Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00064/10.9BELSB
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/12/2012
Tribunal:TCAN
Relator:Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL ESTADO-JUIZ
ILICITUDE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
HONORÁRIOS
Sumário:I. É dado adquirido e consensualizado o de que no plano do ordenamento jurídico português vigente o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (arts. 20.º, n.ºs 4 e 5 e 268.º, n.ºs 4 e 5 da CRP) e que a infração a tal direito, que é extensível a qualquer tipo de processo (cível, penal, administrativo/tributário, laboral, etc.), constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual (art. 22.º da CRP, 06º do CEDH em conjugação ou concretizado à data dos factos em discussão com o DL n.º 48051).
II. O direito à justiça em prazo razoável assegura às partes envolvidas numa ação judicial o direito de obter do órgão jurisdicional competente uma decisão dentro dos prazos legais pré-estabelecidos, ou, no caso de esses prazos não estarem fixados na lei, de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade do processo.
III. A apreciação e integração do conceito de justiça em “prazo razoável” ou de obtenção de decisão em “prazo razoável” constitui um processo de avaliação a ter de ser aferido “in concreto” e nunca em abstrato, pelo que, nessa tarefa, nunca nos poderemos socorrer única e exclusivamente do que deriva das regras legais que definem o prazo ou os sucessivos prazos para a prática e prolação dos actos processuais pelos vários intervenientes.
IV. A apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita analisando cada caso em concreto e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida, no caso vertente (uma ação cível declarativa), a data de entrada da ação no tribunal competente e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva, contabilizando as instâncias de recurso e ainda a fase executiva caso existam.
V. Para tal tarefa de avaliação e de ponderação tem-se como adequado e útil o recurso à jurisprudência do TEDH quanto à metodologia para avaliar a razoabilidade da duração dum processo, mormente fazendo uso dos critérios da complexidade do processo, do comportamento das partes, da atuação das autoridades competentes no processo, do assunto do processo e do significado que o mesmo pode ter para o requerente, critérios esses que são valorados e aferidos em concreto atendendo às circunstâncias da causa.
VI. Os danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na atuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respetiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário, ou de diferente causalidade, em cada caso.
VII. No domínio do contencioso em que o mandato judicial seja obrigatório as despesas de justiça e, designadamente, os honorários do advogado, constituem um dano indemnizável.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:05/18/2012
Recorrente:Estado Português
Recorrido 1:M. ...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Nega total provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:-
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
ESTADO PORTUGUÊS, R. na presente ação administrativa comum, sob forma sumária, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual contra o mesmo movida por MM. …, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Viseu, datada de 22.02.2012, que julgou parcialmente procedente a pretensão, condenando-o no pagamento à A. da quantia total de 6.800,00 € a título de indemnização, quantia essa acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento, bem como no pagamento de honorários a liquidar em momento ulterior em sede incidental própria.
Formula o R., aqui recorrente, nas respetivas alegações (cfr. fls. 1216 e segs. e correção de fls. 1252/1254 na sequência de convite nos termos do despacho de fls. 1248/1249 - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário) as seguintes conclusões que se reproduzem:
...
1.º A análise do conceito justiça em prazo razoável serve-se dos seguintes critérios: 1 - a complexidade do processo; 2- o comportamento das partes; 3 - a atuação das autoridades competentes no processo.
2.º Mais recentemente a Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem acrescentou um outro critério; a saber - a importância do objeto do litígio para o interessado.
3.º Se, quanto à complexidade da causa, se verifica que a mesma não teve qualquer incidência no âmbito do processo.
4.º Quanto ao comportamento das partes a Mma. Juíza na douta sentença não valorou a matéria constante dos factos provados.
5.º Com efeito, o processo teve atrasos provocados pelas partes, designadamente, os referidos nos números 2, 4, 6, 7, 8, 11, 13, 14, 17, 22 e 27 dos factos dados como provados, além de outros.
6.º Ou seja, durante cerca de quatro anos e dois meses, as delongas processuais não são imputáveis ao Réu Estado.
7.º A apreciação e integração do conceito de justiça em prazo razoável ou de obtenção de decisão judicial em prazo razoável trata-se dum processo de avaliação a ter de ser feito «in concreto» e nunca em abstrato analisando cada caso em concreto e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida a data de entrada da ação no tribunal competente e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva.
8.º Vemos assim não se encontrar preenchido o conceito de violação de prazo razoável para decisão em processo judicial, garantido pelo artigo 20.º, n.º 4 da CRP, em sintonia com o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que gere a obrigação de indemnizar, por não se verificarem os pressupostos da ilicitude e da culpa.
9.º Já quanto ao comportamento das autoridades competentes - por parte do Tribunal Judicial de Castro Daire e do Tribunal de Círculo de Lamego, verificou-se um comportamento adequado e exemplar às exigências do serviço.
10.º E também quanto à importância do processo para a Autora: - não ficou provado, nem sequer foi alegado que o recebimento da quantia indemnizatória era imprescindível à sua vida pessoal por ser pessoa de fracos recursos económicos ou por dependerem em exclusivo desse valor.
11.º Neste contexto, conjugando todos estes pressupostos, entendemos que, atenta a toda a matéria dada como provada, o período de tempo que demorou o processo abstratamente, não excedeu o que no caso concreto se deva considerar um prazo razoável.
12.º Por outro lado, nos termos do artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil os danos morais só são indemnizáveis se atingirem uma gravidade tal que mereça a tutela do direito.
13.º Ora, a ansiedade, a depressão, a angústia, a incerteza, as preocupações e aborrecimentos e as insónias, não se encontram abrangidos pela previsão do referido artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil, pois não passam dos naturais aborrecimentos que a entrada e pendência duma ação em tribunal provoca, não merecendo, uma especial tutela do direito, nem justificam a indemnização por danos não patrimoniais.
14.º Não sendo razões económicas de pequena monta e aborrecimentos pessoais que devem justificar que o atraso na realização da justiça possa sem mais, sem que se provem danos concretos provocados por tal atraso, originar a obrigação de indemnizar por parte do Estado.
15.º Pode-se assim, concluir e face à interpretação que se faz do disposto no artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e respetiva Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que à Autora não assiste o direito a qualquer indemnização, uma vez que a sua pretensão não é enquadrável no disposto naquela norma, nem no disposto no artigo 20.º, n.º 4 da CRP, pelas mesmas razões.
16.º Quanto à condenação no pagamento de honorários a liquidar em execução sentença entendemos a inindemnizabilidade do dano com os custos dos honorários dos advogados pelo que a sentença recorrida enferma de erros de julgamento, por indevida interpretação e aplicação do artigo 39.º, n.º1 do D. Lei n.º 275/99, de 23/07 e os artigos 33.º, n.º 1, c), 40.º e 41.º todos do CCJ.
17.º De fato, só em situações excecionais que envolvam casos de má fé processual imputável à parte vencida (n.º 1 do artigo 457.º do CPC) ou da inexigibilidade da obrigação em que não haja litígio relativamente à sua existência (n.º 3 do artigo 662.º do CPC) é que a lei admite que se condene alguém no pagamento dos honorários devidos ao mandatário da outra parte.
18.º Por conseguinte ao condenar o Réu Estado Português não fez a Mma. Juíza uma correta aplicação dos factos ao direito, porquanto o Estado Português não violou a sua obrigação de proferir uma decisão jurisdicional em prazo razoável, tal como estipula o artigo 20.º, n.º 4 da CRP, artigo 1.º, 2.º, 6.º e 7.º do D. Lei n.º 48051, de 21/11/1967 e artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
19.º Termos em que deve ser revogada a decisão sob recurso e substituída por outra na qual se proceda à absolvição do Réu ESTADO PORTUGUÊS ...”.
A A. apresentou contra-alegações (cfr. fls. 1231 e segs.), nas quais pugna pela manutenção do julgado sem, todavia, ter apresentado quaisquer conclusões.
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.



2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redação introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar parcialmente procedente a pretensão deduzida pela A. contra o R., aqui recorrente, considerando verificados os pressupostos de responsabilidade civil extracontratual do Estado-Juiz [em especial, os da ilicitude/culpa e do dano], incorreu em erro de julgamento dada a infração ao disposto nos arts. 20.º, n.º 4 da CRP, 01.º, 02.º, 06.º e 07.º do DL n.º 48051, de 21.11.1967, 06.º, n.º 1 da CEDH, 496.º do CC, 39.º, n.º1 do DL n.º 275/99, de 23.07, 33.º, n.º 1, c), 40.º e 41.º todos do CCJ [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].


3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resultou apurada da decisão judicial recorrida [retificado o lapso material no n.º LIV) « e a A. que tinha arrestado…» e não «e a R. que tinha arrestado»] a seguinte factualidade:
I) A A. MM. …, em 13.02.2002, deu entrada no Tribunal Judicial de Castro Daire da ação declarativa constitutiva, com processo ordinário contra “RO. …, Ld.ª”, que foi distribuída à secção única desse Tribunal, tendo-lhe sido atribuído o n.º 106/2002 (fls. 158 dos autos constante da certidão incorporada) - Alínea A) da Matéria Assente.
II) A R. foi citada por carta com A/R em 19.02.2002, tendo esta formulado pedido para a prorrogação de prazo para contestar, em requerimento de 20.03.2002, o que sem oposição da A., em requerimento de 25.03.2002, foi deferido por despacho de 02.04.2002 (fls. 267, 270 e 272) - Alínea B) da Matéria Assente.
III) A contestação deu entrada em 30.04.2002, com procuração a favor dos Ilustres advogados JV. …e JF. … (fls. 275 a 283) - Alínea C) da Matéria Assente.
IV) Em 28.05.2002, seguiu-se conclusão e despacho no sentido de designação do dia 19.09.2002 para tentativa de conciliação, sendo que nesta data, em ata, foi adiada a diligência, em virtude de faltar o mandatário da A., para o dia 22.10.2002, altura em que foi realizada a diligência e encerrando-se a mesma com a constatação da inviabilidade da sua finalidade (fls. 317, 324 e 327) - Alínea D) da Matéria Assente.
V) Conclusão dos autos em 28.10.2002 com despacho na mesma data a designar o dia 08.01.2003 para audiência preliminar, data essa acertada com os mandatários das partes segundo tal despacho (fls. 328) - Alínea E) da Matéria Assente.
VI) Em 06.01.2003 é junto requerimento dos Exm.ºs Advogados da R. a renunciarem ao mandato e é concluso ao Mm.º Juiz em 07.01.2003, com despacho, da mesma data, a ordenar, a propósito, o cumprimento o disposto no art. 39.º do CPC e, por esse motivo, a desmarcar a audiência preliminar (fls. 333 e 336) - Alínea F) da Matéria Assente.
VII) Em 17.03.2003, depois de vicissitudes ocorridas com o cumprimento de tal dispositivo legal quanto à R., mediante requerimento da A., de 28.02.2003, conclusão com despacho a ordenar que se solicitasse à Ordem dos Advogados a nomeação de patrono (fls. 362 e 369) - Alínea G) da Matéria Assente.
VIII) A Ordem dos Advogados respondeu por ofício entrado em 26.03.2003 com a nomeação de patrono na pessoa da Exm.ª Advogada Dr.ª PC. … (fls. 371) - Alínea H) da Matéria Assente.
IX) Conclusão em 01.04.2003 na qual se despachou a ordenar a notificação de advogado nos termos do art. 39.º do CPC (fls. 372) - Alínea I) da Matéria Assente.
X) Conclusão em 06.05.2003 e despacho em 08.05.2003 a designar o dia 23.09.2003 para audiência preliminar (fls. 374) - Alínea J) da Matéria Assente.
XI) Em 16.09.2003 o Ilustre Advogado da A., por fax, informou no processo a sua indisponibilidade por doença para essa audiência de 23.09.2003, com solicitação de nova data posterior a 31.10 (fls. 379) - Alínea L) da Matéria Assente.
XII) Em 19.09.2003, por despacho dessa data ficou sem efeito a audiência preliminar e designou-se o dia 19.11.2003 para tal (fls. 384) - Alínea M) da Matéria Assente.
XIII) Em 28.10.2003, o Ilustre Advogado da A. renunciou ao mandato ao que, em conclusão de 29.10.2003, e nesta data, foi proferido despacho, onde se ordenou, mais uma vez, o cumprimento do disposto no art. 39.º do CPC (fls. 402 e 404) - Alínea N) da Matéria Assente.
XIV) A A. em 24.11.2003 fez juntar procuração com a constituição de advogada, a Exm.ª Advogada Dr.ª CP. …, pelo que não foi possível realizar a audiência preliminar designada para 19.11.2003 (fls. 409) - Alínea O) da Matéria Assente.
XV) Em 28.11.2003, conclusão e despacho a designar-se o dia 28.04.2004 para audiência preliminar (fls. 411) - Alínea P) da Matéria Assente.
XVI) Em 02.12.2003, a A. foi notificada que se encontrava marcado para o dia 28.04.2004 a audiência preliminar - Alínea Q) da Matéria Assente.
XVII) Em 28.04.2004, em ata, adiou-se a mesma para o dia 28.06.2004 por a R. não se encontrar notificada, já que a carta para notificação da data para a realização da audiência preliminar havia sido devolvida (fls. 417) - Alínea R) da Matéria Assente.
XVIII) Em 28.06.2004 realizou-se a audiência preliminar na qual foi elaborado despacho saneador e as partes de imediato apresentaram os seus requerimentos probatórios e se ordenou a remessa dos autos ao respetivo Círculo Judicial para a indicação da data para julgamento (fls. 445 a 454) - Alínea S) da Matéria Assente.
XIX) Em 15.07.2004, em conclusão da mesma data, o Exm.º Mm.º Juiz de Círculo designou o dia 01.04.2005 para audiência de julgamento, ordenando a convocação do Exm.º Juiz titular do processo (fls. 457) - Alínea T) da Matéria Assente.
XX) O Juiz titular foi convocado em 16.09.2004, na conclusão aposta nessa data, ordenando o cumprimento do disposto no art.155.º, n.º 2 do CPC (fls. 458) - Alínea U) da Matéria Assente.
XXI) Em 21.09.2004 a A. é notificada de que se encontra marcado o julgamento para o dia 01.04.2005 pelas 9H30M (cfr. doc. n.º 04 junto com a petição inicial) - Alínea V) da Matéria Assente.
XXII) Por motivos profissionais atinentes à Exm.ª Mandatária da A., a mesma, por requerimento junto por fax em 23.09.2004 (original junto em 29.09.2004), solicita o reagendamento da audiência (fls. 462 e 465) - Alínea X) da Matéria Assente.
XXIII) Seguiram-se as conclusões e respetivos despachos do Mm.º Juiz titular do processo e do Mm.º Juiz de Círculo, sendo que este último, por despacho proferido em 13.10.2004, designou o dia 29.04.2005, para realização de audiência e julgamento (marcação da audiência numa das datas indicadas pela mandatária da A.) (fls. 468 e 469) - Alínea Z) da Matéria Assente.
XXIV) Foi ordenada a convocação da audiência, para a data supra referida pelo Juiz titular do processo, por despacho 21.10.2004 (fls. 470) - Alínea AA) da Matéria Assente.
XXV) Foram notificadas as partes e designadas as videoconferências, para a referida data (fls. 471 a 486) - Alínea AB) da Matéria Assente.
XXVI) Nesta última data (29.04.2005), em ata, sem que se constate qualquer tomada de posição de desacordo das partes, o Mm.º Juiz declara-se impedido em outras audiências e designa o dia 23.09.2005 para a realização da audiência (fls. 487) - Alínea AC) da Matéria Assente.
XXVII) Em 21.09.2005 a Exm.ª Advogada da A. faz juntar documento requerendo o adiamento da audiência por motivo da sua própria doença, perante o qual, em despacho de 22.09.2005, se ordenou que se aguardasse a data de audiência para se proceder ao adiamento mas não se deixando de determinar a desconvocação de intervenientes processuais (fls. 490 e 493) - Alínea AD) da Matéria Assente.
XXVIII) Em 23.09.2005, em ata, designou-se então o dia 07.04.2006 para a audiência de julgamento (fls. 495) - Alínea AE) da Matéria Assente.
XXIX) Em 07.11.2005, a A. é notificada de que o julgamento se encontra marcado para o dia 07.04.2006, pelas 9H30M (Doc. n.º 04 junto com a petição inicial) - Alínea AF) da Matéria Assente.
XXX) Em cota de 15.12.2005 (fls. 371) é suscitada a informação de que existiu no Tribunal Judicial de Castro Daire o processo de falência n.º 174/03.9TBCDR, intentado contra a R. e que o mesmo foi remetido em 30.08.2004 para o “Tribunal de Falências de Lisboa”, 2.º Juízo, bem como de que aí foi proferida em 26.01.2005 sentença a decretar a falência, já transitada em julgado (fls. 524) - Alínea AG) da Matéria Assente.
XXXI) Por despacho de 16.12.2005, em conclusão dessa data, ordenou-se que se solicitasse informação sobre o estado do aludido processo (fls. 524 verso) - Alínea AH) da Matéria Assente.
XXXII) Em 06.04.2006 é aposta cota informando-se que o Mm.º Juiz de Círculo comunicou telefonicamente o seu impedimento para a audiência de julgamento designada para 07.04.2006, em virtude de outros julgamentos e o adiamento sine die da mesma (fls. 527) - Alínea AI) da Matéria Assente.
XXXIII) Na mesma data a oficial de justiça contactou telefonicamente com os mandatários das partes a comunicar o conteúdo da citada cota (fls. 527) - Alínea AJ) da Matéria Assente.
XXXIV) Em 18.04.2006 e 02.05.2006, respetivamente, são proferidos despachos dos mencionados Magistrados, consoante o caso em conclusões que lhes foram abertas para o efeito, tendo sido designada, a audiência de julgamento, o dia 19.01.2007, tendo o Magistrado de Círculo justificado no seu despacho a dilação da marcação (fls. 532 e 534) - Alínea AL) da Matéria Assente.
XXXV) Em 22.05.2006 é junto ofício do Tribunal do Comércio, 2.º Juízo, com certidão da sentença a decretar a falência da R. no processo já invocado, com nota de trânsito em julgado fixado em 23.02.2005, o que foi notificado à A. por carta de 14.06.2006 (fls. 539 a 545 e 546) - Alínea AM) da Matéria Assente.
XXXVI) A A., por requerimento junto a 22.06.2006 deduz pretensão no sentido da antecipação da audiência de julgamento considerando o culminar do mesmo processo de falência, merecendo o mesmo o despacho de 25.09.2006, indeferindo-o (fls. 548 e 552) - Alínea AN) da Matéria Assente.
XXXVII) Por cota de 17.01.2007, informa-se que em virtude de ação de formação a Exm.ª Magistrada Judicial do Círculo estava impedida de realizar o julgamento e que o mesmo ficou adiado sine die (fls. 573) - Alínea AO) da Matéria Assente.
XXXVIII) Em 18.01.2007 consignou-se que foram informados Exm.ºs Mandatários das partes, do referido adiamento (fls. 574) - Alínea AP) da Matéria Assente.
XXXIX) Em conclusão de 25.01.2007, a Mm.ª Juiz de Círculo, na mesma data, constatando nos autos a falta de notificação do Liquidatário da Massa Falida da R. para os termos da ação, sobrestou na designação de nova data para a audiência de julgamento (fls. 579) - Alínea AQ) da Matéria Assente.
XL) Em conclusão de 31.01.2007, por despacho proferido na mesma data, determinou-se em conformidade com o despacho da Mm.ª Juiz de Círculo, a notificação do liquidatário judicial, notificação esta que foi cumprida por carta de 06.02.2007 (fls. 582 e 585) - Alínea AR) da Matéria Assente.
XLI) Face à inércia do Liquidatário, em conclusão de 05.03.2007, por despacho na mesma data, ordenou-se que se solicitasse ao citado processo de falência informação sobre o estado do mesmo e se se mantinha o mesmo Liquidatário, recebendo-se então comunicação desse processo com a informação de que o mesmo se encontrava a aguardar a liquidação (fls. 594) - Alínea AS) da Matéria Assente.
XLII) Entre 22.03.2007 e 10.04.2007 o Mm.º Juiz da Comarca e o Mm.º Juiz de Circulo despacharam no sentido da audiência de julgamento ser designada para o dia 13.12.2007 (fls. 601 e 603) - Alínea AT) da Matéria Assente.
XLIII) No dia 16.04.2007 é a A. notificada de que o julgamento se encontra novamente marcado, mas desta feita para o dia 13.12.2007, pelas 9H45M (Doc. n.º 04 junto com a petição inicial) - Alínea AU) da Matéria Assente.
XLIV) No dia 13.12.2007 realizou-se a audiência de julgamento e a designou-se o dia 07.01.2008 para continuação da audiência de julgamento para efeito da leitura das respostas à matéria de facto (fls. 668 a 671) - Alínea AV) da Matéria Assente.
XLV) No dia 07.01.2008, foi feita a leitura da decisão sobre a matéria instrutória, não se encontrando presentes os mandatários das partes, razão pela qual tal decisão foi notificada por carta e se ordenou que se aguardasse o prazo do art. 657.º do CPC (fls. 679) - Alínea AX) da Matéria Assente.
XLVI) Em 15.02.2008 abriu-se conclusão para sentença que veio a ser proferida em 05.05.2008 e notificada à A. por ofício de 12.05.2008, tendo a ação sido julgada procedente por provada e a R. foi condenada a pagar à A. a quantia de 66.589,52 € acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 21.06.2001, contados sobre a quantia de 17.457,93€ e desde 03.09.2001, sobre a quantia de 49.131,59 € e até 26.01.2005 (fls. 680 a 706 e 708 e Doc. n.º 05 junto com a petição inicial) - Alínea AZ) da Matéria Assente.
XLVII) No ano de 2003, foi instaurado processo de falência, contra a R., da ação ordinária supra referida, no Tribunal Judicial de Castro Daire tendo sido remetido em 30.08.2004 para o “Tribunal de Falências de Lisboa”, 2.º Juízo, uma vez que a R., mudou entretanto a sua sede social (fls. 524) - Alínea AAA) da Matéria Assente.
XLVIII) Foi decretada a falência por sentença proferida em 26.01.2005, que transitou em julgado (fls. 539 a 545) - Alínea AAB) da Matéria Assente.
XLIX) Em 18.02.2005, foi publicado anúncio, na III.ª Série do DR, a convocar os credores para reclamarem os seus créditos em 30 dias - Alínea AAC) da Matéria Assente.
L) O prazo de 30 dias para reclamar créditos, nos termos do estatuído no art. 188.º, n.º 2 CPFREF, terminou no dia 21.03.2005 (fls. 120 e 121) - Alínea AAD) da Matéria Assente.
LI) O crédito da A. poderia ainda ter sido reclamado, até ao dia 21.03.2006 (um ano a contar da data da publicação do anúncio) (fls. 120 a 135) - Alínea AAE) da Matéria Assente.
LII) A A. só reclamou o seu crédito em 11.07.2008, após o decurso de ambas as datas, supra referidas, que não foi admitido, por despacho proferido em 14.10.2008, tendo a mesma interposto recurso, que foi admitido por despacho de 25.03.2009, que ainda se encontra pendente (fls. 120 a 135) - Alínea AAF) da Matéria Assente.
LIII) O processo que se descreve tem mais três apensos, ou seja, a Execução para Pagamento de Quantia Certa n.º 106-C/2002, o Procedimento Cautelar n.º 106-A/2002 e o Procedimento Cautelar n.º 106-B/2002 (fls. 729 a 739) - Alínea AAG) da Matéria Assente.
LIV) Todos os bens da R. foram apreendidos para compensarem os créditos reclamados na falência e a A. que tinha arrestado alguns bens, viu os mesmos serem vendidos - Alínea AAH) da Matéria Assente.
LV) Na véspera da diligência, do dia 28.04.2004, a mandatária da A. telefonou para o Tribunal de Castro Daire a confirmar se a diligência se iria realizar ou não, em virtude da distância, tendo-lhe sido dito que sim - Resposta ao artigo 01.º) da Base Instrutória.
LVI) No dia 28.04.2005, a mandatária da A., pelas 16H telefonou para o Tribunal de Castro Daire para confirmar se o julgamento se ia mesmo fazer, tendo-lhe sido dito que sim, pelo que no dia 29 se deslocaram mais uma vez de Lisboa para Castro Daire para a realização do julgamento - Resposta ao artigo 02.º) da Base Instrutória.
LVII) Aí chegadas, são surpreendidas, quando o Sr. Funcionário lhes diz que aquele dia para o julgamento tinha sido dado sem efeito, uma vez que o Tribunal se encontrava impedido com outros julgamentos - Resposta ao artigo 03.º) da Base Instrutória.
LVIII) A A. como residia e reside em Lisboa e como ficou muito desorientada com a atitude da R. só muito raramente se deslocava a Castro Daire, pelo que só em 2007 tomou conhecimento de que em 26.01.2005 a R. tinha sido declarada falida - Resposta ao artigo 05.º) da Base Instrutória.
LIX) Ao que apurou posteriormente, a ação a requerer a falência da R. tinha entrado no Tribunal de Castro Daire e só posteriormente foi remetida ao Tribunal de Comércio de Lisboa - Resposta ao artigo 06.º) da Base Instrutória.
LX) A A. efetuou duas deslocações de Lisboa a Castro Daire e regresso em viatura própria, para diligências marcadas e que não se realizaram e nem foi avisada para não comparecer, gastando gasolina, portagens e desgaste do veículo - Resposta ao artigo 07.º) da Base Instrutória.
LXI) Suportou o pagamento de horas de trabalho à sua mandatária, nesses dias, desde que saiu de Lisboa até regressar e refeições - Resposta ao artigo 08.º) da Base Instrutória.
LXII) Dada a demora dos autos a A. não sabia o que fazer à vida, como nunca mais via o processo julgado - Resposta ao artigo 10.º) da Base Instrutória.
LXIII) Começou a andar angustiada, desorientada, nervosa e muito ansiosa, não conseguindo dormir, pelo que foi forçada a procurar ajuda médica - Resposta ao artigo 11.º) da Base Instrutória.
LXIV) Vendo os anos a passar sem que a justiça fizesse nada por si, a A. começou também a sentir-se frustrada pela ineficácia do sistema na defesa dos seus interesses - Resposta ao artigo 12.º) da Base Instrutória.
LXV) Foi proferida sentença passados seis anos sobre a data da entrada da ação em Tribunal, sendo que o Réu se desfez de grande parte do seu património e, posteriormente, no processo de falência foram arrestados os poucos bens que restavam - Resposta ao artigo 13.º) da Base Instrutória.
LXVI) A A. tomou conhecimento que outras ações entradas depois da sua, foram julgadas com muito mais celeridade - Resposta ao artigo 14.º) da Base Instrutória.
LXVII) A A. ficou sem o seu dinheiro e sem quaisquer imóveis, o que lhe causou elevados problemas psicológicos - Resposta ao artigo 15.º) da Base Instrutória.
LXVIII) A A. continua a tomar calmantes e antidepressivos devido a esta situação - Resposta ao artigo 16.º) da Base Instrutória.
LXIX) Nunca mais conseguiu trabalhar - Resposta ao artigo 17.º) da Base Instrutória.
LXX) Anda sempre a chorar e a desorientada, dando muitas vezes por si a falar sozinha e completamente perdida - Resposta ao artigo 18.º) da Base Instrutória.
LXXI) Deixou de confiar nas pessoas, estando sempre desconfiada, o que leva as pessoas a afastarem-se de si - Resposta ao artigo 19.º) da Base Instrutória.
LXXII) Nunca mais conseguiu dormir sem ter que tomar calmantes - Resposta ao artigo 20.º) da Base Instrutória.
LXXIII) Anda a matutar na situação - Resposta ao artigo 21.º) da Base Instrutória.
LXXIV) Toda a situação lhe causou envelhecimento - Resposta ao artigo 22.º) da Base Instrutória.
LXXV) A execução foi instaurada em 12.03.2009, mantendo-se pendente e sem qualquer penhora efetuada, bem como com insistências oficiosas ao agente de execução para informar do estado das diligências - Resposta ao artigo 23.º) da Base Instrutória.
LXXVI) Foi intentado um primeiro procedimento cautelar que foi indeferido - Resposta ao artigo 24.º) da Base Instrutória.
LXXVII) O segundo procedimento foi intentado pela A. contra a R. em 03.02.2003, sendo deferido em 17.02.2003 quanto a cinco frações autónomas, um prédio rústico e um prédio urbano, cujo respetivo termo é de 20.02.2003 - Resposta ao artigo 25.º) da Base Instrutória.

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3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada importa, agora, entrar na análise dos fundamentos aduzidos pelo R. no recurso jurisdicional que se nos mostra dirigido.

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3.2.1. DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
O TAF de Viseu em apreciação da pretensão deduzida pela A. na ação administrativa comum em presença conclui, em 24.02.2012, no sentido de que “in casu” estavam preenchidos os requisitos/pressupostos necessários à constituição do R. em responsabilidade civil extracontratual do Estado-Juiz decorrente de anormal funcionamento da Administração da Justiça [mormente, os requisitos da ilicitude, da culpa e dos danos], pelo que condenou o mesmo no pagamento de indemnização à A. no valor total de 6.800,00 €, quantia esta acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento, bem como ainda no pagamento de honorários com advogado a liquidar em momento ulterior em sede incidental própria.

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3.2.2. DA TESE DO RECORRENTE
Alega o mesmo que a decisão judicial em crise incorreu em erro de julgamento por haver contrariado, nomeadamente, o disposto nos arts. 20.º, n.º 4 da CRP, 01.º, 02.º, 06.º e 07.º do DL n.º 48051, 06.º, n.º 1 da CEDH, 496.º do CC, 39.º, n.º1 do DL n.º 275/99, 33.º, n.º 1, c), 40.º e 41.º todos do CCJ, já que, em seu entendimento, à luz do quadro fáctico e normativo invocado, não se verificam os requisitos/pressupostos da responsabilidade civil extracontratual relativos à ilicitude, à culpa e ao dano.

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3.2.3. DO OBJETO DO RECURSO JURISDICIONAL
3.2.3.1. DA ILICITUDE/CULPA - VIOLAÇÃO ARTS. 20.º, n.º 4 CRP, 01.º, 02.º, 06.º e 07.º DL n.º 48051 e 06.º, n.º 1 CEDH
Argumenta o R. que aquela decisão judicial fez errado julgamento de facto e de direito já que no caso não estavam e não estão legalmente reunidos aqueles requisitos à luz do quadro normativo atrás enunciado, pelo que o pedido indemnizatório formulado nos autos deveria ter sido julgado totalmente improcedente.
Analisemos.

I. Pensamos ser hoje um dado adquirido e consensualizado o de que no plano do ordenamento jurídico português à data vigente o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (arts. 20.º, n.ºs 4 e 5 e 268.º, n.ºs 4 e 5 da CRP) e que a infração a tal direito, que é extensível a qualquer tipo de processo (cível, penal, administrativo/tributário, laboral, etc.), constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual (art. 22.º da CRP, 06.º do CEDH em conjugação/articulação com o regime legal ordinário interno decorrente do DL n.º 48051).

II. Assente, por conseguinte, como princípio a suscetibilidade do R. Estado Português ser responsabilizado civilmente pelo anormal funcionamento da máquina ou do aparelho judiciário, importa, então, analisar em que termos opera tal responsabilidade, quais os requisitos ou pressupostos cuja verificação ou preenchimento têm de estar reunidos no caso concreto.

III. Decorre do art. 22.º da CRP que o “… Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem …”, sendo que deriva do n.º 1 do art. 02.º do DL n.º 48051 que o “… Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício ...”.

IV. Neste último diploma [à data dos factos aplicável e vigente - cfr. arts. 12.º CC, 05.º e 06.º da Lei n.º 67/07, de 31.12] regulava-se o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas no domínio dos atos denominados então de “gestão pública”, sendo que a apreciação e efetivação da mesma responsabilidade decorrente de atos de “gestão privada” estava e está prevista nos arts. 500.º e 501.º do C. Civil.

V. Ora tendo presente os termos em que a presente ação se mostra deduzida dúvidas não existem que nos situamos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual regulada e disciplinada pelo DL n.º 48051, conjugada com os arts. 20.º, n.º 4 e 22.º da CRP e 06.º, § 1º da CEDH (ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13.10).

VI. O citado DL previa e regulava três tipos de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas pelos “atos de gestão pública”, sendo que compulsados os autos "sub judice" temos que tanto a responsabilidade pelo risco como a responsabilidade por factos lícitos inexistem manifestamente na situação dos autos, razão pela qual importa, tão-só, entrar na apreciação dos requisitos ou pressupostos da responsabilidade civil fundada na prática de ato ilícito e culposo e aferir se "in casu" estão preenchidos todos esses pressupostos de modo a que ao aqui R. possa ser imputada responsabilidade civil, já que para que esta exista necessário se torna que estejam preenchidos os respetivos pressupostos condicionadores da existência da mesma (cfr. arts. 02.º e segs. do citado DL, 20.º, 22.º da CRP e 06.º do CEDH).

VII. Tal como constitui jurisprudência dominante a condenação do R. enquanto Estado-Juiz está dependente da verificação cumulativa dos pressupostos do facto, da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.

VIII. Considerados os fundamentos objeto do presente recurso jurisdicional importa analisar o requisito da ilicitude concretizando, para tal, em que consiste o direito à justiça em prazo razoável consagrado na CEDH e na nossa Lei Fundamental.

IX. Resulta do n.º 4 do art. 20.º da CRP que todos têm direito a que uma causa em que intervenham, enquanto partes/sujeitos processuais, seja objeto de decisão em prazo razoável, no que se traduz numa consagração autónoma do direito fundamental a um processo com prazo razoável que assiste a cada pessoa e que vincula todos os órgãos do poder judicial.

X. Daí que o direito à justiça em prazo razoável assegura às partes envolvidas numa ação judicial o “… direito de obter do órgão jurisdicional competente uma decisão dentro dos prazos legais pré-estabelecidos, ou, no caso de esses prazos não estarem fixados na lei, de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade do processo …” (cfr. Isabel Fonseca in: “Estudos em Comemoração do 10.º Aniversário da Licenciatura em Direito da Universidade do Minho”, pág. 360; J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in: “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição revista, vol. I, pág. 417).

XI. Em concretização de tal comando constitucional que, através dos tribunais, confere a todos o direito a uma proteção jurídica eficaz e temporalmente adequada atente-se nos regimes fixados na lei ordinária [quer no CPC - cfr. art. 02.º, n.º 1 na redação dada pela revisão operada pelos DL’s n.ºs 329-A/95, de 12.12 e 180/96, de 25.09 -, quer na Lei n.º 15/02, de 22.02, que publicou o atual CPTA - cfr. art. 02.º, n.º 1 deste Código], sendo que de tal direito está dependente a credibilidade e a própria eficácia da decisão judicial.

XII. É certo que os juízes, sem prejuízo do acerto da decisão, têm, no exercício das suas funções, o dever de adotar as providências necessárias enquanto direção do processo e de observar os prazos e trâmites previstos para que, num prazo razoável, os litígios sejam solucionados.

XIII. Será, todavia, que a mera e formal constatação de inobservância dum prazo processual fixado na lei para prolação de decisão por parte dum magistrado fará desencadear e preencherá a previsão do art. 20.º, n.º 4 da CRP e 06.º, § 1º da CEDH, dela derivando a verificação do requisito da ilicitude?

XIV. Temos, para nós, que a resposta a esta questão não poderá ser feita em termos abstratos, não podendo ter-se como adequada e correta a admissão, enquanto tese e regra geral, a de que uma vez decorrido o prazo legal previsto daí derive automaticamente a ilicitude da conduta fundamentadora de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito fundada na ofensa ao direito à obtenção de decisão em “prazo razoável”.

XV. Tal posicionamento seria equiparar o decurso de prazo processual legalmente previsto para a prática dum determinado ato com o conceito de obtenção de decisão em “prazo razoável”, confundindo os dois conceitos, o que não nos parece legítimo, nem nos parece corresponder a uma adequada interpretação deste último conceito.

XVI. Como sustenta Luís Guilherme Catarino se “… inexiste ‘constitucionalização’ ou ‘fundamentalização’ dos prazos processuais, não devemos considerar como fonte de anormal funcionamento da Administração da Justiça todo e qualquer atraso ou incumprimento dos prazos processuais pelas partes ou pela Administração …” (in: “A Responsabilidade do Estado pela Administração da Justiça …”, pág. 394).

XVII. Na verdade, no que tange à apreciação e integração do conceito de justiça em “prazo razoável” ou de obtenção de decisão judicial em “prazo razoável” temos que se trata dum processo de avaliação a ter de ser feito “in concreto” como vimos decidindo [cfr. Acs. do TCA Norte de 30.03.2006 - Proc. n.º 00005/04.2BEPRT, de 15.10.2009 - Proc. n.º 02334/06.1BEPRT, de 22.10.2010 - Proc. n.º 01357/07.8BEVIS in: «www.dgsi.pt/jtcn»], e nunca em abstrato, pelo que, nessa tarefa, nunca nos poderemos socorrer única e exclusivamente do que deriva das regras legais que definem o prazo ou os sucessivos prazos para a prática e prolação dos atos processuais pelos vários intervenientes.

XVIII. Nessa medida, a apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita analisando cada caso em concreto e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida a data de entrada da ação no tribunal competente e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva, contabilizando as instâncias de recurso (incluindo a junto do Tribunal Constitucional) e ainda a fase executiva.

XIX. Para tal tarefa de avaliação e de ponderação afigura-se-nos adequado e útil fazer apelo à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) quanto à metodologia para avaliar a razoabilidade da duração dum processo [cfr. Luís Guilherme Catarino in: ob. cit., págs. 393 e segs.; Isabel Fonseca in: “A garantia do prazo razoável: o juiz de Estrasburgo e o juiz nacional” in: CJA n.º 44, págs. 43 e segs, em especial, págs. 58 a 60, ou in: “A responsabilidade do Estado pela violação do prazo razoável: quo vadis” in: Revista do Ministério Público n.º 115, págs. 16 e segs., ou ainda em “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia” in: CJA n.º 72, págs. 44 e 45].

XX. Tal jurisprudência, inicialmente, serviu-se apenas de três critérios [1.º - o da complexidade do processo; 2.º - o do comportamento das partes; e 3.º - o da atuação das autoridades competentes no processo], sendo que mais recentemente aquela jurisprudência acrescentou um outro critério (o 4.º) que se prende com o assunto do processo e ao significado que ele pode ter para o requerente (l’ enjeu du litige), sendo que todos estes critérios são valorados e aferidos em concreto atendendo “às circunstâncias da causa” [cfr., entre outros, decisões do TEDH no caso Frydlender c. França (P. n.º 30979/96) in: CEDH 2000-VII; no caso Cavelli e Ciglio c. Itália - acórdão de 17.01.2002, CEDH 2002, pág. 23 in: «www.gddc.pt/direitos-humanos/sist-europeu-dh/sumariosTEDH.pdf»; no caso Martins Castro e Alves Correia de Castro c. Portugal (P. n.º 33729/06 - acórdão 10.06.2008, no seu § 38); no caso Ferreira Alves c. Portugal N.º 6 (P. n.ºs 46436/06 e 55676/08 - acórdão de 13.04.2010, no seu § 35) in: «www.gddc.pt/direitos-humanos/portugal-dh/acordaos»; no caso Domingues Loureiro e outros c. Portugal (P. n.º 57290/08 - acórdão de 12.04.2011, no seu § 56) e no caso Chy¿yñski c. Polónia (P. n.º 32287/09 - acórdão 24.07.2012, no seu § 47) ambos in: «www.hudoc.echr.coe.int/»].

XXI. Chamando aqui à colação aquela jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo para a definição ou integração de cada um destes critérios, tal como este TCA já havia feito apelo, mormente, nos supra citados acórdãos de 30.03.2006, de 15.10.2009 e de 22.10.2010 [respetivamente, Procs. n.ºs. 00005/04.2BEPRT, 02334/06.1BEPRT e 01357/07.8BEVIS], temos que quanto ao primeiro critério se analisam tanto as circunstâncias de facto como o enquadramento jurídico do processo [mormente, número de pessoas/partes envolvidas na ação; tipo de peças processuais, nomeadamente, articulados; produção de prova e que tipos de prova foram produzidos, incluindo a pericial ou a realização de prova com recurso a cartas precatórias/rogatórias, ou que envolvam investigações de âmbito ou dimensão internacional; sentença (as dificuldades da aplicação do direito ao caso concreto, dúvidas sobre as questões jurídicas em discussão ou própria natureza complexa do litígio); número de jurisdições envolvidas por via de recursos; elaboração da conta].

XXII. É, assim, que o número e a complexidade das questões de facto, a dificuldade das questões de direito, o volume do processo, a quantidade de provas a produzir, devem ser tomadas em conta no cômputo do prazo, sendo que não haverá que levar em conta quanto à complexidade da causa quando o atraso respeite a um ato ou uma fase processual em que ela não tenha incidência.

XXIII. Já quanto ao segundo critério a avaliação do comportamento das partes atende não só ao uso do processo para o exercício ou efetivação de direitos como à utilização de mecanismos processuais [afere-se, nomeadamente, o uso de expedientes ou certas faculdades que obstam ao regular andamento do processo, v.g., a constante substituição do advogado, a demora na entrega de peças processuais, a recusa em aceitar as vias de instrução oral, o abuso de vias de impugnação e recurso sempre que a atitude das partes se revele abusiva e dilatória]. Daí que o TEDH exige que o queixoso, aqui A., tenha tido uma “diligência normal” no decurso do processo, não lhe sendo imputável a demora decorrente do exercício de direitos ou poderes processuais, como o de recorrer ou de suscitar incidentes.

XXIV. Relativamente ao terceiro critério atende-se não apenas aos comportamentos das autoridades judiciárias no processo mas também ao comportamento dos órgãos do poder executivo e legislativo, exigindo-se, assim, que o direito ao processo equitativo se concretize com reformas legislativas ao nível das leis de processo e com reformas estruturais, mormente, com reforço dos meios humanos e materiais.

XXV. A este propósito o TEDH tem considerado que a invocação de excesso de zelo para a realização de prova, a “lacuna na sua ordem jurídica”, a “complexidade da sua estrutura judiciária”, a doença temporária do pessoal do tribunal, a falta de meios e de recursos, uma recessão económica, uma crise política temporária ou a insuficiência provisória de meios e recursos no tribunal, não podem servir como razão suficiente para desculpar o Estado pelos períodos de tempo em que os processos estão parados traduzindo-se em situação de demora excessiva do processo o que constituiria infração ao art. 06.º da CEDH porquanto face à ratificação desta Convenção pelos Estados estes comprometem-se a organizar os respetivos sistemas judiciários de molde a darem cumprimento aos ditames decorrentes daquele preceito.

XXVI. Também a justificação do atraso na prolação de decisão judicial com base no volume de trabalho não tem merecido aceitação, pois, se pode eventualmente afastar a responsabilidade pessoal dos juízes não afasta a responsabilidade dos Estados.

XXVII. Assim, para efeitos de avaliar se houve violação do direito à justiça em “prazo razoável” a conduta negligente ou omissiva do juiz é equivalente à inércia do tribunal ou de qualquer autoridade dependente do tribunal em que corre o processo.

XXVIII. Nessa medida, quer estejamos perante atuação ou omissão de juiz, quer estejamos face a ausência de juiz, de falta de juízes por não haverem sido formados ou por má gestão dos respetivos quadros face ao volume de serviço do tribunal (deficiente definição dos quadros), quer, ainda, quando haja grande volume de serviço e não haja um adequado quadro de funcionários judiciais, como também pela insuficiência de condições físicas e meios colocados à disposição do tribunal [faltas de salas de audiência ou mesmo da falta equipamento ou do seu deficiente funcionamento quanto aquilo que são os meios legalmente previstos e impostos], o Estado responderá civilmente pela desorganização do aparelho judicial.

XXIX. Por fim, quanto ao quarto critério analisa-se ou afere-se a natureza do litígio, assunto objeto de apreciação e tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes.

XXX. Este último critério tem desempenhado ou assumido um papel cada vez mais relevante a ponto de ser utilizado na apreciação da razoabilidade da duração dos processos em que se discutem certos direitos, mormente, em áreas como as da assistência social, as do emprego, as dos sinistros rodoviários ou ainda as relativas ao estado civil das pessoas (sua regularização).

XXXI. O critério da finalidade do processo assume importância primordial quando está em causa um processo urgente que vise tutelar situação de alegada ofensa irreparável. Com efeito, o tardar numa decisão judicial para além daquilo que foi o prazo alegado ou reclamado como necessário para evitar tal ofensa poderá tornar inútil o processo decorrido esse prazo, desvirtuando-se por completo o direito à tutela jurisdicional efetiva em sede cautelar.

XXXII. Atente-se igualmente ao que foi considerado em acórdão do STA de 09.10.2008 [Proc. n.º 0319/08 cuja jurisprudência veio a ser reafirmada, nomeadamente, nos acórdãos do mesmo Tribunal de 05.05.2010 (Proc. n.º 0122/10) e de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) ambos in: «www.dgsi.pt/jsta»] a este propósito “… o direito à decisão em prazo razoável mediante processo equitativo consagrado no art. 6.º da CEDH e n.º 4 do art. 20.º da Const. remete o aplicador para operar a determinação, apreciando as circunstâncias de cada caso, do que é o prazo razoável. (…) Esta determinação tem de adoptar como primeiro critério o que resulta do elemento textual, isto é, a razoabilidade, o que nos remete para uma análise global, de conjunto da situação processual dos autos em que o demandante se queixa do atraso e não para os seus pormenores e para os prazos de cada fase e momento processual. (…) São de excluir desde logo da possibilidade de servir de esteio à apreciação os atrasos que tenham sido provocados pela própria parte que se queixa da demora. (…) Deve em seguida passar a analisar-se na globalidade o tempo de duração da ação e o seu estado e, se a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos atos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expetativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça. (…) É de sublinhar neste ponto que em alguns casos de claro excesso do prazo razoável poderia porventura o método analítico de cada ato processual e respetivo prazo conduzir à conclusão de que não houve atrasos, mas nem assim se pode infirmar a conclusão do excesso injustificado porque a ser assim teria o Estado que prover a criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização, para atingir o objetivo de administrar a justiça em prazo razoável …”.

XXXIII. E continua-se no referido acórdão que numa “… segunda hipótese vemos aqueles casos em que no conjunto do meio processual e do tempo que tardou, atendendo a aspetos como a complexidade do caso e o enxerto de incidentes indispensáveis, haja de concluir-se que se tratou ainda de um prazo razoável. (…) Também neste caso, como no antecedente se deve evitar conceder relevância, sequer analítica ao que se passou concretamente com os atos atomísticos que preenchem o processo e irreleva se houve um atraso na secretaria ou de um magistrado se ele não determinou a ultrapassagem do tempo razoável para a decisão da causa. (…) Uma terceira hipótese contempla aqueles casos em que é ultrapassada a duração média daquele tipo de processos, mas não existe uma demora que se afaste profundamente daquela média nem do tempo que seria expectável por um destinatário médio bem colocado para esta apreciação e o processo teve relativa complexidade e incidentes de modo que se podem colocar dúvidas quanto a determinar o que seria o prazo razoável naquela situação. (…) Neste grupo de casos parece que, ao lado de outros o critério analítico do cumprimento ou não dos prazos processuais pode desempenhar um papel relevante …”.

XXXIV. Sustentou aquele mesmo Supremo no seu acórdão de 10.09.2009 (Proc. n.º 083/09 in: «www.dgsi.pt/jsta») que: “… a definição do que seja um prazo razoável não só não é meramente objetiva como também essa qualificação não pode ser atribuída em abstrato antes havendo de ter em consideração as circunstâncias concretas de cada caso, designadamente as relacionadas com natureza e complexidade do processo, a conduta do requerente e o comportamento das autoridades competentes (magistrados, órgãos de polícia e agentes dos serviços de justiça). O que quer dizer que o facto da conclusão do processo ter excedido o prazo legal, pode não ser qualificado como ilícito e culposo - Vd., entre outros, Acórdãos deste STA de 15/10/98 (rec. 36.811) e de 17/03/2005 (rec. 230/03). Ou seja, a violação do direito a uma decisão num prazo razoável só pode gerar a obrigação de indemnizar se as circunstâncias concretas do caso ditarem que ela podia ter sido alcançada num prazo inferior ao que efetivamente foi e que tal só aconteceu por incúria ou negligência dos operadores judiciários …”.

XXXV. Munidos dos considerandos de enquadramento metodológico e dos critérios supra elencados impõe-se, agora, aferir se, em concreto, ocorreu violação do direito à obtenção de decisão em “prazo razoável” por parte da aqui A. na ação judicial em referência nos autos e que correu termos no T.J. Castro de Aire sob o n.º 106/2002.

XXXVI. Resulta da factualidade supra apurada que estávamos perante ação declarativa condenatória, sob forma ordinária, na qual se discutia o incumprimento de contratos de promessa de compra e venda de várias frações sitas em Castro Daire (03 apartamentos, lugar de garagem, sótão e 02 lojas) que haviam sido celebrados entre a A. e a ali R. ou em que aquela assumiu a posição contratual de promitente compradora, e na qual a A. peticionava a execução específica dos contratos nos termos do art. 830.º do CC ou, em alternativa, a condenação da R. a restituir as quantias entregues a título de sinal no valor global de 66.589,52€ acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento [cfr. n.º I) dos factos apurados e documento de fls. 157 a 196 do autos].

XXXVII. Na aludida ação, proposta em 13.02.2002, procedeu-se à citação da ali R. em 19.02.2002 e foi junta a contestação em 30.04.2002, sendo que terminada a fase dos articulados [sensivelmente 03 meses após o início da mesma] os autos são conclusos em 28.05.2002 e, nesta data, é agendada a realização duma tentativa de conciliação para o dia 19.09.2002 [cfr. n.ºs I), II), III) e IV) dos factos apurados].

XXXVIII. Mais se extrai da análise dos factos apurados que a fase do saneamento dos mesmos autos, aberta em 28.05.2002, apenas conheceu seu término em 28.06.2004 com a realização de audiência preliminar e na qual foi elaborado então despacho saneador, sendo que durante este lapso temporal houve lugar a 02 despachos a agendar tentativa de conciliação e a 05 despachos a reagendar ou adiar audiência preliminar, com agendamentos a uma dilação mínima de cerca de 01 mês e máxima de cerca de 05 meses, mas geralmente de cerca de 02 meses [cfr. n.ºs V) a XVIII) dos factos apurados]. Tais despachos foram motivados em 03 por atos “imputáveis” à A. [falta à 1.ª diligência de tentativa conciliação; doença do então seu ilustre advogado; e renúncia do mesmo ao mandato - cfr. n.ºs IV), V), XI), XII), XIII), XIV) e XV) dos factos apurados], em 01 à ali R. [renúncia dos seus ilustres advogados ao mandato - cfr. n.ºs VI), VII), VIII) e IX) dos factos apurados] e 01 por falha na notificação da R. [carta devolvida quando o despacho de agendamento da diligência (para 28.04.2004) data de 28.11.2003 e foi cumprido em 02.12.2003 - cfr. n.º XVII) dos factos apurados].

XXXIX. Ora dos elementos factuais colhidos nesta sede e considerando todo o concreto circunstancialismo que se mostra apurado até aquele momento nas fases processuais dos articulados e do saneamento se não se pode falar em qualquer atraso na primeira fase do processo já na segunda constatamos uma duração de sensivelmente 02 anos, tempo que se mostra excessivo com alguns agendamentos para o concerto tipo de diligência em questão numa ou com uma dilação que não se mostra aceitável e razoável [nenhuma justificação foi alegada e demonstrada pelo R.], bem como com um adiamento da audiência preliminar em 28.04.2004 por impossibilidade/falta de notificação da ali R. quando a devolução da carta teve lugar em 04.12.2003 e desta data até 28.04.2004 nenhum movimento ou diligência da secretaria teve lugar. Se é certo que para este atraso também contribuíram as partes, mormente, a aqui A., temos que tal contribuição não é suficiente para “apagar” por completo aquilo que foi o funcionamento da máquina judiciária em termos da sua ação/inação na administração da justiça em prazo razoável.

XL. Continuando a análise da tramitação processual a que os autos em referência foram sujeitos constata-se que nos mesmos se assiste a um tempo de duração da fase de julgamento (de facto e de direito) de praticamente quase 04 anos, dos quais 03 anos e seis meses só para o julgamento de facto [cfr. n.ºs XIX) a XLVI) dos factos apurados], durante os quais a audiência de julgamento foi adiada por 04 vezes sendo 03 por impedimento do Tribunal [ou com fundamento noutro serviço agendado ou com fundamento em presença em ação de formação organizada pelo CEJ e para a qual o magistrado havia obtido dispensa de serviço - cfr. n.ºs XIX), XXVI), XXXII) e XXXVII) dos factos apurados] e uma pela falta da advogada da A. [cfr. n.º XVII) dos factos apurados].

XLI. Nesta fase constata-se uma dilação no agendamento/adiamento da audiência de julgamento que vai de cerca de 03 meses até cerca de 08 meses (por 02 vezes), com dilações intermédias de cerca de 06 e de 07 meses [já descontados os períodos de férias judiciais] [cfr. n.º XIX), XXVI), XXVIII), XXXIV) e XLII) dos factos apurados], sendo que dos agendamentos realizados apenas o que teve lugar em 18.04.2006 [e para marcar a audiência para o dia 19.01.2007] foi motivado na sua dilação referindo-se e passa-se a citar “… não antes por indisponibilidade de agenda, e atento o facto de se estar a proceder ao reagendamento das diversas diligências deste círculo judicial, o qual tem de ser realista e respeitar todos os intervenientes processuais e, no que se refere às ações cíveis, como é o caso dos presentes autos, obediência a alguns critérios, designadamente dando-se preferência às ações sobre o estado de pessoas em primeiro lugar, em segundo lugar às ações relativas a acidentes de viação para ressarcimento dos danos corporais ou morte, à própria antiguidade das ações, bem como à antiguidade resultante do seu agendamento, sendo que tais critérios não excluem a preferência dos julgamentos crime agendados e, eventualmente a agendar, porquanto em setembro de 2005 e até março de 2006 encontravam-se já agendados 176 julgamentos cíveis e 22 julgamentos crime, enquanto 1.ª data. (…) Por outro lado, a maior dilação temporal no agendamento da presente diligência prende-se com a minha intervenção, como 1.º Adjunto no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 11/01.9TELSB, que pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Régua corre seus termos, …, estando a ser julgados cerca de 100 … arguidos e estão arroladas só pela acusação mais de 200 … testemunhas, o qual ocorre durante três sessões numa semana e duas sessões na semana subsequente e assim até final, sem prejuízo de no final de cada semana de sessões de julgamento o coletivo precisar ainda de reunir para deliberar sobre uma ou outra questão que vá surgindo no decurso das respetivas sessões, bem como da prova até então produzida atenta a sua extensão e complexidade …”.

XLII. Tal quadro factual ocorrido e dilação temporal da fase de julgamento [quase 04 anos] revela-se também ele, no nosso juízo, como não aceitável ou razoável, devendo constituir ou ser suscetível de ser configurado como demora na administração da justiça por ineficiência da parte do R. na implementação e gestão de recursos humanos disponibilizados na e para um funcionamento adequado do aparelho judiciário.

XLIII. Ainda que na “contabilização” da demora na fase de julgamento haja de entrar em linha de conta com um adiamento da audiência por falta motivada com a doença da ilustre mandatária da A. [cfr. n.º XXVII) e XXVIII) dos factos apurados] temos que o mesmo não é suscetível de infirmar o nosso juízo antecedente já que para o “grosso” dos fundamentos dos adiamentos da audiência de julgamento e do tempo utilizado nesta fase processual as partes processuais não tiveram contribuição relevante.

XLIV. Às partes, e em especial à aqui A., não pode ser assacada responsabilidade no agendamento com tal tipo de dilação e que fez perdurar ou estender a fase de julgamento sensivelmente por um período, como, referimos de cerca 04 anos.

XLV. Não será aceitável à luz do quadro de administração da justiça num prazo razoável que, na fase de julgamento dos autos em 1.ª instância, as partes sejam convocadas para as sucessivas datas marcadas para realização do julgamento com, por regra, dilações temporalmente tão extensas como as evidenciadas e apuradas nos autos, indiciando pelos factos apurados e na ausência de outros elementos alegados/provados, uma “pesada agenda” do juiz de círculo que não lhe permitia um agendamento das diligências num mais curto espaço de tempo em conformidade com aquilo que são ou devem ser as exigências de eficácia e celeridade na administração da justiça.

XLVI. Na ausência de outros elementos alegados ou provados que apontem em sentido diverso e cuja prova incumbia ao R. porquanto excedido que se mostre o prazo razoável de decisão do processo é ao Estado, por constituir matéria de exceção, que cabe alegar e provar qualquer causa justificativa do excesso verificado (art. 342.º, n.º 2 do CC) [cfr. Ac. do STA de 11.03.2011 - Proc. n.º 0336/10 in: «www.dgsi.pt/jsta»], pelo que, no caso vertente, nos deparamos com uma situação de excessiva carga processual que se refletiu no agendamento das diligências com uma dilação temporal tida por excessiva e não adequada [maioritariamente entre os 06 e 08 meses] e que não é compatível com aquilo que devem ser os padrões da administração da justiça num prazo razoável.

XLVII. Tal realidade, arrastando a fase de julgamento em 1.ª instância ao longo dum período temporal sensivelmente de 04 anos, não pode, pois, deixar de ter-se como ilícita à luz dos critérios atrás enunciados na e para a aferição da administração da justiça em “prazo razoável”, dado a complexidade dos autos não se evidenciar ocorrer e justificar tal “demora” naquela fase, contribuindo para a mesma de molde determinante os comportamentos (por ação/omissão) dos órgãos com competências e atribuições nas áreas da organização, da gestão e da distribuição dos recursos afetos ao aparelho judiciário.

XLVIII. Atente-se que a ilicitude decorrente da preterição dos comandos legais atrás enunciados em termos da violação do direito à obtenção de decisão judicial num “prazo razoável” não se mostra minimamente condicionada, reconduzida ou limitada apenas àquelas situações em que se logre determinar e apurar concretas e individuais responsabilidades nos atrasos na condução e tramitação do processo judicial por parte de atos/comportamentos dum qualquer agente ou funcionário.

XLIX. Como vimos referindo o grande volume de trabalho, com excessivos níveis e cargas processuais que recaem sobre juízes, magistrados do MºPº e funcionários judiciais se pode eventualmente afastar a sua responsabilidade pessoal não envolve, nem tem sido considerado e aceite como motivação para desonerar o Estado-Juiz das suas responsabilidades neste âmbito.

L. A responsabilidade civil do Estado-Juiz não se restringe a tal tipo de situações, nem está acantonada, na sua previsão e para o seu preenchimento, a necessárias responsabilidades clara e inequivocamente individualizadas de concretos sujeitos ou operadores judiciais, porquanto ela existe para além deste tipo de situações e nela se abarcam também todas as demoras e atrasos na realização da justiça em “prazo razoável” decorrentes, nomeadamente, de eventuais lacunas na ordem jurídica, da complexidade e/ou deficiente definição e implementação da estrutura e organização judiciária, da falta ou má gestão do parque judiciário, dos demais meios e recursos (humanos, técnicos/tecnológicos) na e para a resposta aos níveis de litigiosidade existentes.

LI. Destarte impõe-se concluir, ao invés do defendido pelo R. nas suas alegações, que à luz dos critérios supra elencados [consensualizados e aceites na jurisprudência] e no circunstancialismo descrito e logrado apurar nos autos não pode ser considerado como «prazo razoável» para os efeitos dos arts. 20.º, n.º 4 da CRP e 06.º da CEDH o tempo que a A. teve de esperar para obter uma decisão judicial na ação que havia instaurado [superior a 06 anos e com tramitação apenas numa única instância].

LII. Verificada, por conseguinte, a ocorrência de facto ilícito caberia ao R., como referimos, a alegação e a prova de que foi desenvolvida uma atividade diligente, com satisfação do dever de boa administração que impende sobre o mesmo.

LIII. Ora a argumentação factual e jurídica tecida pelo aqui R. a este propósito é inexistente, não ocorrendo motivação ou razão suficiente que justifique e/ou desculpe o Estado pela situação de demora excessiva do processo em violação do disposto nos normativos em referência, na certeza de que nada foi alegado e explicitado pelo mesmo nesse sentido, mormente, com invocação das medidas que foram tomadas e que visavam ultrapassar os constrangimentos, insuficiências e bloqueamentos havidos, data da sua implementação e seus reflexos.

LIV. Note-se, ainda, que o atraso não é passível de ser “limpo” ou “desconsiderado” com o apelo a uma pretensa “falta de importância do processo para a A.” ou duma pretensa ausência do caráter de imprescindibilidade para a vivência e para a esfera jurídica pessoal/patrimonial da A. no recebimento da indemnização peticionada. A aplicação de tal critério não possui o alcance que lhe é atribuído, não servindo minimamente para justificar ação/omissão ilícita.

LV. Centrando agora a análise do requisito da culpa temos que o mesmo pode traduzir a intenção de praticar o facto ilícito (dolo) ou apenas a falta de diligência e zelo a que os órgãos e agentes se acham obrigados, atenta a sua estrita submissão aos princípios da legalidade, da eficácia e da eficiência (negligência) (cfr. arts. 04.º do DL n.º 48051, 487.º e 489.º ambos do C. Civil).

LVI. Tal como tem vindo a ser defendido a culpa dos titulares dos órgãos ou dos agentes é apreciada, nos termos do art. 487.º do C. Civil, pelo que se afere em abstrato, considerando a diligência exigível a um homem médio, o que adaptado às circunstâncias da responsabilidade do Estado e demais entes públicos se traduz “… na diligência exigível a um funcionário ou agente típico, respeitador da lei e dos regulamentos e das «leges artis» aplicáveis aos atos ou operações materiais que tem o dever de praticar”, ou por outras palavras, será “culposa a conduta dos titulares de um órgão ou de agente de um ente público quando a conduta comissiva ou omissiva não corresponde à que é exigível e esperada de um agente/funcionário zeloso e cumpridor”.

LVII. Atente-se, todavia, que a culpa de uma pessoa coletiva, como a em presença, não se esgota na imputação de uma culpa psicológica aos agentes que atuaram em seu nome ou omitiram conduta que lhe era devida, pois, o facto ilícito gerador dos danos pode resultar de um conjunto, ainda que imperfeitamente definido, de fatores próprios da deficiente organização, controlo, gestão, vigilância ou fiscalização exigíveis em determinadas funções/atividades, ou de outras falhas que se reportam ao serviço como um todo, casos em que se verifica uma culpa do serviço.

LVIII. Como sustenta Freitas do Amaral podem ser qualificadas como facto ilícito culposo as ações ou omissões que, de uma forma ou de outra, ofendem a esfera jurídica de terceiros, mesmo que tal resulte de uma sucessão de pequenas faltas individualmente desculpáveis (in: “Direito Administrativo”, 1984/1985, vol. III, págs. 497 a 499).

LIX. Note-se que face à definição ampla de ilicitude constante do art. 06.º do DL n.º 48051 tem a jurisprudência do STA considerado ser difícil estabelecer uma linha de fronteira entre os requisitos da ilicitude e da culpa, afirmando que, estando em causa a violação do dever de boa administração, a culpa assume o aspeto subjetivo da ilicitude, que se traduz na culpabilidade do agente por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer ou de adotar.

LX. Na verdade, muitas das vezes, nomeadamente no que ao funcionamento da justiça, mormente dos tribunais, concerne, o que ocorre é que a atuação ilícita resulta de um estado de coisas que não é suscetível de ser imputado a ninguém, resultando de uma acumulada falta de meios técnicos e humanos ou da sua ineficiente gestão, da sua inadequação aos níveis e tipo de litigiosidade com que os mesmos são confrontados, ou, ainda, de sucessivas pequenas deficiências na prestação dos serviços, não censuráveis por si, mas que acumuladas o passam a ser.

LXI. Neste sentido, o STA invoca a aceitação da culpa funcional como justificação da responsabilidade extracontratual das entidades públicas por factos ilícitos culposos, com dispensa de imputação destes a um concreto e isolado comportamento individual.

LXII. Ora, a culpa funcional ou culpa do serviço verifica-se, tal como tem sido defendido na jurisprudência do mesmo Supremo Tribunal, em caso de mau funcionamento do serviço, sempre que não é possível encontrar um agente responsável concreto ou nas situações em que não é justo fazer recair apenas sobre algum ou alguns deles essa imputação de responsabilidade.

LXIII. No caso vertente temos que ponderada a factualidade assente e o atrás exposto na caraterização do requisito em presença dúvidas não temos que o R. atuou com culpa, pois, ainda que não se tenha isolado ou individualizado qualquer imputação subjetiva concreta temos, no entanto, claramente demonstrado o deficiente ou o ineficiente funcionamento da máquina judiciária que conduziu à prolação de uma decisão judicial definitiva em prazo não razoável, comprometendo-se com tal conduta a legalidade e deveres dela decorrentes, o prestígio e a confiança que os particulares devem depositar no Estado e nos seus órgãos, mormente, nos seus Tribunais.

LXIV. Não assiste razão, pois, ao R. quanto sustenta na situação em presença a sua ausência de responsabilidade.
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3.2.3.2. DO DANO - VIOLAÇÃO ARTS. 496.º CC, 06.º CEDH, 20.º, N.º 4 CRP, 39.º, N.º 1 DL N.º 275/99, 33.º, N.º 1, AL. C), 40.º e 41.º CCJ

LXV. Insurge-se ainda o R. contra o julgado pelo TAF de Viseu sustentando que, no caso, o mesmo fez incorreta aplicação do quadro normativo em epígrafe já que, por um lado, não se mostram verificados quaisquer danos morais (não patrimoniais) cuja gravidade e extensão imponha a sua indemnização e, por outro lado, também não são legalmente devidos quaisquer quantias a título de indemnização por despesas com a constituição de advogado.
Vejamos.

LXVI. Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito culposo tenha gerado um prejuízo a alguém.

LXVII. Refere M. Almeida Costa que “… dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica …” (cfr. “Direito das Obrigações”, 11.ª edição, revista e aumentada, pág. 591), sendo que nas palavras de L. Meneses Leitão “… o conceito de dano terá … que ser definido num sentido simultaneamente fáctico e normativo, ou seja, como a frustração de uma utilidade que era objeto de tutela jurídica” (in: “Direito das Obrigações”, vol. I, 7.ª edição, pág. 335).

LXVIII. Na fórmula avançada por F. Pereira Coelho “… por dano deve entender-se por um lado o prejuízo real que o lesado sofreu 'in natura', em forma de destruição, subtração ou deterioração dum certo bem corpóreo ou ideal …” (in: "O problema da causa virtual na responsabilidade civil", pág. 250). E avança com exemplos “… dano será ... a perda ou a deterioração duma certa coisa, o dispêndio de certa soma em dinheiro para fazer face a uma despesa tornada necessária, o impedimento da aquisição dum determinado bem, a dor sofrida …”.

LXIX. Assim, em geral, há que referir, desde logo, que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso (situação hipotética) (arts. 562.º, 563.º e 566.º do CC).

LXX. O art. 566.º do CC veio consagrar como regra o princípio da restauração ou reposição natural, mas como advertia A. Vaz Serra a “… reposição natural não supõe necessariamente que as coisas são repostas com exatidão na situação anterior: é suficiente que se dê a reposição de um estado que tenha para o credor valor igual e natureza igual aos do que existia antes do acontecimento que causou o dano. Com isto, fica satisfeito o seu interesse …” (in: BMJ n.º 84, pág. 132).

LXXI. Tal princípio só é substituído ou completado pelo princípio da indemnização em dinheiro, nos termos do art. 566.º, n.º 1 do citado código, em três situações taxativas: 1) Quando for impossível a restauração natural; 2) Quando essa restauração não reparar integralmente os danos; 3) Quando a restauração natural seja excessivamente onerosa para o devedor.

LXXII. Não existe dúvida de espécie alguma de que é ao lesante e não ao lesado que a lei impõe a obrigação de reparar ou mandar reparar os danos causados a este.

LXXIII. Como decorre do n.º 1 do art. 564.º do aludido Código o dever de indemnizar em matéria de “danos patrimoniais” compreende não só o prejuízo causado, ou seja, os “danos emergentes” (prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão” - cfr. Antunes Varela in: “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª edição, pág. 599), como também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, os “lucros cessantes” (benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão” - cfr. Antunes Varela in: ob. cit., pág. 599) sendo que nos termos do n.º 2 daquele mesmo normativo na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; e se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

LXXIV. Mas na fixação da indemnização deve atender-se não só aos “danos patrimoniais” mas, também, aos “danos não patrimoniais”, sendo que quanto a estes últimos importa ainda atender ao regime legal que decorre do art. 496.º do CC.

LXXV. Decorre deste preceito que na fixação da indemnização deve atender-se aos “danos não patrimoniais” que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (n.º 1), sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (n.º 3).

LXXVI. Na caraterização deste tipo de danos poderá partir-se do axioma que estabelece que tal prejuízo é o sofrimento psico-somático experimentado pelo lesado, ou pessoas que tenham direito a indemnização por esse tipo de dano à luz dos normativos próprios.

LXXVII. Os “danos não patrimoniais” traduzem-se nas lesões que não implicam diretamente consequências patrimoniais imediatamente valoráveis em termos económicos, lesões essas que abarcam as dores físicas e o sofrimento psicológico, um injusto turbamento de ânimo na vítima ou nas pessoas supra aludidas.

LXXVIII. Resulta, assim, que o julgador, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos “danos não patrimoniais”, em cumprimento do normativo legal que o manda julgar e de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada.

LXXIX. Tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu.

LXXX. A lei não enuncia ou enumera quais os “danos não patrimoniais” indemnizáveis antes confiando aos tribunais, ao julgador, o encargo ou tal tarefa à luz do que se disciplina no citado art. 496.º, n.º 1 do CC.

LXXXI. Tal como constitui entendimento comum ao nível doutrinal a “… gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada) ...” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in: “Código Civil Anotado”, vol. I, 4.ª edição, nota 1, pág. 499; M. Almeida e Costa in: ob. cit., págs. 602/603; Antunes Varela in: ob. cit., pág. 606).

LXXXII. Também ao nível jurisprudencial o mesmo entendimento tem sido acolhido e defendido [cfr., entre outros, Acs. do STA de 31.05.2005 - Proc. n.º 0127/03, de 08.11.2007 - Proc. n.º 0643/07, de 14.07.2008 - Proc. n.º 0572/07, de 01.10.2008 - Proc. n.º 063/08, de 12.11.2008 - Proc. n.º 0682/07, de 02.11.2011 - Proc. n.º 0953/10 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. do TCAN de 25.02.2010 - Proc. n.º 00636/05.3BECBR, de 22.10.2010 - Proc. n.º 01357/07.8BEVIS, de 27.01.2012 - Proc. n.º 00357/05.7BEPRT, de 08.03.2012 - Proc. n.º 02035/06.0BEPRT in: «www.dgsi.pt/jtcn»].

LXXXIII. Assim, pode ler-se no acórdão do STA de 31.05.2005 (Proc. n.º 0127/03 supra referido) que a “… personalidade física e moral dos indivíduos é protegida por lei contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa ilícita - artigo 70.º do CC. (…) Por isso, em princípio, a dor moral causada por facto ilícito é abrangida pelo n.º 1 do artigo 496.º. (…) Mas pode não acontecer. Suponha-se uma dor insignificante, uma simples maçada ou incómodo, que um cidadão comum retém como inerente às vicissitudes normais da vida em sociedade. Não atingirá, neste caso, a gravidade merecedora da tutela do direito, em sede de atribuição de indemnização por danos não patrimoniais …”.

LXXXIV. E mais especificamente sobre a concreta caraterização da questão em discussão (danos morais ou não patrimoniais decorrentes de ofensa ao direito à justiça num “prazo razoável”) aquele Supremo Tribunal tem firmado jurisprudência no sentido de que os “… danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na atuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respetiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário, ou de diferente causalidade, em cada caso …”, na certeza de que se “… a parte que invoca a lesão alegar e procurar provar mais danos do que os comuns, mas não conseguir provar que os sofreu, nem por isso fica prejudicada no direito à indemnização que resulta da presunção natural de um dano moral relevante, salvo quando se provar que em concreto, mesmo este, não ocorreu …” (cfr. jurisprudência iniciada pelo acórdão de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07, seguida e aprofundada pelo acórdão de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08 todos in: «www.dgsi.pt/jsta» e que se mostra em linha com aquilo que constitui a jurisprudência do TEDH).

LXXXV. Extrai-se da fundamentação expendida no último dos acórdãos referidos (de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08) e no âmbito daquilo que releva que “… para que haja obrigação de indemnizar será necessário que se demonstre a existência da generalidade dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, inclusivamente o nexo de causalidade entre o atraso na tramitação do processo e os danos patrimoniais ou não patrimoniais invocados. (…) A possibilidade de a mera ofensa de um direito fundamental ser geradora da obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais, é imposta pelo próprio artigo 22.º da CRP, que, ao estabelecer que «o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem», admite a possibilidade de indemnização por tais violações independentemente de prejuízos (danos materiais). (…) No entanto, ao contrário do que defende a A., não se trata de um «dano automático», decorrente da constatação de uma violação de um direito fundamental. (…) Com efeito, como se refere no comentário do Senhor Prof. Gomes Canotilho que consta da Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 123.º, n.º 3799, página 306, (…), «a responsabilidade por facto da função jurisdicional e, mais concretamente, por omissão de pronúncia de sentença em prazo razoável, não dispensa a análise dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos». (Também no sentido de que não há obrigação de indemnizar sem danos podem ver-se: - Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 1988, página 268, e - Rui de Medeiros, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por Atos Legislativos, página 112). (…) Portanto, para haver obrigação de indemnizar por atraso indevido na administração da justiça é necessário demonstrar que existe ilicitude no atraso, dano reparável e nexo de causalidade adequada. (Podem encontrar-se na mais recente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, casos em que, apesar de afirmar que ocorreu violação do art. 6.º, § 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por ser excedido o «prazo razoável», entendeu que não haver lugar a indemnização por danos morais decorrentes dessa violação, por o prejuízo moral invocado ter outra causa, o que significa, assim, que a indemnização por danos morais decorrentes não é automática, dependendo da existência de nexo de causalidade entre o atraso e os danos morais que se consideram provados. (…) A título de exemplo, podem ver-se os seguintes acórdãos: (…) - de 9.1.2007, proferido no caso Køíž contra República Checa, processo n.º 26634/03, em que se escreve: «… La Cour ne relève aucun lien de causalité entre le prétendu dommage matériel et la violation constatée des articles 6 § 1 et 8. Pour ce qui est du préjudice moral tel qu’allégué par l’intéressé, elle note qu’il se rapporte uniquement au grief tiré du droit au respect de la vie familiale au sens de l’article 8 de la Convention; dès lors, il n’y a pas lieu à indemnisation du chef de la violation de l’article 6 § 1 de la Convention». (…) - de 9.1.2007, proferido no caso Mezl contra República Checa, processo n.º 27726/03, em que se escreveu: «… La Cour note que le préjudice moral tel qu’allégué par l’intéressé se rapporte uniquement au grief tiré du droit au respect de la vie familiale; dès lors, il n’y a pas lieu à indemnisation du chef de la violation de l’article 6 § 1 de la Convention» …”.

LXXXVI. Mais deriva da argumentação expendida no acórdão sob citação que “… o TEDH vem entendendo que é de presumir - embora se admita prova em contrário - que da violação do direito à obtenção em prazo razoável da decisão judicial que regule definitivamente o caso que submeteu a juízo resulta um dano moral. (…) Esta jurisprudência do TEDH foi adotada pelo STA. Esta jurisprudência, foi reiterada no acórdão deste STA de 28.11.07, rec. P. 308/07, salientando-se a propósito da densificação do conceito de danos morais indemnizáveis para efeitos do art 6.º § 1.º da CEDH, o seguinte: (…) «… Reconhecida a importância da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, devemos, então, porque interessa ao caso sujeito, ter em conta a posição dessa instância europeia quanto a danos morais, por falta de decisão em prazo razoável, que encontramos assim resumida no ponto 94 do acórdão n.º 62361, de 29 de março de 2006 (caso Riccardi Pizzati c. Itália): (…) (i) O Tribunal considera que o dano não patrimonial é a consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável e presume-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada; (…) (ii) O Tribunal considera, também, que esta forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até, nenhum dano moral, sendo que, então o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente. (…) Quanto ao modo de reparação, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no art. 41.º da Convenção fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo. (…) Por vezes o Tribunal entende que a constatação da violação é bastante para reparar o dano moral (vide Ireneu Barreto, “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Anotada, p. 300; acórdão de 26 de junho de 1991, processo n.º 12369/86, no caso Letellier c. França; acórdão de 21 de abril de 2005, processo n.º 3028/03, no caso Basoukou c. Grécia) …». (…) A jurisprudência do TEDH, relativamente aos danos morais suportados pelas vítimas de violação da Convenção, não restringe a dignidade indemnizatória aos de especial gravidade e, em casos de ofensa ao direito a uma decisão em prazo razoável, tem entendido que a constatação da violação não é bastante para reparar o dano moral (vide, por exemplo: acórdão de 21 de março de 2002, processo n.º 46462/99, no caso F… c. Portugal; acórdão de 29 de abril de 2004, processo n.º 58617/00, proferido no caso G… c. Portugal). Razão pela qual, estando em causa uma violação do art. 6.º, § 1.º da Convenção e a sua reparação, em primeira linha, ao abrigo do princípio da subsidiariedade, pelo Estado Português, a norma do art. 496.º/1 do C. Civil haverá de interpretar-se e aplicar-se de molde a produzir efeitos conformes com os princípios da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH (vide ponto 80 do acórdão de 29 de março de 2006, proferido no processo n.º 64890/01, no caso Apicella c. Itália). (…) Reitera-se aqui a adesão a esta jurisprudência, tal como à recensão que dela faz o Ac. deste STA de 28.11.2007, P. 0308/07 …”.

LXXXVII. E passando de seguida à apreciação concreta da situação afirma-se no mesmo acórdão que a “… «forte ansiedade» causada aos AA. pela «paralisação do processo», alicerçada e potenciada no «temor» de poder vir, por essa razão, a «não conseguir ressarcir-se», face «à desvalorização do mercado imobiliário», constitui alegação de factos e não meros juízos de valor ou conceitos meramente conclusivos, pela invocação de um quadro psíquico de inquietude e angústia (…). (…) Quanto a «terem sofrido de forte ansiedade» ou os danos superiores aos comuns destas situações os AA. não têm razão, porque não tendo feito a prova que lhes competia para beneficiar desses factos não podem invocar a presunção. (…) A questão coloca-se quanto àquele dano psicológico e moral comum que sofrem todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não vêm as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo. (…) A existência deste dano é um facto da vida, conhecido de todos. (…) Como resulta do art. 514.º do CPC, factos notórios são aqueles que são do conhecimento geral e, por isso, não carecem de prova, nem de alegação. (…) A este dano que todos sabemos que existe acrescem, evidentemente os danos que os AA. consigam provar relativos à situação concreta. (…) Mas, a falta de prova do dano excedente do comum não retira a existência deste último, nem é prova em contrário (ou seja prova de que em concreto não houve dano, ou que havendo-o, não é indemnizável por ser devido a causas diferentes do atraso irrazoável na administração da justiça). (…) Questão diferente é saber se o dano comum resultante do atraso na administração da justiça assume gravidade tal que justifique a reparação face ao preceito legal do art. 496.º do C. Civ. que determina a indemnização dos «danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito». (…) Sobre este ponto se pronunciou o Ac. deste STA de 28.11.07 - P. 0308/07, cujo sumário refere: «Na densificação dos conceitos da Convenção, entre os quais os de prazo razoável de decisão, indemnização razoável e danos morais indemnizáveis, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desempenhará seguramente um papel de relevo». (…) É sabido e foi acima explicitado em que termos tal jurisprudência tem admitido generalizadamente a relevância do dano moral decorrente do atraso na administração da justiça mesmo quando se trata do dano comum notoriamente conhecido, sem mais caraterização ou prova. (…) Na linha de entendimento do Ac. acabado de citar, que se adota aqui e que correspondem à aplicação da doutrina que dimana da Jurisprudência do TEDH, o dano não patrimonial das pessoas lesadas pela falta de decisão em prazo razoável merece a tutela do direito mesmo que não se efetue uma específica prova de ter causado grande sofrimento ou sensível alteração da vida ou de comportamentos, depressão ou outra situação clinicamente caraterizável como de sofrimento psicológico e moral …”.

LXXXVIII. Munidos dos considerandos de enquadramento acabados de expender e centrando-nos, agora, na análise deste requisito no caso vertente presente a factualidade fixada [cfr. n.ºs LVIII), LXII), LXIII), LXIV), LXVII), LXVIII), LXIX), LXX), LXXI), LXXII), LXXIII) e LXXIV)], temos que improcede, sem margem para quaisquer dúvidas, a argumentação e entendimento sustentado pelo R., já que resultam claramente apurados daquela factualidade danos de natureza não patrimonial, danos esses com a relevância e gravidade exigidas que são decorrentes da demora na administração da justiça no “prazo razoável” e de que a A. foi vítima, impondo-se relativamente aos mesmos a obrigação de os indemnizar ao abrigo do disposto conjugadamente nos arts. 496.º do CC, 06.º do CEDH, 20.º, n.º 4 e 22.º ambos da CRP interpretados e aplicados em conformidade com a jurisprudência atrás enunciada e que aqui se acompanha e reitera.

LXXXIX. Já quanto ao alegado erro de julgamento na condenação do R. no pagamento à A. das despesas com honorários de mandatário judicial [a liquidar em sede e momento próprios], com fundamento no facto do valor das despesas em causa poderem e terem de ser ressarcidas no âmbito da conta a efetuar nos autos com apresentação dos valores despendidos através das custas de parte, com violação dos arts. 39.º, n.º 1 do DL n.º 275/99 [a invocação deste preceito afigura-se-nos tratar-se certamente de manifesto lapso porquanto diz respeito a normativo inserto em diploma que veio regular as atividades de assistência em escala ao transporte aéreo nos aeroportos ou aeródromos nacionais e nele se fixa regime transitório naquele quadro de alteração legislativa], 33.º, n.º 1, al. c), 40.º e 41.º do CCJ, temos que também este fundamento será de improceder.

XC. É por todos conhecida a mais recente jurisprudência do STA que sustenta que as despesas judiciais, extrajudiciais e com honorários do advogado, desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a atuação ilícita da Administração, geradora do dever de indemnizar, são danos indemnizáveis [cfr. entre outros, os acórdãos daquele Supremo de 02.06.1992 - Proc. n.º 029651, de 09.06.1999 - Proc. n.º 043994, de 31.05.2000 - Proc. n.º 041201, de 13.12.2000 - Proc. n.º 044761, de 14.03.2002 - Proc. n.º 047342, de 06.06.2002 - Proc. n.º 24779A (Pleno), de 08.03.2005 - Proc. n.º 039934-A, de 19.12.2006 - Proc. n.º 01036/05, de 04.03.2009 - Proc. n.º 0754/08, de 20.06.2012 - Proc. n.º 0266/11 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. TCA Norte de 27.05.2009 - Proc. n.º 01399/06.0BEBRG, de 05.07.2012 - Proc. n.º 02767/06.3BEPRT in: «www.dgsi.pt/jtcn»].

XCI. Pode ler-se na fundamentação do acórdão do STA de 04.03.2009 (Proc. n.º 0754/08 atrás citado), que aqui se acompanha, que a “… jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal … como é o caso do acórdão deste STA de 08.03.2005, …, tem-se pronunciado no sentido de que no domínio do contencioso administrativo em que o mandato judicial é obrigatório, as despesas de justiça e designadamente os honorários do advogado, constituem um dano indemnizável (…). (…) As razões apontadas constam, essencialmente, do citado acórdão deste Tribunal de 09.06.1999, em parte transcrito no também citado acórdão de 8.03.2005 e que, de novo, aqui se reproduzem: «… As custas compreendem a taxa de justiça e os encargos em que se inclui o reembolso à parte vencedora, a título de custas de parte e procuradoria (…)». (…) A função tradicional desta é de indemnização à parte vencedora pelas despesas com o patrocínio judicial (…). (…) Sem deixar de reconhecer que a procuradoria também cumpre a indicada função, não é forçoso tirar daí a conclusão de que o vencedor não possa peticionar o montante despendido com o patrocínio judicial quando este é superior, desde que tenha de recorrer a tribunal para obter o que lhe é devido ou erradicar os efeitos lesivos da sua esfera jurídica provocados por ação ou omissão do vencido. A possibilidade de recebimento pelo vencedor de uma quantia a título de procuradoria, em vez de excludente por raciocínio a contrario, deve antes ser considerada como uma indemnização a forfait com a qual o interessado poderá, ou não contentar-se nos casos em que, por comodismo ou por outra razão qualquer, não peticiona o montante das despesas efetivas superiores. (…) Na verdade, o princípio geral é que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado e evento que obriga à reparação do art. 562.º do C. Civil (…). (…) Por outro lado, é um facto do conhecimento geral que o montante da procuradoria que é atribuído ao vencedor é uma parte ínfima das despesas com o patrocínio judiciário. Quer pela modéstia do seu montante bruto, quer pelos diversos destinos pelos quais esse montante se reparte (…) só muito residualmente a procuradoria cumpre a tradicional finalidade. Dizer que aquilo que é atribuído ao vencedor a este título é o ressarcimento das despesas com o advogado no processo respetivo é, na generalidade dos casos, negar a própria evidência (…). (…) Estando as autoridades administrativas isentas de custas (…) a consideração de que o pagamento das despesas de justiça não pode ser objeto de pedido indemnizatório autónomo conduziria a que uma parte das consequências lesivas da atuação administrativa ilícita ficasse sistematicamente excluída de indemnização (…). Uma tal solução, deslocando irremediavelmente e definitivamente para a esfera do lesado uma consequência que, segundo os princípios gerais da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, deve ser suportada pelo lesante, seria contrária ao disposto no art. 22.º da Constituição que garante, como direito fundamental, a responsabilidade da Administração por factos ilícitos culposos que causem prejuízo a outrem (…). (…) Igualmente milita no sentido proposto o princípio do direito processual civil segundo o qual a necessidade de recorrer a juízo não deve ocasionar dano à parte que tem razão (…). Segundo Chiovenda, citado por Andrade (…), «a administração da justiça faltaria à sua missão e a própria seriedade desta função estadual estaria comprometida se o mecanismo instituído para atuar a lei devesse agir com prejuízo de quem tem razão (…)». (…) Esta jurisprudência veio a ser acolhida pelo Pleno da 1.ª Secção, no acórdão de 06.06.2002, também citado. (…) Concordamos, no essencial, com as razões ali apontadas, embora hoje o argumento da isenção de custas das autoridades administrativas tenha perdido validade, por as entidades públicas, incluindo o próprio Estado, estarem sujeitas a custas face ao art. 1.º do atual CCJ. (…) De qualquer modo, entendemos que a razão fundamental da consideração das despesas aqui em causa como danos indemnizáveis, desde que comprovadamente superiores às despesas ressarcidas através da aplicação da legislação de custas, prende-se com o facto, salientado na jurisprudência que se acolhe, de que não se vislumbra razão para que as despesas de justiça, desde que, obviamente, adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a atuação ilícita da Administração, geradora do dever de indemnizar, não sejam ressarcidas na íntegra, como os demais danos causados por essa atuação …”.

XCII. Ora se assim é e se assim dever ser entendido, tal como constitui também jurisprudência deste Tribunal, então a decisão judicial sindicada não enferma do erro de julgamento que lhe foi assacado nem envolve infração ao quadro normativo invocado dado se tratar, como vimos, de dano patrimonial suscetível de ser indemnizado sendo que a tal não obsta o facto do seu valor não se mostrar fixado porquanto a solução passará atualmente [face à alteração legislativa operada no CPC pelo DL n.º 303/07] pela liquidação em momento posterior do respetivo valor em incidente próprio [cfr. arts. 378.º, n.º 2, e 661.º, n.º 2 do CPC] e já não em execução de sentença [como certamente por lapso de refere na sentença recorrida] como era o regime processual anterior.

Improcede na totalidade, por conseguinte e sem necessidade de mais desenvolvimentos, o recurso jurisdicional que se nos mostra dirigido deduzido pelo R..



4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar total provimento ao recurso jurisdicional “sub judice” e, com a motivação e fundamentos antecedentes, manter a decisão judicial recorrida com as legais consequências, consignando-se que a condenação a título de indemnização no pagamento dos honorários será na quantia que vier, ulteriormente e em sede própria, a liquidar-se.
Custas nesta instância a cargo do R., sendo que, não revelando os autos especial complexidade, na fixação da taxa de justiça se atenderá ao valor resultante da secção B) da tabela I anexa ao Regulamento Custas Processuais (doravante RCP) [cfr. arts. 446.º, 447.º, 447.º-A, 447.º-D, do CPC, 04.º “a contrario”, 06.º, 12.º, n.º 2, 25.º e 26.º todos do RCP - tendo em consideração o disposto no art. 08.º da Lei n.º 07/12 e alterações introduzidas ao referido RCP -, 189.º do CPTA].
Valor para efeitos tributários: 23.000,00€ [cfr. art. 12.º, n.º 2 do RCP].
Notifique-se. D.N..



Restituam-se, oportunamente, os suportes informáticos que hajam sido gentilmente disponibilizados.



Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” art. 01.º do CPTA).


Porto, 12 de outubro de 2012
Ass. Carlos Luís Medeiros Carvalho
Ass. Ana Paula Portela
Ass. Maria do Céu Neves