Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02347/11.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/14/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Anabela Ferreira Alves Russo
Descritores:AVALIAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL POR MÉTODOS INDIRECTOS
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
ART. 87º AL. E) DA LGT
ART. 87º AL. D) E 89-A DA LGT
Sumário:I - A fundamentação da decisão do procedimento é constituída pelas razões de facto e direito que a motivaram e que devem estar expressamente integradas no próprio acto (art. 268º da Constituição da Republica Portuguesa arts. 77º, n.º 1 e 2 da Lei Geral Tributária, 125º do Código de Procedimento Administrativo).
II. O que é relevante, para apreciação da existência ou não de fundamentação, é saber o que consta da decisão e não o que a Administração fez, ou não, depois de ter notificado, naqueles precisos termos, o sujeito passivo, já que esses factos não integram a fundamentação das decisões em referência e não podem, por terem ocorrido a posteriori, servir de suporte à falta de fundamentação invocada.
III - O facto de a Administração Tributária, no ano de 2007, se deparar com uma aquisição de bens imóveis de valor inferior a €250.000,00 não justificada pela declaração de rendimentos apresentada, não a legitima a proceder à determinação da matéria tributável com recurso aos métodos indirectos nos termos do disposto no artigo 87º al. f) da LGT, uma vez que, em matéria de bens imóveis, o legislador fixou um regime especial e autónomo relativamente aos acréscimos patrimoniais que nesta ultima alínea se contemplaram.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:M...
Recorrido 1:D.G.Impostos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
I - Relatório
M… inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente o recurso contencioso por si interposto da decisão de avaliação da matéria colectável por método indirecto, proferida pelo Senhor Director de Finanças do Porto relativa a IRS do ano de 2007 e que lhe foi notificada por ofício de 12 de Julho de 2007, interpôs o presente recurso, de cujas alegações constam as seguintes conclusões:
«01. Relativamente à falta de fundamentação, entende a recorrente que a Sentença em recurso não elenca os factos suficientes a uma ponderada decisão.
02. Para a decisão em recurso e para que se proceda a uma correcta e completa análise do vicio que foi suscitado importaria dar como provados, para além do mais, os seguintes factos:
a) que após o indeferimento do Procedimento de Revisão, a AF procedeu à liquidação do IRS de que notificou a recorrente com prazo de pagamento até 22.Set.2011 [conforme doc. 6 da P.I.];
b) que, em decorrência da liquidação, a recorrente deduziu em 04.11.2010 Impugnação Judicial [doc. 8 da P.I.];
c) que a AF, de acordo com o art. 92º n.º 8 da LGT, ordenou, sem mais, a suspensão do processo executivo instaurado para cobrança coerciva do IRS liquidado [doc. 9 da P.I.].
03. O que está em causa no ofício de Nov/2009 não é uma mera comunicação da decisão de fixação, mas também a decisão de determinar os mecanismos de tutela.
04. Mecanismo que o contribuinte seguiu, tendo em conta a posição assumida pela AF e que se consolidou na sua esfera jurídica, para além do mais, com o direito à suspensão do processo executivo nos termos do art. 92º n.º 8 da LGT.
05. O ofício de 22 Julho de 2011, mais do que substituir a notificação “efectuada através do ofício n.º 79.924/0510 de 19.11.2009”, corresponde a uma nova tipologia de procedimento.
06. Esta comunicação integra uma nova decisão relativamente aos mecanismos de tutela a desenvolver pelo contribuinte.
07. A AF perante uma nova decisão, tem o dever de fundamentar a razão de ser da alteração da sua posição relativamente a este segmento material da decisão em causa: os mecanismos de tutela.
08. Cabia à AF, no quadro dos pressupostos fixados no art. 77º da LGT, explicar as razões do envio de nova notificação, a razão determinante da alteração dos mecanismos de reacção contenciosa, fundamentando de forma a que fosse perceptível pelo destinatário a razão de alteração de entendimento que havia determinado em Nov/2009 a notificação do contribuinte para deduzir Procedimento de Revisão.
09. Em desrespeito pelo art. 77º da LGT, a AF ignorou o dever de fundamentar a sua decisão relativamente ao capítulo dedicado aos mecanismos de tutela e, sem qualquer justificação, determinou a “substituição” dos meios de tutela graciosos,
10. o que configura uma grosseira violação do artigo 77º da LGT.
11. A AF não seguiu o caminho do art. 89º-A da LGT, dado que o valor do bem imóvel não atinge o limiar do quadro número 4, não sendo, assim, considerado uma manifestação de fortuna relevante para efeitos de aplicação deste preceito.
12. Seguiu o caminho previsto no art. 87º f) da LGT e promoveu a imputação da quantia de € 88.775,00 a título de acréscimo patrimonial injustificado.
13. O thema decidendum do presente recurso no segundo segmento resume-se á seguinte questão: não sendo o valor da aquisição superior a € 250.000,00 e não sendo, como tal possível à AF aplicar a normatividade do art. 89º-A n.º 4 da LGT, seria juridicamente correcto promover a tributação com base no regime de avaliação indirecta previsto no art. 87º f) da LGT.
14. E em decorrência deste problema: será constitucional, uma resposta positiva a esta questão?
15. A sentença recorrida entende ser possível a aplicação do regime do art. 87º f) nos casos em que o valor dos imóveis não atinja o limite mínimo fixado no art. 89º-A n.º 4 da LGT.
16. Entende a recorrente que não é possível à AF aplicar o regime de avaliação indirecta do art. 87º f) da LGT quando o valor dos imóveis não atinge € 250.000,00 e, consequentemente, não legitima a aplicação do regime do art. 89º-A da LGT.
17. A alínea d) do art. 87º, conjugada com os n.ºs 1 e 4 do art. 89º-A da LGT, configura um regime de natureza especial para o regime de avaliação indirecta consagrado na alínea f) do art. 87º.
18. O legislador deixou bem clara a sua opção:
a) São só manifestações de fortuna os bens evidenciados no quadro n.º 4 do art. 89º-A da LGT;
b) São só fiscalmente relevantes esses bens desde que o valor de aquisição seja igual ou superior ao valor inscrito na tabela do art. 89º-A.
19. O legislador não quis sujeitar a tributação todos os imóveis, independentemente do valor.
20. Estando a aquisição sob a incidência do art. 89º-A, apenas 20% do valor de aquisição seria sujeito a tributação para efeitos de cálculo do IRS.
21. Não faz, assim, sentido a conclusão de que os imóveis cujo valor não alcança os € 250.000,00, possam estar sujeitos à disciplina do art. 87º f) da LGT, e nessa medida possam constituir facto fiscalmente relevante, sujeitando-se a tributação a totalidade do seu valor.
22. Não estando o facto gerador previsto na norma específica do art. 89º-A da LGT, não pode a AF seguir a via generalista do art. 87º f).
23. Não é razoável admitir que o legislador fiscal da LGT consagre uma solução na qual a compra de um imóvel de valor superior a € 250.000,00 constitui uma manifestação de fortuna que determina o pagamento de IRS sobre 20% do valor de aquisição e uma outra em que o valor do imóvel, sendo inferior àquele limite, determina a tributação em IRS pela totalidade daquele valor.
24. Os arts. 87º f) e 89º-A não podem ter um sentido que conduza a um resultado injusto, ambíguo e incongruente como aquele a que chegou o resultado interpretativo perfilhado na sentença recorrida pela adopção da tese do STA.
25. O intérprete deve presumir que o legislador tomou as decisões mais acertadas, á luz do artigo 9º do CC.
26. A sentença recorrida ignorou o dever de conformação constitucional da interpretação das regras e normas tributárias devendo a fixação do sentido interpretativo observar os princípios da Constituição fiscal.
27. A regra em causa – o artigo 87º f) da LGT – é inconstitucional: por razões objectivas e quando interpretadas no sentido que pode ser aplicada a bens imóveis de valor inferior ao fixado no n.º 4 do art. 89º-A da LGT.
28. Inconstitucional, por violação do Princípio da Legalidade, pois a abertura da norma consagrada na al. f) do art. 87º da LGT, assente em conceitos indeterminados – “acréscimo patrimonial ou consumo evidenciado” – viola o princípio da tipicidade das normas fiscais.
29. Inconstitucional por violação do Principio da Capacidade Contributiva,
30. dado que no caso em apreço à recorrente é imputada a totalidade do valor do imóvel [€ 90.000,00], ao passo que se o bem em causa tivesse o valor de € 250.000,00 o rendimento [padrão] a imputar seria de € 50.000,00, o que bem demonstra que a aplicação, no caso concreto do regime da al. f) do art. 87º em alternativa ao regime do art. 89º-A não passa no teste da iniquidade, pelo que quando interpretado do modo que a sentença recorrida perfilhou é inconstitucional por violação do Princípio da capacidade contributiva.
31. Inconstitucional por violação do Princípio da Igualdade dado que a interpretação acolhida na sentença recorrida contem um tratamento diferente dado a situações juridicamente idênticas, para o qual não existe nenhum fundamento jurídico válido que legitime a manifesta diferença de tratamento,
32. consagrando uma discriminação negativa, que configura uma violação do princípio da Igualdade Fiscal.
33. Inconstitucional por violação do Princípio da Progressividade Tributaria pois tendo em conta que o rendimento padrão à luz do art. 89º-A é de 20% sobre o valor do imóvel e o acréscimo a imputar ao abrigo da alínea f) do art. 87º é de 100%, a aplicação desta regra determina uma solução regressiva de tributação.
34. Ao julgar improcedente o recurso de anulação a sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 4º nº1, 5º nº 2, 8º nº1 e 77º da Lei Geral Tributaria e os artigos 13º, 103º nº 2, e 104º nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa, pelo que não se poderá manter na Ordem jurídica que assim foi violada.
Revogando-se a sentença recorrida por outra que determine a anulação do acto de fixação de rendimentos será feita JUSTIÇA!».
A Recorrida, notificada da interposição do recurso e do despacho que o admitiu, não apresentou contra-alegações.
Neste Tribunal a Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu Douto Parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de visto prévios [artigo 36º, n.º 2 do Código de processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi artigo 2º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT], cumprindo desde já decidir, uma vez que a isso nada obsta.
II – O Objecto do Recurso
Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo o já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões da alegação de recurso apresentadas, temos por seguro que, in casu, o objecto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
(i) Saber se a sentença recorrida errou no julgamento de facto realizado por ter omitido factos cuja relevância se impõe como determinante para a questão de saber se o acto objecto de recurso está ou não devidamente fundamentado;
(ii) Saber se a sentença sob recurso errou de direito ao ter concluído que o acto sindicado não padece de vício de falta de fundamentação;
(iii) Saber se o Tribunal a quo, ao ter decidido que é legalmente admissível que a Administração Fiscal aplique o regime de avaliação indirecta do art. 87º f) da LGT quando o valor dos imóveis não atingem € 250.000,00 e, consequentemente, não estão verificadas as condições de aplicação do regime do art. 89º-A da LGT, incorreu em erro de julgamento de direito.
(iv) Saber se o artigo 87º f) da LGT, é inconstitucional quando interpretado no sentido de que pode ser aplicado a bens imóveis de valor inferior ao fixado no n.º 4 do art. 89-A da LGT , por por violação dos princípios da Legalidade, da Capacidade Contributiva, da Igualdade e da Progressividade Tributaria.
III – Os Factos
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância e que aqui se dará por reproduzida ipsis verbis:
A) Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto elaboraram “Relatório de Inspecção Tributária”, identificando M…, NIF 1…, com a menção “Ordem de Serviço N.º 01200901479”, do qual consta: (..) O sujeito passivo M…, contribuinte n.º 1…, apresentou a declaração de rendimentos prevista no artigo 57º do Código do IRS relativa ao ano 2007, na qual, de acordo com consulta às respectiva liquidação de imposto, foram declarados rendimentos brutos de 11.799,20 euros e rendimentos líquidos de 5.585,44 euros;
Por outro lado, o mesmo sujeito passivo efectuou ao longo daquele período diversas despesas, nomeadamente:
- Aquisição, em 2007-01-22, pelo preço de 90.000 euros, do imóvel inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Beire, concelho de Paredes, sob o artigo 655 e do imóvel inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia, sob o artigo 7.
(...) considera-se que se encontram reunidos os pressupostos para a realização da avaliação indirecta da matéria tributável, nos termos da alínea f) do artigo 87.º, uma vez que, (...), existe uma desproporção injustificada superior a um terço entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados no ano 2007 e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação”- conforme folhas 5 a 17 do processo administrativo junto aos autos (P.A);
B) No documento referido na alínea anterior foi elaborado “Parecer do chefe de equipa” com o seguinte teor: “Confirmo o teor do presente relatório, nomeadamente:
a) Os pressupostos para a avaliação da matéria tributável de IRS, do exercício de 2007, nos termos do artigo 87.º, alínea f) da LGT;
b) O valor do acréscimo de património não justificado, nos termos do artigo 89.º-A, n.º 5 da LGT, no montante de €88.775,06. À consideração superior. Porto, 12/11/2009 (seguindo-se assinatura)”;
C) No documento referido na alínea A) consta “despacho com o teor:
Concordo. Notifique-se nos termos do artº 77º da LGT e do artº 62º do RCPIT. Porto, 16 de Novembro de 2009” (seguindo-se rubrica sob o nome “Rui Gonçalves”); e “despacho” com o teor: “Concordo. Porto, 2009.11.18” (seguindo-se rubrica sob as menções “Vítor Negrais. Director de Finanças”);
D) Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto elaboraram documento, datado de 19 de Novembro de 2009, dirigido a M…, com as menções: “N/Referência 79924/0510” e “Ordem de Serviço: 0120090479”, do qual consta: “(...) Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 77.º da LGT e do artigo 62.º do RCPIT, do Relatório de Inspecção Tributária, que se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada:
Da fixação do rendimento colectável de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) por métodos indirectos, (…):
ANO(S) 2007; RENDIMENTO FIXADO (*) 94.360,50 EUR
A decisão de avaliação indirecta tem por base os factos, motivos e fundamentos constantes do Relatório de Inspecção, tendo os valores sido fixados de acordo com os critérios e cálculos mencionados no referido Relatório.
Nos termos do art.º 91º da LGT, poderá(ão) solicitar a revisão da matéria tributável, fixada por métodos indirectos, numa única petição devidamente fundamentada (…)” - conforme folha 3 do P.A.;
E) A folhas 4 dos autos consta “aviso de recepção” dos “CTT”, dirigido a M…, identificando a “Direcção de Finanças do Porto - Divisão Inspecção V” no campo “Devolver a”, e com as menções “M… 23-11-09”, no campo “Data e assinatura”;
F) Em 30 de Dezembro de 2009, foi recebido no Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, da Direcção de Finanças do Porto, documento em nome de M…, do qual consta pretender a mesma “deduzir Procedimento de Revisão” - conforme folhas 57 a 64 do P.A.;
G) A folhas 52 a 56 do P.A. consta documento, de 2.08.2010, subscrito por “Manuel V. C. Moreira da Silva”, da Direcção-Geral dos Impostos, denominado “Procedimento de Revisão”, identificando “M…”, do qual consta “(...) indefiro o pedido de revisão apresentado, mantendo os valores propostos no relatório da Inspecção Tributária no que respeita ao IRS e ao exercício analisado, 2007”;
H) A Divisão de Inspecção Tributária - V, da Direcção de Finanças do Porto elaborou documento datado de 22 de Julho de 2011, dirigido a M…, com a menção “01200901479”, com o assunto “Relatório de Inspecção Tributária”, do qual consta: “Fica por este meio notificado, (...) relativamente ao seguinte:
Foi fixado o conjunto de rendimentos líquidos, por métodos indirectos, nos termos previstos no nº 2 do artigo 65º do Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares e n.º 5 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária, por remissão do artigo 39º daquele Código:
Ano(s)/Exercício(s): 2007 Rendimento Líquido Fixado: €94.360,50
A decisão de avaliação indirecta tem por base os factos, motivos e fundamentos constantes do Relatório/Conclusões, tendo os valores sido fixados de acordo com os critérios e cálculos mencionados no referido Relatório.
Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, cabe recurso para o Tribunal Administrativo e Fiscal, a apresentar no prazo de 10 dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção que acompanha esta notificação.
A presente notificação substitui a efectuada através do ofício n.º 79.924/0510 de 2009/11/19.
Junta-se relatório e nota de fixação de IRS de 2007, num total de 14 folhas.- conforme folha 1 do P.A.;
I) A folhas 2 do P.A. consta “aviso de recepção” dos “CTT”, dirigido a M…, identificando a “Direcção de Finanças do Porto Divisão Inspecção V” no campo “Devolver a”, e com as menções “T… 13-07-011”, no campo “Data e assinatura”;
J) O presente recurso foi apresentado no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 22 de Julho de 2011- conforme registo no “SITAF” a folhas 2 dos autos.
IV – O Direito
Estando imputados à sentença recorrida erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento de direito, importa, naturalmente, começar por aquele primeiro e, após estabilizada a factualidade pertinente, se ajuizar do acerto jurídico da decisão proferida, incluindo a alegada inconstitucionalidade da interpretação jurídica acolhida.
4.1. Começa a Recorrente por imputar à sentença recorrida erro de julgamento da matéria de facto (por defeito) por da selecção dos factos pertinentes à decisão não constar que [a)] após o indeferimento do Procedimento de Revisão, a AF procedeu à liquidação do IRS de que notificou a recorrente com prazo de pagamento até 22.Set.2011; [b)] em decorrência da liquidação, a recorrente deduziu em 04.11.2010 Impugnação Judicial e que [c)] a AF, de acordo com o art. 92º n.º 8 da LGT, ordenou, sem mais, a suspensão do processo executivo instaurado para cobrança coerciva do IRS liquidado.
Tais factos – de relevância para a apreciação do vicio de falta de fundamentação invocado e que se encontram comprovados pelos documentos número 6, 8 e 9, juntos com a petição inicial – se ponderados, teriam determinado o Tribunal a concluir que «O que está em causa no ofício de Novembro de 2009 não é uma mera comunicação da decisão de fixação, mas também a decisão de determinar os mecanismos de tutela.», pelo que, não tendo a Administração fundamentado a alteração da decisão nessa parte, enferma de falta de fundamentação, o que na sentença deveria ter sido decidido.
Importa, assim, analisar, se houve efectivamente erro na selecção dos factos pertinentes à questão da fundamentação ou, se preferirmos, se os factos que a ora Recorrente pretende ver integrados nessa sede são, ou não, relevantes para a apreciação jurídica da existência daquele vício.
Adiantamos, desde já, que a nossa resposta, tal como implicitamente resulta da sentença recorrida ao não ter seleccionado tais factos, é negativa.
E é negativa porque, tendo a Recorrente alegado, como fundamento da procedência do alegado vicio de falta de fundamentação, a existência de duas notificações sendo que, na segunda, a Administração Fiscal veio “notificar a recorrente do mesmo relatório da IT, da mesma fixação de rendimentos, com a mesma fundamentação, mas, com meios de tutela e efeitos distintos”, o que consubstancia «não uma mera “substituição” de notificação, mas uma verdadeira decisão em sede graciosa». Acrescenta que, deste modo, tal “acto decisório” deveria encontrar-se devidamente fundamentado, o que não sucede no caso concreto.», o que importa apreciar é se, como diz a Recorrente, «esse segmento da decisão» também deveria ter sido fundamentado.
Ora, sendo a fundamentação da decisão do procedimento constituída pelas razões de facto e direito que a motivaram e que devem estar expressamente integradas no próprio acto (arts. 77º, n.º 1 e 2 da Lei Geral Tributária, 125º do Código de Procedimento Tributário e art. 268º da Constituição da Republica Portuguesa), o que importava, em termos de facto e para apreciação da existência ou não de fundamentação, era saber o que constava de ambas as decisões e não o que a Administração fez ou não depois daquela primeira notificação, isto é, depois de ter notificado, naqueles precisos termos, o sujeito passivo, já que esses factos não integram a fundamentação das decisões em referência e não podem, por terem ocorrido a posteriori servir de suporte à falta de fundamentação invocada.
Como se disse num recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (de 10 de Maio de 2011, proferido no processo n.º 3716/10, consultável em www.dgsi.pt), «(…) no contencioso de mera legalidade, onde nos encontramos, o tribunal» tem de se limitar a (..) ajuizar da legalidade do acto sindicado nos moldes em que este ocorreu, ou seja, apreciando a respectiva conformidade legal em face da fundamentação contextual, contemporânea e integrante do próprio acto».
Assim, constando da matéria de facto sob os alíneas D) e H) do ponto III supra, o concreto teor das decisões da Administração Fiscal chamadas à colação, em especial a notificação recebida pela Recorrente a coberto do oficio de 12-7-2011 e a que imputa o vicio de falta de fundamentação, impõe-se concluir que a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo não errou no julgamento de facto ou quanto aos factos relevante para decidir da questão jurídica da falta de fundamentação.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto.
4.2. Embora de forma não totalmente expressa, do confronto das alegações de recurso e das conclusões nele ínsitas, ainda parece poder concluir-se - numa interpretação conforme com a máxima protecção devida ao Recorrente no exercício do direito de recurso das decisões judiciais - que também é questionada, para além da factualidade pertinente à decisão recorrida, a própria decisão jurídica do vício de falta de fundamentação invocado.
E, nesta medida, entende-se ser de apreciar, nessa parte, do acerto da sentença na parte em que julgou improcedente a arguição do vício em referência.
Para tanto, comecemos por relembrar que o Tribunal a quo, exteriorizou essa decisão nos seguintes termos:
«Da falta de fundamentação do acto decisório corporizado na segunda notificação do acto recorrido.
Nos presentes autos, estamos perante um recurso de decisão de avaliação da matéria colectável por método indirecto, proferida pelo Senhor Director de Finanças do Porto.
Da factualidade provada nos autos, resulta que a decisão recorrida foi proferida em 18 de Novembro de 2009, tendo sido objecto de duas notificações sucessivas - uma datada de 19 de Novembro de 2009, remetida sob a referência 79924/0510 e outra datada de 22 de Julho de 2011, que visou substituir a primeira, ambas recebidas pela Recorrente.
Alega a Recorrente que com a segunda notificação realizada, veio a Administração Fiscal “notificar a recorrente do mesmo relatório da IT, da mesma fixação de rendimentos, com a mesma fundamentação, mas, com meios de tutela e efeitos distintos”, o que consubstancia «não uma mera “substituição” de notificação, mas uma verdadeira decisão em sede graciosa». Acrescenta que, deste modo, tal “acto decisório” deveria encontrar-se devidamente fundamentado, o que não sucede no caso concreto.
Vejamos pois.
Conforme sustenta a Recorrente e resulta provado nestes autos, ambas as notificações aludidas supra versam sobre o mesmo acto, sendo a mesma a fundamentação utilizada, divergindo, apenas, quanto aos meios de defesa a adoptar pelo contribuinte, em caso de discordância com o referido acto.
Dispõe o nº 4 do artigo 77º da LG.T. que “a decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base científica, ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.”
Acrescenta o n.º 6 do mesmo artigo que, “a eficácia da decisão depende da notificação”.
Por outro lado, preceitua o artigo 36º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (2) (C.P.P.T.), nos seus nos 1 e 2, que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”, sendo que, “as notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências.”
Resulta, assim, que a indicação dos meios de defesa e respectivo prazo integram o conteúdo da notificação do acto - a qual é mera condição de eficácia da decisão - e não, o conteúdo do próprio acto.
Por outro lado, tal indicação dos meios de defesa não estatui, por si só, quaisquer efeitos jurídicos para o notificado, que não se encontra vinculado a tal indicação, não valendo a mesma, por isso, como acto decisório autónomo.
Nestes termos, no caso dos autos, não valendo como acto decisório a indicação, na notificação do acto recorrido, de um meio de defesa diverso do anteriormente indicado, não se encontra tal notificação sujeita às exigências legalmente previstas para a fundamentação dos actos decisórios, não podendo a mesma padecer, por isso, do invocado vício de falta de fundamentação.
Face ao exposto, falece, nesta sede, a pretensão da Recorrente.».
Não cremos que a decisão assim proferida e com tais fundamentos mereça qualquer reparo.
A questão, como muito bem foi equacionado pela Meritíssima Juíza, era a de saber se aquela indicação dos meios de reacção do particular, face ao nosso ordenamento jurídico, constituía um elemento integrante da decisão e, como tal, a ser fundamentado.
Na sentença, conclui-se negativamente, com fundamento nos artigos aí citados (arts. 77º, nºs 4 e 6 da LGT e 36º, nºs 1 e 2 do CPPT), e, consequentemente, pela improcedência da falta de fundamentação.
Diga-se, mais uma vez, que se fundamentou e se conclui bem, por resultar efectivamente do enquadramento legal realizado que, aquela indicação dos meios de reacção não faz parte da decisão, constituindo uma indicação (aliás, só pode mesmo ser entendida como mera indicação já que não tem que ser observada pelo particular que bem pode fazer opção por outros mecanismos ou procedimentos graciosos ou contenciosos que julgue mais adequados à satisfação da sua pretensão) que tem que ser realizada com a notificação do acto (mera condição de eficácia deste) mas que de todo não integra o acto ou decisão propriamente dito.
E, sendo assim, isto é, não fazendo parte da decisão, não tinha que sobre esse «segmento» da notificação a Administração Tributária, do ponto de vista legal, e para que essa notificação fosse válida, de adiantar mais do que fez (para o que ora releva) e que foi de expressamente comunicar que essa notificação, que diverge em relação à primeira exclusivamente quanto aos meios de reacção ou defesa da decisão, substituía a antecedente.
Aliás, não se descortina, e talvez por isso também não venha alegado, que prejuízos possam decorrer para a Recorrente em resultado da segunda notificação ou da alteração dos mecanismos de defesa, quer porque, como dissemos, não é obrigatório que siga tais indicações, quer porque, o que é fundamental, vê reiniciado o seu prazo de defesa contra o acto que reputa de ilegal, não lhe podendo ser oposta a existência de anterior notificação e beneficiando, ainda, agora, da correcta indicação dos meios legais de reacção à sua defesa.
Improcede, pois, também nesta parte, o recurso interposto.

4.3. A terceira questão suscitada em sede de recurso traduz-se em apreciar se a sentença recorrida, ao ter decidido que é legalmente admissível que a Administração Fiscal aplique o regime de avaliação indirecta do art. 87º f) da LGT quando o valor dos imóveis não atingem € 250.000,00 e, consequentemente, não estão verificadas as condições de aplicação do regime do art. 89º-A da LGT, incorreu em erro de julgamento de direito.
Conforme foi evidenciado pelo Ilustre Mandatário da Recorrente, a decisão de admissibilidade do regime de avaliação indirecta constante do art. 87º al. f) da LGT no caso concreto, assentou nas razões de direito constantes do Ac. do STA de 13 de Julho de 2011, o que, a Meritíssima Juíza, de resto, expressa e formalmente assume.
E, como também vem claramente assumido, discorda o mesmo Mandatário da decisão proferida naquele Acórdão (de admissibilidade de determinação da matéria tributável segundo o regime de avaliação indirecta do art. 87º f) quando o valor dos imóveis não atingem € 250.000,00 e, consequentemente, não estão verificadas as condições de aplicação do regime do art. 89º-A da LGT, incorreu em erro de julgamento de direito) que julga desconforme com a Lei pelas razões que concretiza, mais adiantando que, e para o caso de este Tribunal entender que a interpretação legal aí defendida é a única ou a que melhor se coaduna com os normativos em apreciação, então, sempre se imporá concluir que o resultado material da sua aplicação conduzirá à violação de princípios constitucionais, in casu, da Legalidade, da Capacidade Contributiva, da Igualdade e da Progressividade Tributaria e, consequentemente, com este fundamento, não deve ser aplicado o disposto no art. 87º al. f) da LGT.
É este, também, o entendimento que perfilhamos. Isto é, também para nós a Administração Fiscal não pode aplicar o regime plasmado no art. 87º al. f) da LGT ou, se preferirmos, não pode proceder à avaliação indirecta nos termos daquele preceito quando o valor dos imóveis não atingem € 250.000,00 e, consequentemente, não estão verificados os pressupostos de aplicação do regime emergente do art. 89-A da LGT., discordando-se, pois, que da análise do regime jurídico em apreço resulte a decisão a que a Meritíssima Juíza a quo chegou
Na verdade, e pese embora a jurisprudência em que a mesma assentou, a reflexão critica que nos suscitou leva-nos a concluir que, à luz dos preceitos citados, na redacção em vigor (ano de 2007), na concreta situação de imóveis, não é legítimo que a Administração Tributária proceda à avaliação indirecta nos termos do art. 87º al. f) da LGT sempre que o valor do imóvel cuja aquisição havia sido realizada (e relevada) fosse inferior a € 250.000,00.
