Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:0192620.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/22/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:ACÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL; PROGRAMA DO PROCEDIMENTO; PODER DISCRICIONÁRIO; CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO;
PROPOSTA ECONOMICAMENTE MAIS FAVORÁVEL; FACTORES E SUBFACTORES; FÓRMULA DE CÁLCULO; NULIDADE DA SENTENÇA.
Sumário:1 - O poder discricionário das entidades que estão submetidas ao regime da contratação pública, traduzindo-se a final no poder de liberdade de escolha entre várias soluções administrativas possíveis para satisfazer o interesse público, não pode todavia vir a transmutar-se num poder arbitrário, sem critério, sendo por isso que, tendo o Réu fixado “as regras do jogo” e pelas quais divulgou ao mercado e a toda a concorrência o seu interesse em contratar, fixadas nas peças do procedimento, tem o mesmo de respeitar, inelutavelmente, esse seu propósito e os termos que subjazem à escolha do futuro adjudicatário.

2 - Atenta a necessária precedência de lei, o Réu está vinculado a avaliar as propostas dentro do quadro legal e técnico por si definido, de acordo com o seu propalado poder discricionário, e nesse patamar, quando o faz, terminou aí a sua discricionariedade nesse domínio, pois que toda a sua actuação passa a estar vinculada, ou seja, toda ela passa a ser decorrente da auto-vinculação que decorre da publicitação das normas procedimentais ao abrigo das quais quis regular a tramitação do procedimento concursal.

3 - Para apreciar da invalidade que vinha assacada ao acto impugnado, que foi determinativo da adjudicação e bem assim da celebração do contrato, não podia o Tribunal a quo deixar de convocar e concatenar na sua apreciação crítica o disposto no ponto 16 do Programa do Procedimento com o que foi o resultado da interpretação e aplicação das normas procedimentais por parte do Júri do concurso, decorrente da aplicação das fórmulas parciais e da fórmula final para determinar a proposta economicamente mais vantajosa.

4 - Sendo certo que o critério de adjudicação face à proposta economicamente mais vantajosa, foi fixado dentro da margem de discricionariedade que a lei confere ao Réu, de todo o modo, a sua concreta aplicação, na prática, e como julgou o Tribunal a quo, não é conciliável com os termos e pressupostos da fixação/quantificação desse critério, quando vem a saír valorizada a experiência da equipa em termos que não têm respaldo na fórmula matemática constante do Programa do Procedimento, já que o factor preço [fixado em 70% do preço a pagar] não assume a relevância que lhe adviria dessa fórmula, desde logo.

5 - A exigência de fundamentação das decisões judiciais tem consagração constitucional, mostrando-se expressamente prevista no artigo 205.º, n.º 1 da CRP, nos termos do qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, sendo que é pela fundamentação da decisão que se permite o controlo da sua legalidade pelos seus destinatários e a sua sindicância pelos tribunais superiores, evitando-se desse modo qualquer livre arbítrio do julgador.

6 - As causas de nulidade das sentenças a que se reporta taxativamente o artigo 615.º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, distinguindo-se dos erros de julgamento de facto e/ou de direito imputadas às sentenças recorridas, resultantes de desacerto quanto à realidade factual ou na aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:INSTITUTO DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DAS FLORESTAS
Recorrido 1:G., LDA, E OUTROS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I - RELATÓRIO

INSTITUTO DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DAS FLORESTAS, I.P. (ICNF, I.P.), - devidamente identificado nos autos - inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 06 de julho de 2021, que julgou parcialmente procedente a pretensão contra si deduzida pela sociedade G., Ld.ª, a final da Petição inicial [em que peticionava a sua condenação no sentido de: A) Ser anulado ato impugnado, por padecer do vício de violação de lei (artigos 74.º, n.º 1, 75.º e 139.º do CCP) e dos princípios da concorrência (artigo 1.º-A do CCP), da economia, da eficiência e da eficácia; B) Ser anulado o contrato, caso o mesmo já tenha sido celebrado ou venha entretanto a ser celebrado, com fundamento nos mesmos vícios indicados na alínea anterior; C) Ser o Réu condenado à prática do ato de adjudicação a favor da proposta da autora, por ser o legalmente devido e, em consequência, a celebrar com esta o contrato. Subsidiariamente [aos pedidos A), B) e C)], para o caso de improcederem, o que não se concede, D) Ser declarada a ilegalidade do modelo de avaliação constante do PC, no que respeita ao subfactor (do fator valia técnica) “experiência da equipa técnica”, com fundamento nos mesmos vícios indicados nas alíneas anteriores”.], tendo anulado o acto impugnado, assim como o contrato para “Aquisição de Serviços para a Elaboração do Plano de Reordenamento e Gestão de Paisagem nos Municípios de Mação, Sertã, Vila Rei, Proença-a-Nova e Oleiros”, celebrado com a Contra-interessada G., Ld.ª.
*

No âmbito das Alegações por si apresentadas elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
A. O critério de adjudicação tinha como objetivo garantir a melhor relação qualidade-preço, na qual o critério de adjudicação era composto por um conjunto de fatores, e eventuais subfactores, relacionados com diversos aspetos da execução do contrato a celebrar.

B. Deste modo, os fatores e subfactores integrantes do critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, estão relacionados com o objeto do contrato a celebrar, abrangendo a relação preço qualidade da execução da proposta.

C. Em matéria de procedimentos pré-contratuais, os modelos de avaliação de propostas devem também permitir «acomodar» as inovações e as «surpresas» constantes das propostas, e valorizá-las devidamente, o que só sucederá com recurso a expressões que concedam ao júri uma margem de livre apreciação», importando que «da norma ou do concurso de normas que regem o ato administrativo» [se possa] (…) extrair o núcleo essencial de situação sobre a qual incidirá o exercício do poder».

D. No caso concreto do uso de uma escala densificada e gradativa com recurso a expressões do tipo «descrição muito detalhada» ou mesmo do tipo «descrição detalhada» dos elementos a considerar pelo júri concursal no domínio avaliativo atinge-se tal compreensão, pois a mesma permite aos destinatários, segundo o critério do homem médio colocado na situação concreta dos candidatos, perceber a diferente pontuação no sentido de diferença de grau de detalhe na descrição da obra e demais elementos enunciados, correspondendo, assim, a primeira situação às propostas que descrevam com muito detalhe ou exaustivamente tais elementos e a segunda àquelas que os descrevem de forma detalhada ou desenvolvida, mas com menor grau de detalhe, não fulminando, por isso, o procedimento concursal visado com violação do bloco legal constantes dos artigos 132º nº 1 al. n) e 139º do CCP.

E. No domínio dos procedimentos concursais, o preenchimento de uma grelha classificativa, em que se definem os «fatores de avaliação», a que se fazem corresponder vários graus valorativos, com recurso a menções qualitativos e notações quantitativos, com a respetiva explicitação standardizada embora, proporciona ao interessado um conhecimento adequado das razões pelas quais o júri optou concursal pela valoração adotada, corporizando, assim, fundamentação suficiente no domínio da avaliação propriamente dita.

F. Não obstante, mesmo que que se tivesse de concluir pela ilegalidade do modelo de avaliação de acordo com o artigo 139.º do CCP, tal ilegalidade não alteraria a posição relativa dos candidatos quanto à graduação e adjudicação, implicando o aproveitamento do acto de adjudicação impugnado.

G. A avaliação das propostas apresentadas num concurso tem-se por fundamentada através da valoração por elas obtida nos vários itens de uma grelha classificativa minimamente densa.» - Ac. do STA, Pleno, de 21-01-2014, proc. nº 01790/13.

H. A avaliação das propostas implica uma discricionariedade técnica, que só merecerá censura perante um erro grosseiro.

I. O critério de adjudicação definido pela Entidade adjudicante, ora Recorrente, é legal, estando dentro da margem de discricionariedade que a lei lhe confere.

J. E que o modelo de avaliação das propostas constante no presente procedimento traduz aquilo que era a intenção da Entidade Demandada, ora Recorrente, quando escolheu adjudicar a proposta economicamente mais vantajosa na modalidade de melhor relação qualidade-preço, a coberto do seu poder discricionário.

K. Neste sentido, se referem os acórdãos,
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/9f09e46180e2e330802583a7004d8626?OpenDocument
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/f4236b15c1a1e4af802583e60035de0e?OpenDocument
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/1661afc7548e0b9b80258168005a683d?OpenDocument
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c25b0ff0c316061380257c6f005784e7?OpenDocument&ExpandSection=1

Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência;
- Ser a Sentença declarada nula, por manifesta contradição e inversão do pedido do autor.
- Caso assim não venha a ser entendido, ser a sentença recorrida revogada, mantendo-se o acto impugnado, bem como o contrato para “Aquisição de Serviços para a Elaboração do Plano de Reordenamento e Gestão de Paisagem nos Municípios de Mação, Sertã, Vila Rei, Proença-a-Nova e Oleiros”, celebrado com a Contra-interessada G., Lda.
[…]”
**

A Recorrida G., Ld.ª, apresentou Contra alegações, no âmbito das quais, a final, elencou as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
A) A autora intentou ação de contencioso pré-contratual de impugnação do despacho de adjudicação à proposta apresentada pelo concorrente (e aqui Contra-interessada) G., da autoria do Sr. Vice-Presidente do Conselho Diretivo do ICNF, datado de 14-09-2020, emitido no âmbito do procedimento de concurso público de “Aquisição de Serviços para a Elaboração do Plano de Reordenamento e Gestão de Paisagem dos Municípios de Mação, Sertã, Vila de Rei, Proença-a-Nova e Oleiros”;
B) Através da sentença recorrida, o tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente, tendo anulado o ato impugnado e o contrato celebrado com a Contra-interessada G.;
C) Inconformado com a referida sentença, nos segmentos de anulação dos ato e contrato impugnado, o réu dela interpôs recurso;
D) Sucede, porém, que, como se demonstrará, a sentença recorrida, nos segmentos postos em crise pelo recurso, fez uma correta aplicação da lei, pelo que não merece qualquer tipo de censura;
Questão prévia
E) O requerimento de recurso deve incluir a alegação e as conclusões (artigo 144.º, n.º 1.º do CPTA;
F) O recorrente não cumpriu com o ónus de formular conclusões ou, pelo menos, só o cumpriu formalmente, o que, para todos os efeitos, equivale ao seu não cumprimento;
G) Em primeiro lugar, porque das 11 conclusões formuladas, 7 versam sobre temas que não têm nada que ver com o presente processo;
H) Em segundo lugar, porque a recorrente, nas suas restantes conclusões (em número de 4), não cumpre com o disposto no artigo 639.º, n.º 2, do CPC;
I) Não tendo sido apresentadas conclusões, foi violado o artigo 144.º, n.º 1.º do CPTA, o que determina o indeferimento do requerimento de recurso (artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC).
Nulidade da sentença
J) O recorrente, no seu recurso, invoca a nulidade da sentença;
K) Sucede, porém, que a invocada nulidade não é levada às conclusões, o que faz com que não possa ser considerada;
L) Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, a nulidade deverá sempre ser desatendida;
M) Se bem se percebe, alega o recorrente que o tribunal a quo inverteu os pedidos formulados pela autora, na medida em que, no seu entender, conheceu, primeiro, o pedido subsidiário e, só depois, o pedido principal; alega ainda o recorrente que tribunal a quo contradiz-se ao declarar a ilegalidade do modelo de avaliação, apesar de, em momento posterior, dizer que o pedido subsidiário ficou prejudicado pela procedência do pedido principal;
N) A sentença recorrida não padece de nulidade, desde logo, porque não se verificam os pressupostos de que parte o recorrente: não se verifica nenhuma inversão do pedido, nem nenhuma contradição;
O) É verdade que o tribunal a quo reconhece a ilegalidade do modelo de avaliação; contudo, fá-lo, porém, no contexto de análise da legalidade do ato impugnado, sendo que esta análise, da forma como foi modelada a petição inicial, é indissociável da legalidade do modelo de avaliação; quer isto dizer que o tribunal a quo para decidir o pedido principal tinha obrigatoriamente de se pronunciar sobre a legalidade do modelo de avaliação, pelo que bem andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu;
P) Ainda que assim não se entenda, importa ter em atenção que a situação acima descrita não se subsume em nenhum dos fundamentos de nulidade tipificados no referido artigo 615.º, n.º 1, do CPC (ex vi artigo 1.º do CPTA);
Dos vícios aduzidos na douta sentença – da discricionariedade do réu
Q) O tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente, tendo anulado os ato e contrato impugnados, com fundamento nos vícios de violação de lei (artigos 74.º, n.º 1, 75.º e 139.º do CCP) e dos princípios da concorrência (artigo 1.º-A do CCP), da economia, da eficiência e da eficácia;
R) O recorrente insurge-se contra a sentença recorrida, pugnando pela inexistência dos referidos vícios, assentando toda a sua argumentação no seguinte pressuposto: de que “o critério de adjudicação definido pela entidade adjudicante” está “dentro da margem de discricionariedade que a lei lhe confere”;
S) Sucede, porém, que o pressuposto de que parte o recorrente não se verifica;
T) É verdade – como bem se assinala na sentença recorrida – que “a Entidade Demandada dispunha de uma certa discricionariedade quanto à definição do critério de adjudicação e do concreto modelo de avaliação dos fatores e subfactores submetidos à concorrência, em consonância com as valorações próprias do exercício da função administrativa”;
U) Todavia, como também foi (bem) assinalado tribunal a quo, “essa discricionariedade é condicionada mediante a imposição da vinculação que dimana dos princípios que regem a contratação pública, em especial, da concorrência (cf. artigo 1.º- A do CCP) e dos princípios gerais da atividade administrativa (cf. artigo 266.º, n.º 2, da CRP)”;
V) Esses condicionamentos implicam, pois, que as entidades adjudicantes não sejam totalmente livres na definição do critério de adjudicação;
W) Isso implica, desde logo e como tem sido assinalado pela jurisprudência, que as fórmulas ou expressões matemáticas não podem contradizer o caderno de encargos e o modelo de avaliação em que se integra – cfr. acórdão do TCA-S, de 18/03/2021;
X) Dito de outra forma (pela positiva), que “tem de haver coerência entre todos os elementos de avaliação e todos devem contribuir para a efetiva observância do critério de adjudicação” – cfr. acórdão do Tribunal de Contas n.º 1/24.JAN.2012 – 1ª S/PL – Recurso Ordinário n.º 16/2011, citado no referido acórdão do TCA-S; concretizando, as escalas de pontuação “devem ser coerentes, devem ter um desenvolvimento proporcional, devem permitir a valoração de todas as propostas e contribuir para a sua diferenciação”, pelo que não podem “trair as opções feitas pela entidade adjudicante quando estabelece o critério de adjudicação” e “não podem igualmente trair os fatores e subfactores – que densificam o critério de adjudicação – e os respetivos coeficientes de ponderação” – cfr. o citado acórdão do Tribunal de Contas n.º 1/24.JAN.2012;
Y) Ora, no caso em apreço, como referido pelo tribunal a quo e demonstrado na petição inicial, é manifesto que “a expressão matemática relativa ao subfator (da valia técnica) «experiência da equipa técnica», definida no Programa do Procedimento, é inconciliável com o critério de adjudicação ali definido”;
Z) Para além de subverter o critério de adjudicação, a referida expressão matemática desincentiva e, numa outra perspetiva, não valoriza a apresentação de propostas de preço mais baixo, fazendo com que, na prática e tamanha que é a desproporção de pontuação, o critério decisor da adjudicação seja (apenas) a “experiência técnica”, ou seja, um subfactor que, de acordo com o critério de adjudicação, vale apenas 9%!
AA) Tendo em conta o exposto, é, pois, claro que o modelo de avaliação constante do PC, em particular, no que respeita ao subfactor (do fator valia técnica) “experiência da equipa técnica”, viola a lei (artigos 74.º, n.º 1, 75.º e 139.º do CCP) e os princípios da concorrência (artigo 1.º-A do CCP), da economia, da eficiência e da eficácia, o que faz com que os ato e contrato impugnados sejam ilegais;
BB) Sendo de referir que, como demonstrado (artigos 93.º e seguintes da PI), se o subfactor em questão não tivesse sido considerado (como não devia ser), a recorrida ficaria ordenada em primeiro lugar;
CC) Pelas razões expostas, a sentença recorrida não merece censura, razão pela qual deve ser negado provimento ao recurso interposto.

Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pelo recorrente, mantendo-se a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!“
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, em face do que conseguiu este Tribunal de recuso extrair das Alegações apresentadas, as questões suscitadas pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se ocorre:

(i) erro de julgamento em matéria de direito, tendo subjacente a invocação de que mesmo que se conclua pela ilegalidade da avaliação em face do disposto no artigo 139.º do CCP, que essa ilegalidade não alteraria a posição relativa dos candidatos quanto à sua graduação e adjudicação, implicando o aproveitamento do acto de adjudicação [Cfr. alínea F) das conclusões];

(ii) erro de julgamento em matéria de direito, tendo subjacente a invocação de que o critério de adjudicação definido pelo Réu está dentro da margem de discricionariedade que a lei lhe confere, não sendo por isso ilegal [Cfr. conclusão I) das conclusões];

(iii) nulidade da Sentença recorrida, por manifesta contradição e inversão do pedido da Autora, ora Recorrida.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
Com base na prova documental oferecida pelas partes e a constante do processo administrativo instrutor junto aos autos bem assim como a posição processual das partes, com relevo para a decisão da causa, resultam provados os seguintes factos:
1) Em 08.05.2020, foi publicado o Anúncio n.º 4754/2020 no Diário da República, Parte L, II Série, n.º 90, com a abertura de procedimento de concurso público de aquisição de serviços para a elaboração do Plano de Reordenamento e Gestão de Paisagem dos Municípios de Mação, Sertã, Vila de Rei, Proença-a-Nova e Oleiros (cf. documento n.º 4, junto à petição inicial);
2) O concurso público tinha por finalidade um contrato de prestação de serviços para elaboração do “Plano de Reordenamento e Gestão de Paisagem dos Municípios de Mação, Sertã e Vila de Rei, Proença-a-Nova e Oleiros”, a realizar-se no âmbito do Programa de Transformação da Paisagem dos concelhos de Mação, Sardoal, Vila de Rei, Proença-a-Nova e Oleiros, totalizando 190 475 hectares (cf. documento n.º 4, junto à petição inicial);
3) Sendo o valor do preço base do procedimento de € 190.000,00 (cf. documento n.º 4, junto à petição inicial);
4) Em 15.05.2020, foi publicada no Diário da República, Parte L, II Série, n.º 95, a declaração de rectificação do Anúncio de Procedimento n.º 4754/2020, de 08.05.2020 (cf. documento n.º 9, junto à petição inicial);
5) O programa do concurso estabelece no item 16 seguinte:
“Critério de adjudicação
A adjudicação será efetuada nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º do CCP, segundo a seguinte ponderação:
- 70% para a proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, na modalidade Avaliação do Preço;
Fator Preço obtido pela seguinte fórmula:
P = PB – Pi * 100
PB
Em que:
P - Classificação da proposta em análise.
PB – Preço base do procedimento.
Pi – Preço da proposta em avaliação.
- 30% para a valia técnica, segundo os seguintes critérios:
30 % para a Proposta metodológica apresentada
A pontuação será atribuída conforme a adequação ao Caderno de Encargos, sendo atribuída pontuação de 100 a propostas que cumpram totalmente o presente Caderno de Encargos e 0 às que cumpram apenas parcialmente.
30 % para a experiência da equipa técnica
A experiência da equipa será calculada a com base no valor do número de anos de experiência de todos elementos da equipa técnica.
Para a atribuição da classificação as propostas serão pontuadas segundo a fórmula:
P = ETi – ETmin * 100
ETmin
Em que:
P - Classificação da proposta em análise.
ETi – Experiência da equipa técnica da proposta em análise
ETmin – Experiência da equipa técnica mínima exigida pelo Caderno de Encargos
30 % para a experiência da equipa de coordenação de projeto
A experiência será calculada com base no valor médio do número de anos de experiência da equipa coordenadora.
Para a atribuição da classificação as propostas serão pontuadas segundo a fórmula:
As equipas das restantes propostas serão pontuadas segundo a fórmula:
P = ECi – ECmin * 100
ECmin
Em que:
P - Classificação da proposta em análise.
ECi – Experiência da equipa coordenadora da proposta em análise
ECmin – Experiência da equipa coordenadora mínima exigida pelo Caderno de Encargos
10 % Cronograma de trabalho / prazo de execução.
A pontuação será atribuída com base no número de dias planeados para a duração da prestação de serviços. Para a atribuição da classificação as propostas serão pontuadas segundo a fórmula:
P = Tb – Ti * 100
Tb
Em que:
P - Classificação da proposta em análise.
Tb - Tempo base de execução dos trabalhos estabelecidos em Caderno de Encargos
Ti – Tempo de execução da proposta em análise
O cálculo da classificação final de cada proposta será realizado segundo a seguinte fórmula:

P = 0,70AP + 0,30 * (0,30PM +0,30ET + 0,30EC + 0,10PE)

Em que:
P – Classificação final da proposta em análise
AP – Classificação da Avaliação de Preço
PM – Classificação da Proposta Metodológica
ET – Classificação da Experiência da Equipa Técnica
EC – Classificação da Experiência da Equipa Coordenadora
PE – Classificação do Prazo de Execução
Existindo empate entre duas ou mais propostas será realizado um sorteio entre as propostas, a decorrer presencialmente com os representantes legais dos concorrentes, do qual será lavrada ata por todos os intervenientes no sorteio.
O sorteio realiza-se nas instalações da sede do ICNF, I.P.” (cf. documento n.º 11, junto à petição inicial);
6) Em 05.06.2020, a A. apresentou proposta no âmbito do procedimento concursal (cf. documento n.º 12, junto à petição inicial);
7) Em 10.07.2020, o Júri do procedimento elaborou o relatório preliminar, do qual resultou que a A. foi classificada em 3.º lugar e a Concorrente G. ficou classificada em 1.º lugar e em 2.º lugar a Quaternaire (cf. documento n.º 12, junto à petição inicial);
8) Do referido relatório preliminar extrai-se o seguinte:
3 – Experiência da Equipa Técnica
Para determinação da pontuação a atribuir à experiência da Equipa Técnica, o júri considerou como tempo mínimo de experiência da equipa técnica, 6 anos, correspondendo a uma equipa de 6 técnicos com experiência de um ano

N.º da
Proposta
ConcorrenteExperiência
Indicada na
Proposta
Experiência
Considerada
pelo Júri
Pontuação
4Q.5395398883,33
6Instituto Superior de Agronomia 2882884700,00
7G., Lda.5475479016,67
8G, Lda.3373375516,67
9B.3143145133,33
10T., Lda. 2642644300,00
11G., Lda.1611612583,33
12F., Lda. 2772774516,67
13G.81811250,00

6 - Classificação final das propostas em análise
O cálculo da classificação final de cada proposta foi realizado segundo a seguinte fórmula:
= 0,70 + 0,30 ∗ (0,30 + 0,30 + 0,30+ 0,10)
Em que:
P – Classificação final da proposta em análise
AP – Classificação da Avaliação de Preço
PM – Classificação da Proposta Metodológica
ET – Classificação da Experiência da Equipa Técnica
EC – Classificação da Experiência da Equipa Coordenadora
PE – Classificação do Prazo de Execução
N.º da
Proposta
PropostaPreçoProposta MetodológicaEquipa
Técnica
Equipa CoordenaçãoPrazo
Execução
Pontuação FinalOrdenação
4Q.8,681008883,33951,85823,184
6Instituto Superior de Agronomia 0,001004700,001150,00442,35
7G. –, Lda.17,891009016,6712522,22844,942
8G., Lda.49,821005516,6712027,41551,999
9B., Lda32,371005133,332522,22496,574
10T., Lda. 21,111004300,00350,00413,923
12F., Lda. 21,321004516,67555,56435,537
13G.45,001001250,00011,11153,33

(cf. documento n.º 12, junto à petição inicial);
9) Em 24.07.2020, a A. pronunciou-se em sede de audiência prévia sobre o referido relatório preliminar, na qual requereu a exclusão das propostas apresentadas pelas concorrentes G., Lda., por não apresentar o anexo I, o cronograma exigido no ponto 17 do PC e pelo facto de os documentos que integram a proposta não estarem assinados, a exclusão da G. , Lda., e F., Lda., por violação das normas relativas à apresentação de propostas, bem como a reapreciação e reordenação das propostas no que respeita aos subfactores valia técnica (cf. documento n.º 13, junto à petição inicial);
10) Em 30.07.2020, o Júri elaborou o relatório final, no qual deliberou “excluir a G. e a G., Lda. ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, nos termos e fundamentos que se deixaram anteriormente expostos, do que resultou a seguinte reordenação das propostas” (cf. documento n.º 14, junto à petição inicial);
11) Do relatório final referido em 10) consta (por excertos):
“(…)
14. A principal questão suscitada da análise do relatório preliminar prende-se com a conformidade da ponderação, por parte do júri do procedimento, do subfactor ET, constante do fator VT, e com relevo na graduação das propostas apresentadas à luz do critério de adjudicação proposta economicamente mais vantajosa.
15. O CCP estabelece, em termos alternativos, que num concurso público a adjudicação possa ser realizada com base na proposta economicamente mais vantajosa em que é avaliado o preço ou a relação qualidade/preço.
16. Esse mesmo código estabelece um regime geral sobre o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, como é o presente caso, prescrevendo que os fatores e os eventuais subfactores que o densificam devam estar ligados ao seu objeto e, como tal, ao interesse público que a entidade adjudicante pretende concretizar.”
Resposta do júri:
A fórmula de cálculo anteriormente exposta e descrita no Programa de Procedimento, utiliza fatores e subfactores com vista à obtenção da proposta que melhor garante a qualidade, sendo para isso necessário assegurar uma boa coordenação e valor técnico de equipa global. Mais uma vez, o Júri deliberou por unanimidade, não dar provimento a estes argumentos da G., Lda. (…)
Da análise das 3 pronúncias apresentadas, acima melhor descrita, o júri deliberou por unanimidade, excluir a G. e a G., Lda. ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, nos termos e fundamentos que se deixaram anteriormente expostos, do que resultou a seguinte reordenação das propostas:





N.º da
Proposta
PropostaPreçoProposta MetodológicaEquipa
Técnica
Equipa CoordenaçãoPrazo
Execução
Pontuação FinalOrdenação
4Q.8,681008883,33951,85823,184
6Instituto Superior de Agronomia 0,001004700,001150,00442,35
8G., Lda.49,821005516,6712027,41551,999
9B., Lda32,371005133,332522,22496,574
10T., Lda. 21,111004300,00350,00413,923
12F., Lda. 21,321004516,67555,56435,537

Em conformidade, e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 147.º, por remissão do n.º 2 do artigo 148.º, ambos do CCP, o júri deliberou por unanimidade, proceder a nova audiência prévia, fixando o prazo de cinco dias úteis para os concorrentes, querendo, se pronunciarem por escrito”.
(cf. documento n.º 14, junto à petição inicial);
12) Em 07.08.2020, o A. pronunciou-se em sede de audiência prévia sobre o referido relatório final, na qual requereu a exclusão das propostas apresentadas pelas concorrentes G., Lda., por não apresentar o anexo I, o cronograma exigido no ponto 17 do PC e pelo facto de os documentos que integram a proposta não estarem assinados, a exclusão da G. , Lda., e F., Lda., por violação das normas relativas à apresentação de propostas, bem como a reapreciação e reordenação das propostas no que respeita aos subfactores valia técnica e a ordenação da a A. em 1.º lugar (cf. documento n.º 15, junto à petição inicial);
13) Em 25.08.2020, o Júri do procedimento concursal reuniu para analisar as pronúncias das concorrentes G., , Lda. e G., Lda., efetuadas ao abrigo do direito de audiência prévia, e deliberou (por excertos):
“(…)
Em face do cariz eminentemente técnico jurídico da questão levantada, o júri deliberou por unanimidade, em 20 de agosto de 2020, solicitar parecer técnico jurídico que esclarecesse estas alegações aduzidas pela concorrente G., , Lda., e sustentasse com absoluta clareza a decisão que vier a propor ao órgão competente para a decisão de contratar.
O solicitado parecer técnico jurídico foi emitido pelo Gabinete de Apoio Jurídico e Contencioso do ICNF, I.P., em 24 de agosto de 2020, que ora se junta como Anexo I à presente Ata e aqui se dá por integralmente reproduzido.
Em síntese, aquele parecer conclui que “A omissão de junção do Anexo I do CCP constitui uma irregularidade de uma formalidade não essencial suscetível de ser suprida, pois pelas suas caraterísticas, a sua posterior junção não fere o princípio da intangibilidade da proposta.”, pelo que “Não podia o júri excluir a proposta da concorrente, tal como fez, num exercício de “formalismo excessivo” (…)”.
Por conseguinte, nos termos e com os fundamentos ali melhor descritos, o júri deliberou, por unanimidade, convidar as concorrentes G., , Lda. e G., Lda., a suprir as suas Propostas nos termos do disposto n.º 3 do artigo 72.º do CCP, devendo, no prazo de dois dias, (27/08/2020 às 23:59) apresentar o Anexo I do CCP, de modo a que o júri possa reordenar a lista final de Propostas.
Da pronúncia da G., Lda., apresentada em 07 de agosto de 2020
(…)
“9. É necessário referir que não pretende o ora concorrente colocar em crise o critério de adjudicação ou a tramitação do procedimento, mas incentivar ao júri à reavaliação da ponderação que faz de um dos subfactores sob pena de se desvirtuar o propósito original deste procedimento que face ao seu modelo de avaliação de propostas pretende obter a melhor proposta em termos económicos e, residualmente, a que tecnicamente possa cumprir com o interesse público em causa.”
Resposta do júri:
O critério de adjudicação tem como objetivo garantir a melhor relação qualidade-preço, na qual o critério de adjudicação é composto por um conjunto de fatores, e eventuais subfactores, relacionados com diversos aspetos da execução do contrato a celebrar. Os fatores e subfactores que densificam o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa estão relacionados com o objeto do contrato a celebrar, abrangendo a relação preço qualidade da execução da proposta. Razão pela qual, e por unanimidade, o Júri deliberou não aceitar este argumento apresentado pela G., Lda..
“10. Como consta das peças do procedimento, o critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa avaliada por dois fatores: Preço (P) – 70% - e Valia Técnica (VT) - 30%.
11.. Isto significa, desde logo, que para a entidade adjudicante, e quanto ao funcionamento do critério de adjudicação, tem mais importância – mais do dobro percentual - o P do que a VT da proposta apresentada.
12. Este entendimento é ainda mais densificado quando avaliamos os subfactores constantes da VT: 10% para o Prazo (Pz); 30 % para a proposta metodológica (PM); 30% para a experiência da coordenação da equipa técnica (CET); e 30% para a experiência da equipa técnica (ET). Ou seja, na VT, têm igual peso avaliar a PM, CET ou a ET. Sendo que cada um destes subfactores tem um peso residual de 9% face ao critério de adjudicação.”
Resposta do júri: De acordo com o Programa de Procedimento a adjudicação será efetuada nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º do CCP, segundo a seguinte ponderação:
70% para a proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, na modalidade Avaliação do Preço;
Fator Preço obtido pela seguinte fórmula:
(…)
Logo, não existem dúvidas relativamente ao cálculo da classificação final. De forma errada, a G., Lda. considerou que se pretendia considerar a melhor proposta em termos económicos e, residualmente, a que tecnicamente possa cumprir com o interesse público em causa. Assim, o Júri deliberou por unanimidade, não acolher estes argumentos aduzidos pela G., Lda..
“13. A principal questão suscitada da análise do relatório preliminar prende-se com a conformidade da ponderação, por parte do júri do procedimento, do subfactor ET, constante do fator VT, e com relevo na graduação das propostas apresentadas à luz do critério de adjudicação proposta economicamente mais vantajosa.
14. O CCP estabelece, em termos alternativos, que num concurso público a adjudicação possa ser realizada com base na proposta economicamente mais vantajosa em que é avaliado o preço ou a relação qualidade/preço.
15. Esse mesmo código estabelece um regime geral sobre o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, como é o presente caso, prescrevendo que os fatores e os eventuais subfactores que o densificam devam estar ligados ao seu objeto e, como tal, ao interesse público que a entidade adjudicante pretende concretizar.
16. Esta nota é importante pois a utilização do critério de adjudicação impõe que a ponderação efetuada pelo júri, neste caso concreto quanto aos subfactores que foram previstos, tenha como resultado a avaliação das propostas em face de objetivas vantagens económicas para a entidade adjudicante, do interesse público de diminuição da despesa, do combate ao desperdício de recursos financeiros e pelo respeito do princípio da concorrência”
Resposta do júri:
A fórmula de cálculo anteriormente exposta e descrita no Programa de Procedimento, utiliza fatores e subfactores com vista à obtenção da proposta que melhor garante a qualidade, sendo para isso necessário assegurar uma boa coordenação e valor técnico de equipa global. Mais uma vez, o Júri deliberou por unanimidade, não dar provimento a estes argumentos da G., Lda.
“17. O júri não pode esquecer que embora avalie as propostas quanto à relação qualidade/ preço, o fator P é preponderante em 70% para a entidade adjudicante.
18. Por isso, tem de ter em atenção que a ponderação que faz dos subfactores tem de respeitar esse enquadramento. Até porque, na proposta de adjudicação apresentada no Relatório Preliminar, a G. tem dos preços mais elevados que, face a proposta de preço da ora concorrente, representar um acréscimo na ordem dos 70%.
19. Advertimos, a ponderação dos subfactores efetuada pelo júri no presente procedimento, e constante do Relatório Preliminar, prejudica as propostas de preço mais baixo relativamente a propostas de preço mais elevado.
20. A sua atuação é lesiva do interesse público porque compele os concorrentes a não apresentarem o preço mais baixo uma vez que compensa, no plano final de graduação das propostas, apresentar um preço mais elevado do que aquele que o concorrente estaria disponível para apresentar em face de uma avaliação dos respetivos custos e vantagens competitivas.
21. Face ao que supra foi exposto, pugnando-se pela manutenção do procedimento e do critério de adjudicação tal como ele foi aprovado e publicitado, é crucial que o júri pondere uma reanalise dos subcritérios “ET” e “CET” no fator “VT” pois, de acordo com o Relatório Preliminar, não é considerado o devido escalonamento na escala de valores, cuja a pontuação máxima só poderia ser 100.
23. Tal situação leva ao absurdo de todos os concorrentes, na pontuação final, obterem uma pontuação superior a 100 (leia-se 100% ou 1), que deverá ser a pontuação máxima.
24. Se assim não for, a fórmula de classificação final teria um qualquer erro de conceção, já que a soma de todos os valores aí presentes dá um resultado de 1 ou, se preferirem, de 100%.
Resumidamente:
= 0,70 + 0,30 ∗ (0,30 + 0,30 + 0,30 + 0,10) «=» = 0,70 + 0,30 ∗ (0,30 + 0,30 + 0,30 + 0,10)
P = 0,70 + 0,30 «=» P = 1
24. Tal situação distorce o critério de avaliação, já que para o subfactor “ET” do fator “VT”, a título de exemplo, o concorrente obtém uma pontuação de 799.4997 pontos (9016.67*0.09), sendo que o mesmo concorrente para o subfactor “PM” obtém uma pontuação de 9 pontos (100*0.09), que é a pontuação máxima, ou seja, 100%.
25. Note-se que, quer o subcritério “PM”, quer o fator “VT”, na fórmula de cálculo para classificação das propostas, são valorizados com idêntico peso (0,30*(1.03PM) e (0,30*(1.03ET), o que corresponde a 9% (ou 0.09).
26. Para que seja ainda mais percetível o dilema criado pelo raciocínio expedindo pelo júri no Relatório Preliminar, permitam que seja colocada a hipótese de um concorrente ter a classificação máxima no fator “P”, isto é, apresentar o valor de 0 euros no preço, obtendo, desta forma, 100 neste critério.
27. Considerando o peso atribuído ao fator P (0.7AP), este concorrente obteria uma classificação de 70 (100*0.7).
28. Repare se que, novamente, ressalta à vista que no fator que é ponderado em 70% na avaliação, no máximo, um concorrente poderia obter o valor de 70 e no subfactor “ET” do factor “VT”, que só foi valorizado, na forma proposta, em 9%, o concorrente menos pontuado obteve o valor de 112.5 e o mais pontuado o valor de 799.4997.”
Resposta do júri:
A fórmula é clara e foi explanada no Programa de Procedimentos e nos vários esclarecimentos solicitados. O objetivo da fórmula é garantir a melhor proposta, algo que não implica obrigatoriamente o preço mais baixo. Razão pela qual o Júri deliberou por unanimidade, não aceitar estes argumentos invocados pela G., Lda.
“29. Face ao exposto, caso o júri tivesse procedido ao devido escalonamento na escala de valores, que propôs para “classificação final da cada proposta”, o resultado obtido seria o seguinte: (…)”
Resposta do júri:
A classificação final das propostas deve resultar da aplicação da fórmula descrita e explanada no Programa de Procedimento e não da perceção que a G., Lda tem da referida fórmula. Por conseguinte, também este argumento não merece acolhimento, assim deliberado por unanimidade pelo Júri”
(cf. documento n.º 16, junto à petição inicial);
14) Em 28.08.2020, o Júri deliberou o seguinte (por excertos):
“1. Na sequência do convite endereçado pelo júri à G., , Lda. através da Ata n.º 11, de 25 de agosto de 2020, esta concorrente respondeu em 26 de agosto de 2020 anexando a declaração de aceitação do Caderno de Encargos, que corresponde ao Anexo I do Código dos Contratos Públicos (CCP). Por unanimidade, o júri validou o referido documento, considerando assim cumprido o exigido na alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP e bem assim na alínea a) do ponto 1 da Cláusula 17.ª do Programa de Procedimento. Em conformidade, o júri deliberou por unanimidade, readmitir a G., , Lda..
2. Na sequência do convite endereçado pelo júri à G. através da Ata n.º 11, de 25 de agosto de 202, esta concorrente não apresentou qualquer resposta. Por unanimidade, o júri deliberou manter a exclusão da G., em virtude de se verificar o incumprimento do exigido na alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP e bem assim na alínea a) do ponto 1 da Cláusula 17.ª do Programa de Procedimento.
3. Do acima exposto e, bem assim, da análise efetuada pelo júri da pronúncia que a G., Lda. apresentou em 07 de agosto de 2020, ao abrigo do direito de audiência prévia a que alude o artigo 147.º do CCP na sequência do 1.º Relatório Final, análise que consta da Ata n.º 11 de 25 de agosto de 2020, para a qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzida, o júri, por unanimidade, procedeu à reordenação das propostas, nos seguintes termos:
N.º da
Proposta
PropostaPreçoProposta MetodológicaEquipa
Técnica
Equipa CoordenaçãoPrazo
Execução
Pontuação FinalOrdenação
4Q.8,681008500,0051,85780,58
6Instituto Superior de Agronomia 0,001004700,00300,00434,70
7G. – , Lda.17,891008616,6727,522,22800,17
8G., Lda.49,821005516,676527,41547,05
9B., Lda32,371005133,332522,22496,57
10T., Lda. 21,111004300,00350,00413,92
12F., Lda. 21,321004516,67405,56434,19
(…)”
(cf. documento n.º 17, junto à petição inicial);
15) Em 30.09.2020, a Entidade Demandada celebrou com a Contra-interessada G., classificada em 1.º lugar, o contrato n.º 01/ICNF-LVT/2020, relativo ao concurso público “Aquisição de Serviços para a Elaboração do Plano de Reordenamento e Gestão de Paisagem nos Municípios de Mação, Sertã, Vila Rei, Proença-a-Nova e Oleiros” (cf. fls. 1 do PA).
*
Nada mais se provou com interesse para a decisão. “
*

A) Tendo subjacente o disposto no mesmo artigo 662.º, n.º 1 do CPC, procedemos à densificação do ponto 7 do probatório, como segue:

7A - Desse relatório preliminar para aqui se extrai a tabela elaborada pelo Júri do procedimento, onde constam, designadamente, o prazo de execução e o valor da respectiva proposta apresentada por todos os então concorrentes:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 06 de julho de 2021, que tendo apreciado a pretensão deduzida pela Autora contra o Réu ICNF, IP [ora Recorrente], julgou pela anulação do acto impugnado assim como do contrato de prestação de serviços celebrado com a sociedade G., , Ld.ª

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Atento o teor das Alegações de recurso e respectivas conclusões, e pese embora a dificuldade sentida por este Tribunal de recurso, foi ainda assim possível delimitar três fundamentos para a pretensão recursiva deduzida pelo Recorrente, o que delas passaremos a conhecer.

São eles:

(i) o invocado erro de julgamento em matéria de direito, assente no facto de que mesmo que se conclua pela ilegalidade da avaliação em face do disposto no artigo 139.º do CCP, que essa ilegalidade não alteraria a posição relativa dos candidatos quanto à sua graduação e adjudicação, implicando o aproveitamento do acto de adjudicação [Cfr. alínea F) das conclusões];

(ii) o invocado erro de julgamento em matéria de direito, tendo subjacente a sustentação de que o critério de adjudicação definido pelo Réu está dentro da margem de discricionariedade que a lei lhe confere, não sendo por isso ilegal [Cfr. conclusão I) das conclusões];

(iii) a sustentada nulidade da Sentença recorrida, por manifesta contradição e inversão do pedido da Autora, ora Recorrente.

Cumpre então apreciar e decidir.

No âmbito da Sentença recorrida, o Tribunal a quo fixou a matéria de facto que julgou relevante para efeitos de apreciar o mérito da pretensão da Autora ora Recorrida segundo as várias soluções de direito admissíveis, sendo que como assim decorre do apreciado e decidido pelo Tribunal recorrido, a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo que, consequentemente e como também havia sido requerido pela Autora a final da Petição inicial, o Tribunal a quo anulou o acto de adjudicação, bem como o contrato outorgado, e sobre aquele julgamento por si levado a cabo em torno da matéria de facto e respectiva fundamentação, o ora Recorrente não deduziu qualquer pretensão recursiva.

Como assim resulta do probatório, o Réu ora Recorrente lançou um procedimento concursal que tinha por objecto a aquisição de serviços para a elaboração do Plano de Reordenamento e Gestão de Paisagem nos Municípios de Mação, Sertã, Vila Rei, Proença-a-Nova e Oleiros, tendo para esse efeito, em face do que dispõe o artigo 40.º, n.º 1 alínea c) do CCP, aprovado e publicitado, entre o mais, o Caderno de encargos e o Programa do procedimento.

Como critério de adjudicação – Cfr. artigo 74.º do CCP - , o Réu ora Recorrente fixou-o na proposta economicamente mais favorável na modalidade multifactor, já que para o efeito definiu dois factores, sendo um atinente ao preço [com uma ponderação final de 70%] e o outro à valia técnica da proposta [com uma ponderação de 30%], sendo que este factor se decompunha em 4 outros factores [proposta metodológica – com uma ponderação de 30% -, equipa técnica – com uma ponderação de 30% -, equipa de coordenação – com uma ponderação de 30% -, e prazo de execução – com uma ponderação de 10%].

Para a avaliação destes dois factores, assim como dos quatro subfactores relativos à valia técnica, o ora Recorrente aprovou e fez publicitar anúncio em 08 de maio de 2020 [Cfr. ponto 1 do probatório], e no âmbito do Programa do Procedimento [PP] uma fórmula para efeitos de cálculo da proposta economicamente mais vantajosa, fórmula essa que veio a ser rectificada/alterada nos termos da publicação efectuada no Diário da República datado de 15 de maio de 2020 [Cfr. ponto 4 do probatório].

Neste patamar.

A questão apresentada pelo Recorrente sob a conclusão F) é uma questão nova, que não foi suscitada perante o Tribunal a quo, que não se pronunciou assim sobre essa matéria, cujo conhecimento está vedado a este Tribunal de recurso.

Aliás, a questão do aproveitamento do acto impugnado não foi sequer tratado nas Alegações de recurso, pelo que a sua referência no âmbito das conclusões mostra-se sem fundamento.

Por outro lado, nem consegue alcançar este Tribunal de recurso, por ultrapassar a sua capacidade de apreensão e de interpretação do que é referido, em que termos é que a graduação dos concorrentes sempre seria de manter.

Depois, cotejadas as Alegações de recurso do Recorrente ICNF, IP, é com facilidade que se constata, desde logo, que o âmbito definido pelas conclusões apresentadas é inferior ao quanto foi por si alegado.

Nas suas Alegações, o Recorrente questiona o decidido pelo Tribunal a quo. Sob o ponto I delimita o objeto do recurso, que tem subjacente a essência da fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo para efeitos de ter dado provimento, ainda que parcial, à pretensão da Autora.

E em torno do julgado pelo Tribunal a quo, sob o ponto II das suas Alegações vem a referir existir uma manifesta contradição entre a decisão, e assim, que ocorre a nulidade da Sentença, por ter invertido a apreciação do pedido do Autor, isto é e em suma, de que apreciou o pedido subsidiário da Autora antes de ter apreciado o pedido principal, ou seja, por ter declarado ilegal o artigo 16.º do PP e de, consequentemente, ter anulado o acto de adjudicação e o contrato.

Em face do que se extrai ser o núcleo da pretensão recursiva do Recorrente, o que o mesmo sustenta é que os termos e os pressupostos pelos quais fixou e densificou o critério de adjudicação, e na sua base o modelo de avaliação das propostas, está contido no âmbito da sua discricionariedade técnica, pois que pretendia seleccionar a proposta economicamente mais vantajosa na modalidade de melhor relação qualidade preço, tudo a coberto do seu poder discricionário, e que esse resultado alcançado só é passível de sindicância judicial se nele [modelo] for patente algum erro grosseiro, sustentando que na situação em apreço, o critério adoptado é legal e está dentro dessa sua margem de actuação.

No fundo, o que está encerrado na pretensão recursiva do Recorrente, como assim foi por si extrovertido nas conclusões das Alegações, é que tendo fixado o critério de adjudicação e os respectivos factores e subfactores, visando encontrar a proposta economicamente mais vantajosa, que essa sua actuação decorre do exercício do seu poder de execução, de optar entre as várias situações/modelos que podiam ser por si convocadas, e que tendo-o feito e em observância da lei, que essa sua actuação é insindicável, e que só o seria existindo erro grosseiro nessa fixação, o que como assim defende, não se verifica.

Por sua vez, a Recorrida sustenta que o Recorrido não é totalmente livre na definição do critério de adjudicação, e que desde logo, as fórmulas ou expressões matemáticas que sejam fixadas não podem contradizer o caderno de encargos e o modelo de avaliação em que se integra, e que na situação presente, para além de subverter o critério de adjudicação, a expressão matemática utilizada desincentiva a não valoriza a apresentação de propostas de preço mais baixo, fazendo com que, na prática, o critério decisor da adjudicação seja (apenas) a “experiência técnica”, ou seja, um subfactor que, de acordo com o critério de adjudicação, vale apenas 9%, concluindo a final que o modelo de avaliação constante do PP, em particular, no que respeita ao subfactor (do factor valia técnica) “experiência da equipa técnica”, viola os artigos 74.º, n.º 1, 75.º e 139.º do CCP, e os princípios da concorrência, da economia, da eficiência e da eficácia [Cfr. artigo 1.º-A do CCP], o que faz com que o acto e contrato impugnados sejam ilegais [Cfr. conclusões V, W e Z].

Conforme deflui da Sentença recorrida, o cerne da fundamentação de direito aportada pelo Tribunal a quo assentou em que no âmbito da formulação dos factores determinantes da escolha da proposta economicamente mais vantajosa, foram violados pelo Réu ora Recorrente os artigos 74.º, n.º 1 alínea a), 75.º e 139.º, todos do CCP, assim como princípios a que se reporta o artigo 1.º-A do mesmo Código, por ter o mesmo adoptado no procedimento uma fórmula matemática que impossibilita a concretização do critério de adjudicação definido no Programa do Procedimento.

Neste conspecto, para aqui extractamos parte da essencialidade da fundamentação aportada a este respeito na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Importa, desde já, notar que a Entidade Demandada dispunha de uma certa discricionariedade quanto à definição do critério de adjudicação e do concreto modelo de avaliação dos factores e subfactores submetidos à concorrência, em consonância com as valorações próprias do exercício da função administrativa. Todavia, essa discricionariedade é condicionada mediante a imposição da vinculação que dimana dos princípios que regem a contratação pública, em especial, da concorrência (cf. artigo 1.º- A do CCP) e dos princípios gerais da actividade administrativa (cf. artigo 266.º, n.º 2, da CRP).
Deste modo, uma vez definido o quadro legal aplicável através do Programa do Procedimento no qual a atribuição da pontuação parcial relativa de determinado factor ou subfactor é feita, por aplicação da expressão matemática, à Administração apenas cabe uma tarefa meramente executória.
[…]
A Autora pugna pela inadequação da expressão matemática contida no Programa de Procedimento, relativa ao subfactor “Experiência da equipa técnica”, alegando que o concorrente vencedor do concurso obteve 799 pontos no referido subfactor e apenas 12,52 no factor preço, que vale 70%.
Assim, da análise conjugada da fórmula definida pela Entidade Demandada para avaliar o subfactor da “experiência da equipa técnica” e o critério de adjudicação definido no item 16 do Programa de Procedimento em que se pretendeu quantificar em 9% (0,30*0,30) este concreto aspecto submetido à concorrência, objecto de avaliação e classificação pelo Júri do procedimento, o que se constata é que a fórmula matemática adoptada impossibilita a concretização do critério de adjudicação, tal qual foi definido no Programa de Procedimento.
Com efeito, como resulta do probatório (item 8), a expressão matemática relativa ao subfactor “Experiência da equipa técnica”, definida no Programa de Procedimento, é inconciliável com o critério de adjudicação ali definido, ao permitir que se ultrapasse a pontuação parcial relativa ao percentual correspondente a 9% (0,30*0,30) do cômputo global, anulando com isso a relevância do factor “preço” na ponderação da proposta economicamente mais vantajosa, sendo certo que o legislador assume os factores que densificam o critério de avaliação como a “pedra angular de qualquer programa de concurso” (cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29.01)
Atente-se, ainda, ao Acórdão do STA de 18.09.2019, Processo n.º 167/18, segundo o qual “IV- Viola o princípio da concorrência e da igualdade concorrencial o critério que praticamente anula o impacto concorrencial do “factor preço”, na referida ponderação mínima de 60%”.
E, bem assim, no Acórdão do TCA Sul de 18.03.2021, Processo n.º 1409/19, segundo qual “A expressão matemática que visa dar execução à escala de pontuação definida para o factor preço não pode contradizer o modelo de avaliação em que se integra”.
Nestes termos, mostrando-se procedente a invocada ilegalidade do item 16 constante do Programa de Procedimento, relativo ao subfactor “Experiência da equipa técnica”, impõe-se a anulação do acto de adjudicação da proposta da Contra-interessada G., nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPC, por violação dos artigos 74.º, n.º 1, alínea a), 75.º e 139.º do CCP, e dos princípios da concorrência, eficácia, economia e eficiência.
Assim, sendo o acto de adjudicação anulado por invalidade derivada nos termos expostos, tem a acção de proceder também quanto ao pedido de anulação do contrato celebrado entre o Entidade Demandada e a Contra-interessada G., nos termos do artigo 283.º, n.º 2, do CCP.
A A. formulou, ainda, o pedido de condenação da Entidade Demandada na prática do ato de adjudicação a favor da proposta da autora.
Como vimos, a definição do critério de adjudicação e do concreto modelo de avaliação dos factores e subfactores submetidos à concorrência integram o campo das valorações próprias do exercício da função administrativa.
Veja-se a este propósito o Acórdão do STA de 09.09.2016, de Processo n.º 571/16, “É pacificamente aceite caber à Administração (...) a definição dos termos do concurso e a fixação dos critérios que o enformarão por essa tarefa constituir uma competência sua, reservada, inserida na “margem de livre apreciação” ou das “prerrogativas de avaliação” de que dispõe. Como também se não discute que esse poder, inserido no âmbito da discricionariedade administrativa, não pode ser usado arbitrariamente visto a liberdade de que a Administração dispõe para esse efeito lhe ter sido concedida para melhor defender o interesse público e não para, injustificadamente, afastar do procedimento uma parte dos potenciais interessados. O que, de resto, se afeiçoa com uma verdade que, também, não sofre contestação: a de que o poder discricionário, por ser um poder fundado na lei, só pode ser exercido dentro dos limites por ela traçados, desde logo, os decorrentes dos já citados princípios gerais da actividade administrativa. Daí que o mesmo não esteja a salvo de sindicância judicial a qual, porém, não é plena por a mesma, sob pena de violação do princípio da separação do poder judicial do poder administrativo, não poder abarcar o juízo da Administração quando ele se contenha dentro de coordenadas técnicas ou de planos que não extravasam a sua margem de decisão nas situações de não vinculação. Regra que só pode ser quebrada quando for visível que, apesar do apelo a regras técnicas, a Administração agiu com um erro grosseiro ou manifesto a merecer uma censura particular ou quando seja visível que a invocação de tais regras e a formulação de tais juízos foi feita com violação dos princípios gerais a que a sua actividade está subordinada. Não ocorrendo esse tipo de situações, onde se compreende que a sindicância judicial vá além da dimensão garantística ou formal da actividade, o Tribunal tem de respeitar a autonomia e o poder de decisão administrativo, não lhe sendo lícito sobrepor os seus juízos e valorações aos juízos e valorações da Administração
Com efeito, a definição do critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, bem como dos factores e subfactores que o compõe, implica uma valoração própria da função administrativa, pelo que pode o Tribunal substituir-se à Entidade Demandada na tarefa de proceder à avaliação e decisão de adjudicação do contrato à proposta apresentada pela Autora, com um critério de adjudicação substancialmente diverso do anteriormente definido pela Administração, sob pena de violação do princípio da separação de poderes.
Ante o exposto, improcede o pedido condenatório da A.
Aqui chegados, face à procedência da invocada ilegalidade do item 16 constante do Programa de Procedimento, relativo ao subfactor “Experiência da equipa técnica”, impõe-se a anulação do acto de adjudicação da proposta da Contra-interessada G., nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPC, por violação dos artigos 74.º, n.º 1, alínea a), 75.º e 139.º do CCP, e dos princípios da concorrência, eficácia, economia e eficiência e, sendo o acto de adjudicação anulado por invalidade derivada nos termos expostos, tem a acção de proceder também quanto ao pedido de anulação do contrato celebrado entre o Entidade Demandada e a Contra-interessada G., nos termos do artigo 283.º, n.º 2, do CCP, ficando assim prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário.
[...]“
Fim da transcrição

Neste patamar, tendo presente que a pretensão recursiva se afere pelas conclusões apresentadas a final das Alegações de recurso e bem assim, tendo presente o extraído supra a partir da Sentença recorrida, cumpre apreciar a nulidade imputada à Sentença recorrida, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, para tanto para aqui extraímos este normativo, como segue:

Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”

As causas de nulidade das sentenças a que se reporta taxativamente o artigo 615.º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, distinguindo-se dos erros de julgamento (error in judicando) de facto e/ou de direito imputadas às sentenças recorridas, resultantes de desacerto quanto à realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Acontece porém que a nulidade assacada pelo Recorrente à Sentença recorrida, não tem respaldo em qualquer das alíneas do artigo 615.º do CPC, sendo que, realidade diversa da que suscita o Recorrente por via da invocada nulidade, é a do eventual erro de julgamento, por discordância com a posição jurídica assumida pelo Tribunal a quo, que tendo apreciado da violação de lei por parte do Réu, veio a julgar que ficava prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário.

Pese embora tenha sustentado sob o ponto II das suas Alegações de recurso que a Sentença recorrida padece de nulidade, não formulou o Recorrente qualquer conclusão nesse sentido, apenas tendo referido a final que o recurso deve ser julgado procedente e nessa base que a sentença seja declarada nula por manifesta contradição e inversão do pedido da Autora.

Mas não lhe assiste razão.

Vejamos.

A exigência de fundamentação das decisões judiciais tem consagração constitucional, mostrando-se expressamente prevista no artigo 205.º, n.º 1 da CRP, nos termos do qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, sendo que é pela fundamentação da decisão que se permite o controlo da sua legalidade pelos seus destinatários e a sua sindicância pelos tribunais superiores, evitando-se desse modo qualquer livre arbítrio do julgador.

Em obediência a esta exigência constitucional, o legislador ordinário consagrou no artigo 154.º do CPC o “dever de fundamentar a decisão”, estipulando no seu n.º 1 que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”. E, por outro lado, cominou com a nulidade a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou com alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível [cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC)].

Esta nulidade está relacionada com o comando a que se reporta o artigo 607.º, n.º 3 do CPC, que impõe ao juiz o dever de “… discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.

Isto posto, e regressando ao caso dos autos, percorrida a fundamentação aportada pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, dela se extrai qual o itinerário intelectual prosseguido pela Mm.ª Juíza para a final ter proferido a decisão, ou seja, por que termos e pressupostos, de facto e de direito é que assim decidiu e como o fez.

Como resulta da fundamentação vertida na sentença recorrida, o Tribunal a quo declarou a invalidade do acto impugnado atinente à adjudicação do objecto do procedimento a favor da Contra interessada G., Ld.ª, e consequentemente, também, a invalidade do contrato outorgado decorrente da invalidade/ilegalidade do ítem 16 do Programa do Procedimento.

Efectivamente, para efeitos de conhecer das invalidades que vinham assacadas pela Autora ora Recorrida, fundadas em violação de lei, o Tribunal a quo teve que conhecer, necessariamente, da legalidade do modelo de avaliação fixado no PP, no que respeita à avaliação do subfactor ET do factor valia técnica, e sobre ele tomar posição, mesmo que a essa apreciação correspondesse um pedido subsidiário formulado pela Autora a final da Petição inicial.

O que releva para efeitos da fundamentação vertida na Sentença do Tribunal a quo é que tal tenha sido apto a que o Réu, não concordando com a Sentença proferida, dela possa recorrer, em termos de poder vir a ver revertido o julgado, por forma a que a totalidade do pedido fosse julgado improcedente.

Assim, face ao julgamento tirado pelo Tribunal recorrido no sentido de que o modelo de avaliação constante do PP, na parte atinente ao subfactor ET do factor VT, de que viola os artigos 74.º, n.º 1, 75.º e 139.º, todos do CCP, assim como os princípios a economia, da eficiência e da eficácia, a conhecida invalidade do acto e do contrato deriva precisamente dessa violação de lei, e em suma, na sua ilegalidade.

Como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, atentos os termos e os pressupostos pelos quais o Réu entendeu levar a cabo a seleccão da proposta economicamente mais vantajosa para efeitos de vir a adjudicar a prestação dos serviços pretendidos, o que tudo tem subjacente o seu poder discricionário, ou de outro modo, a possibilidade de convocando a sua discricionariedade técnica para o efeito, escolher o modo de o encontrar, esse modelo por si fixado vem a final a violar princípios de direito a que se reporta o artigo 1.º-A do CCP, assim como os artigos 74.º, 75.º e 139.º todos do CCP.

Tendo o Tribunal a quo apreciado e decidido sobre os termos e pressupostos pelos quais não apreciava o pedido subsidiário [e no fundo, tendo subjacente o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC], e se a motivação/fundamentação recursiva do Recorrente estivesse certa, isto é, se fosse merecedora de este Tribunal de recurso lhe dar acolhimento, então o que aconteceria, é que a Sentença recorrida não padece de nulidade por o julgador ter apreciado questões que não devia ter apreciado, ou como alega, por ter invertido o conhecimento dos pedidos, mas antes de erro de julgamento, sancionável com a revogação da Sentença.

De modo que por aqui não procede a pretensão recursiva do Recorrente.

Prosseguindo agora para conhecer da ocorrência dos invocados eros de julgamento em matéria de direito.

Na sequência da notificação dos concorrentes face ao teor do 1.º relatório final elaborado pelo Júri do procedimento, em que a Autora ora Recorrida incentivou o Júri à reavaliação da ponderação que faz de um dos subfactores, sob pena de se desvirtuar o propósito do procedimento, o Júri respondeu, referindo que “O critério de adjudicação tem como objectivo garantir a melhor relação qualidade-preço, na qual o critério de adjudicação é composto por um conjunto de factores e eventuais subfactores, relacionados com diversos aspectos da execução do contrato a celebrar. Os factores e subfactores que densificam o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa estão relacionados com o objecto do contrato a celebrar, abrangendo a relação preço qualidade da execução da proposta.”

Ora, nada mais verdade, atento o disposto nos artigos 74.º, 75.º e 139.º, todos do CCP.

De resto, mais ainda na pronúncia emitida face ao resultado da audiência prévia da Autora ora Recorrida, e em torno do que havia por si sido suscitado quanto ao critério de adjudicação e à forma de avaliação das propostas, veio a referir o Júri, de forma categórica [tendo enunciado o ponto 16.º do Programa do Procedimento] que será aplicada uma fórmula final, concluindo depois da seguinte forma: “Logo, não existem dúvidas relativamente ao cálculo da classificação final. De forma errada, a G., Ld.ª considerou que se pretendia considerar a melhor proposta em termos económicos e, residualmente, a que tecnicamente possa cumprir com o interesse público em causa. […]”.

E tendo a Autora referido que a principal questão suscitada por si se prende com a conformidade da ponderação por parte do júri do procedimento, do subfactor ET, veio o Júri a apreciar e a decidir, também de forma conclusiva, nos seguintes termos: “A fórmula de cálculo anteriormente exposta e descrita no Programa de Procedimento utiliza factores e subfactores com vista à obtenção da proposta que melhor garante a qualidade, sendo para isso necessário assegurar uma boa coordenação e valor técnico de equipa global.”

Mais adiante, a propósito da aplicação dos termos da fórmula prevista no ponto 16.º do PP, e em que a Autora suscita que a mesma padece de um qualquer erro de concepção, vem a apreciar e decidir o Júri do procedimento que “A fórmula é clara e foi explanada no Programa de Procedimento e nos vários esclarecimentos solicitados. O objectivo da fórmula é garantir a melhor proposta, algo que não implica obrigatoriamente o preço mais baixo.”

Neste patamar.

Como assim julgamos, é manifesto que o Júri do procedimento não entendeu/compreendeu o sentido e o alcance do que lhe foi suscitado pela Autora no âmbito das suas pronúncias em sede de audiência prévia.

Como de resto assim julgamos, também não alcança e compreende o Réu ora Recorrente, face ao que são as suas Alegações de recurso, enquanto entidade que lançou o procedimento, mesmo depois de o Tribunal a quo ter proferido a Sentença recorrida, e pela qual, em suma, veio a apreciar e a decidir que a expressão matemática relativa ao subfactor “Experiência da equipa técnica” [ET] definida no PP era inconciliável com o critério de adjudicação por si definido, e que se mostrava por isso patente a ilegalidade do ítem 16 nessa parte.

E para melhor explicitarmos o erro sistémico em que vem a derivar o raciocínio do Recorrente, para aqui extractamos os pontos 35.º a 43.º das suas Alegações, como segue:

Início da transcrição
“35º.
Isto é, e no caso concreto, a Entidade Adjudicante «não se importa» de pagar preço superior àquele que é o preço mais baixo de todas as propostas, em favor de uma melhor qualidade técnica para a execução do contrato, em qualquer uma das valências supra descritas.
36º.
Dentro daquilo que é o preço base por ela fixado.
37º.
Porque note-se que foi a Entidade Adjudicante quem fixou aquilo que entende como preço justo a pagar pelos serviços que pretende adquirir, ao fixar o preço base do procedimento.
38º.
Isto é, na prática, a valia técnica acabaria por ser preponderante, em prejuízo até de um menor preço.
39º.
O que fez, dentro do seu poder discricionário, traduzido na análise das proposta e do fim que efetivamente pretendia, em defesa do interesse público, que a todo o momento pretende defender.
40º.
E na realidade, a proposta adjudicada, situa-se em termos de preço num patamar médio, não sendo nem a de um preço mais baixo, nem de um preço mais alto.
41º.
É aquela que, ponderados os subfactores presentes em cada uma das propostas em concreto, garante melhor relação qualidade-preço, naquilo que é o entendimento da Entidade Adjudicante, claramente expresso no seu modelo de avaliação das propostas.
42º.
Não existindo assim qualquer subverção do critério de adjudicação através da fórmula de cálculo do subfactor «experiência da equipa técnica».
43º.
Porque ambos – a fórmula e o modelo de avaliação da proposta em especial, e o critério de adjudicação no geral – foram expressamente previstos pela Entidade Adjudicante que, como se disse, livremente fixou aquilo que para si deveria ser valorado numa proposta e que não é apenas o preço!”
Fim da transcrição

Pelo extraído supra, enfatizamos, fácil é de concluir que o Réu não compreendeu os termos e os pressupostos pelos quais, ele próprio, fixou a avaliação a efectuar das propostas dos concorrentes quando as fez submeter a dois factores, um um deles o preço e pela razão de 70% do valor final da proposta, e o outro atinente á valia técnica densificado por 4 subfactores que no total representam 30%, ou seja, menos de 1/3 do valor final da proposta.

Não colocamos em causa, como de resto assim também não o fez o Tribunal a quo, o poder discricionário do Réu em poder fixar o preço base do procedimento e os termos por que quis avaliar a valia técnica da proposta, e a final, vem a graduar a proposta economicamente mais vantajosa.

O poder discricionário do Réu, traduzindo-se a final no poder de liberdade de escolha entre várias soluções administrativas possíveis para satisfazer o interesse público [neste sentido, Cfr. Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, II volume, abril de 2002, Almedina, Coimbra, pagina 72 e seguintes], não pode todavia vir a transmutar-se num poder arbitrário, sem critério.

Ou seja.

Tendo o Réu fixado “as regras do jogo” e pelas quais divulgou ao mercado e a toda a concorrência o seu interesse em contratar, tem o mesmo de respeitar, inelutavelmente, esse seu propósito e os termos que subjazem à escolha do futuro adjudicatário.

E o que o Tribunal a quo apreciou e decidiu, é que tendo o Réu navegado nesse seu poder discricionário e fixado livremente os termos da escolha da proposta que no seu entender melhor servirá o interesse público, a aplicação da fórmula por si escolhida [dentro do que é a garantia do seu poder discricionário, é claro], não vem todavia a permitir a sua aplicação, mostrando-se assim inconciliável com os demais termos da fórmula matemática.

Mas importa fazer aqui um ponto prévio.

É que a fórmula de cálculo que o Réu, ora Recorrente, veio a rectificar, decorridos 7 [sete] dias sobre a publicitação do anúncio do procedimento concursal, padece desde logo, como assim julgamos, de uma má formação congénita, quando estabelece que a experiência da equipa técnica “será calculada com base no valor do número de anos de experiência de todos os elementos da equipa técnica.”

Face à sua previsão, logo se constata que posta em prática essa fórmula, ela iria levar a resultados insondáveis, e tanto, designadamente, porque o Réu não definiu qual o número mínimo/máximo dos elementos da equipa.

E não o tendo feito, só por aqui se vê que virá a faltar ao Júri do procedimento uma base para considerar devidamente aqueles 30% [do subfactor ET] de 30% [do factor VT].

É que no PP faltam o modo e os termos de classificar/quantificar/qualificar a experiência da equipa técnica proposta, assim como falta no Caderno de encargos o modo e os termos em que se fixa a experiência mínima da equipa técnica.

Neste conspecto, por ter interesse para a decisão a proferir para aqui se extrai o artigo 32.º do Caderno de encargos, como segue:

“Artigo 32.º - constituição da equipa
Para a realização do presente estudo são exigidos conhecimentos científicos especializados: [A] Na área da simulação da propagação do fogo à escala da paisagem e em deteção remota da dinâmica da vegetação e alterações do uso do solo, em análise espacial dos determinantes ambientais e socioeconómicos do fogo e em planeamento de defesa da floresta contra incêndios; [B] Áreas temáticas do ordenamento biofísico e paisagem, Ordenamento do território, Desenvolvimento rural, Floresta, Economia e Serviços dos Ecossistemas, Economia e sociologia agrária, Ecologia do fogo, Modelação do risco e dinâmica do fogo, Sistemas de Informação Geográfica, Gestão de projetos, Participação e Comunicação.
Assim:
1. A equipe técnica deverá incluir elementos [sublinhado da nossa autoria] com experiência reconhecida e comprovada, nas áreas da silvicultura, economia e desenvolvimento rural, ecologia do fogo, ordenamento do território, modelação económica e financeira e sistemas de apoios ao investimento identificadas nos pontos A e B, sendo para o efeito necessário a identificação dos diversos elementos da equipe [sublinhado da nossa autoria] bem como as respetivas sínteses curriculares,
2. A coordenação terá de ser assumida por Técnico Superior, com experiência reconhecida e comprovada com pelo menos 20 anos de atividade na gestão de equipas alargadas de profissionais, nas áreas temáticas presentes no caderno de encargos e devidamente identificadas nos pontos A e B do presente artigo, bem como demonstração curricular inequívoca de experiência na gestão do relacionamento com entidades públicas e privadas de âmbito nacional, regional e local.”

Ora, foi talvez devido a essa constatação, que o Júri do procedimento empreendeu aquilo que não lhe estava legalmente permitido em face do que é a sua competência funcional e procedimental [Cfr. artigo 69.º do CCP].

Com efeito, como assim resulta da Acta n.º 7 de 10 de julho de 2020 [Cfr. ponto 7 do probatório], o Júri aplicou/quis aplicar as fórmulas parciais a cada um dos factores e subfactores previstos no PP tendo em vista encontrar a proposta economicamente mais vantajosa, como assim erigiu o Réu enquanto critério de adjudicação, na decorrência do disposto no artigo 74.º do CCP.

E neste conspecto, apreciou e decidiu o Júri conforme por facilidade para aqui se extrai como segue:

3 – Experiência da Equipa Técnica
Para determinação da pontuação a atribuir à experiência da Equipa Técnica, o Júri considerou como tempo mínimo de experiência da equipa técnica, 6 anos, correspondendo a uma equipa de 6 técnicos com experiência de 1 ano.

Ora, esta decisão assim tomada pelo Júri, porque prosseguida a descoberto de qualquer previsão legal, é por si só, legal e procedimentalmente inadmissível, o que tanto bastaria para inquinar a legalidade do concurso.

Desde logo, porque procedeu à densificação do subfactor [ET] já depois de conhecidas as propostas apresentadas por todos os concorrentes, o que viola o princípio da imutabilidade das peças procedimentais. Depois, porque introduz, inovatoriamente, um requisito de ordem formal e substancial, que se mostra até contrário ao que propugna nas suas Alegações de recurso [Cfr. pontos 35.º a 39.º], ao defender a preponderância da valia técnica face ao preço.

Note-se que o Réu ora Recorrente deu uma cotação de 70% ao preço e de 9% à valia técnica, sendo que é nesse patamar que a avaliação e graduação das propostas tem de ser por si prosseguida.

Não está em causa saber e conhecer se o Réu ora Recorrente [como assim alegou] não se importa de pagar um preço superior em favor de uma melhor qualidade técnica, pois que para a economia dos autos é absolutamente irrelevante o que nesse domínio lhe importa [ao Réu ora Recorrente] dado que a sua actuação está submetida e balizada pelo princípio da legalidade.

Atenta a necessária precedência de lei, o Réu ora Recorrente está vinculado a avaliar as propostas dentro do quadro legal e técnico por si definido, de acordo com o seu propalado poder discricionário.

E quando o faz, terminou aí a sua discricionariedade nesse domínio, pois que toda a sua actuação passa a estar vinculada, ou seja, toda ela passa a ser decorrente da auto-vinculação que decorre da publicitação das normas procedimentais ao abrigo das quais quis regular a tramitação do procedimento concursal.

Vejamos.

Se o objectivo do Réu era identificar e valorizar a experiência técnica da equipa, devia ter feito a prévia enunciação/explicitação dos termos por que ia fazer essa avaliação, vazando-as nas peças procedimentais [v.g.: Caderno de encargos e Programa do Procedimento], o que não fez. O que torna, como assim julgou o Tribunal a quo, inconciliável a avaliação desse factor com o critério de adjudicação definido na decorrência do disposto nos artigos 74.º, 75.º e 139.º, todos do CCP.

E foi na base deste julgamento que o Tribunal a quo veio a apreciar e decidir, e bem, que ficava prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário, pois que conheceu do pedido principal, que tinha subjacente a invocação por parte da Autora da violação dos normativos que o Tribunal veio a ter como violados, e que foi determinante da anulação, quer do acto de adjudicação quer do contrato.

É claro que para apreciar da invalidade que vinha assacada ao acto impugnado, que foi determinativo da adjudicação e bem assim da celebração do contrato, não podia o Tribunal a quo deixar de convocar e concatenar na sua apreciação crítica o disposto no ponto 16 do Programa do Procedimento com o que foi o resultado da interpretação e aplicação das normas procedimentais por parte do Júri do concurso, decorrente da aplicação das fórmulas parciais e da fórmula final para determinar a proposta economicamente mais vantajosa.

Mas voltemos atrás no raciocínio.

Se a motivação do Réu ora Recorrente era encontrar a proposta com a melhor equipa, independentemente do preço proposto, ou seja, dando menos valorização ao factor preço, deveria então ter fixado as ponderações percentuais em conformidade com essa sua vontade, o que ainda se acharia decorrente do seu poder discricionário.

Mas assim não o tendo feito, quando o Júri do concurso vem a erigir como mínimo, que a equipa tenha 6 membros e com a experiência de 1 ano cada, no total de 6 anos, por aqui se vê que falhou na sua análise.

É que se assim era, isto é, se o que o importava era o número de técnicos e o cômputo global da sua experiência [de todos eles], fácil é de concluir que o Réu se arriscaria a ter de adjudicar a prestação de serviços a uma equipa com pouca experiência em concreto, mas muito grande quando somada, se fosse composta por um sem número de elementos.

Concretizemos.

O Júri do concurso quantificou [Cfr. Anexo 2 da Acta n.º 7] em torno da experiência da Contra interessada G., Ld.ª, 547 anos [e 8883,33 pontos], número este que é alcançável pelo somatório da experiência profissional individual dos 20 [vinte] nomes de técnicos por si apresentados na sua proposta.

E por sua vez, quanto à Autora ora Recorrida, tal resultou em 337 anos [e 5517,67 pontos], que é o somatório da experiência dos 16 [dezasseis] nomes de técnicos apresentados na sua proposta.

De cada um dos nomes indicados nestas duas propostas se extrai que os seus membros têm larga experiência, e que toda ela foi valorizada pelo Júri em face do que dispunha o artigo 32.º do Caderno de encargos, que como já vimos supra, nada de concreto sistematiza nesse sentido.

Atentemos agora na eventualidade de um concorrente, abstractamente considerado, que tivesse apresentado uma proposta nos seguintes termos: com o preço, a proposta metodológica, a equipa de coordenação e o prazo de execução que apresentou a G., Ld.ª, e que em sede da equipa técnica, o somatório desse 547 [o mesmo que a G., Ld.ª], só que essa experiência era decorrente da experiência profissional de 547 indivíduos.

Tal levaria a que o Réu pagaria pela prestação de serviços um preço consideravelmente superior ao da Autora em termos próximos do dobro [€156.000,00, em vez de €95.333,00], sem garantia alguma da boa execução da prestação de serviços, porquanto e por experiência de vida, não é a quantidade dos elementos que compõem a equipa que é determinante da prestação do serviço.

Atentemos agora se a Autora tivesse apresentado a sua proposta nos precisos termos em que a apresentou, mas agora com a seguinte alteração: a sua equipa era constituída por 547 técnicos, com 1 ano de experiência cada um.

Do ponto de vista da execução técnica, face ao considerado número de anos, estaria então no mesmo patamar da proposta da G., Ld.ª, e portanto, sem garantia alguma da boa execução da prestação de serviços, e mesmo assim seria a proposta economicamente mais vantajosa, atento o preço inferior.

E a subversão das normas procedimentais alcançará um outro protagonismo, pois que se a proposta de preço da Autora fosse agora superior em mais 50% [em € 47.666,50] do preço proposto, por si concretamente apresentado [de €95.333,00], no valor de €142.999,50 [Cfr. ponto 7A do probatório], ficaria estão graduada em 1.º lugar, valor que o Réu ora Recorrido pagaria e sem certeza alguma da boa execução da prestação de serviços em perspectiva.

E note-se que a concorrente Q., tendo apresentado um prazo de execução superior ao da Autora em mais de 30%, e um preço superior ao da Autora também em cerca de 100%, mas com uma avaliação da equipa técnica mais próxima da concorrente G., Ld.ª, mesmo assim manter-se-ía graduada em 2.º lugar, mesmo considerando a experiência de 539 anos dos 19 [dezanove] elementos integrantes da equipa técnica.

Para encontrar em sede da experiência de Equipa Técnica da G., Ld.ª, o valor quantificado de 547, e a pontuação de 9016,67 [Cfr. Acta n.º 7; ou a pontuação de 8616,67, Cfr. ponto 14 do probatório], o que o Júri efectuou, na decorrência da fixação mínima por si empreendida, de 6 elementos com 1 ano de experiência cada, foi somar a totalidade do concreto número anos de experiência dos técnicos, e a esse número retirar-lhe o valor mínimo considerado de 6 [relativo a 6 técnicos com 1 ano de experiência cada], o que dá 541, e depois dividir este número por 6.

Para alcançar que a fórmula de cálculo do subfactor ET é patentemente inconciliável com o critério de adjudicação, basta conferir a Acta n.º 11 [Cfr. ponto 13 do probatório] e a deliberação do Júri de 28 de agosto de 2020 [Cfr. ponto 14 do probatório], para concluir, de forma imediata, que a ordenação dos concorrentes, de 1.º a 7.º, decorre da pontuação que cada um alcançou decorrente do estrito somatório das experiências profissionais acumuladas de todos os elementos integrantes da equipa técnica e para o que se mostra irrelevante o preço, a equipa de coordenação e o prazo de execução.

Efectivamente, o 1.º classificado teve 8616,67 pontos, o 2.º classificado teve 8500,00 pontos, o 3.º classificado teve 5516,67 pontos, o 4.º classificado teve 5133,33 pontos, o 5.º classificado teve 4700,00 pontos, o 6.º classificado teve 4516,67 pontos, e o 7.º classificado teve 4300,00 pontos.

Ao contrário do que refere o Recorrente sob os pontos 46.º e 47.º das Alegações de recurso, o Júri do concurso não decidiu de acordo com o modelo de avaliação da proposta por si aprovado [Réu], nem o modelo de avaliação explicita o modo da sua aplicação nem da avaliação das propostas, e por outro lado [Cfr. ponto 59.º das Alegações], sendo certo que o critério de adjudicação, foi fixado dentro da margem de discricionariedade que a lei confere ao Réu, de todo o modo, a sua concreta aplicação, na prática, e como julgou o Tribunal a quo, não é conciliável com os temos e pressupostos da fixação/quantificação desse critério.

Ou seja, sendo certo que o critério de adjudicação fixado está dentro da margem de discricionariedade do Réu, e bem assim, que o modelo de avaliação das propostas foi o que o Réu quis [pois que até o alterou depois de fixado pelo anúncio de abertura do procedimento], o Réu não ataca nas suas Alegações, nem tão pouco nas conclusões apresentadas, por que termos é que incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, seja de facto e/ou de direito, ou seja, em que termos é que outra devia ser a apreciação e decisão do Tribunal a quo.

Por aqui se vê que, como assim julgou o Tribunal a quo, há algo de absolutamente inconciliável, entre a fórmula matemática relativa ao subfactor “Experiência da Equipa Técnica”, patenteada no PP e o critério de adjudicação, pois que o factor preço [fixado em 70% do preço a pagar] não assume a relevância que lhe adviria da fórmula, desde logo, atenta a sua ordem de grandeza.

Termos em que falecem assim as conclusões apresentadas pelo Recorrente, ao que acresce que a Sentença recorrida não merece qualquer censura jurídica, devendo por isso ser confirmada.

De maneira que, a pretensão recursiva do Recorrente tem assim de improceder.
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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Acção de contencioso pré-contratual; Programa do Procedimento; Poder discricionário; Critério de adjudicação; Proposta economicamente mais favorável; Factores e subfactores; Fórmula de cálculo; Nulidade da Sentença.

1 - O poder discricionário das entidades que estão submetidas ao regime da contratação pública, traduzindo-se a final no poder de liberdade de escolha entre várias soluções administrativas possíveis para satisfazer o interesse público, não pode todavia vir a transmutar-se num poder arbitrário, sem critério, sendo por isso que, tendo o Réu fixado “as regras do jogo” e pelas quais divulgou ao mercado e a toda a concorrência o seu interesse em contratar, fixadas nas peças do procedimento, tem o mesmo de respeitar, inelutavelmente, esse seu propósito e os termos que subjazem à escolha do futuro adjudicatário.

2 - Atenta a necessária precedência de lei, o Réu está vinculado a avaliar as propostas dentro do quadro legal e técnico por si definido, de acordo com o seu propalado poder discricionário, e nesse patamar, quando o faz, terminou aí a sua discricionariedade nesse domínio, pois que toda a sua actuação passa a estar vinculada, ou seja, toda ela passa a ser decorrente da auto-vinculação que decorre da publicitação das normas procedimentais ao abrigo das quais quis regular a tramitação do procedimento concursal.

3 - Para apreciar da invalidade que vinha assacada ao acto impugnado, que foi determinativo da adjudicação e bem assim da celebração do contrato, não podia o Tribunal a quo deixar de convocar e concatenar na sua apreciação crítica o disposto no ponto 16 do Programa do Procedimento com o que foi o resultado da interpretação e aplicação das normas procedimentais por parte do Júri do concurso, decorrente da aplicação das fórmulas parciais e da fórmula final para determinar a proposta economicamente mais vantajosa.

4 - Sendo certo que o critério de adjudicação face à proposta economicamente mais vantajosa, foi fixado dentro da margem de discricionariedade que a lei confere ao Réu, de todo o modo, a sua concreta aplicação, na prática, e como julgou o Tribunal a quo, não é conciliável com os termos e pressupostos da fixação/quantificação desse critério, quando vem a saír valorizada a experiência da equipa em termos que não têm respaldo na fórmula matemática constante do Programa do Procedimento, já que o factor preço [fixado em 70% do preço a pagar] não assume a relevância que lhe adviria dessa fórmula, desde logo.

5 - A exigência de fundamentação das decisões judiciais tem consagração constitucional, mostrando-se expressamente prevista no artigo 205.º, n.º 1 da CRP, nos termos do qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, sendo que é pela fundamentação da decisão que se permite o controlo da sua legalidade pelos seus destinatários e a sua sindicância pelos tribunais superiores, evitando-se desse modo qualquer livre arbítrio do julgador.

6 - As causas de nulidade das sentenças a que se reporta taxativamente o artigo 615.º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, distinguindo-se dos erros de julgamento de facto e/ou de direito imputadas às sentenças recorridas, resultantes de desacerto quanto à realidade factual ou na aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em negar provimento ao recurso interposto pelo ICNF, IP, e consequentemente, em manter a Sentença recorrida.
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Custas a cargo do Recorrente.
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Notifique.
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Porto, 22 de outubro de 2021

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro