Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01369/10.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/12/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
NULIDADE DA SENTENÇA.
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO.
NOTIFICAÇÃO PARA PAGAMENTO.
PRAZO DE PAGAMENTO.
EFICÁCIA DA NOTIFICAÇÃO.
NOTIFICAÇÃO POSTAL.
CARTA REGISTADA.
FORMALIDADE AD PROBATIONEM.
ÓNUS DA PROVA.
REGISTO INFORMÁTICO.
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO.
DÉFICE INSTRUTÓRIO.
Sumário:I) Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
II) A notificação da nota de cobrança e para pagamento efectuada em momento anterior ao da notificação da liquidação é ineficaz e daí que não produza qualquer efeito em relação ao contribuinte.
III) Nessa medida, nada legitima a AF a considerar que a partir da notificação da liquidação, a situação estaria sanada em função de os prazos em causa serem como que compatíveis, não resultando daqui qualquer prejuízo para a recorrente.
IV) Nesta situação, tem de entender-se que à recorrente não foi concedido um prazo para pagamento voluntário da dívida, facto este que determina a ilegalidade da instauração da execução por incumprimento do disposto nos artigos 84º, 85º e “maxime” 88º do CPPT, sendo que a dívida exequenda apenas coercivamente não seria exigível, o que configura o fundamento de oposição fiscal previsto na alínea i), do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
V) É a administração tributária que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.
VI) O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n°s 2 e 4 do artigo 28° do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário.
VII) - Trata-se, porém, de uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.
VIII) - O registo informático dos mesmos dados de facto existente em entidades diferentes, o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da carta (CTT), é uma circunstância concreta que, num sistema de livre apreciação das provas, ainda que limitado pelo principio da persuasão racional, justifica suficientemente que se dê como provado que o registo foi efectivamente realizado.
IX) Com este pano de fundo, tal discussão apenas pode ter sentido útil na presença de tais elementos, de modo que, se o presente processo não exibe qualquer matéria relacionada com o site dos CTT, mas constam dos autos todo o conjunto de elementos vertidos nas informações da AT, sendo ponto assente que as liquidações foram remetidas para a morada da devedora originária através dos registos apontados, constando também agora dos autos cópia das guias de expedição de Registos, o que significa que tem de entender-se que a matéria relacionada com a sorte dos registos postais descritos nos autos e bem assim a correspondência entre as liquidações descritas e os correspondentes registos não está suficientemente esclarecida quer em relação ao alcance que a decisão recorrida lhe confere quer no que diz respeito à pertinência da crítica formulada pela Recorrente neste âmbito, sem olvidar neste âmbito a situação do referido Processo de Inquérito n.º 201/02.7IDVCT.
X) Nestas condições, cabe concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa e no âmbito dos poderes consignados nos art. 13º do CPPT e 99º da LGT competia ao Juiz realizar as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer da oposição. Não o tendo feito, verifica-se insuficiência de instrução determinante de anulação da decisão tal como se prevê no art. 712 do CPC (actual art. 662º).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Sociedade Turística..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“Sociedade Turística…, Lda.” e o Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificados nos autos, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 31-05-2012, na parte em que lhes é desfavorável, que julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida pela sociedade acima referida, na presente instância de OPOSIÇÃO, anulando a liquidação relativa a IRS 2005 (juros compensatórios) no valor de 459,24€ e improcedente na parte restante, relacionada com a execução fiscal contra si instaurada pelo Serviço de Finanças da Povoa de Varzim, por dívidas de IRS (Juros Compensatórios) relativos ao ano de 2005 e IRC relativo ao ano de 2006, no valor total de 25.448,67€.

Formula a “Sociedade Turística…, Lda.” nas respectivas alegações (cfr. fls. 112-116), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(...)
1ª A douta sentença recorrida padece do vício de omissão de pronúncia.
2ª A oponente invocou na sua p.i. a inexequibilidade do título executivo. Contudo, a douta sentença é completamente omissa quanto a essa questão.
3ª A norma do art.º 660º/nº 2 do CPC, aplicável ao processo judicial tributário ex vi do art.º 2º/ al. e) do CPPT, impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões submetidas pelas partes à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras.
4ª A omissão de pronúncia em processo tributário gera a nulidade da sentença, nos termos do art.º 125/nº 1 do CPPT, conjugado com o art.º 668º/nº 1 – al. d) do CPC.
5ª A matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo está incompleta, devendo aditar-se à mesma os seguintes factos:
Ø E) A oponente foi notificada da nota de cobrança, para pagamento do IRC de 2006, em 11.01.2010
6ª Como é sabido, é a nota de cobrança que fixa o prazo de pagamento voluntário, fixando ao sujeito passivo a data limite de pagamento.
7ª Findo o prazo de pagamento voluntário, o serviço competente emite a competente certidão de dívida, que constitui título executivo para instauração da competente execução fiscal, como se extrai dos artºs 88º e 162º/ al. a), do CPPT.
8ª Como se verifica da matéria de facto dada como provada, a nota de cobrança com base na qual foi emitida a certidão de dívidas que, por sua vez, serviu de base à execução posta em crise pela oponente, foi notificada ao sujeito passivo antes na notificação da respectiva liquidação.
9ª De acordo com a doutrina constante do Ac. do STA de 16.12.2009, Procº nº 0747/09, disponível em WWW.dgsi.pt, que aqui sufragamos, com a devida vénia, naquelas circunstâncias, a nota de cobrança é ineficaz em relação ao notificando.
10ª E, se é ineficaz, isso quer dizer que não produz os efeitos que visa produzir. Logo, não pode servir de base à emissão da certidão de dívidas, que, assim, não vale título. E, neste caso, se tal certidão de dívidas não vale título falece-lhe a necessária força executiva - é inexequível, o que significa que a execução instaurada com base nela é uma execução sem título.
11ª Por força do art.º 45º do CPC toda a execução terá por base um título executivo.
12ª Logo, a execução objecto da presente oposição é ilegal. Deve ser extinta.
13ª Violou a douta sentença recorrida as normas dos artºs 660/nº 2 e 45º, ambos do CPC e artºs 88º 1 62º/al. a) ambos do CPPT.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a douta sentença e substituindo-a por outra que julgue a execução extinta.”

Por seu lado, a Fazenda Pública, nas respectivas alegações (cfr. fls. 120-144) apresenta as seguintes conclusões que se reproduzem:
“…
A. A douta sentença de que se recorre julgou parcialmente procedente a presente oposição, anulando a liquidação relativa a IRS de 2005 (juros compensatórios), no valor de € 459,24, por falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação, por considerar que, “relativamente ao IRS de 2005, não se pode concluir da factualidade apurada qual a data da notificação da liquidação, apenas consta dos autos a data da sua emissão”.
B. Para tal decisão, “A convicção do Tribunal alicerçou-se na consideração dos factos provados no teor dos documentos constantes dos presentes autos, que não foram impugnados.”
C. Do probatório consta que “Apesar de constar dos autos a data de emissão da nota de liquidação relativa ao IRS de 2005, cf. fls. 62 verso, não se mostra provado qual a data de entrega ou recepção desta pelo destinatário e aqui oponente.”
D. Com o assim decidido relativamente à liquidação de Juros Compensatórios de IRS referentes a 2005 não se conforma a Fazenda Pública, por existir erro de julgamento, tanto sobre os pressupostos de direito, como sobre os pressupostos de facto, já que a douta sentença valorou erradamente a prova produzida e as normas legais que lhe estão subjacentes.
E. A oposição deduzida fundamenta-se na falta da notificação da liquidação dos tributos no prazo de caducidade (“as liquidações não foram validamente notificadas à oponente dentro do prazo de caducidade”).
F. As certidões de dívida foram extraídas por falta de pagamento voluntário, dentro do prazo previsto na lei tributária, de dívidas apuradas no decurso de acção Inspectiva realizada pela Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo, credenciada pelas Ordens de Serviço n.º 01200900380/2/3/5/6, acção inspectiva essa iniciada em 2009.06.23 e concluída em 2009.11.16, e que teve origem no Processo de Inquérito n.º 201/02.7IDVCT, instaurado por indícios de irregularidades fiscais, mais concretamente, fraude fiscal.
G. Tratando-se de factos relativamente aos quais foi instaurado Inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 do art.º 45º da LGT é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, conforme dispõe o n.º 5 do mesmo artigo, na redacção dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, aplicável a prazos de caducidade em curso à data de entrada em vigor daquela lei - conforme dispõe o n.º 2 do art.º 57. ° daquela Lei.
H. Consta dos autos que os Serviços do Ministério Público junto Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim informaram telefonicamente o Serviço de Finanças de Póvoa de Varzim de que o referido Processo de Inquérito n.º 201/02.7IDVCT se encontrava em curso, ainda, em Abril de 2010, tornando óbvio não ter ocorrido a julgada falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação.
I. Esta matéria não vem contraditada, devendo ter-se como provada e, ainda que assim não fosse, o Tribunal a quo tinha o dever de diligenciar junto das entidades competentes a confirmação de tais alegações da Fazenda Pública em sede de Contestação, dado que a matéria de facto fixada em 1ª instância tem obrigatoriamente que conter todos os factos pertinentes para a decisão de mérito a proferir que tenham sido alegados pelas partes.
J. Mas, mais: a oponente foi notificada até 2009-12-31 da demonstração da liquidação de Juros Compensatórios de IRS - Retenção na Fonte por atribuição de Rendimentos de Capitais -, respeitante ao ano de 2005, emitida pelos Serviços Centrais da DGCI, agora AT.
K. Efectivamente, consultado o registo electrónico de Citações e Notificações – cfr documento constante dos autos, não impugnado, demonstrativo dos dados de emissão da liquidação, junto à informação do SF de 2010-04-29, e conforme documento nº 3 anexo à PI -, ficou provado que o sujeito passivo foi notificado da demonstração da liquidação de Juros Compensatórios de IRS (Retenção na Fonte por atribuição de Rendimentos de Capitais), respeitante ao ano de 2005, por carta registada de 2009-12-28 – com registo dos CTT nº RY492524974PT de 2009-12-28,
L. pelo que, por aplicação do nº 6 do art. 45º da LGT, a notificação foi feita dentro do prazo de caducidade da liquidação, em 2009-12-31.
M. Não ficou por forma alguma provado que a liquidação de Juros Compensatórios de IRS respeitante ao ano de 2005 tenha ocorrido noutra data que não defendida pela Fazenda Pública; não vem de todo demonstrado pela oponente que a notificação da liquidação respeitante a JC de IRS 2005 ocorreu noutra data.
N. Pelo contrário: consta do probatório assente que “Apesar de constar dos autos a data de emissão da nota de liquidação relativa ao IRS de 2005, cf. fls. 62 verso, não se mostra provado qual a data de entrega ou recepção desta pelo destinatário e aqui oponente”.
O. E da fundamentação de direito da sentença recorrida consta ainda que “Já relativamente ao IRS de 2005, não se pode concluir da factualidade apurada qual a data da notificação da liquidação, apenas consta dos autos a data da sua emissão”.
P. Essa data de emissão, como ficou provado nos autos, foi 2009-12-28, por carta registada com registo dos CTT nº RY492524974PT de 2009-12-28, pelo que, por aplicação do nº 6 do art. 45º da LGT, a notificação concretizou-se em 2009-12-31, dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação.
Q. No presente caso, tem aplicação cabal a presunção legal constante do nº 6 do art.º 45º da LGT, considerando-se a liquidação em causa válida e perfeitamente notificada em 2009-12-31, antes do término do prazo de caducidade do direito à liquidação dos Juros Compensatórios de IRS (Retenção na Fonte por atribuição de Rendimentos de Capitais), respeitante ao ano de 2005.
R. Nesta conformidade, fez a douta sentença errada interpretação da prova e dos factos, e, consequentemente, errada subsunção dos factos ao direito, pelo que deverá a mesma ser anulada e proferido acórdão que considere totalmente improcedente a presente oposição.
S. A douta sentença, violou o disposto nos nº 5 e 6 do art.º 45º da LGT.”

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 163 a 167 dos autos, no sentido da procedência apenas do recurso da Fazenda Pública.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se indagar da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia e ainda analisar, no caso concreto, a notificação ou não das liquidações que deram causa às dívidas exequendas.
3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A). Em consequência de uma Inspecção Tributária realizada à Sociedade Turística…, Lda., foi elaborado um Relatório, datado de 09/12/2009, que resultou em correcções aritméticas á sua matéria colectável, cf. fls. 20 a 59 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
B). A Inspecção Tributária supra referida iniciou as suas diligências em 23/06/2009 e terminou em 16/11/2009, cf. fls. 22 verso dos autos.
C). Em 22/12/2009 a oponente foi notificada do resultado da Inspecção Tributária e das correcções meramente aritméticas efectuadas e respectivos fundamentos, cf. fls. 60 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
D) Em resultado das correcções efectuadas na inspecção identificada em A) a oponente foi notificada da liquidação de IRC relativos ao ano 2006 em 21/01/2010, cf. fls. 13 e 14 dos autos.
A convicção do Tribunal alicerçou-se na consideração dos factos provados no teor dos documentos constantes dos presentes autos, que não foram impugnados. A data da notificação da liquidação de IRC aqui em causa, consta da PI. e de documentos trazidos aos autos pela própria oponente.
Apesar de constar dos autos a data de emissão da nota de liquidação relativa ao IRS de 2005, cf. fls. 62 verso, não se mostra provado qual a data de entrega ou recepção desta pelo destinatário e aqui oponente.”
Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil (actual art. 662º), adita-se ao probatório o seguinte:
E). A liquidação respeitante a IRS (Juros Compensatórios) referente ao ano de 2005 foi remetidas para o domicílio fiscal da ora Recorrente “Sociedade Turística ..., Lda.”, com prazo limite de pagamento voluntário em 03/02/2010, por carta sob o registos: RY492524974PT (fls. 10 dos presentes autos).
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se indagar da existência de suporte legal para aos valores reclamados em sede executiva, defendendo a Oponente que a dívida exequenda caducou, uma vez que as respectivas liquidações não foram validamente notificadas à oponente dentro do prazo de caducidade, não podendo, por isso, ser exigida coercivamente em processo de execução fiscal, por ser inexequível, o que constitui fundamento da oposição nos termos da al. e) do nº 1 do art. 204º do CPPT.

Na sentença recorrida, foi ponderado que:
“…
Analisada a petição inicial, verifica-se que a oponente põe em causa a eficácia da notificação da liquidação, isto é, sustenta que foi notificada da nota de cobrança antes da notificação da liquidação o que torna ambas as notificações ineficazes.
Posto isto, vejamos:
«Diz-se notificação o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo», prescreve o art. 35° n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, doravante C.P.P.T.
Por outro lado, o art. 36° n.º 1 do CPT sanciona com a não produção de efeitos duma notificação que não seja válida, isto é, que não obedeça aos requisitos estipulados legalmente.
No mesmo sentido dispõe o art. 77º n.º 6 da Lei Geral Tributária, doravante LGT.
Ora, não produzir efeitos é o mesmo que o acto não ter existido, impondo-se a sua repetição de acordo com os ditames legais.
Neste sentido, a existência de um qualquer vício anula o acto de notificação.
Nos termos do art. 45º n.º 1 da LGT, “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, quando a lei não fixar outro.”
Atendendo a que o CIRC e o CIRS não determinam outro prazo especial para a notificação da liquidação aplica-se o prazo geral de 4 anos previsto na norma citada.
No presente caso verifica-se que os Juros compensatórios de IRS se reportam ao ano 2005 e o IRC se reporta ao ano de 2006 pelo que, de acordo com os normativos citados, quer a liquidação adicional quer a respectiva notificação, haveriam que ser efectuadas até 31/01/2009 relativamente ao Juros Compensatórios de IRS de 2005, e 31/10/2010 relativamente ao IRC de 2006.
Ora, como resulta da factualidade apurada a notificação da liquidação adicional de IRC de 2006, que resultou das correcções aritméticas em consequência da Inspecção Tributária efectuada ao contribuinte, ocorreu em 21/01/2010.
Já relativamente ao IRS de 2005, não se pode concluir da factualidade apurada qual a data da notificação da liquidação, apenas consta dos autos a data da sua emissão.
Assim sendo, fácil é concluir que apenas a liquidação adicional de IRC foi notificada à oponente no prazo de caducidade.
Apesar da oponente alegar que foi notificado da nota de cobrança recebida antes da notificação da liquidação o que torna ambas notificações ineficazes, não lhe assiste razão, senão vejamos o que diz o douto Acórdão citado pelo próprio oponente:
“I - A notificação da nota de cobrança e para pagamento efectuada em momento anterior ao da notificação da liquidação é ineficaz e daí que não produza qualquer efeito em relação ao contribuinte.
II - Em tais circunstâncias, nada legitima a AF a considerar que a partir da notificação da liquidação passaria a correr um novo prazo para o pagamento do imposto, na ausência de nova notificação para pagamento.”
O que resulta claro do Acórdão é que, a notificação da liquidação com um prazo limite de pagamento torna ineficaz qualquer notificação da nota de cobrança feita anteriormente, mas ao contrário do alegado, não torna ineficazes ambas as notificações. …”.

Nesta sequência, e começando pelo recurso interposto pela oponente, diga-se que nas suas alegações, a Recorrente “Sociedade Turística ..., Lda.” defende, desde logo, que a douta sentença recorrida padece do vício de omissão de pronúncia, pois que invocou na sua p.i. a inexequibilidade do título executivo. Contudo, a douta sentença é completamente omissa quanto a essa questão e a norma do art.º 660º/nº 2 do CPC, aplicável ao processo judicial tributário ex vi do art.º 2º/ al. e) do CPPT, impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões submetidas pelas partes à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo que a omissão de pronúncia em processo tributário gera a nulidade da sentença, nos termos do art.º 125/nº 1 do CPPT, conjugado com o art.º 668º/nº 1 - al. d) do CPC.
Segundo o disposto no artigo 125º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
A partir daqui, é manifesto que o Recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade da sentença, dado que, a questão nuclear apontada foi apreciada na decisão posta em crise, na medida em que, em sede de conclusão, a mesma afirma que “a notificação da liquidação com um prazo limite de pagamento torna ineficaz qualquer notificação da nota de cobrança feita anteriormente, mas ao contrário do alegado, não torna ineficazes ambas as notificações, não tendo qualquer sentido a apresentação desta questão enquanto fundamento de nulidade da sentença neste domínio, até porque é a própria Recorrente “Sociedade Turística ..., Lda.” que aponta que “a dívida exequenda caducou, uma vez que as respectivas liquidações não foram validamente notificadas à oponente dentro do prazo de caducidade, não podendo, por isso, ser exigida coercivamente em processo de execução fiscal, por ser inexequível”, além de que na decisão recorrida foi elencada a realidade de facto que esteve na base da decisão, a qual foi enquadrada em termos que permitiram à ora Recorrente “Sociedade Turística ..., Lda.” apreender tal situação, tal como o presente recurso bem evidencia.

A Recorrente “Sociedade Turística ..., Lda.” refere depois que a matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo está incompleta, devendo aditar-se à mesma os seguintes factos:
Ø E) A oponente foi notificada da nota de cobrança, para pagamento do IRC de 2006, em 11.01.2010.
Ora, constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Na óptica da recorrente “Sociedade Turística ..., Lda.” deve ser aditado o facto acima apontado, sendo que por constarem dos autos todos os elementos que permitem a este tribunal reapreciar a matéria de facto, decide-se, ao abrigo do artigo 712º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º c) do CPPT, aditar ao probatório a seguinte factualidade:
F) A oponente foi notificada da nota de cobrança, para pagamento do IRC de 2006, em 11.01.2010, cuja data limite de pagamento voluntário era o dia 15/02/2010.

Nesta sequência, a Recorrente “Sociedade Turística ..., Lda.” aponta que é a nota de cobrança que fixa o prazo de pagamento voluntário, fixando ao sujeito passivo a data limite de pagamento e findo o prazo de pagamento voluntário, o serviço competente emite a competente certidão de dívida, que constitui título executivo para instauração da competente execução fiscal, como se extrai dos artºs 88º e 162º/ al. a), do CPPT, sendo que, como se verifica da matéria de facto dada como provada, a nota de cobrança com base na qual foi emitida a certidão de dívidas que, por sua vez, serviu de base à execução posta em crise pela oponente, foi notificada ao sujeito passivo antes na notificação da respectiva liquidação e de acordo com a doutrina constante do Ac. do STA de 16.12.2009, Procº nº 0747/09, disponível em www.dgsi.pt, que aqui sufragamos, com a devida vénia, naquelas circunstâncias, a nota de cobrança é ineficaz em relação ao notificando e, se é ineficaz, isso quer dizer que não produz os efeitos que visa produzir. Logo, não pode servir de base à emissão da certidão de dívidas, que, assim, não vale título. E, neste caso, se tal certidão de dívidas não vale título falece-lhe a necessária força executiva - é inexequível, o que significa que a execução instaurada com base nela é uma execução sem título.

Neste domínio, cabe ter presente que as liquidações, como qualquer outro acto em matéria tributária que afectem direitos ou interesses dos contribuintes, só produzem efeitos a partir da respectiva notificação ( artigos 77º nº 6 da L.G.T. e 36º nº 1 do C.P.P.T.), o que significa que, no caso em apreço, a notificação da nota de cobrança e fixação de data limite para pagamento ocorrida em 21-01-2010 ( al. D) do probatório), em momento anterior à notificação da liquidação, é de todo ineficaz em relação à ora recorrente.

O mesmo é dizer que para nada pode relevar essa notificação.

Sendo assim, como se refere no Ac. do T.C.A. Sul de 07-02-2012 Em que o Relator é o mesmo deste processo, Proc. nº 04947/11, www.dgsi.pt, “…. com a notificação da liquidação, ou em momento posterior, a AF teria necessariamente de proceder a nova notificação da recorrente para pagar o imposto em causa e os juros devidos, notificação essa que desta feita seria eficaz e na observância do disposto no nº 1 do artigo 102º do CIRC.

Não o tendo feito, nada legitimava a AF a considerar que a partir da notificação da liquidação, a situação estaria sanada em função de os prazos em causa serem como que compatíveis, não resultando daqui qualquer prejuízo para a recorrente.

Pois bem, nesta matéria, não pode considerar-se que estão salvaguardados os direitos de defesa da recorrente ao permitir-se a extracção de uma certidão de dívida e posterior instauração de uma execução fiscal sem que em momento prévio tenha sido eficazmente notificada para efectuar o pagamento do imposto liquidado e respectivos juros (cfr. artigos 88º e 163º do CPPT).
Deste modo, assiste razão à recorrente quando sustenta que não foi ainda validamente notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 102º/1/2 do CIRC, da liquidação e da obrigação de proceder ao pagamento voluntário em prazo legal da importância de IRC que lhe foi liquidada, sendo que com a notificação da liquidação (ou depois, mas nunca antes) tinha (e tem) de lhe ser fixado um prazo de 30 dias para eventual pagamento voluntário, e, também só pode contar-se o prazo ou prazos para a oponente poder reagir (reclamando ou impugnando) contra o acto tributário a partir do termo desse prazo para pagamento voluntário.

Assim, e na medida em que a notificação que lhe foi efectuada para tal fim não lhe era oponível, importa, pois, concluir, tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 16-12-2009, Proc. nº 0747/09, www.dgsi.pt, que à recorrente não foi concedido um prazo para pagamento voluntário da dívida, facto este que determina a ilegalidade da instauração da execução por incumprimento do disposto nos artigos 84º, 85º e “maxime” 88º do CPPT, sendo que a dívida exequenda apenas coercivamente não seria exigível, o que configura o fundamento de oposição fiscal previsto na alínea i), do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, …”.

Nesta medida, e não existindo qualquer motivo para alterar a posição assumida, a questão não está no facto de ter sido efectuada a notificação da liquidação, mas sim, no facto de essa notificação não contemplar qualquer prazo para eventual pagamento voluntário, situação que compromete a posição da AR e confere total virtualidade ao exposto pela Recorrente “Sociedade Turística ..., Lda.”, o que significa que não pode concluir-se como decidido, havendo que revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição deduzida e extinta a execução instaurada com vista à cobrança coerciva de IRC do ano de 2006 em causa nestes autos.


Por seu lado, a Recorrente Fazenda Pública pretende discutir a decisão recorrida na parte em que julgou parcialmente procedente a presente oposição, anulando a liquidação relativa a IRS de 2005 (juros compensatórios), no valor de € 459,24, por falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação, por considerar que, “relativamente ao IRS de 2005, não se pode concluir da factualidade apurada qual a data da notificação da liquidação, apenas consta dos autos a data da sua emissão”.
Para o efeito, refere que as certidões de dívida foram extraídas por falta de pagamento voluntário, dentro do prazo previsto na lei tributária, de dívidas apuradas no decurso de acção Inspectiva realizada pela Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo, credenciada pelas Ordens de Serviço n.º 01200900380/2/3/5/6, acção inspectiva essa iniciada em 2009.06.23 e concluída em 2009.11.16, e que teve origem no Processo de Inquérito n.º 201/02.7IDVCT, instaurado por indícios de irregularidades fiscais, mais concretamente, fraude fiscal, sendo que tratando-se de factos relativamente aos quais foi instaurado Inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 do art.º 45º da LGT é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, conforme dispõe o n.º 5 do mesmo artigo, na redacção dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, aplicável a prazos de caducidade em curso à data de entrada em vigor daquela lei - conforme dispõe o n.º 2 do art.º 57.º daquela Lei e consta dos autos que os Serviços do Ministério Público junto Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim informaram telefonicamente o Serviço de Finanças de Póvoa de Varzim de que o referido Processo de Inquérito n.º 201/02.7IDVCT se encontrava em curso, ainda, em Abril de 2010, tornando óbvio não ter ocorrido a julgada falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação, até porque esta matéria não vem contraditada, devendo ter-se como provada e, ainda que assim não fosse, o Tribunal a quo tinha o dever de diligenciar junto das entidades competentes a confirmação de tais alegações da Fazenda Pública em sede de Contestação, dado que a matéria de facto fixada em 1ª instância tem obrigatoriamente que conter todos os factos pertinentes para a decisão de mérito a proferir que tenham sido alegados pelas partes.
Mas, mais: a oponente foi notificada até 2009-12-31 da demonstração da liquidação de Juros Compensatórios de IRS - Retenção na Fonte por atribuição de Rendimentos de Capitais -, respeitante ao ano de 2005, emitida pelos Serviços Centrais da DGCI, agora AT, pois que, consultado o registo electrónico de Citações e Notificações – cfr documento constante dos autos, não impugnado, demonstrativo dos dados de emissão da liquidação, junto à informação do SF de 2010-04-29, e conforme documento nº 3 anexo à PI -, ficou provado que o sujeito passivo foi notificado da demonstração da liquidação de Juros Compensatórios de IRS (Retenção na Fonte por atribuição de Rendimentos de Capitais), respeitante ao ano de 2005, por carta registada de 2009-12-28 – com registo dos CTT nº RY492524974PT de 2009-12-28, pelo que, por aplicação do nº 6 do art. 45º da LGT, a notificação foi feita dentro do prazo de caducidade da liquidação, em 2009-12-31 e não ficou por forma alguma provado que a liquidação de Juros Compensatórios de IRS respeitante ao ano de 2005 tenha ocorrido noutra data que não defendida pela Fazenda Pública; não vem de todo demonstrado pela oponente que a notificação da liquidação respeitante a JC de IRS 2005 ocorreu noutra data.
Pelo contrário: consta do probatório assente que “Apesar de constar dos autos a data de emissão da nota de liquidação relativa ao IRS de 2005, cf. fls. 62 verso, não se mostra provado qual a data de entrega ou recepção desta pelo destinatário e aqui oponente” e da fundamentação de direito da sentença recorrida consta ainda que “Já relativamente ao IRS de 2005, não se pode concluir da factualidade apurada qual a data da notificação da liquidação, apenas consta dos autos a data da sua emissão”, sendo que essa data de emissão, como ficou provado nos autos, foi 2009-12-28, por carta registada com registo dos CTT nº RY492524974PT de 2009-12-28, pelo que, por aplicação do nº 6 do art. 45º da LGT, a notificação concretizou-se em 2009-12-31, dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação, na medida em que, no presente caso, tem aplicação cabal a presunção legal constante do nº 6 do art.º 45º da LGT, considerando-se a liquidação em causa válida e perfeitamente notificada em 2009-12-31, antes do término do prazo de caducidade do direito à liquidação dos Juros Compensatórios de IRS (Retenção na Fonte por atribuição de Rendimentos de Capitais), respeitante ao ano de 2005.
Nesta conformidade, fez a douta sentença errada interpretação da prova e dos factos, e, consequentemente, errada subsunção dos factos ao direito, pelo que deverá a mesma ser anulada e proferido acórdão que considere totalmente improcedente a presente oposição.

Que dizer?
Sem prejuízo de se reconhecer a bondade do exposto pela Recorrente Fazenda Pública no que concerne ao enquadramento da matéria em apreço em função das vicissitudes relacionadas com o processo de inquérito, as quais poderão ainda ser melhor documentadas nos autos, aplicação da presunção legal constante do nº 6 do art.º 45º da LGT, considerando-se a liquidação em causa válida e perfeitamente notificada em 2009-12-31, depende de a notificação ter sido entregue ao destinatário, sendo este o elemento que a decisão recorrida relevou para desconsiderar tal elemento.
Neste domínio, cabe ter presente o exposto no Ac. do T.C.A. Sul de 10-07-2012, Proc. nº 05672-12 Em que o Relator neste processo é o mesmo, ao que se crê ainda inédito, onde se apontou que:
“…
Sobre a matéria essencial que envolve os autos, crê-se pertinente aludir ao recente Ac. do S.T.A. de 16-05-2012, Proc. nº 01181/11, www.dgsi.pt, que analisa todo o percurso relativo à matéria que também interessa para estes autos, onde se aponta que:
“A questão jurídica a resolver consiste, pois, em determinar se o registo postal da carta que contém a notificação do imposto apenas pode ser provado pelo recibo emitido e entregue ao remetente pelos CTT ou também pode ser demonstrado por outros meios de prova, designadamente os registos informáticos da emissão, distribuição e entrega daquela correspondência existentes nos respectivos serviços.
Tem-se presente que a notificação é um acto independente e com vida própria relativamente ao acto a notificar. Todo o acto tributário necessita de ser notificado para produzir plenos efeitos na esfera jurídica do destinatário, erigindo-se a notificação em corolário da eficácia do acto (cfr. nº 6 do art. 77° da LGT e nº 1 do art. 36º do CPPT). O acto que se notifica deve cumprir determinados requisitos legais para ser válido, mas esses requisitos não dão eficácia ao acto notificado. A eficácia produz-se mediante a notificação, através da qual se dá a conhecer aos interessados os actos que os afectam. A separação nítida entre acto notificado – o que deve cumprir os requisitos de legalidade para ser válido – e acto de notificação, o veículo que dá a conhecer o acto notificado, significa que ambos tomam caminhos jurídicos diversos quanto à sua configuração e respectivo regime jurídico.
Deste modo, podemos assinalar às notificações tributárias algumas características básicas que as distinguem no universo dos demais actos jurídicos: (1) é um acto independente do acto que notifica, ainda que praticado em função dele; (ii) é um acto externo de comunicação, uma vez que põe em relação a administração tributária com o contribuinte; (iii) é um acto expresso, com destinatário perfeitamente individualizado; (iv) é um acto de trâmite, mas que se efectua no âmbito de um (sub)procedimento autónomo; (v) é um acto documental, uma vez que se realiza de forma a colocar o acto tributário na esfera de perceptibilidade do seu destinatário; (vi) é um acto regulado por normas de procedimento, que fixam os requisitos formais da sua produção; (vii) e é um acto que se produz de modo oficial e oficioso.
O facto da notificação corresponder ao exercício de uma actividade documentada, em virtude da qual se comunica oficiosamente ao interessado um determinado acto tributário e que lhe dá a eficácia desejada, tem como consequência que a prova da sua existência pertence à Administração. É a administração tributária quem toma a iniciativa de dirigir a notificação ao contribuinte e por isso é ela quem tem o ónus de demonstrar que o fez de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.
No caso dos autos, a notificação respeita a liquidações adicionais do IVA apuradas na sequência de inspecção tributária, onde a recorrente exerceu o direito de audição. O artigo 92º do CIVA estabelece que a notificação dessas liquidações é feita nos termos do CPPT. Por sua vez, o nº 3 do artigo 38º do CPPT prescreve que as liquidações que resultem de «correcção à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada».
O procedimento de notificação por carta registada, regulado nos artigos 35º a 39º do CPPT e no artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo DL nº 176/88 de 18/5, compreende os seguintes actos: (i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo.
Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade.
O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos nºs 2 e 4 do artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi remetida e colocada ao alcance do destinatário. Para a administração tributária é suficiente exibir o recibo da apresentação em mão da carta expedida sob registo, pois, não tendo sido devolvida a carta, o nº 1 do artigo 39º do CPPT presume que a notificação se efectuou no 3º dia posterior ao registo. Porque a comunicação é efectuada através dos serviços postais, que podem levar algum tempo a colocar a carta em condições do destinatário ter possibilidade de conhecer a sua existência, através de uma regra de experiência (id quod plerumque accidit), a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil.
Deste modo, o registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando. Mas a «presunção» que tem por base o registo postal, não existe se o registo não for feito.
No caso concreto, a recorrida Fazenda Pública não juntou aos autos o recibo da expedição da carta sob registo. Perante essa omissão, a recorrente conclui que não está provado o dia em que foi efectuado o registo postal da notificação, o que é impeditivo do funcionamento da presunção do nº 1 do artigo 39º do CPPT. A tese da recorrente parece ser no sentido de que o recibo de apresentação da carta é único meio de prova de que a mesma foi expedida sob registo, não admitindo que os “prints internos” da administração fiscal e dos CTT sejam documentos idóneos para provar que o registo foi feito.
Não se dúvida que o recibo da apresentação da carta nos serviços de correio é de grande importância probatória do registo postal e por isso mesmo pode questionar-se se o recibo tem preponderância absoluta como meio de prova ou se é possível prová-lo por outros meios.
O registo postal, com ou sem aviso de recepção, apenas se justifica por uma questão de segurança probatória. É uma formalidade que a lei prevê para melhor garantir a certeza jurídica da cognoscibilidade do acto notificado, evitando o risco de se invocar a falta de notificação. E resulta claramente do artigo 28º do RSPC que a finalidade tida em vista ao se exigir o recibo foi apenas a de obter prova segura acerca do registo e não qualquer outra finalidade. Assim sendo, e aplicando o critério do nº 2 do artigo 364º do Código Civil, deve considerar-se o recibo do registo da carta como uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova. …
Do confronto entre os dois registos pode concluir-se, com elevado grau de probabilidade, que as notificações das liquidações foram remetidas à recorrente através de registo postal. A circunstância de constar nos registos informáticos de entidades diferentes os mesmos números de registo das notificações, a mesma indicação de que foi conseguida a entrega das cartas e as mesmas datas, segundo as regras da lógica e da experiência, que nos indicam não ser credível uma hipotética combinação entre ambas as entidades, pode considerar-se prova bastante, ainda que seja por meio de presunção judicial, de que o registo das cartas ocorreu efectivamente …”.

Com este pano de fundo, tal discussão apenas pode ter sentido útil na presença de tais elementos, sendo que o presente processo não exibe qualquer matéria relacionada com o site dos CTT, mas constam dos autos todo o conjunto de elementos vertidos nas informações da AT, sendo ponto assente que a liquidação de IRS foi remetida para a morada da Recorrente “Sociedade Turística ..., Lda.” através do registo apontado.
Ora, o art. 712.º do C. Proc. Civil (actual art. 662º), ao fixar perspectiva e orientação para o julgamento, por parte do tribunal de recurso, da decisão proferida em 1.ª instância sobre a matéria de facto, prevê, no respectivo nº 4, a hipótese de esta ser anulada sempre que se “repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando (se) considere indispensável a ampliação desta”. Trata-se da conferência de uma faculdade processual, coberta pela força das decisões proferidas por tribunais de grau hierárquico superior, tendente a, por princípio, permitir buscar todos os dados factuais disponíveis, com potencial interesse e relevo para um julgamento o mais acertado possível das pretensões formuladas pelas partes numa concreta demanda judicial, que, no âmbito específico da jurisdição tributária, pressupõe particular enfoque e atenção, por virtude do privativo ónus que impende sobre os juízes dos tribunais tributários de realizar ou ordenar todas as diligências consideradas úteis ao apuramento da verdade material - cfr. arts. 13º n.º 1 CPPT e 99º nº 1 LGT. Não se olvide, ainda, que é no estabelecimento da matéria de facto relevante que o juiz exercita o núcleo, a excelência, do seu múnus, é nesse momento que tem de fazer jus à sua condição de julgador, que se lhe impõe o acertado e responsável exercício do poder de julgar, aqui ao serviço da melhor, mais justa e equitativa, apreensão e tradução da realidade, da verdade, dos factos, com relação aos quais importa, sequentemente, aplicar o direito, tarefa, sobretudo, de cariz e apuro técnico (acessível, pois, a qualquer cultor do direito), determinada, condicionada, pelo quadro factual previamente traçado.
A partir daqui, e perante o que ficou exposto, tem de entender-se que a matéria relacionada com a sorte dos registos postais descritos nos autos e bem assim a correspondência entre a liquidação descrita de IRS (Juros compensatórios) e o correspondente registo não está suficientemente esclarecida quer em relação ao alcance que a decisão recorrida lhe confere quer no que diz respeito à pertinência da crítica formulada pela Recorrente Fazenda Pública neste âmbito.
Nestas condições, cabe concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa, sem olvidar neste âmbito a situação do referido Processo de Inquérito n.º 201/02.7IDVCT.
E no âmbito dos poderes consignados nos art. 13º do CPPT e 99º da LGT competia ao Juiz realizar as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer da oposição. Não o tendo feito, verifica-se insuficiência de instrução determinante de anulação da decisão tal como se prevê no art. 712 do CPC (actual art. 662º).
Não se pode, pois, manter o decidido que terá que ser anulado volvendo os autos à 1ª instância para a realização das diligências tendentes a apurar da real situação relacionada com a sorte do registo postal descrito nos autos e bem assim a correspondência entre a liquidação apontada de IRS (Juros Compensatórios) e o aludido registo conforme já referido e, posteriormente, ser aí proferida decisão em face dos elementos de prova recolhidos, que deve passar também pela consideração, como se disse, da situação do referido Processo de Inquérito n.º 201/02.7IDVCT.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
a) conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente “Sociedade Turística ..., Lda.”, revogar a sentença recorrida e, nesta sequência, julgar parcialmente procedente a presente oposição à execução fiscal e, deste modo, extinta a execução no que concerne à dívida descrita nestes autos relativa a IRC.
b) conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente Fazenda Pública e anular parcialmente a sentença recorrida (na parte em que apreciou a matéria relacionada com a dívida emergente da liquidação relativa a IRS 2005 - juros compensatórios), devolvendo-se o processo ao Tribunal de 1ª instância para instrução e demais termos de acordo com o que fica exposto.
Custas com referência à matéria descrita em a) pela Recorrida apenas em 1ª Instância e na proporção do decaimento, não sendo devidas custas no mais.
Notifique-se. D.N..
Porto, 12 de Junho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo (“Vencido quanto à segunda parte do acórdão pelas razões que constam do Ac. STA nº0472/13 de 29/05/2013”)

Ass. Fernanda Esteves