Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01161/04.5BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/13/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rosário Pais
Descritores:COOPERATIVA; ISENÇÃO DE IRC; ARTIGO 11.º, N.º 1/A), DO CIRC; NULIDADE DA SENTENÇA; DISCRIMINAÇÃO DOS FACTOS NÃO PROVADOS;
APRECIAÇÃO CRÍTICA DA PROVA;
Sumário:I - Resulta do preceito do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, a regra de que apenas estão isentos de IRC os rendimentos das cooperativas ali descriminados, a saber, no que agora interessa, os que sejam (i) derivados da aquisição de produtos, animais, máquinas, ferramentas e utensílios, (ii) destinados a ser utilizados nas explorações dos seus membros.

II - A falta de exame crítico da prova configura uma causa de nulidade da sentença, porquanto a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC e no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, mas também a falta de exame crítico da prova, requisito igualmente exigido no artigo 607.º, n.º 4, do CPC.

III – A sentença deve ser declarada parcialmente nula se o vício que a determina em nada afeta a parte da sentença não recorrida pela Fazenda Pública, cujo julgamento assentou em prova documental, para a qual não se justificava uma apreciação crítica da prova, tendo em conta o seu valor objetivo.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:L., UCRL e Fazenda Pública
Recorrido 1:Fazenda Pública e L., UCRL
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso da Impugnante e conceder provimento ao recurso da Fazenda Pública.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de que o recurso da Fazenda Pública merece provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO
1.1. L., UCRL, devidamente identificada nos autos, e a Fazenda Pública, vêm recorrer da sentença proferida nestes autos em 11.07.2011 pela qual foi concedido parcial provimento à impugnação judicial por aquela deduzida contra a liquidação de IRC do ano de 1998, a primeira, na parte da tributação de uma mais-valia com base na venda de ativo imobilizado, e a segunda, na parte dos acréscimos à matéria coletável com fundamento na variação patrimonial positiva decorrente de perdão da uma dívida.

1.2.1. A Recorrente L., UCRL terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«III. DAS CONCLUSÕES
A. O presente recurso jurisdicional vem interposto da parte da douta sentença de fls. ..., proferida nos autos referidos em epígrafe, que negou provimento à impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra a liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios, efectuada pela Administração fiscal, relativamente ao exercício de 1998.
B. A questão objecto dos autos de impugnação judicial relativamente à qual foi proferida uma decisão não completamente favorável à ora recorrente relaciona-se com a alegada sujeição a IRC das mais-valias fiscais decorrentes da alienação de imobilizado pela L., S.A..
C. A esta questão respondeu o Tribunal a quo no sentido de manter a correcção proposta pela Administração fiscal.
D. A sentença a quo, na parte em que responde desfavoravelmente às pretensões da recorrente, padece de um vício – ilegalidade – na medida em que faz uma errada aplicação do direito, nomeadamente do artigo 11º do CIRC.
E. Com efeito, determina a alínea a) do número 1 do artigo 11º do CIRC, com a redacção aplicável à data dos factos, que:
“Estão isentas de IRC:
As cooperativas agrícolas, bem como as sociedades de agricultura de grupo, na parte correspondente aos rendimentos derivados da aquisição de produtos, animais, máquinas, ferramentas e utensílios destinados a ser utilizados nas explorações dos seus membros, assim como os provenientes da transformação, conservação ou venda de produtos dessas explorações (...)”
F. Ora, o Tribunal reconhece, na medida em que não refuta, que estão isentos de IRC os proveitos obtidos pela impugnante relativos às actividades de recolha, transformação e venda do leite fornecido pelos seus cooperantes.
G. Além disso, o Tribunal não deve ignorar que, para o exercício desta actividade, foram adquiridos pela impugnante máquinas, ferramentas e utensílios – equipamento vário –, cujos rendimentos associados devem considerar-se também isentos daquele imposto.
H. Foi considerado provado (alínea BBB), página 43 da sentença recorrida) que foram justamente aquelas máquinas, ferramentas e utensílios – equipamento vário –, adquiridas com vista à sua afectação à actividade operacional (sua e dos seus cooperantes, acrescenta-se), que foram objecto de transmissão onerosa, em 1998, à L., S.A..
I. De resto, a decisão não deveria ter deixado de considerar o alegado pela impugnante a respeito desta transmissão: designadamente que, com esta transmissão, pretendeu concretizar-se um dos princípios fundamentais subjacentes à operação de concentração também tratada a propósito de uma outra correcção discutida nos presentes autos. Ou seja, com esta transmissão pretendeu concretizar-se a afectação numa só entidade – a L., S.A. – da actividade (e, bem assim, dos equipamentos que lhe estavam afectos) até então prosseguida não apenas pela impugnante, mas por esta e por dois outros cooperantes.
J. Em concreto, nada nos autos justifica a derrogação desta factualidade, aceite porque não contestada, quer pela Fazenda Pública quer pelo Tribunal, a saber, sublinhe-se uma vez mais, a de que as mais-valias cujo tratamento fiscal importa aferir respeitam a uma operação de venda (à L., S.A.) de uma série de máquinas, ferramentas e utensílios adquirida pela L. com vista à sua utilização, por si e pelos seus membros.
K. Além disso, não pode invocar-se o argumento que parece ter estado na génese da decisão do Tribunal a quo: o de que os bens e equipamentos alienados foram, afinal, adquiridos com vista a ser utilizados pela própria L. e já não pelos seus membros, Dos autos decorre justamente a ideia contrária; a recorrente invoca na sua argumentação a utilização dos equipamentos em referência por um conjunto de associados, no qual se inclui. Em relação a este particular, não só o Tribunal recorrido não logra fazer a demonstração contrária (também não o faz a Administração fiscal no relatório que fundamenta o acto de liquidação impugnado), como, a tê-lo feito, essa demonstração seria sempre de molde a colidir com algo que nenhuma parte contesta, isto é, que os rendimentos obtidos pela recorrente com a recolha, transformação e venda do leite produzido, com recurso àqueles mesmos equipamentos, pelos seus cooperantes, estão isentos de IRC por força na mesma disposição do CIRC que é utilizada para negar a isenção da mais-valia em causa.
L. Impõe-se, pois, que se questione – algo que o Tribunal não conseguiu em nenhum momento solucionar – que sentido faz admitir a isenção dos rendimentos obtidos pela recorrente com as actividades de recolha, transformação e venda do leite produzido, com recurso àqueles mesmos equipamentos, pelos seus cooperantes, e negar a isenção das mais-valias decorrentes da alienação das máquinas, ferramentas e utensílios adquiridas com vista à prossecução daquelas actividades, quer pela própria cooperativa quer pelos seus membros? O que dizer, por exemplo, se, associada àquelas mais-valias estiver uma operação de substituição daquelas máquinas, ferramentas e utensílios, por manifesta obsolescência dos mesmos, por outras máquinas, ferramentas e utensílios igualmente destinados à recolha, transformação e venda de leite por parte da L. e dos seus membros?
M. Também não pode invocar-se, por total falta de aderência com o texto legal, o argumento de acordo com o qual é exigido como pressuposto da isenção que a alienação do imobilizado protagonizada pela recorrente tivesse ocorrido entre esta e as cooperativas suas associadas.
N. Não se olvide, finalmente, o argumento já utilizado pela recorrente na petição inicial de impugnação judicial e igualmente ignorado – não considerado – pelo Tribunal a quo na fundamentação da sua decisão: sendo um dos princípios orientadores do CIRC aquele que permite tratar de modo mais favorável os rendimentos de mais-valias geradas em virtude da alienação de bens do imobilizado corpóreo das pessoas colectivas face aos seus normais proveitos operacionais, não faria sentido – iria mesmo ao arrepio de todo o sistema fiscal – prever a isenção destes proveitos e a tributação das mais-valias geradas com a alienação de bens adquiridos com o propósito de virem a ser obtidos os proveitos isentos.
O. Termos em que não pode deixar de concluir-se que o Tribunal recorrido, ao decidir em sentido contrário ao pretendido pela recorrente, violou a letra e a ratio subjacentes à norma da alínea a) do número 1 do artigo 11º do CIRC, devendo, nessa medida, set reconhecida a sua anulabilidade.
DEVE ASSIM O PRESENTE RECURSO PROCEDER NOS TERMOS EXPOSTOS, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»

1.2.2. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra alegações.

1.3.1. A Recorrente Fazenda Pública terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes
«CONCLUSÕES:

1. A douta sentença é nula porque omite e indicação dos factos dados por não provados, para além de não ter efectuada uma apreciação critica da prova, pelo que violou os artºs 123º do CPPT, artº 659º do CPC com as consequências do artº 125º do CPPT.
2. Também a decisão é nula por omissão de pronúncia nos termos do artº 668º nº 1 al. d) do CPC pois o Meritíssimo Juiz não formulou correctamente a questão jurídica a resolver no presente caso, concretamente a qualificação jurídica dos contratos que estão na base dos registos que foram postos em causa pela inspecção.
3. E também é nula porque não justifica os fundamentos de facto e direito da decisão, na medida em que não é clara é ambígua e é superficial, pois limita-se a fazer uma análise subjectiva da questão a resolver ao defender o entendimento, restritivo do que o que está em causa é análise de “dois modelos de apreciação da realidade igualmente sedutores” (Artº 668º nº 1 b) do CPC)
4. Também a douta sentença incorreu em erro de julgamento.
5. A douta sentença não apreciou correctamente a matéria de facto nomeadamente errou ao fixar a matéria de facto nomeadamente os pontos LL) a RR).
6. No presente processo a posição da Administração Fiscal é reforçada por um parecer do Srº Prof. Doutor Meneses Leitão, cujo conteúdo é a forma correcta de apreciar e decidir a questão dos autos.
7. O presente caso nasce na sequência de um procedimento de inspecção tributária ao exercício de 1998, a inspecção tributária detectou que existiu um perdão de divida da L., UCRL á L. S.A. por via da compensação de créditos prevista no contrato de assunção parcial, pelo montante de 4.725.000.000$00, da divida que a L. SGPS SA detinha sobre a L., SGPS, Lda por parte da L., SA, entendendo-se, pois que “a globalidade da operação referida conduziu a um perdão de divida concedido á L., UCRL”.
8. Era objectivo global de concentração das três sociedades a paridade das participações, o que, dada a diferença de valor dos patrimónios transmitidos, só seria possível concretizar pela anulação de saldos, por via do perdão de divida ou de qualquer outro processo” pelo que “o objectivo base de paridade entre as entidades intervenientes na estrutura da capital da L., SA subjacente ao processo de concentração encetado, determinou a necessidade de regularização da divida a esta sociedade por parte da L. UCRL (resultante da diferença entre activos e passivos transferidos pelas várias entidades intervenientes no processo de concentração), sem o recurso a meios de pagamento.”
9. A liquidação impugnada fundamenta-se na existência de uma variação patrimonial positiva devida á concretização de um perdão de divida ao abrigo do artº 21º do CIRC.
10. Os factos contabilísticos colocados em causa pela inspecção tem por base dois contratos que são qualificados diferentemente pela impugnante e pela Administração Fiscal.
11. É essencial para a apreciação e decisão da legalidade ou ilegalidade da liquidação o conteúdo dos dois contratos.
12. Resulta do conteúdo desses contratos para a Administração Fiscal um perdão de divida.
13. Para a impugnante não resulta destes contratos um perdão de divida.
14. Para a impugnante, “o contrato de assunção de divida” mais não é do que um contrato de cessão de créditos.
15. E quanto ao acordo de compensação de saldos, afirma a impugnante que se trata de uma dação em pagamento.
16. A Fazenda Pública sustenta que os dois contratos, o designado “Assunção de divida” e o designado “Acordo de compensação de saldos” não podem ser vistos isoladamente, mas sim em conjunto.
17. Com efeito o dito “acordo de compensação de saldos” é a directa continuação do clausulado no contrato de “assunção de divida”, maxime do estabelecido pela cláusula 3ª.
18. Pois que, como até resulta da designação do segundo contrato – “compensação de saldos” – ou da menção da cláusula 3ª do contrato de assunção de divida a “encontro de contas”, o que os intervenientes imediatamente cuidaram foi de realizar os necessários movimentos contabilísticos para o desaparecimento da referida posição debitória da L.,UCRL em face da L.,SA (afinal, o perdão de divida que se discute nos autos)
19. Só que estes movimentos a débito e a crédito (em contrapartida respectiva) são puras inscrições contabilísticas formais que, só por si, não nos dizem qual é a substância jurídica das operações ou realidades económicas que as sustentam.
20. Não se pode aceitar como pretende a impugnante que o contrato de assunção de divida, mais não é um contrato de cessão de créditos.
21. A cessão de créditos é um acto de disposição do credor, não do devedor. (artº 577º do CC)
22. E o que se tratou naquele contrato de assunção de divida – como o próprio nome indicafoi a realização de operação relativa á divida (a sua assunção por parte de L.,SA) e não de operação relativa ao crédito (por inexistência de qualquer transmissão naquele contrato)
23. O que está directamente em causa naquele contrato é apenas e só – como deriva do próprio nomen iuris que lhe foi dado pelas partes e se refere expressamente na referida cláusula 1ª do acordo de compensação de saldos – a assunção de divida por parte de L. SA.
24. Nos termos do artº 595º do CC a assunção de divida consiste no acto pelo qual um terceiro se vincula perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem.
25. A impugnante defende relativamente a este contrato que se tratou aqui de produzir os efeitos normais de um usual contrato de dação em pagamento.
26. Quanto a esta tese á que dizer que primeiro, o “acordo de compensação de saldos” não constitui uma dação em pagamento.
27. Segundo, o “acordo de compensação de saldos” não operou qualquer compensação como causa de extinção de obrigações.
28. Porque é patente que falta no caso a reciprocidade de créditos prevista nas artºs 847º e 851º do CC como estrutura essencial da compensação.
29. Na verdade, é típico da compensação o facto de um devedor que é credor do seu próprio credor se libertar da sua divida á custa do seu crédito.
30. Daqui resulta que o declarante só pode utilizar créditos seus para a compensação (artº 851º nº 2 do CC), não de terceiro, assim como a compensação só pode, como regra, abranger dívidas do declarante e não de terceiro. (artº 851º nº 1 do CC)
31. Ora, a L., UCRL não é devedora e credora da L. SA, mas apenas sua devedora, falhando, pois, a reciprocidade de créditos.
32. Isto significa que não se pode considerar, em momento algum, que ocorreu, como sustenta a impugnante a “extinção da divida da L. SA para com a L. SGPS, por compensação com o crédito, de montante quase igual ao que a L. SA detinha sobre a L. UCRL”
33. No caso em apreço, o saldo em divida da L. à L.-SGPS estaria a ser extinto com o saldo em divida da L., UCRL à L., que é justamente o que o artº 851º nº 2 do CC não admite.
34. É manifesto que, por impossibilidade jurídica, não teve lugar in casu qualquer compensação. Para que o “encontro de contas” pudesse implicar uma compensação seria necessário estar em causa a extinção simultânea de créditos recíprocos, o que não sucede.
35. Quanto á alegada dação em pagamento, fala-se de dação em pagamento para significar a realização de prestação diversa da devida como forma de extinção da obrigação. Para atender ao caso em análise, tratar-se-ia, pois, de, em vez da realização da prestação de quantia certa com o correspondente pagamento, ser cedido um crédito.
36. A dação em pagamento é uma causa de extinção das obrigações. (artº 837º do CC).
37. Pois bem, essa extinção supõe decisivamente o elemento básico do acordo do credor.
38. Nestes termos, como regra, a cessão de um crédito opera “solvendi causa” ou “pró solvendo”, pelo que não ocorre dação em pagamento, já que se mantém o crédito originário, servindo o crédito cedido apenas para auxiliar a satisfação daquele crédito originário.
39. Ora, se atentarmos no contrato de “compensação de saldos”, o que se lê é que as partes “acordam entre si em que o saldo em divida da L. á L.-SGPS, resultante da assunção de divida” seja utilizado para compensação da divida (portanto, para encontro de contas, não se falando em transmissão da L.,SA a favor da L.,SGPS da L. à L. sendo que a L. (que era credora da L.,UCRL por 4.704.365.478$20) procede ainda “ao pagamento á L. (repare-se à L., UCRL, de quem era credora, e não à L.,SGPS de quem era devedora) do valor em excesso, no montante de € 20.634.521$80. (cláusula 3ª)
40. Descortinar como é que aqui se pode concluir que a L. cedeu, em dação em pagamento, um crédito sobre a L.,UCRL em favor da L., SGPS passando a L.,UCRL a dever mais do que aquilo que constituía o seu débito originário, ultrapassa em muito os limites razoáveis das configurações jurídicas.
41. Não ocorreu, pois, qualquer cessão de créditos nem se consubstanciou qualquer dação em pagamento.
42. Face ao clausulado nos contratos o que esteve em causa foi: A extinção da divida da L.,UCRL em relação á L.,SA – e dai que “A L. dá quitação à L. do valor da divida referida no número 2;
43. A extinção da divida da L.,SA à L.,SGPS – e daí que “A L.-SGPS dá quitação à L. da divida referida no número 1;
44. A constituição originaria de uma nova dívida da L.,UCRL, agora no montante de 4.725.000.000$00, a favor da L._SGPS e daí que “a L. constitui-se devedora da L.-SGPS”
45. O que se verificou na situação em análise, foi uma liberação absoluta, por via de perdão de divida, da L.,UCRL em relação à L., SA com extinção, pois, do crédito respectivo.
46. Geradora, assim, de uma variação patrimonial positiva nos termos do artº 21º do CIRC.
47. No que se refere ao crédito da L.,SGPS sobre a L., UCRL, trata-se da constituição ex novo de um novo crédito, o qual não assume relevo no ponto de vista fiscal, dado que o artº 24º nº 1 a) do CIRC não confere relevo às variações patrimoniais negativas que consistam em liberalidades ou não estejam relacionadas com a actividade do contribuinte sujeita a IRC.
48. Ao contrário do entendido na douta sentença, a constituição do novo débito, não produz qualquer efeito no caso concreto, e a liquidação impugnada está devidamente fundamentada, comprovada e justificada.
49. A douta sentença violou os artºs 21º CIRC, artº 123º e artº 125º do CPPT e artºs 659º, 668º nº 1 b) e d) do CPC, 11º nº 1 da LGT, artºs 458º nº 1, 577º, 595º, 847º, 851º nº 1 e nº 2, 837º, 863º, 787º do CC.
TERMOS EM QUE, deve declara-se nula a sentença, ou caso assim não se entenda ordenar-se a sua revogação, como é de
LEI E JUSTIÇA.»

1.3.2. A L., UCRL apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:

«V. CONCLUSÕES
A. O recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou parcialmente procedente a impugnação proposta pela L. sobre a liquidação adicional de IRC, do exercício de 1998.
B. O acto de liquidação adicional pressupunha um acréscimo à matéria colectável da L., naquele exercício, por força de urna alegada variação patrimonial positiva resultante de um pretenso perdão de dívida em favor da L., S.A. e de mais valias fiscais resultantes da alienação de bens do seu imobilizado.
C. O Tribunal concluiu pela procedência parcial da impugnação, concluindo pela não verificação da variação patrimonial positiva propugnada pela Administração fiscal (por alegado perdão de dívida) e pela necessária consideração do reinvestimento das mais-valias pela da venda dos bens do activo imobilizado.
D. A RFP interpôs recurso daquela decisão invocando a nulidade da sentença (por vício de fundamentação e omissão de pronúncia) e um alegado erro de julgamento.
E. Entende a ora recorrente que a sentença em apreço é nula porque omitiu no relatório a indicação dos factos dados por não provados e porque, para além disso, não teria efectuado uma apreciação crítica da prova produzida.
F. Invoca ainda a nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre questões que o Juiz deva apreciar, por, alegadamente, não ser correcta a formulação da questio decidendi.
G. Invoca, assim, os artigos 123.º e 125.º do CPPT e, por remissão, no art. 659.º e nas alíneas b) e d) do n.º 1 do art. 668.º do Código de Processo Civil (CPC).
H. Invoca, por fim, que a sentença incorreu em erro de julgamento da matéria de facto.
I. Contudo, falece qualquer fundamento ao recurso da RFP, nos exactos termos e na justa medida em que na instância própria se decidiu a procedência da acção.
J. A nulidade da sentença, por não especificação da matéria de facto (e de direito), agora espelhada na lei processual tributária, tem a sua origem e arrimo fundamental, na dita lei de processo civil (al. b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC).
K. A lei apenas considera que se verifica tal nulidade quando esteja em causa uma situação de falta absoluta de fundamentação da decisão proferida.
L. Quando essa fundamentação é meramente insuficiente ou confusa a lei basta-se com a mera anulabilidade da sentença por erro de julgamento da matéria de facto.
M. O que a RFP aqui invoca, quando muito, é a insuficiência da fundamentação.
N. Não procede, portanto, a nulidade da sentença por não especificação da matéria de facto, independentemente de haver neste ponto um eventual erro de julgamento.
O. Estas exigências de fundamentação devem reportar-se, apenas, aos factos tidos pelo tribunal como essenciais para a análise e boa decisão da causa.
P. Só existe nulidade de sentença por falta de indicação dos factos não provados relativamente a factos alegados que não se tenham sido dados como provados nem não provados e que possam relevar, sobremaneira, para a decisão da causa.
Q. Não se verifica na sentença recorrida, a omissão na especificação dos factos relevantes, nem a invocada ausência de exame crítico das provas.
R. Se a RFP reconhece que houve uma apreciação concreta dos contratos pelo Tribunal e se reconhece que a questão decidenda se centra, exactamente, na qualificação jurídica dos mesmos, caem por terra os vícios que vêm invocados.
S. A qualificação jurídica dos contratos, por natureza, não consiste em matéria de facto.
T. Não pode proceder a alegação da RFP de que a sentença é nula por omissão de pronúncia, nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.
U. A nulidade por omissão de pronúncia só se verifica quando em concreto, o tribunal deixa de se pronunciar sobre questões que deva apreciar.
V. Ora, se a própria RFP, reconhece que o objecto de decisão da sentença assenta, fundamentalmente na qualificação jurídica dos contratos e na consequente aplicação do art. 21.º do CIRC, questões às quais o Tribunal responde taxativamente, não procede a dita nulidade por omissão de pronúncia.
W. Tendo por base, justamente, a análise dos contratos, concluiu o Tribunal a quo que, à luz de uma visão material do horizonte de incidência normativa do artigo 21º do CIRC, o qual exige, ou subentende, um ganho, na situação em análise nos autos, não se manifesta um incremento do património líquido não reflectido do tipo suposto pela norma.
SEM PRESCINDIR,
X. Em 30.9.1998, foi celebrado entre a L. , UCRL, a L. – SGPS (Unipessoal), Lda., e a L. , S.A., um contrato denominado “Acordo de compensação de saldos”.
Y. Para a Administração Fiscal, decorre do referido contrato um “perdão da dívida à L., S.A., registado em 1998 e, daí, uma alegada variação patrimonial positiva na esfera da L., que deu origem ao acto impugnado.
Z. Contudo, tal perdão de dívida nunca se verificou.
AA. O crédito da L., S.A., foi cedido em pagamento à L. SGPS, e a L. UCRL manteve-se devedora, desta feita, à L. SGPS.
BB. O efeito prático-económico visado pelas partes com o contrato foi, claramente, obter a exoneração da L., S.A., relativamente à dívida que tinha para com a L. SGPS, por via da compensação com o crédito que, por sua vez, detinha sobre a L. UCRL.
CC. Em termos materiais esta operação não envolveu qualquer perdão de dívida.
DD. O perdão de dívida é o contrato pelo qual o credor renuncia ao direito de exigir a prestação, com o assentimento do devedor, é designado na lei portuguesa como remissão e toma natureza contratual (art. 863º, n.º 1, do Código Civil).
EE. O acordo de compensação de saldos em apreço nos autos e os efeitos que lhe estão associados não assumem as características da remissão de dívidas.
FF. Pela mera observação da realidade económica do negócio, constata-se que não decorreu do acordo de compensação de saldos nenhum avantajamento patrimonial da L. UCRL.
GG. O montante que ela devia antes continuou a dever depois, embora a um credor distinto. E as características da dívida também não se alteraram.
HH. A impugnante admitiu que, de um ponto de vista estritamente jurídico, a designação dada pelas partes ao contrato não é a mais rigorosa.
II. O que interveio na hipótese em apreço não foi uma autêntica compensação de créditos, porque não existe identidade entre os sujeitos das duas relações creditórias em jogo – apenas a L., S.A., era simultaneamente credora e devedora, tal não acontecendo com a L. UCRL e a L. SGPS.
JJ. A compensação, enquanto meio de extinção das obrigações, supõe que os titulares do crédito e do contra-crédito sejam simultaneamente, os sujeitos das posições passivas correspondentes (art. 847º, n.º 1, do Código Civil).
KK. Numa perspectiva económica ou finalística, percebe-se bem que as partes tenham qualificado o contrato como um acordo de compensação, sobretudo se se encarar a operação do ponto de vista da L., S.A.: esta como que compensa a sua dívida à L. SGPS com o crédito sobre a L. UCRL, o que lhe permite sair de cena deixando em seu lugar, como devedora, a L. UCRL.
LL. A compensação de saldos prevista no acordo reconduz-se a uma cessão do crédito da L., S.A., à L. SGPS que é feita em cumprimento da dívida daquela para com esta última.
MM. No acordo de compensação de saldos, o que parece fundamental, não obstante a já assinalada imprecisão terminológica, é a vontade de compensação entre créditos e de, por essa via, obter a exoneração da L., S.A.
NN. Quando as partes declaram pretenderem que “o saldo em dívida da L. á L. – SGPS seja utilizado para compensação da dívida da L. à L.”, o sentido de tal declaração não pode ser outro senão o de o pivot dessa operação, que é a L., S.A. (única simultaneamente credora e devedora), anular essas duas posições de sinal contrário e valor substancialmente equivalente oferecendo ao seu credor, a L. SGPS, em lugar do pagamento, o crédito sobre a L. UCRL.
OO. Na economia deste acordo, a exoneração da L., S.A. é conseguida à custa da cessão do seu crédito sobre a L. UCRL (e do pagamento a esta última do valor residual da diferença entre os dois créditos), ou seja, do oferecimento desse crédito em cumprimento da sua obrigação.
PP. A dívida da L. UCRL não se extinguiu, por conseguinte, em resultado desta operação, mas apenas sofreu uma alteração de sujeito activo que, por efeito da cessão do crédito, passou a ser a L. SGPS.
QQ. Nunca estaria em causa qualquer remissão de dívida mas, quando muito, a substituição de uma dívida por uma nova, com mudança do credor.
RR. Tal como aponta MENEZES CORDEIRO, citando DERNBURG, na novação há extinção de uma dívida e constituição de uma outra nova, mas, do ponto de vista económico, ocorre transformação da obrigação – ou seja, continuaríamos, mesmo que de novação se tratasse, completamente arredados de qualquer semelhança com a demissão de um crédito que é própria do perdão de dívida.
SS. A compensação pretendida pelas partes visou a utilização, para pagamento, do crédito da L., S.A., sobre a L. UCRL, e que, por isso, o que está em causa é, efectivamente, uma dação de um crédito em pagamento com imediata exoneração do originário devedor.
TT. Ainda que se entenda que o negócio versou não sobre o crédito mas sobre a dívida da L. UCRL à L., S.A., e que o que foi objecto da dação em pagamento foi a assunção da dívida da L., S.A. pela L. UCRL, sempre continuaríamos arredados do fenómeno da remissão de divida.
UU. A extinção da dívida da L. UCRL perante a L., S.A., surge como mero efeito da delegação, inexistindo qualquer finalidade remissiva no acordo.
VV. Ainda que se veja na compensação de saldos uma assunção de de dívida pela L. UCRL, com extinção da sua dívida à L., S.A., esta exoneração não pode assimilar-se a uma remissão de dívida. A L. UCRL deixa de dever à L., S.A., porque passa a dever à L. SGPS.
POSTO ISTO,
WW. Não procede, também, o alegado erro de julgamento invocado pela RFP.
XX. Bem andou o Tribunal a quo ao concluir não se verificar a variação patrimonial positiva propugnada pela Administração fiscal (por alegado perdão de dívida).
YY. Partindo da análise jurídica dos acordos estabelecidos com a ora recorrida e analisando, como se impunha, a natureza e os efeitos económicos de tais acordos, não podia o Tribunal a quo ter atingido outra conclusão que não esta.
ZZ. Assim, como lapidamente se refere na sentença recorrida, à luz de uma visão material do horizonte de incidência normativa do artigo 21º do CIRC, o qual exige, ou subentende, um ganho, na situação em análise nos autos «...não se manifesta um incremento do património liquido não reflectido do tipo suposto pela norma...».
AAA. Por conseguinte, tecidas as considerações expostas, nada há a apontar à decisão recorrida em matéria de julgamento de facto e de direito, não procedendo assim, como se depreende, a invocada anulabilidade da sentença por erro de julgamento.
TERMOS EM QUE
O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»

1.4. Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal que, no seu parecer de fls. 708 a 710 do suporte físico dos autos, concluiu que o recurso da Fazenda Pública merece provimento, nada dizendo, porém, em relação ao recurso da Impugnante.

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações das Recorrentes, cumpre apreciar os recursos de ambas as partes e decidir se a sentença recorridas enferma de erro de julgamento na parte em que julgou a impugnação improcedente e, na parte restante, se enferma das nulidades ou do erro de julgamento que a Fazenda Pública lhe imputa.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:

«5. Está provado:
A) A impugnante dedica-se ao comércio por grosso de leite;
B) Os exercícios de 1997 e 1998 da impugnante foram inspeccionados;
C) Do relatório elaborado em 2002.09.20, extracta-se:
a. I – 2.1 IRC
b. I.2.1.1. Exercício de 1997
i. (...);
c. I 2.1.2. Exercício de1998
i. I.2.1.2.1 – Mais-valias na alienação de imobilizado à L. (artigo 42º CIRC):
1. Propõe-se ao abrigo do artigo 20/1.h) do CIRC, o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 1998, do montante de PTE 44 686 195$99 (€ 222 893,80), relativo a mais-valias fiscais decorrentes da alienação de imobilizado à L., SA, na parte sujeita ao regime geral, considerando a não aplicação, aos proveitos em causa, da isenção prevista no artigo 11/1.a) e do critério emanado do artigo 48/1.6) do mesmo código, dado que se trata de rendimentos que não resultaram da aquisição a cooperativas membros da L., UCRL, sendo, por consequência, de se promover o decréscimo, em igual valor, do lucro tributável do mesmo exercício, na parte não sujeita ou isente definitivamente;
ii. I.2.1.2.2 – Perdão da dívida à L., SA (artigo 21º do CIRC):
1. Propõe-se ao abrigo do corpo do artigo 21/1 CIRC, o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 1998, na parte sujeita ao regime geral, tendo em conta a não aplicação da isenção prevista no artigo 11/1 do mesmo diploma legal, da verba de PTE 4 725 000 000$00 (€ 23 568 200,64), relativa ao perdão da dívida à L., SA, registada na conta 26.8.20.0460 – L., SA, nos exercícios de 1997 e 1998, praticada no exercício de 1998, por via da compensação de créditos prevista no contrato de assunção parcial, pelo montante de PTE 4 725 000 000$00, da dívida da L. SGPS, SA À L., SGPS, Lda., por parte DA L., SA, tornada possível pela valorização pela valorização (preço de PTE 2 890$00 por acção) do valor de 2 500 000 acções da L., SA (anteriormente e posteriormente à alienação valorizadas a PTE 1 000$00 por acção, não se vislumbrando qualquer justificação para tais discrepâncias num lapso temporal tão curto), praticadas na alienação pela L., SGPS, Lda., à L. SGPS, SA, que originou uma mais valia do mesmo montante da assunção da dívida, na esfera da L., SGPS, LDA.;
d. II. Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva
i. (...);
e. III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável.
i. (...);
ii. III.1 – IRC
iii. III.1.1 – Exercício de 1997
1. (...);
iv. III.1.2 – Exercício de 1998
1. III.1.2.1 – Mais-valias na alienação de imobilizado à L. (artigo 42º do CIRC);
a. De acordo com o mapa de mais e menos valias fiscais, a L., UCRL realizou mais-valias contabilísticas que ascenderam a PTE 94 748 077$00, tendo tal montante sido integralmente deduzido ao lucro tributável do exercício, de acordo com o artigo 42º do CIRC, não acrescendo, por outro lado, ao mesmo lucro tributável, as correspondentes mais-valias fiscais, calculadas de acordo com os artigos 42º e 43º do CIRC, uma vez que declarou pretender reinvestir, nos termos do artigo 44º do mesmo Código, a totalidade do valor de realização resultante da alienação dos elementos do activo imobilizado corpóreo;
b. A verba em causa foi integrada na rubrica proveitos comuns, para efeitos da determinação das partes sujeita e isenta do lucro tributável do exercício pela aplicação do coeficiente de sujeição de 0,773%, imputando-se PTE 732 251$00 à parte sujeita e PTE 94 015 826$00 à parte isenta;
c. A L., UCRL, no exercício de 1998, na conta 79423 – alienação de imobilizado – 17%, a verba de PTE 46 975 905$00, relativa a mais-valia contabilística, decorrentes da alienação à L. , SA, de equipamento diverso:
i. (...);
d. Com base em elementos fornecidos pela contribuinte, foi possível calcular as mais-valias fiscais correspondentes, que ascenderam a PTE 45 034 310$00:
i. (...);
e. A aplicação do coeficiente de sujeição de 0,773%, adoptado pela contribuinte, ao valor das mais-valias fiscais referidas, permite concluir que, da verba de PTE 45 034 310$00, PTE 348 115$00 foram imputados à parte sujeita e PTE 44 686 195$00 à parte isenta;
f. (...);
g. No caso da L., UCRL, estão, portanto, isentos os rendimentos provenientes da venda de leite e seus derivados, produtos adquiridos às cooperativas que congrega;
h. (...);
i. Apesar deste último critério estar previsto no CIRC para aplicação aos custos comuns, a sua extensão aos proveitos comuns, com as necessárias adaptações, não levanta por si só, qualquer objecção de princípio, contando que os proveitos sejam efectivamente comuns, i. é, resultem da aquisição, quer membros da a membros, quer não cooperativa, sem imputar a uns ou a possibilidade de os outros;
j. Ora, na situação em apreço, estão em causa proveitos – mais-valias – que resultaram da alienação de equipamento diverso, cuja aquisição não teve seguramente origem nas cooperativas membros da L., UCRL, já que não se dedicam à produção de tal equipamento, pelo que tais proveitos não podem ser qualificados de comuns, não sendo, portanto, de lhes aplicar qualquer coeficiente de sujeição, como veio a suceder, mas devem antes ser integralmente imputados ao sector sujeito ao regime geral, contribuindo dessa forma para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 20/1.h) CIRC;
k. (...);
l. Em face do exposto, propõe-se ao abrigo do artigo 20/1.h), o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 1998, o montante de PTE 44 686 195$00 (€ 222 893,80), relativo a mais-valia fiscal
m. (...);
D) Em 2002.09.27, foi emitida a liquidação no 8310034125, relativa a IRC do exercício de 1998, no montante de € 10 433 573,41, com data limite de pagamento de 2002.11.13;
E) Em 2003.02.07, a Impugnante reclamou;
F) Por despacho de 2004.02.19, a reclamação foi indeferida:
a. O envolvimento de L., UCRL, L. SGPS e L., SA, nas operações contabilísticas referenciadas teve como efeito mais relevante um perdão de dívida justamente dirigido ao crédito de L., UCRL sobre L., SA, e de tal forma que a mencionada compensação de créditos apenas foi possível através de uma certa valorização de um número considerável de acções essas que antes e depois do movimento, mas com outras empresas do grupo, foram transaccionadas por preço muito inferior;
b. Nestes termos, a globalidade da operação conduziu, de facto, a um perdão de dívida verdadeiro concedido a L., UCRL, com vista ao objectivo global da concentração das sociedades, tendo em conta a paridade das participações L., UCR, A. e P./M., onde tudo se assemelhava juridicamente a um contrato de remissão, o qual constitui uma variação patrimonial (positiva) e, como tal, a enquadrar no lucro tributável – artigo 210 CIRC;
c. E, de facto a classificação contabilística não pode ser utilizada como um instrumento destinado a contornar artificialmente as consequências fiscais de certas formas, que deve ser reprimida em nome do desrespeito dos princípios contabilísticos para que o CIRC remete;
d. Ou seja, aquela inscrição formal pode ser desconsiderada para efeitos fiscais quando não corresponda à substância da função que o bem em causa desempenha na empresa concreta: ao direito fiscal importa mais a configuração da realidade económica ou das situações de facto e, menos, a aparência (jurídico-formal) de que os mesmos factos surgem revestidos.
G) Este despacho foi transmitido à Impugnante por carta registada com aviso de recepção datada de 2004.09.06 (fls. 48 dos autos);
H) Em 2004.09.20, a presente impugnação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu (cfr. carimbo aposto a fls.1 dos autos);
I) A ligação de IRC impugnada versa sobre um acréscimo à matéria colectável da impugnante com base numa variação patrimonial positiva decorrente de perdão de dívida, e num acréscimo à matéria tributável decorrente da tributação de mais-valia proveniente da venda de activo imobilizado, considerada isenta pela impugnante por reinvestimento.
J) A impugnante foi constituída em 1962 e é hoje detida por 23 cooperativas de produção de leite.
K) Em meados da década de 90, o mercado nacional de produção e comercialização de leite ficou aberto ao mercado único, sob concorrência estrangeira.
L) Aqui passou a operar a multinacional P., sob uma estratégia de esmagamento dos preços, ancorada em feitos publicitários massivos.
M) É neste cenário que as três principais produtoras nacionais de leite, L., A. e P./M. decidem associar-se numa única entidade de grande dimensão, a qual veio a assumir a forma de sociedade anónima sob a designação de L. SA.
N) Esta operação empresarial ocorreu em três etapas de progressivos patamares de integração estratégica sob um princípio base de igualdade e paridade dos três grupos/cooperativas intervenientes, com vista a obter uma estrutura empresarial profissionalizada, de gestão unitária, em paridade de circunstâncias.
O) Esta opção determinou que numa das fases da operação integradora tivesse sido constituída uma sociedade holding, L. SGPS, para intermediar a estrutura de participações existente e que, em consequência, distanciasse a estrutura cooperativa de cúpula da nova estrutura empresarial, de modo a permitir uma maior autonomia de estão entre ambas.
P) L., SGPS, passou então a ser detida na proporção igual de 33,3% por cada uma das três entidades cooperativas de cúpula e a deter em 100% a sociedade operativa L. SA.
Q) Entretanto, na esfera de cada uma as entidades cooperativas, foram criadas outras sociedades holding, que encabeçassem em cada um dos três grupos intervenientes o projecto conducente ao modelo empresarial L., e que constituíssem o instrumento de autonomização das entidades ainda na ordem das cooperativas.
R) No que diz respeito ao grupo L., foi constituída a L. SGPS, sobre este propósito.
S) E no primeiro patamar estratégico, em 1996, L. UCRL, A. UCRL e P./M., com o capital mínimo, distribuído em termos paritários pelos três accionistas, constituíram L. SA.
T) No segundo, nesse mesmo ano, subscreveram todas um aumento de capital social de L. SA, o qual passou a cifrar-se em 7 500 000 000$00, composto de 7 500 000 acções, no valor nominal de PTE 1000$00 cada.
U) E o referido aumento de capital social foi subscrito ao par, pelas accionistas, mediante a entrada dos respectivos activos comerciais e, na parte em que se revelaram insuficientes, disponibilizando valores em metálico.
V) Os activos comerciais transferidos para a L. SA foram objecto de avaliações independentes que lhe determinaram o peso relativo.
W) L. UCRL, para ocorrer à subscrição do aumento de capital social de L. SA, nos mesmos termos de A. UCRL e do grupo P./M. recorreu a um financiamento externo junto de A..
X) A segunda fase estratégica ocorreu em 1997, com a concentração em L., SA, das actividades e estabelecimentos industriais das três accionistas, compreendendo bens imóveis, terrenos, existências e direitos afectos à actividade de transformação de leite e de outros lacticínios, bem como das participações detidas por eles detidas e dos passivos bancários e ainda pela integração de todos os recursos humanos afectos a todas essas actividades.
Y) A integração dos estabelecimentos industriais referida processou-se depois através de sucessivos aumentos do capital social de L. SA (passou de PTE 7 500 000 000$00 para PTE 20 000 000 000$00) subscritos em espécie pelos três accionistas e através de compras e vendas de activos e passivos relacionados com a actividade industrial em causa.
Z) Parte dos aumentos de capital social de L., SA, foram do mesmo modo satisfeitos, designadamente por L., UCRL, através de numerário disponibilizado de modo a concretizar a desejada paridade entre os accionistas.
AA) Realizados ao par, esses sucessivos aumentos de capital, foram registados em L. SA pelos valores que estavam inscritos na contabilidade de cada um dos três accionistas.
BB) E os referidos aumentos de capital social de L. SA foram objecto de escritura pública celebrada em 11.7.1997.
CC) L. UCRL satisfez os aumentos de capital social referidos, integralmente, até 31.12.1997.
DD) Nesta conformidade, porém, os passivos que transmitiu suplantaram os activos, razão de L. SA ter ficado credora de L. UCRL, em 21.12.1997, por PTE 4 704 466 432$00 (e em 31.12.1998, por PTE 4 721 811 300$00).
EE) Estes valores ficaram evidenciados na actividade de L., UCRL, na conta 26.8.20.460.
FF) A terceira fase do processo de concentração também se iniciou em 1997: constituíram-se L., SGPS, com as outras sociedades holding intermédias, detidas por cada uma das entidades de cúpula do projecto, com o objectivo de nelas concentrar o investimento na L..
GG) Acto contínuo foram levados a cabo aumentos dos capitais sociais destas sociedades SGPS, subscritos em espécie pelos respectivos accionistas, um de cada uma, mediante a entrega de 2 500 000 acções que um e outros detinham em L., SA.
HH) E as acções foram inscritas no balanço, no caso de L., SGPS, pelo valor exacto porque as mesmas se encontravam inscritas na contabilidade de L., UCRL, isto é, PTE 1 000$00.
II) Uma vez constituídas as sociedades holding intermédias, na direcção de autonomização do objecto comercial em que estavam inscritas, ocorreu depois uma reorganização das participações de forma a que o capital social de L., SA, viesse a ser concentrado numa única sociedade holding: L., SGPS, detida paritariamente – 33,3% - por cada uma das sociedades holding recentemente constituídas.
JJ) No seguimento, L., SGPS, transmitiu, em Setembro de 1998, as 2 500 000 acções que detinha no capital de L., SA, a L., SGPS, pelo preço de PTE 7 225 000 000$00 [PTE 2 890$00 por acção], preço determinado por avaliação dos Bancos BPI e Santander.
KK) L., SGPS, não efectuou contudo o pagamento deste preço, de que ficou em dívida total para com L., SGPS.
LL) L., SGPS, L., SA, e L., SGPS, em 1998.09.25, celebraram entre si um contrato que denominaram de assunção de dívida e pelo qual L. SA assumia parcialmente a posição devedora de L. SGPS na dívida [contraída junto de L. SGPS, por ocasião da aquisição das 2 500 000 acções de L. SA] no montante de PTE 4 725 000 000$00, chamando a si a responsabilidade pelo seu pagamento, e constituindo-se em contrapartida, credora de L., SGPS, em montante igual ao da dívida assumida.
MM) Concordaram as partes também em que o crédito de L., SGPS, sobre L., SA, pudesse ser regularizado por encontro de contas com créditos de L., SA, sobre L., SGPS, ou L., UCRL.
NN) E neste desenvolvimento, L., UCRL, L., SGPS, e L., SA, em 1998.09.30, trocaram entre si consentimentos sob a designação acordo de compensação de saldos, em ordem a que a dívida de L., SA, para com L., SGPS, fosse utilizada na compensação da dívida de L., UCRL, para com L., SA, procedendo L. ao pagamento a L. do valor em excesso, no montante de PTE 20 634 521$80.
OO) No mesmo escrito, L., SA, concedeu quitação a L., UCRL, da dívida desta para com ela de PTE 4 704 365 478$20; L., SGPS, deu quitação a L., SA, e L., UCRL constituiu-se devedora de L., SGPS, pelo montante de PTE 4 725 000 000$00 em resultado desta compensação de dívidas.
PP) Do mesmo passo, ficou estabelecido entre as partes que o pagamento de L., UCRL, a L., SGPS, seria feito por encontro de contas com as transacções a realizar entre estas entidades em 1999.
QQ) Todos os movimentos de assunção de dívida e compensação de saldos foram evidenciados na contabilidade das intervenientes.
RR) Todos os créditos referidos se encontram integralmente liquidados, no presente.
SS) Em 1998.09.28, ocorreu um novo aumento de capital de L., SA, de PTE 20 000 000 000$00 para PTE 30 000 000 000$00, subscrito ao par, por L., UCRL, A., UCRL e P./M. (2 083 000 acções cada) e pelas sociedades holding intermédias L., SGPS, A., SGPS e P./M., SGPS (1 250 000 acções cada).
TT) Nos anos de 1998 e de 1999 ocorreram ainda mais duas operações, com o objectivo de proporcionar a L., SGPS, a totalidade das participações no capital social de L., SA, e, simultaneamente, as sociedades holding intermédias a totalidade – tripartida e igual – do capital social de L., SGPS.
UU) Tendo em conta estes objectivos, em 1998.11.12, ocorreu um aumento de capital de L., SGPS, que atingiu PTE 30 030 000 000$00.
VV) Este aumento foi subscrito por L., UCRL, no âmbito de uma operação de permuta de participações sociais, por incorporação de 6 250 000 acções de L., SA, ao valor unitário de PTE 1 000$00.
WW) E por L., SGPS, por incorporação de 1 250 300 acções de L., SA, ao valor unitário de PTE 1 000$00 e, bem assim, por incorporação de um crédito sobre L., SGPS, no montante 2 500 000 000$00.
XX) O referido aumento de capital foi acompanhado, na mesma direcção, pelas outras accionistas e como resultado, L., SGPS, passou a deter a totalidade do capital social de L., SA.
YY) Em 1999.04.30, L., SGPS, A., SGPS e P./M., SGPS, adquiriram respectivamente a L., UCRL, A., UCRL e P./M., as acções que todas estas detinham em L., SGPS.
ZZ) O pagamento do preço referente às aquisições destas acções, no que diz respeito a L., SGPS, e L., UCRL, ocorreu através de compensação de créditos.
AAA) Em resultado de tudo, L., SGPS, A., SGPS, e P./M. passaram a deter, cada uma delas, 33,3% do capital social de L., SGPS.
BBB) Em 1998, L., UCRL, vendeu a L., SA, um conjunto de elementos do seu activo imobilizado corpóreo afectos e destinados à actividade operacional, sua: obteve uma mais-valia de PTE 45 034 310$00.
CCC) Com a referida alienação, foi concretizada uma das directrizes subjacentes à operação de concentração da actividade operativa de produção e comercialização de leite e de seus derivados anteriormente dispersa pelas três cooperativas.
DDD) Na respectiva declaração de rendimentos, a impugnante declarou que pretendia reinvestir o valor da realização, como acabou por fazer, no prazo.
5. A matéria de facto dada como provada resulta de um juízo sobre os documentos juntos, principalmente, e dos depoimentos das testemunhas ouvidas, credíveis, apesar do entusiasmo que puseram no depoimento.»

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Recurso da Impugnante

A Impugnante recorre da sentença proferida nestes autos na parte em que lhe foi desfavorável, ou seja, em que julgou improcedente a impugnante quanto à sujeição a IRC das mais-valias fiscais decorrentes da alienação de imobilizado.

A correção em causa foi proposta no RIT, «(…)ao abrigo do artigo 20/1.h) do CIRC, o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 1998, do montante de PTE 44 686 195$99 (€ 222 893,80), relativo a mais-valias fiscais decorrentes da alienação de imobilizado à L., SA, na parte sujeita ao regime geral, considerando a não aplicação, aos proveitos em causa, da isenção prevista no artigo 11/1.a) e do critério emanado do artigo 48/1.6) do mesmo código, dado que se trata de rendimentos que não resultaram da aquisição a cooperativas membros da L., UCRL, sendo, por consequência, de se promover o decréscimo, em igual valor, do lucro tributável do mesmo exercício, na parte não sujeita ou isente definitivamente;».

Sobre esta questão, considerou-se na sentença recorrida o seguinte:
«Quanto ao problema que subsiste relativo a mais-valias fiscais decorrentes da alienação de imobilizado pela L., SA, na parte sujeita a regime geral, considera a Impugnante, que os rendimentos derivados ou ligados a máquinas, ferramentas e utensílios de benefício dos seus membros, estão isentos de IRC.
Argumenta que não faria qualquer sentido isentar a actividade normal da cooperativa e, ao mesmo tempo, tributar os hipotéticos ganhos como vulgares alienações de activos associados aquela actividade.
Mas de acordo com o artigo 11/1 CIRC, na redacção anterior, que lhe foi dada pela Lei no 30-G/2000, de 29.12, argumenta a Fazenda Pública, bem determinado que as cooperativas agrícolas que estão isentas de imposto de mais-valias mas resultantes de alienações que a Impugnante tivesse feito às cooperativas suas associadas de imobilizado adquirido para esse mesmo efeito, bem como outros rendimentos que derivassem ou derivem da aquisição de tal imobilizado com o mesmo destino.
Assim, não estão isentas quaisquer mais valias ligadas à alienação de activos utilizados na exploração normal a cooperativa, com o que se concorda.
Por conseguinte, estando em causa proveitos que resultaram da alienação de equipamento diverso e distinto da produção das cooperativas membros, os proveitos não podem ser qualificados como proveitos comuns: não se lhe aplica qualquer coeficiente de sujeição e terão de ser integralmente imputados sob o regime geral. Contribuem desta forma para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 20/1 CIRC.».

A Impugnante não se conforma com assim decidido, alegando, em resumida síntese, que enferma de errada aplicação do direito – artigo 11.º do CIRC -, pois, segundo refere, considera-se provado «(alínea BBB), página 43 da sentença recorrida) que foram justamente aquelas máquinas, ferramentas e utensílios – equipamento vário –, adquiridas com vista à sua afectação à actividade operacional (sua e dos seus cooperantes, acrescenta-se), que foram objecto de transmissão onerosa, em 1998, à L.», ou seja, que «as mais-valias cujo tratamento fiscal importa aferir respeitam a uma operação de venda (à L., S.A.) de uma série de máquinas, ferramentas e utensílios adquirida pela L. com vista à sua utilização, por si e pelos seus membros.».

Vejamos, então:
O artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, na redação vigente no ano de 1998 (ao qual respeitam os factos tributário em crise nestes autos), isentava de IRC «As cooperativas agrícolas, na parte correspondente aos rendimentos derivados da aquisição de produtos, animais, máquinas, ferramentas e utensílios destinados a ser utilizados nas explorações dos seus membros, assim como os provenientes da transformação, conservação ou venda de produtos dessas explorações e, bem assim, os resultantes da prestação de serviços comuns aos agricultores seus membros e ainda do seguro mútuo e rega;.» - o destacado é da nossa autoria.

Ora, não sofre controvérsia que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina, isto é, seguindo os critérios orientadores facultados pelo nosso legislador civil e tributário, nos termos em que os mesmos se encontram consignados nos artigos 9.º do Código Civil e 11.º da Lei geral Tributária.

Assim, na interpretação da lei, o aplicador não deve cingir-se à letra da lei, mas o pensativo legislativo a que o intérprete chegue deve ter naquela um mínimo de correspondência verbal (artigo 9.º do Código Civil). A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, fatores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente.

O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico). O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete.
A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de seleção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem.

Devemos assumir que o legislador soube exprimir corretamente o seu pensamento e se serviu do vocábulo jurídico adequado e que o legislador se dirige a todos os cidadãos, sendo necessário que o entendam (sobre esta matéria cfr. i.a.: Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, pág. 163; Castanheira Naves, Interpretação Jurídica, págs. 362/363; Baptista Machado, Introdução ao Direito, pág. 182; Oliveira Ascensão, O Direito, págs. 406/407; Santos Justo, Introdução ao Estudo de Direito, 4ª ed., págs. 334 e ss.).

O nosso legislador consagra, no já aludido artigo 9.º do CCiv, o elemento literal como ponto de partida da interpretação ao referir que “a interpretação deve…reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo” (n.º 1), estabelecendo a função negativa ao afirmar que o intérprete não pode considerar aquele pensamento “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal” (n.º 2) e reconhecendo a função positiva, quando determina que o intérprete presumirá que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3) (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão, Introdução ao Estudo de Direito, 2ª ed., págs. 57/58; Neves Pereira, Introdução ao Direito e às Obrigações, 3ª, ed., págs. 229 e ss; Heitor Consciência, Breve Introdução ao Estudo do Direito, 3ª ed., revista, págs. 43 e ss.).

Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, “o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal…” (cfr. CC Anotado, vol. 1º, 4ª ed., págs. 58 e 59).

Isto posto, é de concluir que resulta do preceito do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, a regra de que apenas estão isentos de IRC os rendimentos das cooperativas ali descriminados, a saber, no que agora interessa, os que sejam (i) derivados da aquisição de produtos, animais, máquinas, ferramentas e utensílios, (ii) destinados a ser utilizados nas explorações dos seus membros. Portanto, somente estão isentos de IRC os rendimentos derivados de aquisições com a origem e destino legalmente fixados. Tal é o que decorre, com suficiente evidência, da letra da norma, não se nos afigurando necessário o recurso a qualquer outro elemento interpretativo para alcançar o pensamento do legislador.

De acordo com a factualidade provada em 1.ª instância (a qual não vem impugnada nesta parte e, por isso, se estabilizou) e relevante para esta análise, «A) A impugnante dedica-se ao comércio por grosso de leite;», «J)A impugnante foi constituída em 1962 e é hoje detida por 23 cooperativas de produção de leite.» e «BBB) Em 1998, L., UCRL, vendeu a L., SA, um conjunto de elementos do seu activo imobilizado corpóreo afectos e destinados à actividade operacional, sua: obteve uma mais-valia de PTE 45 034 310$00.». Importa aqui salientar que o facto provado no ponto BBB) está em consonância com o alegado no artigo 338.º da p.i., no qual a Impugnante refere que «Em 1998, (…) vendeu à L., S.A. um conjunto de elementos do seu activo imobilizado afectos e destinados à sua actividade operacional – o que faltava da sua instalação fabril e unidade de apoio.».

Resulta, pois, desta factualidade que a Impugnante tem objeto (comércio por grosso de leite) distinto do das suas cooperantes (produção de leite) e que o imobilizado cuja venda gerou as mais valias em causa estava afeto e era destinado à atividade operacional da Impugnante e não das suas cooperantes.

Daí que, face à factualidade exposta e ao teor do normativo em referência, seja imperioso dizer-se, com o respeito devido, que a interpretação que a Recorrente faz, dando por assente um facto que ela não alegou nem provou (o de que o imobilizado em causa também se destinava às suas cooperantes) e imputando à norma em causa uma abrangência que a mesma não tem, carece, em absoluto, de sustentação jurídica.

Nesta medida, a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que a Impugnante lhe imputa neste recurso, o qual está, por isso, votado ao insucesso.

3.2.2. Recurso da Fazenda Pública

O recurso da Fazenda Pública respeita, naturalmente, à parte da sentença em que foi julgada procedente a impugnação da liquidação adicional de IRC do ano de 1998; isto é, no que tange à correção consequente ao entendimento da AT de que ocorreu uma variação patrimonial positiva, por efeito de um perdão de dívida.

3.2.2.1. Nulidades da sentença

A Fazenda Pública começa por alegar que a sentença em crise é nula por (i) omitir a indicação dos factos não provados e não efetuar a apreciação crítica da prova, por (ii) omissão de pronúncia, já que não formulou corretamente a questão jurídica a resolver – concretamente a qualificação jurídica dos factos, e por (iii) não justificar os fundamentos de facto e de direito.

Como já decidiu esta secção, no acórdão de 25.05.2016, proc. 00724/04.3BEVIS:
«O dever de fundamentação tem assento constitucional (art. 205º/1 da Constituição), e constitui mesmo uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP anotada, II, 527).

O cumprimento do dever de fundamentação/motivação da sentença contribui «…para a sua eficácia, pela via da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral, (ii) consinta às partes e aos tribunais de recurso, fazer reexame do processo lógico ou racional subjacente à decisão, e (iii) constitua um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere), nessa medida se configurando como garantia do respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões (Ac. do TRE n.º 368/12.6GBLLE.E1 de 13-05-2014 (Relator: ANTÓNIO CLEMENTE LIMA)

Seguindo Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, II, 2011, pp. 357 e segs. «Relativamente à matéria de facto, esta nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.º 2 do art.º 123º do CPPT, como a falta do exame crítico das provas, previsto no n.º 3 do art. 659º do CPC. Como vem entendendo uniformemente o STA só se verifica tal nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação…» (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra n.º 151/10.3GBPBL.C1 de 29-06-2011 Relator: JORGE DIAS Sumário: 1.- O exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo; 2.- Assim a exigência normativa do exame crítico das provas torna insuficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tornando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal).
Como se cumpre.

Como também refere Jorge Lopes de Sousa (In CPPT, II, 2011, pp. 321 e 322), o cumprimento do dever de fundamentação segue determinado paradigma.
«A fundamentação da sentença, no que concerne à fixação da matéria de facto, é exigida pelo n.° 2 do art. 123. do CPPT. Essa fundamentação deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção.
Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.
Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Mas, quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária» (sublinhado nosso).

Procedendo ao exame crítico da prova, o juiz deve esclarecer quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma. Deve indicar os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (Miguel Teixeira de Sousa in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348).
E no caso de haver elementos probatórios divergentes, deve explicar (fundamentar) as razões porque deu prevalência a uns sobre os outros.
O exame crítico da prova não precisa de ser exaustivo. Nem se conhecem fórmulas seguras para a sua explicitação que necessariamente variará em função, designadamente, do maior ou menor poder de síntese do julgador e da sua capacidade para articular os depoimentos e restantes meios de prova, retirando deles o que de relevante e essencial levou à sua convicção.

Mas algumas notas constituem orientação segura.
Assim, salienta Miguel Teixeira de Sousa, (op. cit pág. 348). “ a fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente por cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostrarem inconclusivos e terminar com referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção…”
Importante é que, tendo presente o dever de fundamentação e os objectivos que a mesma visa alcançar, o julgador se empenhe na sua explicitação e não se escude em fórmulas vazias destituídas de qualquer densidade que nada dizem e por isso nada fundamentam.

Através da fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente.
(…)».
A falta de exame crítico da prova configura uma causa de nulidade da sentença, porquanto a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC e no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, mas também a falta de exame crítico da prova, requisito igualmente exigido no artigo 607.º, n.º 4, do CPC (cfr.Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág. 358; ac.S.T.A-2ª.Secção, 12/2/2003, rec.1850/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/11/2015, proc.8773/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.6439/13).

A fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, quando a mesma se mostre necessária, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro.

Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa.

Sucede que, como vem sendo uniformemente entendido, a nulidade em causa apenas opera quando a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.

Descendo ao caso em análise, temos que a sentença recorrida omite qualquer referência a factos não provados, sequer para afirmar, sendo caso disso, que, com relevância para a decisão a proferir, os mesmos não existiam.

Por outro lado, a sentença recorrida também omite totalmente a indicação dos factos julgados provados com base na prova testemunhal, bem como a identificação dos concretos depoimentos que relevaram para a formação da convicção do juiz relativamente a cada um desses factos. E, assim sendo, também temos de conceder que a sentença recorrida não contém a apreciação crítica da prova que lhe é exigível.

E, no caso vertente, tal apreciação crítica era necessária, dado que a Fazenda Pública recorre igualmente do julgamento da matéria de facto, especificamente quanto aos pontos LL) e RR) do probatório, sendo que nem toda a matéria neles vertida resulta dos documentos juntos aos autos. Assim, devendo admitir-se que parte daqueles factos resulta da prova testemunhal produzida, impera conhecer quais os depoimentos com base nos quais a Meritíssima Juiza a quo formulou a sua convicção, sabendo-se (somente) que esta “resulta de um juízo sobre os documentos juntos, principalmente, e dos depoimentos das testemunhas ouvidas, credíveis, apesar do entusiasmo que puseram no depoimento”.

Temos, então, que a apontada omissão de apreciação crítica da prova testemunhal impede a reapreciação da matéria de facto em 2.ª instância (a qual seria necesária para apreciar o recurso da Fazenda Pública quanto ao erro de julgamento de facto), sendo certo que, aqui, não há que fazer novo julgamento de facto.

Concluímos, pois, que a sentença recorrida enferma da nulidade agora analisada, a qual determina a declaração da sua nulidade, na parte em que vem recorrida pela Fazenda Pública, devendo os autos baixar à 1.ª instância para ser proferida nova decisão (quanto à questão da variação patromonial positiva decorrente do alegado perdão de dívida), isenta dos apontados vícios, se a tanto nada obstar.

Esta declaração de nulidade é apenas parcial porquanto o vício que a determina em nada afeta a parte da sentença não recorrida pela Fazenda Pública, cujo julgamento assentou em prova documental, para a qual não se justificava uma apreciação crítica da prova, tendo em conta o seu valor objetivo.

Isto posto, deve ser provido o recurso interposto pela Fazenda Pública, restando prejudicado o conhecimento dos demais vícios por ela imputados à sentença recorrida.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em:
1 - negar provimento ao recurso da Impugnante, mantendo a sentença recorrida, nesta parte;
2 – conceder provimento ao recurso da Fazenda Pública, declarando a nulidade parcial da sentença, conforme supra exposto, e ordenando a baixa dos autos à 1.ª instância para prolação de nova decisão, se a tanto nada obstar.
*
Custas a cargo da Impugnante, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, quanto a ambos os recursos.
*
Porto, 13 de maio de 2021

Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Ana Patrocínio - 2.ª Adjunta