Vejamos, então, as razões em que assenta este nosso entendimento, sem deixar de relevar que, não obstante os já consideráveis anos que a Lei de Reforma da Tributação do Rendimento (Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro) leva já de aplicação concreta, são evidentes as dúvidas que persistem em subsistir aos aplicadores do direito, quer sejam decisores administrativos, quer sejam os decisores judiciais quer, mesmo, estudiosos do direito, como o revelam as dúvidas assumidas por autores em teses e artigos da especialidade que, não raramente, sobre esta matéria vão sendo publicados e que, também nós, não deixamos desde já de assumir e que, futuramente, poderão até determinar, face a argumentos que nesta data não logramos encontrar, nem nos hajam sido dados a conhecer pelas partes, que assumamos posição distinta.
Nesse sentido, comecemos por notar que, quer um, quer outro dos preceitos que constituem peça fundamental nesta decisão (arts. 87º e 89-A da LGT), tem vindo a conhecer alterações significativas de redacção pelo que, é crucial que tenhamos presente o que à data do facto gerador de tributo dispunha cada um desses normativos legais, pois, naturalmente, não existindo nesta matéria qualquer especialidade determinante de aplicação retroactiva de Lei (independentemente da susceptibilidade de a mesma, a existir, ser ou não legal) só por referência ao enquadramento legal vigente à data se poderá procurar e encontrar a resposta da legalidade da liquidação efectuada pela Administração Tributária.
Assim, dispunha o artigo 87.º da L.G.T, na redacção vigente na data a que reporta a decisão recorrida, sob a epígrafe «Realização da avaliação indirecta» que:
«A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
(…)
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A;
(…)
f) Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.”

Sob a a epígrafe “Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados”, dispunha o art. 89.º-A que:
«1. Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
(…)
4 - Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n.º 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n.º 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:”
Manifestações de fortuna Rendimento padrão
1.Imóveis de valor de aquisição igual (…) 20% do valor de aquisição
ou superior a €250000
(...)».
Todavia, para além do que dispõe a Lei, é fundamental que se tenha sempre por presente as razões que determinaram a consagração deste dispositivos, os quais, , como e sabido, se inseriram na procura de estabelecer mecanismos capazes de combater a evasão e fraude fiscal e procederam a alterações significativas em matéria de ónus da prova e de precisão das situações em que é legitimo à Administração Tributária recorrer aos métodos indirectos na determinação da matéria tributável.
Assim, com a introdução no nosso ordenamento jurídico do artigo 89º A, n.º 1 da LGT e da conjugação deste com o disposto na al. d) do art. 87º daquela mesma Lei, resulta que o legislador entendeu, tendo em vista alcançar aquele objectivo, introduzir no nosso sistema jurídico um regime especial de avaliação indirecta (um regime legitimador de recurso pela Administração Tributária aos métodos indirectos) para os casos em que, tendo sido detectada uma «manifestação de fortuna» de entre as enunciadas pelo legislador e sem que haja declaração de rendimentos compatível, ou mostrando-se evidente uma desproporção entre o rendimento padrão e aquele rendimento declarado, a Administração pudesse lançar mão dos métodos indirectos de fixação da matéria tributável aí previstos.
Nessas situações (e independentemente de ter sido apresentada declaração de rendimentos a que, aliás, o legislador retira a presunção de veracidade) passa a caber ao contribuinte - querendo obstar a que a Administração Tributária fixe, de forma indirecta, como rendimento tributável em sede de IRS, categoria G, um montante igual ao do rendimento padrão revelado pela manifestação de fortuna em causa - demonstrar que os rendimentos utilizados na aquisição dos referidos bens não constituem rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS.
Este era, pois, o regime vigente até 2004, data em que, com a em vigor da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e a subsequente alteração de redacção da aliena f) do artigo 87º, o legislador assumiu que aquele regime de avaliação indirecta devia ser aplicado a outros acréscimos patrimoniais e consumos desde que se verificasse uma desproporção injustificada entre os referidos acréscimos patrimoniais ou os consumos evidenciados e a declaração de rendimentos apresentada, ficando, deste modo, também abarcadas por este regime ou possibilidade de aplicação deste regime, as situações em que os contribuintes não utilizavam os rendimentos não declarados na aquisição dos bens duradouros ou investimentos referidos na tabela do n.º 4 do art. 89.º-A, mas na aquisição de outros bens ou consumos não identificados neste ultimo preceito.
É, assim, neste espírito e especifico contexto histórico-legislativo que surge a alteração de redacção da alínea f) do art. 87º da LGT na redacção aplicável a estes autos (e que supra transcrevemos «Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação».), e a nova redacção dada ao n.º 3 do art. 89º-A que passou a dispor que «Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea f) do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados».
Da conjugação destas duas disposições legais resulta, assim que, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, sendo detectado a um contribuinte num determinado ano um acréscimo de património ou um consumo que divirja não justificadamente dos rendimentos declarados nesse ano em, pelo menos, um terço, ou ele demonstra que esses acréscimos patrimoniais ou os consumos evidenciados têm outra fonte que não rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS ou, não o fazendo, a Administração Tributária fica legitimada (obrigada), a proceder à avaliação indirecta do rendimento tributável, nos termos da referida alínea f) do art. 87.º., sem prejuízo de fixar o rendimento tributável em sede de IRS em montante igual ao da diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados, ou mesmo em montante superior, se existirem «indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90º» que lho permitam, a enquadrar na categoria G do IRS (art. 89-A n.º 5 da LGT).
Como se disse no Ac. deste Tribunal de 22-1-2009, que aqui seguimos de perto
«Ou seja, os arts. 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, vieram criar mais uma possibilidade de avaliação da matéria tributável por método indirecto, com as seguintes características:
– face a um acréscimo patrimonial ou a uma manifestação de consumo que divirja em, pelo menos, um terço do rendimento declarado no ano, cessa a presunção de veracidade da declaração e inicia-se o procedimento de fixação da matéria tributável;
– depois, a menos que o contribuinte demonstre que os valores que possibilitaram o acréscimo patrimonial ou o consumo evidenciados não constituem rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS, ou seja, designadamente, que tiveram origem em capital próprio, recurso ao crédito, herança ou doação, rendimentos sujeitos a tributação autónoma, etc., a AT fica, sem mais, autorizada a fixar, de forma indirecta, como rendimento tributável em sede de IRS, categoria G, um montante igual ao da diferença entre o rendimento declarado e o valor do acréscimo patrimonial ou do consumo evidenciados.
Assim, verificando-se uma fattispecie subsumível à previsão do n.º 1 do art. 89.º-A, ou uma uma fattispecie subsumível à previsão da alínea f) do art. 87.º, fica legitimado o recurso à avaliação indirecta do rendimento tributável nos termos referidos, o que significa que, nessas situações, a AT, por um lado, fica dispensada de demonstrar os requisitos gerais de recurso ao método indirecto de avaliação, designadamente, a impossibilidade de determinação da matéria tributável por métodos directos (cf. art. 88.º), e, por outro lado, as exigências de fundamentação, particularmente exigentes em sede da avaliação indirecta e compreendendo quer os pressupostos para o recurso à avaliação indirecta quer o método utilizado na avaliação, satisfazem-se com a mera «descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes» e, quanto à quantificação da matéria tributável, com a referência ao critério legal (cf. arts. 77.º, n.º 4, e 84.º, n.º 3).».
Mas do facto de resultar desta evolução legislativa que o legislador veio criar mais uma possibilidade de avaliação da matéria tributável por método indirecto (para as situações citadas na al. f) do art. 87º da LGT) não pode concluir-se, como fez a Administração Tributária e o Tribunal a quo, que tal signifique que todas as situações que não possam ser subsumidas ao regime dos arts. 87º d) e 89º -A da LGT possam, sem mais, ser integradas no regime emergente dos arts. 87º f) da LGT.
Efectivamente, e ao contrário do defendido nos autos, até por ambas as partes, não entendemos que haja aqui um regime geral e um regime especial, mas sim vários regimes especiais, de âmbito ou objecto mais ou menos alargado, consoante os próprios indícios ou critérios tidos em consideração pelo legislador.
Neste enquadramento, é, para nós, seguro, que o legislador previu um regime especial para as situações em que a divergência com os rendimentos declarados pelo sujeito passivo emerge da aquisição de determinados bens, que é o regime dos arts. 87º, d) e 89-A ambos da LGT., isto é, previu um regime, nas palavras da Recorrente «(…) destinado a regular outras realidades que dadas as suas características ficam sujeitos a uma disciplina diferenciada», e de cuja verificação está dependente o recurso aos métodos indirectos para determinação da matéria tributável.
Face ao disposto nesses preceitos, afigura-se-nos evidente que, o recurso aos métodos indirectos por parte da Administração Tributária ao abrigo do disposto nos arts. 87º d) e 89º-A, n.º 4, exige que na situação concreta a «manifestação de fortuna» se traduza na aquisição de um dos tipos de bens identificados taxativamente naquele último preceito e se consubstancie numa aquisição igual ou superior aos valores aí também plasmados.
Ora, no caso da aquisição de bens imóveis, que é o tipo de bem em causa nos autos como constituindo «manifestação de fortuna» o recurso aos métodos indirectos para determinar a matéria tributável da Recorrente, a legitimação desse recurso está dependente, por expressa opção do legislador, de aquela aquisição o ter sido por valor igual ou superior a €250.000,00.
O que, de resto, não só é o que resulta da Lei, como é, inclusive, o entendimento que a própria Administração Tributária parece partilhar já que, na contestação apresentada nestes autos, afirma ter sido precisamente por o imóvel ter sido adquirido por € 90.000,00 e, consequentemente, tal valor não ser susceptível de preencher os pressupostos de legitimação de recurso a avaliação da matéria tributável por métodos indirectos, que procedeu à avaliação da matéria tributável por métodos indirectos mas com base na al. f) do art. 87º da LGT, cuja aplicação o legislador não fez depender de qualquer valor mínimo ou tipo de bem.
Em suma, para a Administração Tributária, a al. f) do artigo 87º é uma espécie de «caldeirão» capaz de cobrir com o manto de legitimidade a actividade tributária por recurso a métodos indirectos sempre que esteja em causa uma «manifestação de fortuna» consubstanciada na aquisição de bens imóveis e o valor de aquisição destes seja inferior a € 250.000,00.
Naturalmente, não podemos perfilhar essa tese.
Não podemos, porque a mesma afronta ostensivamente a opção legislativa expressa no art. 89º da LGT de cuja redacção resulta claramente que o legislador só erigiu em facto tributário relevante em matéria de bens imóveis, os adquiridos por valor igual ou superior a € 250.000,00, e não qualquer aquisição de bens imóveis. E dizemos ostensivamente porquanto, como é obvio, se essa tivesse sido a intenção do legislador a mesma teria recebido um mínimo de acolhimento na letra da lei, o que não aconteceu, sendo certo que, não terá sido, seguramente, por a realidade posta ao legislador lhe colocar dificuldades acrescidas em termos de técnica legislativa já que até teria sido mais fácil estabelecer apenas o tipo de bem do que ainda sujeitar tal aquisição para efeitos de relevância fiscal a um determinado valor cuja fixação e acerto se revelam sempre de complexidade acrescida.
Não podemos porque a configuração ou admissibilidade dessa tese exigiria que presumíssemos que o legislador regulou na mesma lei duas vezes a mesma realidade, com critérios distintos de cálculo do rendimento colectável, sem qualquer justificação, o que contrariaria os princípios fundamentadores da actividade interpretativa, que impõem que se presuma que na elaboração da lei o legislador teve em consideração não só a unidade do sistema jurídico, como que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º do Código Civil).
Não podemos, por último, porque a aceitação dessa tese, para além de implicar a desconsideração dos princípios interpretativos citados, determinaria, face aos resultados incongruentes e injustos a que se chegaria, que tivesse que se entender que a al. f) do art. 87º da LGT é inconstitucional por o recurso a avaliação de métodos indirectos nos termos dessa disposição implicar tributar-se de forma mais gravosa um sujeito passivo que adquire um imóvel de valor inferior a € 250.000,00 do que um contribuinte que adquire um imóvel de valor superior a € 250.000,00.
Ou seja, a adopção da tese da Administração Tributária conduziria a que, do ponto de vista do imposto a pagar, fosse - como diz a Recorrente e é reconhecido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que serviu de fundamentação à sentença sob recurso - mais penalizado o contribuinte que adquire bens de menor valor uma vez que, nesta situação, e não logrando comprovar a origem do dinheiro, esse contribuinte será sempre tributado em IRS pela totalidade do valor de aquisição. Diferentemente, sendo superior a € 250.000,00 o valor do imóvel adquirido e não justificada a origem do rendimento tal apenas determinará o pagamento de IRS sobre 20% de aquisição do imóvel.
Ora, não pode, de todo, ser este o sentido e alcance da lei, sob pena de se ter de presumir exactamente o contrário do que se exige ao aplicador que presuma, isto é, a não ser que se queira que se presuma que o legislador não consagrou as soluções mais acertadas e não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Pelo contrário, se atentarmos no contexto histórico-legislativo que supra fizemos referência, no espírito do legislador, na unidade do sistema jurídico e na letra da lei, teremos que concluir que no caso da compra de imóveis o legislador estabeleceu mesmo um regime especial e que é o resultante da conjugação dos arts. 87º d) e n.ºs 1 e 4 do art. 89.º-A, ambos da LGT.
Mas, sendo assim, e revertendo agora ao caso concreto de novo, forçoso é concluir que não pode a Administração Tributária aplicar a essas situações, isto é, às situações em que esteja em causa a compra de um imóvel de valor inferior a € 250.000,00 o regime emergente do art. 87º al. f) da LGT., porquanto aquele regime não é um regime subsidiário mas um regime especial. Como se escreveu no citado Ac. do TCA Norte de 22-1-2009, «(…) embora as aquisições de imóveis constituam acréscimos patrimoniais, a lei só lhes quis conferir relevo, para os referidos efeitos (() De afastar a presunção de veracidade da declaração, autorizar a avaliação indirecta do rendimento tributável e até permitir a quantificação deste num montante mínimo pré-fixado.), quando o valor dessas aquisições (() Note-se que o legislador, para estes efeitos, faz equivaler às aquisições pelo próprio contribuinte as efectuadas por familiares, bem como faz equivaler à aquisição a fruição, no ano em causa, pelo sujeito passivo ou por qualquer elemento do agregado familiar dele, dos bens «adquiridos, nesse ano ou nos três anos anteriores, por sociedade na qual detenham, directa ou indirectamente, participação maioritária, ou por entidade sediada em território de fiscalidade privilegiada ou cujo regime não permita identificar o titular respectivo» (cf. art. 89.º-A, n.º 2, alíneas a) e b)).), durante o ano em causa ou nos três anos anteriores, ascenda a € 250.000,00 ou mais, e o contribuinte declare nesse ano rendimentos inferiores em mais de 50% ao rendimento padrão, que estabeleceu em 20% do valor de aquisição.
Ou seja, as aquisições de imóveis (como aliás outras manifestações de fortuna) mereceram do legislador tratamento diverso do que ele entendeu conceder à generalidade dos acréscimos patrimoniais. Enquanto para estas entendeu ser suficiente, como facto revelador do afastamento da normalidade e da existência de rendimentos não declarados, uma desproporção de, pelo menos, um terço entre o valor do acréscimo patrimonial e o rendimento declarado nesse ano, já relativamente à aquisição de imóveis de valor superior a € 250.000,00, efectuados nesse ano ou em qualquer dos três anos anteriores, entendeu como revelador dessa anormalidade o facto de o rendimento declarado (() Note-se que, para as manifestações de fortuna, o regime funciona mesmo na ausência de declaração, o que se justifica pela necessidade de não conceder tratamento privilegiado a quem mais gravemente incumpre com as suas obrigações declarativas.) revelar uma desproporção superior a metade do rendimento padrão, que entendeu fixar em 20% do valor da aquisição.».
Não podia, pois, a Administração Tributária entender que estava legitimada a proceder à avaliação da matéria tributável da Recorrente por recurso a métodos indirectos perante a detectada aquisição de um imóvel no ano de 2007, no valor de € 90.000,00 e uma declaração de rendimentos desse ano da Recorrente no valor de € ao abrigo do disposto no art. 87º al. f) da LGT, por este regime não estar previsto para essa concreta situação, sendo-lhe, pois, exigível querendo revelar essa aquisição e alterar a matéria tributável que havia servido de base à liquidação oportunamente realizada (com base na declaração apresentada pelo contribuinte), afastar a presunção da veracidade da declaração e justificar o recurso à avaliação indirecta ou proceder à avaliação directa, se tal for passível de ser realizado.
Em suma, o facto de a Administração Tributária estar perante uma aquisição de bens imóveis não justificados pela declaração de rendimentos apresentada e esta aquisição ser de valor inferior a € 250.000,00 só por si não a legitima a proceder à determinação da matéria tributável com recurso aos métodos indirectos nos termos do disposto no art. 87º al. f) da LGT, por, em matéria de bens imóveis, o legislador ter fixado um regime especial e autónomo dos demais acréscimos patrimoniais que nesta ultima alínea se contemplaram.
Assim, não assumindo tal aquisição valor superior a € 250.000,00, a Administração cumpria à Administração afastar a presunção de veracidade daquela declaração, justificar a sua impossibilidade de determinar directamente a matéria tributável e o consequente recurso aos métodos indirectos nos termos gerais.
O que não aconteceu, pelo que, não tendo a Administração Tributária respeitado a Lei na liquidação efectuada não pode tal liquidação manter-se no ordenamento jurídico como válida.
Donde, com este fundamento, procede o recurso interposto.
V – Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, concedendo provimento ao recurso, em:
- Revogar a sentença recorrida;
- Anular a decisão administrativa de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos.
Custas, em ambas as instâncias, pela Recorrida.
Registe e notifique.
Porto, 14-3- 2012
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos