Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00018/21.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/16/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:ACRÉSCIMOS PATRIMONIAIS NÃO JUSTIFICADOS; JUSTIFICAÇÃO PARCIAL; INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL; ÓNUS DA PROVA A CARGO DO CONTRIBUINTE
Sumário:I - Para determinar, em primeira linha, se, casuisticamente, pode (ou não) efetuar-se avaliação indireta, por ação do disposto no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, só é relevante, para o respetivo afastamento, a comprovação/justificação, exigida ao sujeito passivo, nos termos e para os efeitos do seu n.º 3, se for total, isto é, de que o montante apontado como manifestação de fortuna e/ou incremento patrimonial, corresponde, na íntegra, à realidade e de que é outra (não sujeita a declaração) a respetiva fonte geradora.

II - Não produz nesse quadrante qualquer efeito excludente, quer a justificação parcial, quer, entre outros, com a mesma matriz, um, eventual, ocorrido achamento e enquadramento, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de rendimentos não declarados e suscetíveis de avaliação por métodos diretos (desde logo, mediante correções aritméticas/técnicas).*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:J.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

1.1. J. e H., vêm recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 05.05.2021 pela qual foi negado provimento ao recurso por si interposto, nos termos do artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT e 146.º-B do CPPT, das decisões da Diretora de Finanças do Porto, datadas de 14.12.2020, que fixaram os seus rendimentos tributáveis por métodos indiretos, para efeitos de IRS, dos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016 .
1.2. Os Recorrentes terminaram as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

«01. O inconformismo do julgamento a quo abrange questões de direito e de facto que sinteticamente se enunciam:
a) A primeira questão de direito reside em saber se os valores que a AT considerou, enquadradou e tributou, por métodos directos, como rendimentos tributáveis em sede IRS através de diferentes categorias desse imposto podem ser tidas em conta para efeitos de aplicação do regime da al. f) do n.º 1 do artigo 87º da LGT; isto é, se os mesmos, apesar de rendimentos com fonte conhecida (e tributada), devem ser considerados como acréscimos patrimoniais justificados na fase graciosa.
b) A segunda questão de direito conduz-se a saber qual o rendimento de referência para se aferir da divergência justificada relativamente aos acréscimos patrimoniais, pugnando-se que os rendimentos tributados por método directo devem acrescer aos rendimentos declarados pelo contribuinte.
c) A questão de facto [que vai invocada em termos subsidiários, pois que confiadamente se espera que ficará prejudicada com a apreciação das questões de direito precedentes] contende com a circunstância de o Tribunal a quo se ter pronunciado (apenas em sede de fundamentação) sobre matéria factual alegada na petição inicial – no sentido em que os movimentos a crédito detectados nas contas epitetadas “particulares” também correspondem a rendimento das sociedades sobre as quais os Recorrentes tinha domínio –, limitando-se a rebatê-la com base no que vem inscrito no RIT, ao mesmo tempo que não permitiu que fosse produzida prova testemunhal que visava, precisamente, rebater a tese da AT.
d) Conexamente com o referido na alínea precedente, pretende-se que seja revogada a decisão inserta no despacho de 1/03/2021 de fls 3519 do SITAF através do qual o Tribunal recorrido indeferiu – manifestamente mal – a prova testemunhal.
VEJAMOS
a) Primeira Questão de Direito
02. A Sentença de que se recorre aderiu à tese da Oposição na interpretação do substrato fáctico e jurídico em que assenta o Relatório de Inspecção, segundo a qual o que releva para avaliar a legalidade do recurso à disciplina da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT é a globalidade dos movimentos a crédito em contas bancárias co-tituladas pelos recorrentes – incluindo os movimentos que foram considerandos para efeitos de correcções aritméticas (que foram erradamente tidas como justificações parciais).
03. Os Recorrentes não se conformam com a conclusão de que, nos presentes autos, existiu uma justificação parcial da fonte dos acréscimos de património. Quando a AT enquadra e tributa por métodos directos e à luz de diversas categorias de rendimentos, os valores assim considerados não são, na lógica do artigo 89.º-A da LGT, passíveis de ser “justificados” na medida em que não podem ser considerados como acréscimos patrimoniais.
04. Na verdade, se a AT conhece a fonte do rendimento e o submete ao tratamento tributário que tem por adequado (no caso enquadrando-o e liquidando, por métodos directos, em diversas categorias de imputação de rendimento, com especial significado na categoria A) tais valores não podem ser tidos como acréscimos carecidos de justificação.
05. A justificação dos acréscimos implica, pela teleologia do instituto das “manifestações de fortuna”, que os mesmos não tenham sido objecto de enquadramento tributário.
06. A questão decidenda reside assim em saber se os movimentos a crédito nas contas bancárias tituladas pelos Recorrentes que a AT qualificou e tributou por métodos directos devem entrar no cômputo dos acréscimos patrimoniais para efeitos de aferir da legalidade da aplicação do regime previsto na alínea f) do artigo 87º e no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária.
07. Ao contrário do entendimento que subjaz à Sentença, pugnamos que a resposta só pode ser negativa, pois que a qualificação e tributação de rendimentos por métodos directos excluí os mesmos da tipificação de “acréscimos patrimoniais não justificados”, não se confundido tais actos tributários de liquidação com a justificação a que se refere o regime presuntivo em foco nos presentes autos.
08. A justificação não equivale a (nem significa) enquadrar rendimentos numa categoria tributável distinta da categoria G, antes corresponde à demonstração de que determinado acréscimo patrimonial não constitui rendimento omitido à tributação por ter como fonte outro meio de fortuna ou rendimento tributado – o que na lógica do RIT não é, manifestamente, o caso.
09. A AT “detectou” movimentos bancários a crédito e, findo o procedimento, determinou a existência de valores que não haviam sido sujeitos a IRS que, em seu critério, decidiu enquadrou em diferentes categorias.
10. Andou mal a Sentença a quo ao professar o entendimento de que o enquadramento em sede das diferentes categorias do IRS e correspondente correcção e tributação através de métodos aritméticos, que operou relativamente a grande parte das entradas em contas bancárias investigadas nos autos, se subsume à lógica da justificação parcial dos acréscimos patrimoniais, e, dessa sorte, que, de acordo com o Acórdão do Pleno do STA de 19/05/2010 (tirado no processo 734/09) não está afastado o recurso ao regime das “manifestações fortuna”.
11. Não se ignora a relevância da “justificação parcial” nem se desconhece a jurisprudência invocada. Porém, a mesma não se confunde nem tem conexão com o objecto dos autos.
12. Em primeiro lugar porque o referido Acórdão do Pleno do STA debruça-se sobre a justificação parcial da fonte da disponibilidade inerente a uma operação, única e isoladamente considerada que seja, à partida, enquadrada pela AT no regime das manifestações de fortuna – situação bem diversa da que se trata nos presentes autos: o que aqui está em causa é uma multiplicidade de operações (vários movimentos a crédito em conta bancária) cuja soma a AT entende ser acréscimo patrimonial não justificado.
13. Em segundo lugar porque, repete-se, não ocorre uma justificação (parcial) dos “acréscimos patrimoniais”; o que a AT fez no procedimento – e é coisa bem diferente de justificar os acréscimos – é enquadrar em diversas categorias de imputação de rendimentos valores que entendeu terem sido omitidos à tributação pelos Recorrentes.
14. Ou seja, a AT não se substituiu ao contribuinte para justificar a licitude de incrementos não patrimoniais potencialmente subsumíveis à categoria G, antes enquadrou e tributou por métodos directos movimentos bancários no pressuposto de que os contribuintes não declararam os rendimentos respeitantes a essas categorias.
15. A AT, ao entender que os Recorrentes não declararam rendimentos cuja fonte determinou, enquadrando-os e tributando-os por métodos directos, diferencia clara e decisivamente o “restante” que imputou à categoria G como acréscimo patrimonial não justificado.
16. Em suma, os rendimentos que a AT subsumiu e tributou nas diferentes categorias de IRS não são acréscimos patrimoniais – pelo que os valores que careceriam de justificação nos termos e para os efeitos da disciplina das manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais são apenas aqueles que não foram adstritos, pela própria AT, a outra categoria de rendimentos.
17. O artigo 89.º-A e a alínea f) do artigo 87.º da LGT cuidam da tributação de rendimentos omitidos e cuja proveniência seja desconhecida (rendimentos ocultos), pelo que quando a própria AT afirma que determinados rendimentos não declarados têm como fonte o trabalho dependente, juros, rendimentos prediais, etc., os montantes em causa estão, logicamente, fora desta figura legal.
18. A tributação das manifestações de fortuna, visa e permite a reintegração tributária de rendimentos que, face ao património ostentado pelo contribuinte, presumivelmente terão sido subtraídos à tributação em IRS e não devam ser enquadrados nas específicas categorias de rendimento através de métodos directos por se desconhecer a respectiva fonte.
19. Ora, foi a própria AT quem afirmou conhecer, e assim determinou a fonte, da maior parte dos supostos “acréscimos patrimoniais” que detectou (a totalidade dos créditos nas contas bancárias do “paralelo” e parte dos créditos das contas “particulares”), subsumindo-os – de forma coerente como itinerário que percorreu – a diversas categorias e tributando-os por métodos directos.
20. Ou seja, o enquadramento nas diversas categorias de rendimentos e inerentes correcções aritméticas em sede de IRS nos anos em causa nos autos não correspondem a “justificação parcial” de montantes susceptíveis de ser imputados aos recorrentes como acréscimos patrimoniais não justificados, antes verdadeira e própria correcção tributária de rendimentos que a AT entendeu terem sido auferidos em cada um dos anos em mérito.
21. Acresce que incumbe à Administração Tributária o dever de demonstração da ocorrência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), sendo que no caso dos autos a AT não logrou sustentar os pressupostos inscritos na alínea f) do n.º 1 do artigo 87° da LGT.
22. Com efeito, e ao contrário do afirmado na Sentença recorrida não existe coincidência entre o conceito de acréscimo patrimonial não justificado e os valores depositados nas contas bancárias quando, destes valores, parte substancial não tem, nos termos do RIT, fonte desconhecida (tanto assim que foi enquadrado em diferentes categoriais e tributado por métodos directos).
23. Na verdade, após o enquadramento e correcções aritméticas levadas a cabo pela AT, detecta-se que nos anos de 2012, 2013, 2014 e 2016 não existe uma divergência não justificada entre os rendimentos declarados superior a 100.000€ – pelo que o regime da alínea f) do artigo 87.º e do artigo 89.º-A da LGT não cobra aplicação, pelo menos quanto aos identificados períodos.
b) Segunda Questão de Direito
24. Se da questão precedente resulta que para os anos de 2012, 2013, 2014 e 2016 não existe a divergência imposta pela lei, nesta segunda causa de inconformismo face ao sentenciado defende-se que em nenhum dos anos em apreço nos autos estão reunidos os pressupostos de aplicação do regime dos acréscimos patrimoniais não justificados.
25. Isto porque se entende e propugna, em oposição ao decidido pelo Tribunal a quo, que para apurar (se existe a) divergência não deverá ter se em conta apenas os rendimentos declarados, mas também aqueles rendimentos que, para cada um dos anos em apreço, foram corrigidos e tributados pela AT por métodos directos.
26. A Sentença a quo privilegiou o elemento literal na interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 89.º da LGT (“declarado”) olvidando que a solução preconizada na Lei, ao estabelecer os 100.000€ de divergência, tem um objectivo material de detecção e penalização da existência de uma desproporção entre o rendimento submetido a tributação e o património ostentado.
27. Por outras palavras, sendo o objectivo da norma a detecção de discrepâncias entre o rendimento sujeito a tributação e o património evidenciado, afigura-se irrelevante que o respectivo imposto tenha sido auto ou hétero-liquidado.
28. A partir do momento em que os rendimentos do Contribuinte, seja por via declaração, seja por via de uma correcção oficiosa, se mostram coerentes com determinada capacidade patrimonial deixa de ser legítimo recorrer a este regime legal.
29. Assim, e constatando-se que a letra da lei (“rendimentos declarados”) fica aquém da ratio legis (rendimentos tributados), impetra-se que seja utilizado este critério material (do rendimento tributado) e não o meramente formal que a Sentença, a nosso ver, mal, sufragou.
30. Neste enfoque, impõe-se comparar o valor do acréscimo com o valor corrigido por métodos aritméticos, a fim de aferir se existe a divergência superior a 100.000€ face ao valor de referência – sendo o próprio RIT (é questão de somar as linhas 4 e 5 do quadro 1) suficiente para demonstrar que tal divergência não se verifica:
g) 2011: 209.228,87€ (acréscimo) vs 407.296,34€ (rendimento tributável);
h) 2012: 61.090,49€ (acréscimo) vs 292.888,24€ (rendimento tributável);
i) 2013: 75.619,29€ (acréscimo) vs 306.699,68€ (rendimento tributável);
j) 2014: 79.298,28€ (acréscimo) vs 198.105,19€ (rendimento tributável);
k) 2015: 115.504,36€ (acréscimo) vs 277.177,09€ (rendimento tributável);
l) 2016: 59.763,63€ (acréscimo) vs 97.629,43€ (rendimento tributável).
31. E assim sendo consta-se que para todos os anos (i.e., também para os anos de 2011 e 2015) não se verifica o acréscimo superior a 100.000€ de que depende a aplicação da alínea f) do nº 1 do artigo 87.º da LGT, a implicar a revogação da Sentença e a total revogação do acto em recurso
SEM PRESCINDIR
c) Questão de Facto (e despacho de 1/03/2021)
32. O Tribunal a quo – sem que tenha especificamente indicado no probatório tal matéria – decidiu as seguintes questões de facto (que os recorrentes entendem mal julgadas e que deveriam ser dadas como provadas) que foram suscitadas na petição inicial e que a própria Sentença sintetiza na sua primeira página:
b) “- todas as contas bancárias servem para acomodar os montantes subfacturados pelas sociedades do grupo de restauração “M.”, pelo que estamos perante rendimentos das sociedades, carecendo de sentido a distinção entre contas bancárias efectuada pela A.T.;”
c) – “os valores considerados acréscimos patrimoniais injustificados correspondem aos montantes subfacturados, que já foram regularizados ao nível tributário nas esferas das sociedades; e”
d) “- caso não se entenda que as entradas correspondem a rendimentos das sociedades, então, num exercício subsidiário e seguindo o raciocínio da própria A.T., verifica-se que:
- as entradas nas contas do paralelo das sociedades “V., Lda” e “C., Lda”, deviam ser consideradas rendimentos da categoria A, o que conduz à redução dos valores da matéria colectável relativamente a 2012 e 2016 e à existência de erro quanto aos pressupostos quanto a 2015 pois os acréscimos patrimoniais não atingem uma desproporção de € 100.000,00; e
- o rendimento de referência para se aferir da divergência justificada relativamente aos acréscimos patrimoniais deve corresponder aos rendimentos declarados adicionados dos montantes que a A.T. considerou como rendimentos da categoria A e dos montantes das entradas nas contas do paralelo erradamente consideradas como particulares que também deviam ter sido considerados rendimentos da categoria A; pelo que não existe, para qualquer ano, uma divergência superior a € 100.000,00”
33. Os pontos acima indicados b) a d) resumem matéria de facto alegada pelos Recorrentes na sua petição inicial, através da qual pretendiam demonstrar que os movimentos a crédito sinalizados nas contas bancárias identificadas como “particulares” no RIT não correspondiam a rendimentos por si auferidos e omitidos à tributação, antes recursos financeiros próprios das sociedades (talqualmente com o que ocorria nas “contas do paralelo”).
34. Mutatis mutandi quanto à questão de saber contida na alínea d) acima indicada relativa à natureza das entradas nas contas bancárias das sociedades “V., Lda” e “C., Lda”, sobre as quais se alega que o Recorrente marido exerce domínio societário e gestão de facto (e que dessa sorte deveria ter sido, em coerência com o que a AT entendeu com as demais sociedades do Grupo M.), alvo de correcção aritmética.
35. O Tribunal recorrido “julgou” tais questões a p. 28 e seguintes na Sentença, e, à falta de outra prova, a Sentença desmereceu-as por entender que o RIT dava resposta negativa à tese vertida na petição inicial.
36. Julgamento” com o qual os Recorrentes se não conformam, tanto mais quando o Tribunal a quo impediu a produção de prova testemunhal arrolada na p.i. e concretizada pelo requerimento dado aos autos 1/02/2021.
37. Com efeito, por despacho de 1/03/2021 foi indeferida a produção de prova (despacho de que se recorre, com a nota de que à cautela foi interposto recurso interlocutório do mesmo, o qual não foi aceite por despacho de 16/03/2021 e sobre o qual recaiu Reclamação ainda sem desfecho).
38. Em face do exposto – e ademais perante o erro da questão de facto que neste capítulo se imputa à Sentença a quo – não podem deixar de recorrer (“novamente”) da decisão de 1/03/2021.
39. Assim, e ainda que confiantes de que o julgamento das questões de direito atrás indicadas deverão determinar a revogação da Sentença (e do acto tributário) apodam tal despacho de ilegal, sendo que a evolução dos autos (mormente o pseudo julgamento da matéria de facto em questão) demonstra que se impunha a produção da prova testemunhal requerida, não colhendo o argumento do despacho de 1/03/2021 segundo qual “Atendendo ao vertido na petição inicial e à conformação da matéria de facto com as soluções possíveis de direito, a prova que compete a tal factualidade é a prova documental; pelo que não se procederá à inquirição das testemunhas arroladas pelos Recorrentes”.
40. Com efeito, a apreciação “velada”, em sede de fundamentação da Sentença, dos factos alegados pelos Recorrentes, unicamente tendo como sustentação o RIT (que é o objecto da contra-prova...) é manifestamente demonstrativa de que a matéria factual em questão (ponto b a d acima transcritos) carecia da produção de prova testemunhal que não foi admitida.
41. Está vedado ao Tribunal restringir o direito dos Recorrentes se socorrerem dos meios de prova que estão ao seu dispor, o que se afigura de maior relevância em face de regimes como o do artigo 89.º-A da LGT, que faz impender sobre o contribuinte um ónus probatório especialmente severo a implicar uma ampla liberdade de meios probatórios para demonstrar e fazer prova dos factos alegados.
d) Normas Jurídicas Violadas
42. O Tribunal a quo, violou, eventualmente entre outras normas e princípios jurídicos, a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT e, bem, assim, ao indeferir a produção de prova, o disposto nos artigos 9.º e 74.º da LGT e 413.º do CPC, o n. º1 do artigo 20.º da CRP a par do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 268.º CRP.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por fundado, e consequentemente ser revogada a Sentença recorrida e:
i) anulado o acto de fixação adicional da matéria colectável em sede de IRS por métodos indirectos em causa nos autos
ii) subsidiariamente, anulando o despacho de 1/03/2021 (fls 3519 do SITAF) e permitindo a produção da prova testemunhal requerida e demais trâmites
com o que V. Exas. farão a habitual e sã
JUSTIÇA!»

1.3. A Recorrida Fazenda Pública apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:

«a) O presente recurso vem intentado contra a sentença de 05/05/2021 que manteve a decisão do Director de Finanças do Porto que fixou rendimentos por métodos indirectos, com fundamento na alínea f) do nº 1 do art. 87º e nº 5 e nº 3 do art. 89º-A, todos da LGT, e com referência a IRS de 2011 [209.228,87€] 2012 [61.090,49€], 2013 [75.619,29€], 2014 [79.298,28€], 2015 [115.504,36€] e 2016 [59.763,63€].
b) Os Recorrentes invocam erro de julgamento do Tribunal “a quo” quanto aos factos e quanto ao direito, alegando, em síntese, que os exercícios de 2012, 2013, 2014 e 2016 não são subsumíveis à al. f) do nº 1 do art. 87º da LGT por não existir em qualquer deles acréscimos patrimoniais apurados pela AT em montante superior a € 100.000,00.
c) Subsidiariamente, e relativamente a todos os exercícios, os Recorrentes invocam também a ilegalidade do despacho interlocutório de 01/03/2021 que rejeitou a produção de prova testemunhal.
d) A Recorrida, por sua vez, entende que o presente recurso carece de sustentação nos factos e na lei, sendo de manter na ordem jurídica quer a sentença proferida a final, quer o despacho interlocutório que rejeitou a produção de prova testemunhal requerida.
e) A recorrida acompanha o entendimento vertido na sentença recorrida,
f) Sobre idêntica matéria de facto e de direito pronunciou-se recentemente a secção do contencioso tributário do STA, no âmbito do processo nº 2415/20.9BEPRT, tendo concluído o seguinte, que se transcreve:
Concluindo, para determinar, em primeira linha, se, casuisticamente, pode (ou não) efetuar-se avaliação indireta, por ação do disposto no art. 89.º-A da LGT, só é relevante, para o respetivo afastamento, a comprovação/justificação, exigida ao sujeito passivo, nos termos e para os efeitos do seu n.º 3, se for total, isto é, de que o montante apontado como manifestação de fortuna e/ou incremento patrimonial, corresponde, na íntegra, à realidade e de que é outra (não sujeita a declaração) a respetiva fonte geradora. Não produz nesse quadrante qualquer efeito excludente, quer a justificação parcial, quer, entre outras, com a mesma matriz, um, eventual, ocorrido achamento e enquadramento, pela AT, de rendimentos não declarados e suscetíveis de avaliação por métodos diretos (desde logo, mediante correções aritméticas/técnicas).
g) Subsidiariamente, os Recorrentes recorrem ainda do despacho interlocutório de 01/03/2021 por entenderem que esse despacho viola algumas normas e princípios jurídicos.
h) Regressando aos argumentos vertidos pelos Recorrentes na sua petição de recurso,
i) Verifica-se que os mesmos se centram no enunciado abstracto dos princípios e normas que entendem violados sem concretizar os factos que, sendo controvertidos, careciam da prova testemunhal requerida.
j) Na verdade, alegam os Recorrentes que os fluxos financeiros em causa nos autos não correspondem a acréscimos nem a rendimentos dos AA mas antes das sociedades.
k) Uma vez que o afluxo desses movimentos se registou nas contas bancárias dos AA., é razoável que os mesmos possam através de prova documental comprovar que esses fluxos financeiros teriam regressado à esfera jurídica das aludidas sociedades.
l) Mais, se a prova documental do alegado não é possível, cabe aos Recorrentes o ónus de demonstrar essa impossibilidade ou especial dificuldade.
m) Porém, nada é concretamente alegado pelos Recorrentes para justificar a prova testemunhal requerida quando estão em causa movimentos financeiros que têm como suporte contas bancárias.
n) Por outro lado, alegando que os meios financeiros pertencem às aludidas sociedades, sempre a contabilidade destas ou os registos bancários das suas contas permitiriam realizar a demonstração do alegado,
o) Não existindo por parte dos Recorrentes qualquer argumentação que elucide essa impossibilidade ou especial dificuldade da prova documental que se impunha.
p) De todo o modo, o Tribunal “a quo” apreciou esta factualidade considerando-se devidamente esclarecido em face da prova documental reunida pela Inspecção Tributária e que não foi impugnada pelos Recorrentes, conforme se transcreve da sentença recorrida:
Desde já se diga que, nos presentes autos, não cumpre apreciar da legalidade da tributação dos rendimentos em sede de categoria A, mas tão só da tributação dos acréscimos patrimoniais não justificados.
Como já vimos, os acréscimos patrimoniais não justificados considerados pela A.T. correspondem às entradas não justificadas nas contas bancárias de carácter particular/privado e às entradas nas contas do paralelo de sociedades em que o Recorrente não estava identificado como gerente das mesmas.
No que concerne à argumentação dos Recorrentes de que as entradas nas contas de carácter particular/privado são montantes subfacturados pelas sociedades, desde já se adianta que tal não colhe. Vejamos porquê.
Tal como resulta dos documentos de “controlo” dos apuros (facturados e não facturados) elaborados pelas próprias sociedades e apreendidos em buscas (agendas, mapas e ficheiros), os excedentes dos apuros não facturados eram depositados nas contas bancárias identificadas pelas próprias sociedades como “do paralelo” e não nas contas bancárias de carácter particular.
De facto, tal como consta do Relatório da inspecção, as contas bancárias do paralelo serviam principalmente para ocultar valores recebidos de clientes por vendas e serviços prestados não facturados pelas sociedades e para depois distribuir pelos gerentes os rendimentos ocultados nessas sociedades através da emissão de cheques a favor dos mesmos.
Por outras palavras, os montantes subfacturados eram depositados nas contas do paralelo e em momento posterior eram repartidos pelos gerentes das sociedades, através da emissão de cheques.
Contudo, tal como consta do Relatório, a A.T. teve o cuidado de expurgar os movimentos intercontas, ou seja, as entradas, através de cheques e transferências com origem em qualquer das contas tituladas pelos Recorrentes, bem como as entradas, através de cheques e transferências, com origem em contas tituladas por particulares que são sócios e/ou gerentes das empresas do grupo (páginas 67 e 69 do Relatório). Verifica-se, assim, que nas entradas nas contas particulares que a A.T. considerou já não estavam as entradas provenientes de contas do paralelo, pelo que carece de sustentação a tese dos Recorrentes de que as entradas nas contas particulares provinham de montantes subfacturados pela sociedade.
No que concerne à alegação de que todas as entradas nas contas da C.G.D. n.º 0196 0016980 5 030/1 020 e do Montepio n.º 479-10.412580-8, são rendimentos das sociedades (montantes subfacturados) a mesma não pode ser acolhida pelos motivos supra expostos, sendo de realçar que, no caso específico destas contas bancárias, resulta do Relatório que as entradas não justificadas correspondem essencialmente a transferências/depósitos com origem não identificada e a depósitos em numerário. Por outro lado, não se alcança o motivo pelo qual os Recorrentes defendem que essas contas deveriam ser consideradas de paralelo, pois, como vimos, as contas do paralelo foram assim identificadas pela A.T. com base nos documentos internos das sociedades que foram apreendidos, não constando dos mesmos que essas contas eram contas do paralelo.
Finalmente, para sustentarem a tese de que as contas particulares eram utilizadas em proveito das sociedades, os Recorrentes juntaram aos autos cópias de cheques, de facturas e de outros documentos, que referem tratar-se de movimentos de saída das contas do Montepio n.º 99104125808 e da C.G.D. n.º 169805030.
Ora, a este respeito, queda provado que o Recorrente emitia cheques de contas particulares para pagar facturas de fornecedores das sociedades do grupo (alíneas F) a H), K) a U) e W) a JJ) dos factos provados) ou mesmo cheques a favor de sociedades do grupo (alíneas I), KK) e LL) dos factos provados).
Contudo, importa referir que os titulares de uma determinada conta podem dispor livremente do dinheiro que lá se encontra, são livres de fazer dele o que bem entenderem, nomeadamente podem utilizá-lo para pagarem despesas das sociedades (pagamentos a fornecedores, de rendas, etc), podem disponibilizar dinheiro às sociedades para as dotar de fundo de maneio, etc.
O facto de serem passados cheques dessas contas a favor de sociedades do grupo ou para pagar despesas das mesmas podem simplesmente consubstanciar situações de empréstimos dos Recorrentes às sociedades, não demonstrando que essas contas pertenciam às sociedades.
Ademais, sempre se diga que relativamente ao trespasse, resulta das alíneas D) e E) dos factos provados que o pagamento foi feito pelo Recorrente tal como tinha de ser, pois foi ele que, conforme documento de adjudicação, o adquiriu, assim como a saída de dinheiro da conta para constituição de capital social de uma sociedade (alíneas MM) a OO), tinha de ser feita pelos próprios Recorrentes, tal como sucedeu. São, pois, movimentos com natureza particular.
Face a todo o exposto, falece a teoria dos Recorrentes de que as entradas nas contas particulares eram rendimentos das sociedades e não rendimentos dos Recorrentes. As entradas nas contas bancárias particulares dos Recorrentes são rendimentos seus, são acréscimos patrimoniais que, não tendo sido justificados, teriam de ser tributados. Debrucemo-nos agora sobre a argumentação dos Recorrentes no sentido de que as entradas nas contas do paralelo são montantes subfacturados pelas sociedades e, por isso, rendimentos destas e não dos Recorrentes.
Resulta do Relatório da inspecção que nas contas do paralelo eram depositados os excedentes dos apuros não facturados pelas sociedades (já depois de retirados os valores para pagamento de despesas não documentadas e de ordenados não declarados).
Não pode ser olvidado que, na construção do conceito de rendimento tributário, o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste imposto abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, todas as manifestações de capacidade contributiva.
Assim, não nos oferece qualquer dúvida que, a partir do momento da entrada desses montantes nas contas do paralelo tituladas por sócios/gerentes, os montantes passavam a ser colocados na disponibilidade dessas pessoas, entrando na sua esfera patrimonial, aumentando o seu poder aquisitivo, consubstanciando, assim, rendimentos seus.
Por outras palavras, diremos que o facto de as entradas nas contas do paralelo terem origem nos montantes subfacturados pelas sociedades não significa que estas sejam os titulares desses rendimentos pois a partir do momento em que entram nas contas passam a pertencer aos titulares das mesmas, não tendo os Recorrentes apresentado qualquer documento que demonstre que as contas do paralelo eram utilizadas pelas sociedades.
Ademais, se, como referem os Recorrentes, o dinheiro depositado nas contas do paralelo eram das sociedades, não se entende então porque é que o mesmo, depois de detectada a elisão/evasão, não foi mobilizado para a esfera das sociedades, através de transferências para as contas oficiais na Caixa Geral de Depósitos, mas, ao invés, permaneceu em contas tituladas pelos sócios/gerentes.
q) Nos termos supra expostos, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente.
Nos termos supra expostos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente com as devidas e legais consequências.»

1.4. O Ministério Público emitiu o parecer com o seguinte teor:

«O objeto do recurso
A douta sentença recorrida, datada de 5.05.2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, negou provimento ao recurso judicial interposto das decisões da Diretora de Finanças do Porto, datadas de 14.12.2020, que fixaram os seus rendimentos tributáveis por métodos indiretos, para efeitos de IRS, dos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016 nos montantes de €209.228,87, €61.090,49, €75.619,29, €79.298,28, €115.504,36 e €59.763,63, respetivamente. De tal sentença foi interposto recurso pelos recorrentes, invocando erro no julgamento da matéria de facto e, bem assim, na aplicação do direito.
A Fazenda Pública apresentou contra-alegações de recurso.
Cumpre emitir parecer sobre as questões colocadas pelos recorrentes, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.
Questão decidenda
A questão a decidir no presente recurso consiste em determinar, relativamente aos exercícios dos anos de 2012, 2013, 2014 e 2016, a existência de acréscimos patrimoniais em montante superior a € 100.000,00, subsumíveis à alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT.
Os recorrentes defendem que os fluxos financeiros em causa nos autos não correspondem a acréscimos nem a rendimentos seus, mas antes das sociedades pertencentes ao grupo de restauração “M.”.
Ao invés, a AT considera que tendo esses movimentos sido registados nas contas bancárias dos recorrentes, é razoável que os mesmos possam, através de prova documental, comprovar que esses fluxos financeiros teriam regressado à esfera jurídica das aludidas sociedades. Por outro lado, tendo sido alegado que os meios financeiros pertencem às aludidas sociedades, sempre a contabilidade destas ou os registos bancários das suas contas permitiriam efetuar a sua demonstração.
O artigo 87.º, nº1 da LGT prevê que avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:
“a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei;
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica referidos na presente lei.
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A;
e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de atividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco.
f) Acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.”
No caso em apreço, resulta do RIT que a AT concluiu que, em cada um dos anos em causa - 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016 - o valor dos acréscimos de património ascenderam a €2.221.645,10, €1.835.162,84, €1.679.998,35, €1.109.262,78, €1.529.509,60 e €895.136,99, respetivamente; e, assim sendo, foram superiores a €100.000,00.
Os recorrentes defendem que todas as contas bancárias por si tituladas ou co-tituladas e consideradas pela AT - sejam as designadas do “paralelo”, sejam as designadas de carácter “particular/privado” - são contas usadas em proveito das sociedades do grupo “M.” e servem para acomodar os montantes do apuro subfacturados e para pagar despesas das sociedades, pelo que as entradas nas várias contas são rendimentos destas e não seus.
Como se refere na douta sentença recorrida «(...) no decurso de buscas realizadas a várias sociedades do grupo no âmbito do processo de inquérito n.º 2577/15.7T9PRT (Procuradoria da República da Comarca do Porto, DIAP – 2.ª Secção de Gondomar), foram recolhidas agendas, mapas e ficheiros em excel e/ou pdf, elaborados pelas próprias empresas:
- em que estavam identificadas determinadas contas bancárias no Montepio com a designação “paralelo” como recetoras/destinatárias dos excedentes dos apuros não declarados pelas sociedades (os excedentes correspondiam ao valor do apuro não faturado abatido dos gastos não documentados e ordenados não declarados). Eram, assim as próprias sociedades que utilizavam a expressão “paralelo”;
- que integravam “contas corrente”, cálculos e menções que referenciavam a posterior repartição dos montantes para as contas dos sócios/gerentes (veja-se, por exemplo, a imagem 11 na pág. 40 do Relatório da inspeção, na qual estão identificadas as saídas de uma determinada conta do paralelo para o “Sr. Valdemar” e “Sr. Madureira” e a imagem 12 na pág. 41 do Relatório, que contém mesmo as menções “os sócios têm a receber...no valor de...”, “...está toda distribuída...”).»
Em sede do presente recurso defendem que os rendimentos que a AT subsumiu e tributou nas diferentes categorias de IRS não são acréscimos patrimoniais, pelo que os valores que careceriam de justificação nos termos e para os efeitos da disciplina das manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais são apenas aqueles que não foram adstritos, pela própria AT, a outra categoria de rendimentos.
E propugnam que “(...) o enquadramento nas diversas categorias de rendimentos e inerentes correções aritméticas em sede de IRS nos anos em causa nos autos não correspondem a “justificação parcial” de montantes suscetíveis de ser imputados aos recorrentes como acréscimos patrimoniais não justificados, antes verdadeira e própria correção tributária de rendimentos que a AT entendeu terem sido auferidos em cada um dos anos em mérito.”
Por outro lado, alegam que, a partir do momento em que os rendimentos do contribuinte, seja por via declaração, seja por via de uma correção oficiosa, se mostram coerentes com determinada capacidade patrimonial deixa de ser legítimo recorrer a este regime legal.
Ora, salvo melhor opinião, não lhes assiste razão.
Como se refere na douta sentença recorrida, “decorre de forma clara e incontornável da última parte deste normativo que a divergência não justificada é aferida em relação aos rendimentos declarados, considerados estes como os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos (alínea d) do n.º 5 do artigo 89.º A da L.G.T.), pelo que a tese dos impetrantes não merece acolhimento.” (sublinhado nosso)
Como se retira do parecer do MP proferido no douto acórdão do STA de 26.05.2021 (Relator: Conselheiro Aníbal Ferraz):
“(...) Independentemente da justificação parcial do sujeito passivo ou do enquadramento dos rendimentos não declarados nas diversas categorias de IRS, para efeitos de verificação dos pressupostos da avaliação indireta ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT, há que atender à totalidade dos rendimentos não declarados e relativamente aos quais se verifica a divergência não justificada.”1
1 Disponível em www.dgsi.pt.
Nestes termos, entendemos que a douta decisão recorrida, ao decidir julgar o recurso judicial improcedente. fez correta apreciação dos factos, bem como acertada se afigura a aplicação do direito.
Pelo exposto, somos do parecer que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se integralmente na ordem jurídica a douta sentença recorrida.»

Dispensados os vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2, do CPTA ex vi do artigo 2.º, n.º 2, alínea c), do CPPT), dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe vêm imputados, designadamente por ter considerado legal o recurso à disciplina da alínea f), do n.º 1, do artigo 87.º, da LGT e, subsidiariamente, se o despacho interlocutório de 01/03/2021 deve ser revogado.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO

A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Factos provados
A) Foi realizada uma acção inspectiva aos Recorrentes, tendo sido elaborado “Relatório de Inspecção Tributária”, em 04/12/2020, do qual consta o seguinte:
(Documento na sentença original)
Relatório da inspecção, a fls 395 e ss do P.A..
B) Em 14/12/2020 foram emitidas “Notas de fixação” pela Directora de Finanças do Porto, que fixaram os rendimentos tributáveis por métodos indirectos, para efeitos de I.R.S., a enquadrar na categoria G, dos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016 nos montantes de € 209.228,87, € 61.090,49, € 75.619,29, € 79.298,28, € 115.504,36 e € 59.763,63, respectivamente.
Fls 512 a 518 do P.A.
C) Os rendimentos declarados pelos Recorrentes (rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos) relativos aos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016, ascenderam a € 37.067,72, € 32.212,81, € 55.752,02, € 67.442,25, € 70.973,51 e € 51.795,47, respectivamente.
Pág. 87 do Relatório da inspecção (a fls 395 e ss do P.A.).
D) Em 27/06/2011, foi elaborado “Termo de Adjudicação de Bens Móveis”, do qual consta que o direito ao trespasse e arrendamento de estabelecimento comercial e determinados bens foram adjudicados ao Recorrente pelo Administrador de Insolvência da sociedade “J., Lda”.
Fls 337 verso e 338.
E) Em 27/06/2011, foi emitido cheque visado da conta do Montepio n.º (…), no valor de € 139.800,01, à ordem de “Massa insolvente de J., Lda”.
Fls 337 e 338 verso.
F) Foi emitida a factura n.º 120027, de 29/02/2012, da “N. Lda”, à sociedade “O., Lda”, no valor de € 3.000,01.
Fls 340.
G) Foi emitido o recibo n.º 120012, relativo à factura referida na alínea anterior.
Fls 339 verso.
H) Em 28/02/2012, foi emitido cheque da conta do Montepio n.º (…), assinado pelo Recorrente, no valor de € 3.000,00, à ordem de “N.”.
Fls 340 verso.
I) Foram emitidos os seguintes cheques da conta do Montepio n.º (...), assinados pelo Recorrente, à ordem de “O. Lda”:
- em 15/04/2012, no valor de € 2.000,00
- em 19/04/2012, no valor de € 5.500,00
- em 19/04/2012, no valor de € 7.500,00
Fls 341 frente e verso.
J) Foram emitidos os seguintes cheques da conta do Montepio n.º (...), assinados pelo Recorrente, ao portador:
- em 14/06/2012, no valor de € 7.500,00
- em 14/06/2012, no valor de € 7.500,00
- em 14/06/2012, no valor de € 10.000,00
Fls 342.
K) Foi emitida a factura n.º 120029, de 19/03/2012, da “N. Lda”, à sociedade “O., Lda”, no valor de € 3.599,99.
Fls 343 verso.
L) Foi emitido o recibo n.º 120015, relativo à factura referida na alínea anterior.
Fls 343.
M) Em 13/03/2012, foi emitido cheque da conta do Montepio n.º (...), assinado pelo Recorrente, no valor de € 3.600,00, à ordem de “N.”.
Fls 342 verso.
N) Foi emitida a factura n.º 130039, de 05/04/2013, da “N. Lda”, à sociedade “M., Lda”, no valor de € 9.421,00.
Fls 344.
O) Foi emitido o recibo n.º 130039, relativo à factura referida na alínea anterior.
Fls 344 verso.
P) Em 05/04/2013, foi emitido cheque da conta do Montepio n.º (...), assinado pelo Recorrente, no valor de € 9.421,00, à ordem de “N.”.
Fls 345.
Q) Foi emitida a factura n.º 130065, de 25/06/2013, da “N. Lda”, à sociedade “M., Lda”, no valor de € 16.500,01.
Fls 345 verso a 346 verso.
R) Foi emitido o recibo n.º 130051, relativo à factura referida na alínea anterior.
Fls 347.
S) Em 21/05/2013, foi emitido cheque da conta do Montepio n.º (...), assinado pelo Recorrente, no valor de € 16.500,00, à ordem de “N.”.
Fls 347 verso.
T) Foi emitida a factura n.º 2013/003, de 24/04/2013, da “E. Lda”, à sociedade “M., Lda”, no valor de € 2.214,00
Fls 348.
U) Em 27/05/2013, foi emitido cheque da conta do Montepio n.º (...), assinado pelo Recorrente, no valor de € 2.214,00, à ordem de “A.”.
Fls 349.
V) Em 06/06/2013, foi emitido cheque da conta do Montepio n.º (...), assinado pelo Recorrente, no valor de € 1.503,00, à ordem de “A.”.
Fls 349 verso.
W) Foi emitida a factura n.º FT5/52, de 30/11/2013, da “J., Lda”, à sociedade “M., Lda”, no valor de € 61.229,03.
Fls 350 a 351.
X) Em 22/11/2013, foi emitido cheque da conta do Montepio n.º (...), assinado pelo Recorrente, no valor de € 61.229,03, ao portador.
Fls 351 verso.
Y) Foi emitida a factura n.º 140014, de 23/01/2014, da “N. Lda”, à sociedade “M., Lda”, no valor de € 3.259,50.
Fls 352.
Z) Foi emitido o recibo n.º 140005, relativo à factura referida na alínea anterior.
Fls 352 verso.
AA) Foi emitida a factura n.º 140015, de 23/01/2014, da “N. Lda”, à sociedade “M., Lda”, no valor de € 3.179,55.
Fls 353 verso.
BB) Foi emitido o recibo n.º 140006, relativo à factura referida na alínea anterior.
Fls 357 verso.
CC) Em 29/01/2014 foi emitido cheque da conta do Montepio n.º (...), assinado pelo Recorrente, no valor de € 6.439,05, ao portador.
Fls 353.
DD) Foi emitida a factura n.º 187/A, de 28/01/2014, da “V., Lda”, à sociedade “M., Lda”, no valor de € 2.262,27.
Fls 358.
EE) Foi emitida a factura n.º 195/A, de 04/02/2014, da “V., Lda”, à sociedade “M., Lda”, no valor de € 1.045,50.
Fls 357 verso.
FF) Foi emitido cheque da conta do Montepio n.º (...), assinado pelo Recorrente, no valor de € 3.307,77, ao portador.
Fls 359 verso.
GG) Foi emitida a factura n.º 120/A, de 10/02/2014, da “V., Lda”, à sociedade “M., Lda”, no valor de € 3.307,77.
Fls 360.
HH) Foi emitida a factura n.º 196/A, de 06/02/2014, da “V., Lda”, à sociedade “M., Lda”, no valor de € 2.672,79.
Fls 360 verso.
II) Foi emitida a factura n.º 128/A, de 27/02/2014, da “V., Lda”, à sociedade “M., Lda”, no valor de € 2.672,79.
Fls 361.
JJ) Em 27/02/2014, foi emitido cheque da conta do Montepio n.º (...), assinado pelo Recorrente, no valor de € 2.672,79, ao portador.
Fls 361 verso.
KK) Em 13/05/2015, foi emitido cheque da conta da CGD n.º 0(...), no valor de € 15.000,00, à ordem de “A.”, para crédito de conta pertencente a “Restaurante Madureira”.
Fls 362 e 362 verso.
LL) Em 13/05/2015, foi emitido cheque da conta da CGD n.º 0(...), no valor de € 15.000,00, assinado pelo Recorrente, à ordem de “A.”, para crédito de conta pertencente a “Restaurante Madureira”.
Fls 362 e 363.
MM) Em 21/07/2015, foi emitido cheque da conta da CGD n.º 0(...), no valor de € 80.000,00, ao portador.
Fls 364.
NN) Em 24/07/2015, foi emitido cheque da conta da CGD n.º 0(...), no valor de € 120.000,00, ao portador.
Fls 364.
OO) Foi emitido talão de depósito dos cheques referidos nas alíneas MM) e NN), no total de € 200.000,00, na conta “PT (...) pertencente a J., Lda”, do qual consta “Abertura Capital Social. 80.000 € - J.. 120.000 € M.”.
Fls 363 verso.
Factos não provados
O Tribunal não detectou a alegação de factos com relevo para a decisão, a dar como não provados.
Motivação da decisão da matéria de facto
A decisão da matéria de facto baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos e do P.A., que não foram impugnados, conforme referido, em concreto, em cada uma das alíneas do probatório.
Importa salientar que os documentos n.ºs 1 a 6 que se encontram juntos à P.I. (fls 29 verso a 336) são cópias dos Relatórios das acções de inspecção realizadas a outros gerentes de sociedades do grupo “M.”, que apenas demonstram que a A.T.A. realizou acções de inspecção similares, o que não possui qualquer relevância para a decisão dos presentes autos.»

3.2. DE DIREITO

No âmbito do processo n.º 19/21.8BEPRT, em que, pese embora sejam outros os Recorrentes, ainda que familiares dos impetrantes nestes autos, todos eles estão envolvidos nas empresas aludidas nos relatórios inspetivos, que são idênticos em ambos os casos, tal como as alegações de recurso, foi proferido acórdão por este TCAN em 08/07/2021.

Uma vez que nos revemos integralmente na fundamentação acolhida naquele douto aresto, por economia de meios e visando a aplicação uniforme do direito a situações em tudo similares, passamos a transcrevê-lo, com as adaptações necessárias à situação dos presentes autos:

«O conhecimento do recurso dirigido à decisão interlocutória, proferida em 0[1]/0[3]/2021, é colocado pelos Recorrentes de forma subsidiária, ou seja, a sua apreciação somente terá lugar se as questões de direito formuladas não obtiverem procedência.
A primeira questão de direito reside em saber se os valores que a AT considerou, enquadrou e tributou, por métodos directos, como rendimentos tributáveis em sede de categoria A de IRS podem ser tidas em conta para efeitos de aplicação do regime da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT; isto é, se os mesmos, apesar de rendimentos com fonte conhecida (e tributada), devem ser considerados como acréscimos patrimoniais justificados.
A segunda questão de direito conduz-se a saber qual o rendimento de referência para se aferir da divergência justificada relativamente aos acréscimos patrimoniais, pugnando os Recorrentes que os rendimentos tributados por método directo devem acrescer aos rendimentos declarados pelo contribuinte.
Defendem, portanto, os Recorrentes que se a AT conhece a fonte do rendimento e o submete ao tratamento tributário que tem por adequado, enquadrando-o e liquidando, por métodos directos, em diversas categorias de imputação de rendimento, com especial significado na categoria A, tais valores não podem ser tidos como acréscimos carecidos de justificação.
O erro que os Recorrentes imputam à sentença recorrida reside na alegada confusão entre enquadramento de rendimentos tributados por métodos directos e justificação parcial de acréscimos patrimoniais.
Nesta conformidade, as questões de direito formuladas resumem-se em saber se os movimentos a crédito nas contas bancárias tituladas pelos Recorrentes, que a AT qualificou e tributou por métodos directos, devem entrar no cômputo dos acréscimos patrimoniais para efeitos de aferir da legalidade da aplicação do regime previsto na alínea f) do artigo 87.º e no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária.
Os Recorrentes não se conformam com uma resposta positiva, pois a qualificação e tributação por métodos directos de tais rendimentos exclui-os da tipificação de “acréscimos patrimoniais não justificados”, não se confundindo, tais actos tributários, com a justificação a que se refere o regime presuntivo em foco nos presentes autos.
Pugnam os Recorrentes que os rendimentos, que a AT subsumiu e tributou nas diferentes categorias de IRS, não são acréscimos patrimoniais, sendo que os valores que careceriam de justificação nos termos e para os efeitos da disciplina das manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais são apenas aqueles que não foram adstritos, pela própria AT, a outra categoria de rendimentos. Acentuando ter sido a própria AT quem afirmou conhecer, determinando a fonte, da maior parte dos supostos “acréscimos patrimoniais” detectando a totalidade dos créditos nas contas bancárias do “paralelo” e parte dos créditos das contas “particulares”, subsumindo-os a diversas categorias e tributando-os por métodos directos.
Após o enquadramento e correcções aritméticas levadas a cabo pela AT, detectam os Recorrentes que, nos anos em causa, não existe uma divergência não justificada entre os rendimentos tributados e o acréscimo de património a atender, dado que em nenhum dos anos em causa existe um acréscimo superior a €100.000,00, não tendo, por essa razão, o regime da alínea f) do artigo 87.º e do artigo 89.º-A da LGT aplicação.
No seu julgamento, o tribunal recorrido apoiou-se em jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente na citada pela AT, para demonstrar a falta de razão dos contribuintes impugnantes:
(…) […]
Tal como vem sendo entendido pelos Tribunais superiores, justificação parcial dos rendimentos não coloca em causa o cumprimento dos pressupostos de aplicação da avaliação indirecta prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da L.G.T., desde logo no que concerne à aferição do limite dos € 100.000,00, apenas relevando para a fixação do montante dos acréscimos patrimoniais não justificados que serão sujeitos a imposto (neste sentido, vide o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. de 19/05/2010, proferido no processo n.º 0734/09).
Ora, tal como a justificação parcial não releva para a verificação do cumprimento dos pressupostos, também a qualificação/enquadramento pela A.T. de determinados valores como rendimentos de outras categorias não tem impacto na questão da legalidade da aplicação do regime previsto na alínea f) do artigo 87.º da L.G.T..
Só a justificação total ou o enquadramento total em outras categorias dos montantes que, em cada ano, permitiram a verificação da existência de acréscimos patrimoniais é que teriam a virtualidade de afastar a aplicabilidade da determinação indirecta prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da L.G.T..
De facto, no caso sub judice, a justificação parcial das entradas nas contas e a qualificação de algumas entradas como rendimentos da categoria A apenas serão de considerar na quantificação do montante dos acréscimos patrimoniais não justificados sujeitos a imposto, ou seja, terão de ser expurgados do cômputo dos acréscimos patrimoniais sujeitos a tributação, tal como, aliás, a A.T. fez.”.
A Secção de Contencioso Tributário do STA, por Acórdão prolatado em 26/05/2021, no âmbito do processo n.º 2415/20.9BEPRT, em situação em tudo semelhante aos presentes autos, veio reiterar o entendimento aqui em análise. Por não vislumbrarmos razões para divergir de julgamento tão coevo, adoptamos, sem reservas, com as devidas adaptações, a posição aí vertida, ficando, desta forma, resolvidas as questões de direito colocadas a título principal no presente recurso:

“(…) Na ausência de controvérsia quanto ao enquadramento normativo pertinente, da situação julganda, nos termos do art. 87.º n.º 1 al. f) da LGT (Na redação, aqui, aplicável, da Lei n.º 94/2009 de 1 de setembro.), pode ter lugar (é legal) a avaliação indireta da matéria tributável/coletável, desde logo, em cédula de IRS, nos casos de deteção de um acréscimo de património ou despesa efectuada, pelos sujeitos passivos, incluindo liberalidades, “de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”. Complementarmente, por força do estatuído no art. 89.º-A, do mesmo compêndio (Redações das Lei n.º 94/2009 de 1 de setembro e Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro.), impõe-se ter presente que:
- verificada a situação prevista no art. 87.º n.º 1 al. f), mediante notificação para o efeito, “cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada” - n.º 3;
- quando o sujeito passivo não faça a prova dessa correspondência, regra geral, considera-se “rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, …, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efectuada, e os rendimentos declarados (os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos) pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação” . n.º 5 als. a) e d).
Operando o seu múnus de compreensão e operação das leis, o STA, em matéria de avaliação indireta da matéria tributável, nas hipóteses, específicas, das manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados, tem, ao longo dos tempos, emitido pronúncias, circunstanciais, sobre vários aspetos do respetivo regime legal, por isso, com um espectro, muitas vezes, limitado, mas, em todo caso, com a assunção de algumas ideias-força, transversais a diversas situações concretas.
Entre estas últimas, merece destaque a defesa, pretérita (Ver, entre outros, acórdãos, do STA, de 19 de maio de 2010 (0734/09) e de 15 de maio de 2013 (0664/13).), e, para nós, a manter, contemporaneamente, do princípio, disciplinador e orientador, de que a comprovação/justificação exigida ao sujeito passivo, nos termos e para os efeitos do art. 89.º-A n.º 3 da LGT, só é relevante, no que tange à capacidade/virtualidade de afastar a operação de avaliação indireta da (sua) matéria tributável, se for total, isto é, se o montante apontado como manifestação de fortuna e/ou incremento patrimonial, corresponder, na íntegra, à realidade e de que é outra (não sujeita a declaração) a respetiva fonte geradora. Reflexa e obviamente, a comprovação/justificação parcial, no primeiro momento, não afasta, em qualquer caso, a aplicação do método de avaliação indireta, positivado no art. 89.º-A da LGT (sem prejuízo de, num segundo ato, a mesma ter de ser traduzida na quantificação da disputada matéria tributável).
Evitando o fastio de coligir uma variedade de razões abonatórias desta assunção jurisprudencial, diremos, apenas, que ela se coaduna e compatibiliza, com os propósitos, confessados, do legislador, aquando da instituição (e aperfeiçoamentos) do regime em apreço, de combate à evasão fiscal (Na Lei n.º 30-G/2000 de 29 de dezembro, é apontado, explicitamente, tratar-se da implementação de “Medidas de administração tributária e de combate à evasão e fraude fiscais”), bem como, respeita e dá profundidade à repartição do ónus da prova, entre a AT e o sujeito passivo, envolvido, no pressuposto de que à primeira, apenas, cumpre provar, objetiva e diretamente (no sentido, de aritmeticamente), que o rendimento líquido, declarado pelo segundo, entre outras, apresenta uma desproporção superior a …%, para menos, em relação ao rendimento padrão fixado na tabela do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT ou patenteia uma divergência, não justificada, quanto a acréscimos de património ou despesa efetuada, de valor superior a € 100.000.
Assim, com estes ditames, na situação julganda, assumido que os rtes de um, problemático, questionável, montante global de € 3.083.579,32, somente, justificaram, por sua iniciativa, atuação direta, a importância de € 256.778,78, à partida, sem mais delongas, estaria, enormemente, justificada a ocorrida operação de avaliação indireta da matéria tributável, dos anos de 2011 a 2016, para efeitos de IRS.
Sendo esta a consequência normal, inevitável, remanesce a possibilidade de tal desfecho (poder) ser afastado, pela defesa de que, quando “a AT conhece a fonte do rendimento e o submete ao tratamento tributário que tem por adequado (no caso enquadrando-o e liquidando, por métodos directos, em diversas categorias de imputação de rendimento, com especial significado na categoria A) tais valores não podem ser tidos como acréscimos carecidos de justificação”, porquanto esta “implica, pela teleologia do instituto das “manifestações de fortuna”, que os mesmos não tenham sido objecto de enquadramento tributário” - conclusões 03. e 04. Em suma, para os rtes, é diferente (e, por isso, necessariamente, com consequências diversas) o “enquadramento de rendimentos tributados por métodos directos” e a “justificação parcial de acréscimos patrimoniais”.
Não obstante a, nítida, diferença decorrente da enunciação, nada mais, em termos objetivos e práticos, separa as duas situações e, implicantemente, o respetivo tratamento, para o efeito em discussão (legalidade da avaliação indireta da matéria tributável).
Assim:
- nos casos em que, por intervenção dos serviços da AT, é operada uma correção aritmética, tendente a tributar alguns rendimentos não declarados (em parte), pelo sujeito passivo, assiste-se a um procedimento equivalente à justificação parcial, levada a cabo por este, com o gravame, no primeiro caso, de o contribuinte não só não ter declarado os rendimentos, no momento oportuno, como, também, não o haver feito no exercício do ónus probatório, imposto pelo art. 89.º-A n.º 3 da LGT; ou seja, de um ponto de vista ético, em comparação, a justificação parcial, até, sempre, merecia (se possível) melhor tratamento (Ao invés, de beneficiar um sujeito passivo que ocultou rendimentos até não poder mais e, quando descoberto, obteria um tratamento como se nada se tivesse passado (não se olvide que estamos a laborar em terrenos de fraude e evasão fiscal));
- em ambas as hipóteses, similarmente, o sujeito passivo não comprova a correspondência com a realidade dos rendimentos declarados, sendo que, no caso da correção aritmética (pela AT), sempre esteve em condições de o fazer, dada a indiscutibilidade do seu enquadramento, por exemplo, em IRS, nas concretas categorias de rendimentos elencadas pela lei;
- na justificação parcial, o sujeito passivo comprova a fonte (de parte da manifestação de fortuna ou do acréscimo de património…), a qual, atesta e assegura, que os valores disputados (na parte justificada) não tinham (têm) de ser declarados (na declaração anual de rendimentos), enquanto, na correção aritmética, ao invés, o resultado, inevitável, é a declaração (periódica) dos rendimentos ocultados, descobertos e enquadrados pela AT;
- finalmente, nas duas situações colocadas a par, na origem, num momento inicial, genético, o que conta, releva, para legalizar a operação de uma avaliação indireta da matéria tributável, é a constatação de uma objetiva (quantificada) divergência entre valores declarados e manifestações de fortuna e/ou acréscimos de património ou despesa, independentemente, das justificações e/ou correções posteriores (Que, como vimos, nas hipóteses da justificação parcial, a jurisprudência salvaguarda através da imposição da respetiva operância no momento da quantificação da matéria tributável final e que, em situações como a dos autos, também, é relevada nesta última sede, permitindo a redução, significativa, dos montantes encontrados para determinação do rendimento tributável).
Concluindo, para determinar, em primeira linha, se, casuisticamente, pode (ou não) efetuar-se avaliação indireta, por ação do disposto no art. 89.º-A da LGT, só é relevante, para o respetivo afastamento, a comprovação/justificação, exigida ao sujeito passivo, nos termos e para os efeitos do seu n.º 3, se for total, isto é, de que o montante apontado como manifestação de fortuna e/ou incremento patrimonial, corresponde, na íntegra, à realidade e de que é outra (não sujeita a declaração) a respetiva fonte geradora. Não produz nesse quadrante qualquer efeito excludente, quer a justificação parcial, quer, entre outras, com a mesma matriz, um, eventual, ocorrido achamento e enquadramento, pela AT, de rendimentos não declarados e suscetíveis de avaliação por métodos diretos (desde logo, mediante correções aritméticas/técnicas). (…)”
Dos elementos constantes dos autos resulta que se verificavam, no caso, os requisitos previstos na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT para que a AT pudesse intervir, como interveio, sendo que, como constatou a AT, os rendimentos considerados como acréscimos patrimoniais injustificados eram superiores a €100.000,00 em cada um dos anos em apreço (2012, 2013, 2014, 2015 e 2016).
Efectivamente, resultou do relatório inspectivo que a AT concluiu que, em cada um dos anos em causa, o valor dos acréscimos de património ascenderam a €[2.221.645,10] em 201[1], €[1.835.164,84] em 201[2]; €[1.679.998,35] em 201[3]; €[1.109.262,78] em 201[4], €[1.529.998,60] em 201[5] e € 895.136,99 em 2016 ) conforme capítulo III.2, simultaneamente com a existência de divergências não justificadas com os rendimentos declarados, de €[37.067,72] em 20[1]2; €[32.212,81] em 201[2]; €[55.752,25] em 201[3]; €[67.442,02] em 201[4] , €70.973,61 em 201[5] e €51.795,47 em 2016, sendo, portanto, superiores a €100.000,00.
Da Inspecção e das justificações apresentadas pelos Recorrentes resultou, também, que algumas das entradas em determinadas contas bancárias deviam ser tributadas como rendimentos de trabalho dependente (categoria A), razão por que a AT decidiu considerar os valores remanescentes - os valores das entradas nas contas bancárias que ficaram por justificar - como acréscimos patrimoniais não justificados, tributando-os como rendimentos da categoria G.
Dúvidas não restam, pois, que os valores em causa eram efectivamente superiores a €100 000,00.
Como correctamente se concluiu na sentença recorrida, estavam cumpridos os pressupostos legais, tendo a AT realizado essa demonstração.
Aqui chegados, brota evidente que teremos que apreciar a matéria de facto que, na óptica dos Recorrentes, não foi seleccionada nem valorada autonomamente pelo tribunal recorrido. Esta questão de facto foi invocada em termos subsidiários, pois os Recorrentes confiavam que o desfecho da acção ficaria resolvido através do mérito das questões de direito precedentes, o que, como vimos, não sucedeu; importando, por isso, começar por conhecer o recurso interposto que visa a decisão de 0[1]/0[3]/2021.
O objecto do recurso que os Recorrentes pretendem agora discutir contende com a circunstância de o Tribunal a quo se ter pronunciado (apenas em sede de fundamentação) sobre matéria factual alegada na petição inicial – no sentido em que os movimentos a crédito detectados nas contas epitetadas “particulares” também correspondem a rendimento das sociedades sobre as quais os Recorrentes tinha domínio –, limitando-se a rebatê-la com base no que vem inscrito no RIT, ao mesmo tempo que não permitiu que fosse produzida prova testemunhal que visava, precisamente, rebater a tese da AT.
É por isto que os Recorrentes pretendem que seja revogada a decisão inserta no despacho de 0[1]/0[3]/2021, através do qual o tribunal recorrido indeferiu a prova testemunhal, dado que se limitou, em sede de instrução dos autos, a formular um juízo de suficiência quanto aos elementos que já constavam do processo; apontando, portanto, para a verificação de défice instrutório.
O despacho interlocutório recorrido, proferido em 04/02/2021, tem o seguinte teor: “Atendendo ao vertido na petição inicial e à conformação da matéria de facto com as soluções possíveis de direito, a prova que compete a tal factualidade é a prova documental; pelo que não se procederá à inquirição das testemunhas arroladas pelos Recorrentes.
Notifique.”.
[…]
Neste despacho interlocutório, entendeu-se indeferir a produção de prova testemunhal, invocando-se, para tanto, a desnecessidade de tal diligência para a decisão da causa.
Nesta conformidade, impõe-se sindicar a fundamentação do despacho recorrido, por forma a apurar se o indeferimento da produção de prova foi legal.
De harmonia com o disposto no artigo 13.º CPPT, aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
Por sua parte, o artigo 114.º do mesmo diploma prevê que, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias.
Porém, desses preceitos não decorre que o juiz esteja obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, antes o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade.
Como entende Jorge Lopes de Sousa, no seu CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, na anotação 9 ao artigo 13.º, é o critério do juiz que prevalece no que concerne a determinar quais as diligências que são úteis para o apuramento da verdade, sendo inevitável em tal determinação uma componente subjectiva, ligada à convicção do juiz; o que não significa que a necessidade da realização das diligências não possa ser controlada objectivamente, em face da sua real necessidade para o apuramento da verdade, em sede de recurso (v. Jorge de Sousa, in CPPT anotado e comentado, páginas 168 e 169).

Mantém pertinência o decidido no Acórdão do STA, de 05/04/2000, no âmbito do processo n.º 024713:
“No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório, o que significa que o Sr. Juiz não só pode, como também deve, realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade.
Deste modo, tendo sido sugerida a realização de uma diligência, o Sr. Juiz só não deve fazer se a considerar inútil ou dilatória em despacho devidamente fundamentado.”

Ora, analisando o pedido dos Recorrentes e o teor do despacho recorrido, ressalta que o tribunal recorrido dispensou a prova testemunhal por ser seu entendimento, se bem entendemos a motivação da decisão recorrida, que, considerando a factualidade alegada na petição inicial e tendo em conta as questões que importa apreciar, a produção de prova testemunhal não se mostra necessária, dado se encontrarem os autos instruídos com os documentos bastantes à decisão.
Nos termos do disposto no artigo 115.º e seguintes do CPPT, são admissíveis no processo tributário os meios gerais de prova, nomeadamente, a testemunhal, permitindo o artigo 113.º, n.º 1 do mesmo diploma que o juiz conheça de imediato o pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários.
In casu, no contexto normativo em que nos movemos (e abstraindo das questões de direito equacionadas), cabe à Administração Tributária (artigo 74.º, n.º 1, da LGT e artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) provar o facto que, segundo a lei, constitui uma manifestação de fortuna e ao sujeito passivo cabe o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada (ou seja, ocorre uma inversão do ónus da prova).
Diga-se, ainda, que o facto manifestado pode derivar, como no caso, dos elementos registados e que vieram ao conhecimento da AT na sequência do acesso a contas bancárias.

Como mote introdutório, assume lapidar pertinência o decidido por Acórdão deste TCA Norte, em 24/01/2017, no âmbito do processo n.º 02949/15.7BEPRT:
I. No âmbito das manifestações de fortuna, o legislador confere à AT a faculdade de decidir directamente pela tributação por métodos indirectos, demonstrados que estejam os indícios que descredibilizem (no caso) a declaração apresentada pelo contribuinte. A AT não terá assim que demonstrar a falta de veracidade da declaração do contribuinte, bastando-lhe demonstrar o facto que o legislador considera constituir uma manifestação de fortuna ou o acréscimo de património relevante.
II. Ao invés, ao sujeito passivo é instituído um ónus bastante proeminente, pois tem de comprovar a realidade dos rendimentos declarados, demonstrar que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada. (…)”

Portanto, sendo afastada a pertinência das questões de direito colocadas prima facie, assume preponderante importância a demonstração da fonte das manifestações de fortuna, não sendo, em tese, de limitar os meios probatórios. Reconhecemos que estando em causa elementos registados, devidamente elencados, e que vieram ao conhecimento da AT na sequência do acesso a contas bancárias, a prova documental permitirá formar uma convicção mais firme no julgador, mas que nada impede, uma vez requerida/oferecida, que seja complementada ou concatenada com prova testemunhal, muitas vezes para mais cabal esclarecimento de factos simples concretamente invocados.
[…]
Compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que a instrução tem por objecto os factos invocados controvertidos ou de que oficiosamente o tribunal pode conhecer e relevantes para o exame e decisão, tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito – cfr. artigo 99.º, n.º 1 da LGT.
Resulta claríssimo do acto praticado pela AT, como vimos, a verificação dos pressupostos legais para a sua actuação in casu.

Não esqueçamos decorrer do relatório inspectivo que a designação e diferenciação das contas bancárias em dois grupos, contas do paralelo e contas de carácter particular/privado, tinha uma razão de ser que resultou, sem margem para dúvidas, das diligências realizadas no processo de inquérito n.º 2577/15.7T9PRT (que correu termos na Procuradoria da República da Comarca do Porto, DIAP – 2.ª Secção de Gondomar); de tais diligências resultou, efectivamente, a identificação de contas bancárias com a designação “paralelo” e que eram receptoras dos excedentes dos apuros não declarados pelas sociedades, sendo que os excedentes correspondiam ao valor do apuro não facturado abatido dos gastos não documentados e não declarados.

Por isso, foi derrogado o sigilo bancário, tendo a AT identificado, para além das contas do paralelo, várias outras contas bancárias tituladas pelos Recorrentes, com carácter privado, tendo sido identificadas as entradas na conta do paralelo e nas contas de carácter particular e tendo a AT expurgado os movimentos inter-contas.

Após analisar as justificações apresentadas pelos Recorrentes para o referido, a AT decidiu tributar como rendimentos de trabalho dependente (categoria A), as entradas nas contas co-tituladas pelo Recorrente, identificadas como sendo contas do paralelo das sociedades de que o Recorrente era gerente, tributar como rendimentos de trabalho dependente (categoria A), as entradas nas contas identificadas como particulares que tinham origem nas sociedades do grupo e ainda as entradas que os Recorrentes admitiram, no decurso da inspecção, tratar-se de recebimento de vencimentos pelo Recorrente - e tributar como acréscimos patrimoniais não justificados (categoria G), as entradas não justificadas nas contas identificadas como sendo contas de carácter particular.

Como resulta do relatório de inspecção tributária, a conta bancária do “paralelo” servia para ocultar valores recebidos de clientes por vendas e serviços prestados não facturados e para distribuir pelos gerentes os rendimentos ocultados através da emissão de cheques a favor dos mesmos.

Os Recorrentes contrapõem na sua petição inicial dizendo que existe erro de classificação dos rendimentos, pois, conforme alegam, todos os inputs nas contas bancárias ditas de paralelo, assim como nas contas bancárias ditas particulares, têm a sua origem na actividade dos estabelecimentos das várias sociedades do Grupo M., correspondendo a subfacturação ou a vendas omissas, e, por conseguinte, as importâncias ora controvertidas são verbas das referidas sociedades, que utilizavam todas as aludidas contas bancárias, as de paralelo e as particulares, como contas veículo para fins evasivos; mas acentuando que essas sociedades terão regularizado a sua situação tributária em sede de IRC e de IVA.

Nesta conformidade, [segundo sustentam no presente recurso, os Recorrentes pretendiam, através da prova testemunhal, demonstrar que:
a) “- todas as contas bancárias servem para acomodar os montantes subfacturados pelas sociedades do grupo de restauração “M.”, pelo que estamos perante rendimentos das sociedades, carecendo de sentido a distinção entre contas bancárias efectuada pela A.T.;”
c) – “os valores considerados acréscimos patrimoniais injustificados correspondem aos montantes subfacturados, que já foram regularizados ao nível tributário nas esferas das sociedades; e”
d) “- caso não se entenda que as entradas correspondem a rendimentos das sociedades, então, num exercício subsidiário e seguindo o raciocínio da própria A.T., verifica-se que:
- as entradas nas contas do paralelo das sociedades “V., Lda” e “C., Lda”, deviam ser consideradas rendimentos da categoria A, o que conduz à redução dos valores da matéria colectável relativamente a 2012 e 2016 e à existência de erro quanto aos pressupostos quanto a 2015 pois os acréscimos patrimoniais não atingem uma desproporção de € 100.000,00; e
- o rendimento de referência para se aferir da divergência justificada relativamente aos acréscimos patrimoniais deve corresponder aos rendimentos declarados adicionados dos montantes que a A.T. considerou como rendimentos da categoria A e dos montantes das entradas nas contas do paralelo erradamente consideradas como particulares que também deviam ter sido considerados rendimentos da categoria A; pelo que não existe, para qualquer ano, uma divergência superior a € 100.000,00”].

É absolutamente notório que a técnica, socorrendo-se de uma formulação vaga e genérica, utilizada [pelos Recorrentes] não permite que se produza qualquer tipo de prova sobre esta matéria, uma vez que encerra essencialmente ilações e conclusões de facto. É de total clareza que tais juízos conclusivos jamais poderão integrar o probatório.
Ora, compulsando o teor do relatório inspectivo, verificamos que foi realizado pela AT um trabalho de pormenor, onde se elencam, ponto por ponto, cada uma das entradas nas contas bancárias, ou seja, dos fluxos financeiros que não se mostram justificados. Não podem os Recorrentes pretender realizar, através de prova testemunhal, a demonstração, de forma genérica, das fontes ou origens do acréscimo patrimonial que a AT considerou não estar justificado. Importaria um especial labor na invocação de factos concretos, simples, que permitissem seguir o percurso financeiro de cada entrada em causa, por forma a alcançar uma explicação e um nexo de causalidade para cada situação específica, desde a sua origem até ao suposto retorno às várias sociedades do grupo, dada a alegação de que se trata de proveitos dessas sociedades.
A verdade é que a invocação, qua tale a transcrevemos supra, é inapta para a demonstração desejada pelos Recorrentes, sendo, por isso, irrelevante, dado que jamais se poderia vir a entender que lograram cumprir com o ónus da prova que se lhes impunha. Como referimos, não é viável provar factos que não se mostram alegados, salvo se forem de conhecimento oficioso, o que não é o caso.
Por outro lado, ainda que a alegação da factualidade tivesse sido irrepreensível, os Recorrentes, nestes autos, não chegaram a ensaiar prova documental para comprovar a fonte dos rendimentos em crise, pelo que a prova testemunhal tão-pouco se destinava a completar ou reforçar documentos. Salientamos que a AT fundou as suas conclusões em documentos, em registos financeiros, na sequência do acesso às contas bancárias, e em agendas, mapas, ficheiros, apreendidos nas buscas que foram efectivadas às sociedades. Pelo que o desembaraço do ónus da prova dos Recorrente deveria passar, idealmente, por prova do mesmo cariz ou natureza, ainda que qualquer falha pudesse ser colmatada através, nomeadamente, de prova testemunhal. Mais, se a prova documental não se mostrava eventualmente possível, cabia aos Recorrentes o ónus de demonstrar essa impossibilidade ou especial dificuldade. Porém, a esse respeito nada é concretamente alegado pelos Recorrentes para justificar a prova testemunhal requerida, quando estão em causa movimentos financeiros que têm como suporte contas bancárias.
Nestes termos, apesar de a fundamentação do despacho interlocutório recorrido não se afigurar concretizada e direccionada a qualquer específica alegação, […] os elementos ínsitos nos autos são, com efeito, suficientes para decidir a causa, apresentando-se a produção da prova testemunhal um acto inútil (proibido legalmente).
Pelo exposto, será de negar provimento ao recurso da decisão interlocutória, que considerou que os autos estavam instruídos com os documentos necessários à decisão, e mantê-la na ordem jurídica.

Estabilizada a decisão da matéria de facto e tudo o que vimos de dizer, facilmente se antevê o reflexo nefasto na apreciação do que resta do objecto do recurso da sentença final.

Com efeito, os Recorrentes insistem que as entradas nas contas bancárias, sejam do paralelo, sejam de carácter privado/particular, correspondem aos montantes subfacturados pelas sociedades do grupo de restauração “M.”, pelo que esses são rendimentos das sociedades, carecendo de sentido a distinção entre contas bancárias efectuada pela AT; e que esses montantes já foram regularizados ao nível tributário na esfera das sociedades, no âmbito dos procedimentos inspectivos de que as mesmas foram alvo.

É nossa convicção que a sentença recorrida analisou correctamente os factos, interpretou e aplicou o direito, não merecendo qualquer censura.
Desde logo, e conforme resultou das diligências encetadas pela AT e da análise aos elementos e justificações que lhe foram apresentados, não foi possível quanto às disponibilidades financeiras ora controvertidas estabelecer o necessário nexo de causalidade com a actividade dos estabelecimentos das referidas sociedades do Grupo M..
[…]
Reitera-se, a alegação dos factos foi efectuada de forma vaga e genérica, impossibilitando, por exemplo, sequer a identificação de qual a sociedade que estaria relacionada com determinado proveito/montante entrado nas contas bancárias dos Recorrentes.

Ora, se, por um lado, existe uma aparência de os Recorrentes estarem dispostos a comprovar concretamente a origem dos meios financeiros; por outro lado, o apelo ao princípio do inquisitório e à produção de prova não pode funcionar cabalmente, precisamente por desconhecimento por parte do tribunal dos factos concretos indispensáveis para os aplicar. Além do mais, não podemos deixar de dizer que se os Recorrentes estavam dispostos a comprovar concretamente a origem dos meios financeiros e efectuar prova objectiva de cada entrada nas suas contas bancárias, deviam ter continuado a trilhar o caminho que iniciaram junto da própria AT, em sede inspectiva, por forma a demonstrar, em concreto, o percurso de todos os valores monetários em apreço, individualizando a origem e a forma como os mesmos entraram no seu património (em concatenação com os restantes elementos probatórios que foram carreando).

Mais, na verdade, o que os Recorrentes informam é que recepcionavam dinheiro de sociedades, desconhecendo-se especificamente de quais, em que momento e a que título, em concreto, lhes chegavam essas quantias (apenas apontando para evasão), mas que esses montantes eram dessas sociedades não identificadas, pois correspondiam a proveitos seus, não tendo nenhuma factualidade a este respeito sido invocada com detalhe susceptível de prova.

Com efeito, tudo foi alegado genericamente, como referimos, impedindo accionar-se o princípio do inquisitório, pois na sua base estarão sempre factos invocados pelas partes.
Além do mais, não basta escolher uma qualquer explicação genérica, não sendo esta a prova exigida pela lei. Há que indicar e provar a fonte concreta, o nexo entre a fonte da disponibilidade financeira e a manifestação de fortuna/acréscimo patrimonial e, ainda, provar que, tal disponibilidade financeira, não estava sujeita a tributação. Nada disso foi sequer invocado, logo, não provado.

Assim, não se verifica o invocado défice instrutório, mas antes uma omissão de invocação de factualidade concreta (simples) e consequente falha de produção de prova por parte de quem tinha esse ónus, os Recorrentes – cfr. o mencionado artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT.

Logo, logrou provar-se o acréscimo patrimonial nos anos de [2011], 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016, enquadrando-se, por tudo o exposto, na previsão da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, como correctamente o efectuou a AT.

Sendo assim, considerando-se todas as razões que deixámos expostas, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se também a sentença recorrida na ordem jurídica.».

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento a ambos os recursos.
*
Custas a cargo dos Recorrentes, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
*
Porto, 16 de setembro de 2021

Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta