Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01197/14.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/15/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina da Nova
Descritores:PEDIDO DE ANULAÇÃO DA VENDA DE 1/2 INDIVISA DE FRAÇÃO PARA HABITAÇÃO E MORADA DE CASA DE FAMÍLIA.
Sumário:1-No figurino legal do atual art. 257º, n.º 4 a 7, do CPPT, há um verdadeiro procedimento administrativo/tributário, apreciado e decidido pela administração tributária, por competência própria, pelo que se aplica o dever de fundamentação decorrente do art. 77º da LGT.
2- A casa morada de família é um conceito gizado e consagrado na lei no pretérito (reforma de 1977) com o objetivo, no âmbito da lei do arrendamento urbano, conceder proteção à habitação da família.A proteção da casa morada de família visa responder à necessidade de um dos cônjuges, tendo em conta a posição que um deles fica a ocupar, depois da dissolução do casamento, em face do agregado familiar, bem como o do interesse dos filhos do casal, no âmbito da satisfação e proteção da instituição familiar, todavia, ainda aqui, sujeita às regras do arrendamento para a habitação (…) art. 1793º, n.º2 do C.C.
3-Não há ónus especial e atendível pelo facto de o executado e família ali terem a sua residência. Continua a ser uma questão de compropriedade de resolução dentro das normas que regem a comunhão da propriedade de uma coisa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:R...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
R..., recorre da sentença proferida pelo TAF do Porto que julgou improcedente a reclamação interposta nos termos do art. 276º do CPPT do ato do órgão de execução fiscal, no p.e.f. 1872 2005 01062565, de manutenção da venda do imóvel por entender que o anúncio não omitiu a existência de qualquer ónus ou encargo que impendesse sobre o prédio vendido, o direito à proteção da casa de morada de família, de que é titular a proprietária da outra metade indivisa do prédio, não contende com a fruição do imóvel por parte do reclamante.
Formula nas respetivas alegações (cfr. fls. 282-289),com as seguintes conclusões que se reproduzem:
«A- A fixação de casa de morada de família de proprietário de metade indivisa que não é objecto de venda fiscal, constitui limitação do direito ao uso e fruição comum de bem, porquanto, a protecção legal concedida incide sobre a totalidade da casa de morada de família, determinando a fruição exclusiva por quem tem no imóvel a casa de morada de família;
B- A existência de uma casa de morada de família onde há propriedade da família que goza de protecção sobre a metade indivisa, e que é conducente à fruição exclusiva, constitui limitação que é relevante para a determinação da vontade de quem contrata, e altera a situação do bem a vender, determinando assim o erro;
C- Não se verificando a exigência de que o Recorrente demonstre a essencialidade do erro, tal como vertido no Ac. do STJ e 2014-06-17 proferido no Proc. n.º: 388-E/2001, onde se plasmou:
1 – É suficiente para a procedência do pedido de anulação da venda o reconhecimento de ter havido erro sobre a identidade da coisa transmitida, ou sobre as suas qualidades, por verificação de falta de conformidade- divergência- entre as características constatadas aquando da transmissão enunciada;
2- Este erro sobre o objecto mediato do negócio, goza de regime especial, na medida em que para a respectiva invocabilidade não se exige o requisito geral da essencialidade do erro para o declarante nem o da cognoscibilidade do mesmo pelo declaratário;
a omissão no anúncio de venda da circunstância de que o bem a vender, ainda que na metada indivisa, tem nele instalada a casa de morada de família de quem tem a propriedade da restante metade indivisa, constitui elemento relevante para determinar a anulação da venda fundada em erro;
D-Á decisão do órgão periférico local, e nos termos conjuntos dos Art.º 77º da LGT, dos Arts.º 9º, 124º e 125º do CPA, aplicáveis ex-vi do Art.º 2º da LGT, e ainda da aplicação subsidiária do Cód. de Proc. Civil, igualmente nos termos do Art.º 2º al. d) da LGT, é aplicável o disposto no Art.º 615º n.º 1 al. d) do CPC, sendo assim nula a decisão onde ocorra a omissão de pronuncia;
Termos em que deve o presente recurso ser julgado como procedente por provado, com os devidos e legais efeitos, e com a revogação da decisão recorrida, como é de
J U S T I Ç A»
A recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pela improcedência do presente recurso, com base no seguinte:
«Afigura-se-nos que a pretensão da Recorrente deve improceder na totalidade, não sendo válida toda a argumentação expendida nas conclusões das suas alegações de recurso a fls. 288 e 289.
Com efeito, “Se depois da venda se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre acossa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sendo aplicável o art.° 906°, do CC” (artigo 908°, n° 1, do CC).
O incidente de anulação da venda tem de ser arguido pelo comprador no prazo de 90 dias a contar da venda, ou da que o requerente tome conhecimento do facto que serve de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento (artigo 257°, n°2, do CPPT).
E é competente para o apreciar o órgão periférico regional da Autoridade tributária (artigo 257°, n°4, do CPPT).
Por outro lado, como sublinha Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, volume IV, anotação ao artigo 257° página 179, erro sobre as qualidades que releva para efeitos de anulação tem de se consubstanciar em divergências entre as qualidades do objecto e o teor dos editais ou anúncios.”
Ora, no caso em análise, conforme resulta da douta sentença recorrida não se verifica qualquer desconformidade entre as qualidades do bem e o teor do anúncio.
Na verdade esta invocada limitação ao uso e fruição do exercício do direito de compropriedade previstas nos artigos 1406, n° 2 e 1793°, nºs 1 e 2, ambos do CC são meras limitações legais a que ficam sujeitos os compradores de metades indivisas de bens, não se impondo a sua discriminação nos anúncios de venda.
E da publicidade da venda aqui em causa retira-se que foi expressamente anunciada a alienação apenas de metade indivisa do imóvel
Também no que concerne à alegada omissão de pronúncia do despacho reclamado, afigura-se-nos evidente que a mesma a existir não originaria a sua nulidade, por falta de previsão legal idêntica ao que sucede com a sentença.
Pelo que, nos termos e com os fundamentos expostos, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida
*
Sem vistos, por se tratar de processo classificado de urgente, foi o processo à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as seguintes asquestões suscitadas.
-O imóvel anunciado, e vendido, enferma de ónus que limitam o seu uso e fruição e que não se cancelam com a venda forçada em processo executivo:
1.a hipoteca que permanece na metade indivisa não vendida, com as obrigações decorrente dos arts. 1407º e 1411º do Cód. Civil;
2.a fixação da casa de morada de família de proprietário de metade indivisa que não é objeto de venda fiscal constitui limitação do direito de uso e fruição comum do bem, uma vez que a proteção legal concedida incide sobre a totalidade da casa morada de família, determinado a fruição exclusiva por quem tem no imóvel a casa morada de família constitui limitação relevante para a determinação da vontade de quem contrata, determinando assim o erro, que não tem que ser essencial.
-À decisão do órgão periférico local, nos termos do art. 77º, ex vi do art. 2º, al.d), ambos da LGT é aplicável o art. 615º, n.º, al.d) do C.P.C.?
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3. FUNDAMENTOS

3.1. DOS FACTOS
Neste domínio não foram impugnados os factos provados econsta da decisão recorrida os seguintes factos provados:
«Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Por dívida de IRC do exercício de 2004, no valor de € 25.862,90, foi instaurado contra a sociedade “I…, Lda.” o processo de execução fiscal n.° 1872200501062565, tendo a referida dívida sido posteriormente revertida contra o gerente da executada, A…, que foi citado na qualidade de responsável subsidiário em 13/05/2008 - cfr. fls. 1, 2 e 17 a 19 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
B) Em 15/05/2012, no âmbito do processo de execução fiscal mencionado na alínea antecedente, foi penhorada ao executado por reversão metade indivisa do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da Póvoa de Varzim sob o artigo 1…, sendo titular da outra metade indivisa R…, casada com o executado, mas separada judicialmente de pessoas e bens - cfr. fls. 76 a 82 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
C) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim, datado de 03/10/2013, foi determinado que a venda do imóvel mencionado na alínea antecedente ficasse sem efeito, marcando-se nova venda, por meio de leilão eletrónico, para o dia 06/11/2013, pelas 15:00 horas - cfr. fls. 120 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
D) A venda mencionada na alínea antecedente foi publicitada nos seguintes termos (cfr. fls. 127 e 240 dos autos):
“N.° da Venda: 1872.2013.44 - Metade indivisa do prédio urbano destinado a habitação inscrito na matriz predial de freguesia da Póvoa de Varzim sob o art.° 1…, Fracção B, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Póvoa de Varzim sob o n.° 2…: rés-do-chão direito, com entrada pelo n.° 70, sito em Rua…, tipo T3, com a área bruta privativa de 123m2, com o uso privativo de 2 terraços, e com uma garagem na cave identificada com o n.° 4, com a área de 43,5m2.
Decorrente da reorganização administrativa das freguesias - Leis n.° 56/2012 e 11-A/2013, de 8 de Novembro e 28 de Janeiro e a afectação das novas freguesias, o referido prédio encontra-se inscrito na matriz predial urbana da UNIÃO DAS FREGUESIAS DA PÓVOA DE VARZIM, BEIRIZ E ARGIVAI (131315), sob o artigo n°9…”.
E) Em 18/11/2013, o ora Reclamante, na qualidade de proponente que ofereceu o preço mais elevado na venda mencionada na alínea C) supra, requereu ao Chefe do Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim a anulação da mesma, nos termos constantes de fls. 133 a 136 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
F) O executado foi notificado pela Direção de Finanças do Porto para se pronunciar sobre o pedido de anulação da venda mencionado na alínea antecedente, tendo dito nada ter a opor ao referido pedido - cfr. fls. 146 e 147 dos autos.
G) Em 10/01/2014, a Direção de Finanças do Porto prestou uma informação da qual se extrai, além do mais, o seguinte (cfr. fls. 160 a 162 dos autos):
“(…)
2 - Da desconformidade da descrição do bem entre o adquirido e o publicitado:
Como sublinha Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado ao art° 257, vol IV, pág 179, “O erro sobre as qualidades que releva para efeitos de anulação, tem de se consubstanciar em divergências entre as qualidades do objecto e o teor dos editais ou anúncios”
a) Ao caso concreto, não se verifica qualquer desconformidade entre as qualidades do bem e o teor do anúncio, sendo a AT alheia a qualquer convicção formulada pelo reclamante.
b) Como sublinha o STA no sumário do acórdão P 01371/12 de 29/01/2013:
“II - Consistindo o bem transmitido em execução a quota ideal de que o executado era titular em relação de compropriedade a que o prédio se encontrava sujeito, prédio esse sobre o qual, como coisa unitária, recai uma hipoteca, essa hipoteca caduca na parte referente à quota transmitida.
III - O princípio da indivisibilidade da hipoteca não constituir obstáculo intransponível a essa solução, uma vez que se tem por indiscutível que o bem vendido em execução há-de ser entregue livre e desimpedido de todos e quaisquer direitos de garantia que o onerem”.
c) Por outro lado, só no despacho que reconhece o cancelamento dos registos e ónus que impendem sobre o prédio vendido, terá de ser reconhecida a redução da hipoteca à metade indivisa não vendida (art° 696° do CC).

d) Isto claro, após o cumprimento das obrigações fiscais inerentes (art° 828° do CPC).
e) Pelo que não há motivo para anulação, pois não está verificada qualquer divergência entre as qualidades do bem vendido, e o teor dos editais ou anúncios.
Conclusão
• Não está verificado o erro sobre o objecto, ou as suas qualidades, pelo que a venda deve manter-se válida.
• Assim sendo, propõe-se o indeferimento do pedido”.
H) A informação mencionada na alínea antecedente mereceu o seguinte despacho da Diretora de Finanças Adjunta do Porto, datado de 17/01/2014:
“Concordo.
Nos termos e com os fundamentos da informação e parecer, indefiro o pedido” - despacho reclamado - cfr. fls. 160 dos autos.

I) O mandatário judicial do aqui Reclamante foi notificado do despacho mencionado na alínea antecedente por ofício registado datado de 12/02/2014 - cfr. fls. 165 dos autos.
J) A presente reclamação deu entrada no órgão de execução fiscal em 19/02/2014 - cfr. fls. 168 dos autos.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem, com interesse para a decisão.
A convicção do Tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se no teor dos documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados.»
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4. Apreciação jurídica do Recurso.
Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise do recurso, por ter entendido a sentença que, o facto de haver uma casa de morada de família, tal limitação estava circunscrita à metade indivisa não objeto da venda, e por outro, recusou a nulidade por omissão de pronúncia, por não haver previsão expressa na lei fiscal.
A.Vejamos pois como foi resolvida a questão da omissão de pronúncia.
A decisão do órgão de execução estriba-se na informação prestada para o respetivo p.e.f., de fls. 160 a 162, que na parte final conclui não haver motivo para anulação por não estar verificada qualquer divergência entre as qualidades do bem vendido e o teor dos editais ou anúncios.
“Não está verificado erro sobre o objeto ou as suas qualidades, pelo que a venda deve-se manter válida (…) propondo-se o indeferimento”.
O tribunal a quo entendeu que o órgão execução apreciou os fundamentos de anulação da venda, mas ainda que não o tivesse feito, não seria causa de nulidade do referido despacho.
Vejamos.
À questão formulada na conclusão do recurso, no seu ponto “D”, a resposta tem de ser necessariamente negativa.
A decisão do órgão de execução fiscal, pese embora, dentro do processo de execução de natureza judicial, é ela própria um ato materialmente administrativo, embora dentro de um processo judicial, sujeito a controle jurisdicional através da reclamação do art. 276º do CPPT.
Posto isto, a questão que se coloca é a de saber se o pedido de anulação de venda dá origem a um procedimento tributário no seio do processo de execução fiscal, cuja decisão fique a cargo da administração tributária enquanto exequente/credora, conducente à prolação de um ato materialmente administrativo em matéria tributária – caso em que se aplicam as regras do atos no procedimento administrativo-tributário.
No figurino legal do atual art. 257º, n.º 4 a 7, do CPPT, há um verdadeiro procedimento administrativo/tributário, apreciado e decidido pela administração tributária, por competência própria, na qualidade de credora e titular da ação executiva, pois ela incumbe, em 1ª linha apreciar dos fundamentos do pedido de anulação de venda, tratando-se de um verdadeiro ato administrativo em matéria tributária, uma vez que exorbita a esfera do órgão de execução para passar para a esfera de um outro órgão da administração fiscal.
Citando e apropriando-nos dos fundamentos do voto vencido em Acórdão do STA, pela Conselheira Dulce Neto: «Nessas situações, abre-se no processo de execução fiscal um verdadeiro procedimento administrativo/tributário, que é apreciado e decidido pela administração tributária nessa própria qualidade, enquanto credora/exequente, como resulta à evidência do disposto nos artigos 196.º a 199.º do CPPT (no que toca ao pagamento em prestações) e do disposto nos artigos 201.º e 202.º do mesmo Código (no que toca à dação em pagamento)» e art. 257º, n.º4 (pedido de anulação de venda dirigido ao órgão periférico regional da administração)«produzindo atos materialmente administrativos em matéria tributária. E tanto assim é que a entidade competente para deferir ou indeferir esses pedidos pode nem pertencer ao órgão da execução fiscal, isto é, ao órgão administrativo que conduz e dirige o processo executivo, mas a outro órgão da administração tributária (cfr. n.º 2 do art.º 197.º e n.ºs 2 e 3 do art.º 201º); atos que só estão sujeitos a um controle de legalidade pelo Tribunal dentro da própria execução fiscal por virtude a Lei Geral Tributária ter vindo consagrar, de modo inovador, um direito de reclamar no processo executivo dos atos materialmente administrativos nele praticados (art.º 103.º). Se não fosse esta norma, esses atos teriam de ser impugnados através de ação administrativa especial (art.º 97.º, n.º 2 do CPPT e 191.º do CPTA) e ficariam sujeitos ao prazo geral de revogação que consta do art.º 141.º do CPA, e não ao curtíssimo prazo de revogação previsto no art.º 277.º, n.ºs 2 e 3 do CPPT.).
Ou seja, nesses casos a Administração Tributária atua como tal, no exercício da sua função tributária, agindo sobre a relação jurídica tributária estabelecida entre si (como sujeito ativo) e o contribuinte (como sujeito passivo), produzindo atos materialmente administrativos em matéria tributária, inseridos, assim, no âmbito de um procedimento tributário autónomo e funcionalmente diferente do procedimento processual dirigido à cobrança coerciva de determinadas quantias, embora “enxertado” neste ou a correr paralelamente a ele.» Voto vencido da Consª Dulce Neto no processo 0983/11 disponível na base de dados da dgsi.
Sendo assim, como é, atenta a norma do n.º 4 do art. 257º do CPPT com a redação introduzida pela Lei n.º 64-B/2011 de 23/12, nunca poderia ter aplicação a norma do art. 615º do CPC que visa tão só as decisões jurisdicionais, proferidas pelo tribunal.
Não obstante, o órgão pronunciou-se pela inexistência de divergências entre as qualidades do bem e o teor dos editais, o que é o mesmo que dizer, além da questão da hipoteca, a morada de casa de família não é relevante para efeito de erro na formação da vontade de comprar, tanto basta para que não haja omissão de pronúncia, ou, dito de forma adequada, de acordo com o art. 77º da LGT foi cumprido o dever de fundamentação no ato administrativo de indeferimento do pedido de anulação.É, sem dúvida, este o segmento legal aplicável à decisão proferida pela administração, pese embora enxertada no processo judicial de execução.
Deste modo, não é imputável ao ato decisório da administração a falta de fundamentação no indeferimento do pedido de anulação.
Improcedendo a conclusão “D” das alegações de recurso.
B.Analisemos, por fim, o fundamento do pedido de anulação de venda em recurso, e, não sancionado favoravelmente ao recorrente pelo tribunal a quo.
Sentenciou-se que: «Na tese expendida pelo aqui Reclamante, comprador de metade indivisa do prédio, a venda em apreço deve ser anulada por erro sobre a vontade de contratar, em resultado da omissão no anúncio da venda da existência de um “ónus” que incidia sobre o imóvel e que não caducava com a venda, resultante de uma hipoteca registada sobre a outra metade indivisa do prédio vendido, e, bem assim, pelo facto de o direito à proteção da casa de morada de família, de que é titular a outra comproprietária (ex-cônjuge do executado), impedir a fruição do imóvel pelo ora Reclamante. (…)
Da publicidade da referida venda retira-se que foi expressamente anunciada a alienação de apenas metade indivisa do imóvel.(…)
Estando em causa nos presentes autos a transmissão de apenas uma parte da propriedade, de que o executado era titular (in casu, metade indivisa), a venda livre de ónus e encargos, refere-se, naturalmente, à parte vendida, (…) não se divisa em que medida o direito à proteção da casa de morada de família, de que é titular a proprietária da outra metade indivisa do prédio, contende com a fruição do imóvel pelo aqui Reclamante. Com efeito, o referido direito incide apenas sobre a metade indivisa do imóvel, não sendo lícito à consorte opor tal direito ao proprietário da outra metade indivisa, impedindo-o de usar a coisa comum, pelo que em nada é afetado o direito à fruição do imóvel por banda do aquiReclamante (…).»
A sentença centrou a solução do pleito na compropriedade, ou seja, na aquisição de metade da propriedade da fração, entendendo que tal facto, não obstante a hipoteca incidir sobre a outra metade, não onera a parte anunciada na venda judicial e o facto de o outro consorte ter ai fixada a casa de morada de família, não constitui um ónus real ou limitação juridicamente relevante.
O art. 257º, n.º1 al. a), invocado na anulação, dispõe que «A anulação da venda só poderá ser requerida (…), no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objeto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado.»
A invalidade das vendas operadas no âmbito dos processos de execução fiscal têm subjacente, por um lado, um interesse público subjacente à cobrança de receitas das entidades de direito público e, por outro, as garantias do contribuinte em matéria de cobrança de tributos.
O art. 257ºdo CPPT ao estabelecer os diferentes prazos para invalidar a venda faz alusão aos seus motivos, impondo que as referências feitas na al. a) do n.º1, ao ónus reais e aos erros sobre o objeto transmitido e sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado sejam interpretadas em consonância com o art. 838º do CPC.
Estão a aqui destacados os vícios da vontade ou a falta desta, ou seja, os requisitos gerais da anulabilidade das vendas, tal como, também, resulta do art. 905º do Código Civil.
De acordo art. 1405º do C.C., os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertençam ao proprietário singular; separadamente participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas (…).Quanto ao uso da coisa comum dispõe o art. 1406º do C.C: sendo o uso, como utilização direta da coisa ou como aproveitamento imediato das aptidões naturais dela, nos casos em que não é possível ou conveniente o uso por partes ou o uso direto em simultâneo, já que nenhum dos comproprietários pode ser imposto o dever de coabitar com os outros, não sendo o prédio divisível em partes autónomas, a qualquer deles será lícito, acionar o gozo indireto, que poderá consistir na locação da coisa, com a consequente repartição dos proventos dela entre os consortes, ou, o uso da coisa pelo comproprietário tendo de se subordinar ao fim a que ela se destina, [sendo o fim da coisa que a lei impõe como limite ao uso do comproprietário], no caso de prédio para habitação pode exercer o consorte o direito de por termo à compropriedade, nomeadamente pela adjudicação a um dos consortes da coisa inteirando-se o outro a dinheiro (arts 1412º e 1413º do C.C.).Cfr. com Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil anotado, VOl. II, em anotação aos artos 1412 e 1413º, 2ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora.
Resulta assim que a compropriedade é algo previsto no nosso ordenamento jurídico, o uso e fruição da coisa por mais que um dono, e que a indivisão pode cessar basta que algum deles queira por termo; por outro lado, esta realidade não se apresentou como algo desconhecido ouimprevisto uma vez que o bem foi anunciado como metade indivisa, a venda do bem foi publicitada como compropriedade e não propriedade singular.
Se nos anúncios e editais se faz referência a essa realidade, que é invocada como fundamento de anulação, naturalmente que não é viável demonstrar credivelmente que essa realidade não tenha sido tomada em consideração.
No que tange à hipoteca, um ónus real, (direito real de garantia) ela incide apenas na parte quenão foi vendida, já que a hipoteca da metade indivisa alienada caducou com a venda. (art. 824º, n.º2 do C.C. e n.º2 do art. 827º do CPC).
A lei quando fala em ónus reais está a referir-se aos ónus que não caducam com a venda, no sentido mais amplo e não como um conceito jurídico determinado, direitos reais de garantia [1ª parte do n.º2 do art. 824º do C.C.] ou direitos reais de gozo 2ª parte do mesmo número] Cfr. Cód. Civil anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, II Vol. 3ª edição, Coimbra Editora, e Lopes Cardoso, in Manual da Ação Executiva, 3ª Edição, Almedina, pág. 580..
Ora, a parte alienada ficou necessariamente livre de qualquer hipoteca na sequência do quadro legal supra citado.
Alega, ainda, em prol da anulação da venda que:
A casa de morada de família do proprietário de metade indivisa que não é objeto de venda fiscal constitui limitação do direito ao uso e fruição comum de bem, porquanto, a proteção legal concedida incide sobre a totalidade da casa de morada de família, determinando a fruição exclusiva por quem tem no imóvel a casa de morada de família.
Pode-se configurar tal circunstância também um ónus, no sentido que limita o uso e fruição da coisa ou como um erro sobre a coisa transmitida, se o comprador soubesse que a fração era morada da casa de família do proprietário não teria a comprado(?).
A casa morada de família é um conceito gizado e consagrado na lei no pretérito (reforma de 1977) com o objetivo, no âmbito da lei do arrendamento urbano, conceder proteção à habitação da família, um pouco na sequência do pensamento programático da ação do Estado delineado no art. 67º da CRP.
A consequência legal é a intervenção do Estado, através dos tribunais, no caso de divórcio impondo a celebração de um novo contrato de arrendamento em nome do cônjuge a quem ficou atribuída a casa de morada de família, quer a casa seja comum (pertença do casal) seja do outro cônjuge (coisa própria) ou seja arrendada (propriedade pertencente a terceiro), sempre tendo em consideração as necessidades de um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
Por conseguinte a proteção da casa morada de família visa responder à necessidade de um dos cônjuges, tendo em conta a posição que um deles fica a ocupar, depois da dissolução do casamento, em face do agregado familiar, bem como o do interesse dos filhos do casal, no âmbito da satisfação e proteção da instituição familiar.
Não é de modo algum a situação que vem alegada pelo reclamante.
Na verdade, a proteção da morada de família visa situações de dissolução da sociedade conjugal todavia, ainda aqui, sujeita às regras do arrendamento para a habitação (…) art. 1793º, n.º2 do C.C., o que não é manifestamente o caso.
Em abono da verdade, o reclamante não tem qualquer ónus especial e atendível pelo facto de o executado e família ali terem a sua residência. Continua a ser uma questão de compropriedade de resolução dentro das normas que regem a comunhão da propriedade de uma coisa.
Por conseguinte falecem também com este fundamento as restantes conclusões do recurso.
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5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente.


Notifique-se.
Porto, 15de Janeiro de 2015
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Vital Lopes