia daquele, foi mantido nessa situação, por razões ligadas à inoperacionalidade do sistema de justiça.
Com efeito, daí apenas resulta que se verificou por parte do Apelado um facto, que esse facto é ilícito, por ser violador de normas destinadas a proteger interesses alheios, que o obrigavam a comunicar a cessação da declaração de contumácia do Apelante mal esta foi levantada pelo juiz, para que fosse inscrita no registo e o Apelante não ficasse sujeito às consequências gravosas da contumácia, e que para além de ilícito, esse facto é culposo, uma vez que subjacente a essa comunicação esteve necessariamente um comportamento negligente dos funcionários a que o Estado Português se socorre para exercer as suas funções públicas de soberania, que é o exercício da Justiça.
No entanto, para que esse facto ilícito e culposo dê lugar ao direito indemnizatório a que o Apelante se arroga titular, não é suficiente que, em abstrato, desse facto ilícito e culposo possam decorrer danos, sabendo-se que situações existem em que o facto, ainda que ilícito e culposo, não se chega a concretizar em prejuízo (dano) na esfera jurídica, patrimonial e/ou moral, do terceiro objeto desse facto, ou que os danos que o terceiro sofre na sua esfera jurídica não emergem desse concreto facto ilícito e culposo que serve de causa de pedir à presente ação, mas exclusivamente de outras causas.
Assim, é que se exige para que o direito indemnizatório se afirme, que em consequência do facto ilícito e culposo emirjam, como consequência direta e necessária desse facto (nexo causal) efetivos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais na esfera jurídica do terceiro. Ou seja, para além do facto ilícito e culposo, exige-se a verificação efetiva do pressuposto do dano (danos efetivos) e do nexo causal entre o facto e o dano.
Depois, não é suficiente que em consequência do facto ilícito e culposo se verifiquem, em concreto, efetivos danos patrimoniais ou não patrimoniais na esfera jurídica do terceiro, mas é necessário que este (caso o demandado não aceite assumir a sua responsabilidade extrajudicialmente), instaure a ação indemnizatória, alegando, na petição inicial, os factos essenciais (arts. 5º, n.º 1 do CPC) integrativos do facto, da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo causal entre o facto e o dano e que prove esses factos (art. 342º, n.º 1 do CC).
Ora, no caso, se o Apelante provou efetivamente os pressupostos do facto, da ilicitude e da culpa, contrariamente ao que pretende, não logrou fazer prova dos pretensos danos que alegou terem advindo para si em consequência direta e necessária daquele facto ilícito e culposo, pelo que, como bem ponderou a 1ª Instância, o mesmo não logrou fazer prova, dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do dano e do nexo causal entre o facto e o dano.
Ou seja, ainda que, em abstrato, a situação descrita nos pontos 29º, 34º a 39º e 42º da facticidade apurada na sentença, seja suscetível de causar ao Apelante danos na sua esfera jurídica pessoal e/ou patrimonial, aquele não logrou fazer prova que esses danos, nomeadamente, as eventuais lesões ao seu bom nome e os demais prejuízos que invoca, designadamente, negócios que pretensamente ficaram por fazer, se tenham efetivamente concretizado/verificado.
Precise-se que perante essa não prova em como o Apelante tivesse efetivamente sofridos danos reais e efetivos na sua esfera jurídica, seja pessoal, seja patrimonial, não era possível efetivamente ao tribunal condenar o Apelado no pedido, isto é, condenando este a indemniza-lo por pretensos prejuízos sofridos (que o mesmo não provou), sequer, nos termos do art. 609º, .º 2 do CPC, relegar o cálculo dessa indemnização para incidente de liquidação, dado que este normativo tem como pressuposto que o Apelante tivesse feito prova em como sofreu efetivos danos patrimoniais ou não patrimoniais em consequência direta e necessária do facto ilícito e culposo do demandando, mas o não apuramento de facticidade que permita ao tribunal fixar na sentença o quantum indemnizatório ou compensatório, o que não é a situação do caso presente.
Logo, porque o ónus da prova do pressuposto do dano e do nexo causal entre o facto ilícito e culposo impendia sobre o Apelante (art. 342º, n.º 1 do CC), não tendo este logrado fazer prova que, em concreto, se encontram verificados estes dois pressupostos, bem andou a 1ª Instância em julgar improcedente a ação e ao absolver o Apelado do pedido.
Termos em que improcede este fundamento de recurso.
Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo, improcederem todos os fundamentos de recurso aduzidos pelo apelante, impondo-se julgar totalmente improcedente a presente apelação e confirmar a sentença recorrida.
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IV- DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte, em julgar a presente apelação, totalmente improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
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Custas pelo Apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Registe e notifique.
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Porto, 30 de abril de 2020.
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Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro