Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01399/17.5BEBRG-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/09/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROCESSO CAUTELAR; AGENTE DE EXECUÇÃO; ADVOCACIA
Sumário:
I-O legislador salvaguardou expressamente os mandatos constituídos antes da entrada em vigor do EOSAE;
I.1-tendo este sido aprovado pela Lei 154/2015, de 14 de setembro, o legislador conferiu aos destinatários o prazo até 31 de dezembro de 2017 (mais de dois anos) para se adequarem às respectivas prescrições;
I.2-o conteúdo do exercício da profissão de advogado ou de agente de execução é legalmente determinado, não resultando da Constituição um conteúdo pré-determinado e universal da profissão de advogado, remetendo para a lei o respectivo conteúdo;
I.3-logo, o advogado (e o agente de execução) pode praticar os actos que em cada momento a lei permita. A circunstância de num momento se permitir a prática de determinado conjunto de actos não implica, ipso iure, um direito do advogado a manter determinada competência independentemente das diferentes soluções que o legislador pretenda aprovar. É este o efeito resultante de estarem em causa profissões legalmente reguladas, em função da relevância que importam para o interesse colectivo;
I.4-apenas se manterá esse direito se o conteúdo obliterado se considerar fundado no conteúdo essencial da profissão de advogado ou se a restrição imposta não for digna de protecção em função do interesse colectivo;
I.5-na medida em que os mandatos constituídos até à data de início de produção de efeitos de ambos os Estatutos ficaram expressamente ressalvados no artigo 3º/13 da Lei 154/2015, de 14 de setembro, nenhum direito efectivamente constituído a exercer o mandato judicial foi obliterado com a entrada em vigor das novas regras;
I.6-as eventuais expectativas das Recorrentes quanto à continuação do exercício do mandato judicial (conferido após a entrada em vigor do EOA e do EOSAE) em processos não executivos, não pode relevar para efeitos de aferição da probabilidade de existência do direito que pretendem ver cautelarmente tutelado. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AMVP
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
Dras. AMVP e CSGE, advogadas, por apenso à acção administrativa nº 1399/17.5BEBRG, intentaram processo cautelar contra:
Estado Português, na sua função legislativa, representado pelo Magistrado do Ministério Público;
Ministério da Justiça, enquanto detentor da tutela de legalidade, representado pela Senhora Ministra da Justiça;
Ordem dos Advogados, representada pelo seu Bastonário;
Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, representada pelo seu Bastonário, todos melhor identificados nos autos, pedindo:
Deve a presente providência cautelar ser recebida e julgada procedente por provada, e consequentemente:
A) serem provisoriamente decretadas de imediato, nos termos do artº130º, nºs 1 e 6 do CPTA, no despacho liminar, as providências requeridas em B) e C);
B) ser concedida autorização para as requerentes prosseguirem, cumulativamente, com a sua actividade de advocacia com mandato judicial (com exclusão de processos executivos) e de agentes de execução, nos exactos termos em que o fazem à luz dos regulamentos/estatutos anteriores, nos termos do artº 112º, nº 1/d) do CPTA;
C) ser ordenada relativamente à pessoa das Requerentes, nos termos do artigo 112º, nº 2 do CPTA, a suspensão da eficácia das regras estatutárias dos artºs 3º, nºs 12, 13, 14 e 19, 13º e 165 º, nº 1 a) da Lei nº 154/2015 de 14/09 (incompatibilidade entre as funções de agente de execução e o exercício do mandato judicial), 85º do EOA, bem como do artº 3º, nº 4 da Lei nº 45/2015 de 09/09.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a providência cautelar.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, as Requerentes concluíram:
A. A sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade porquanto, não se encontra fundamentada no que tange à falta de preenchimento dos pressupostos específicos da providência cautelar: "periculum in mora" e "fumus boni iuris".
B. A mesma não contém qualquer facto provado donde se extraia a sua fundamentação, nem procede à motivação que se impunha e que importava ponderar para a apreciação da questão em apreço.
C. Quanto ao "periculum in mora" ignorou o tribunal recorrido tudo quanto foi alegado pelas recorrentes nos arts. 100° a 167° do requerimento inicial da providência cautelar e a prova arrolada (testemunhal e documental).
D. Relativamente ao "fumus boni iuris" desconhecem as recorrentes as razões de facto e de direito pelas quais se entendeu que não era provável que a pretensão formulada no processo principal fosse procedente.
E. As recorrentes formularam vários pedidos na acção principal, desconhecendo a que "pretensão" a sentença recorrida se refere quando entende que não há probabilidade de vir a ser concedida.
F. Além de o Tribunal recorrido ignorar o que foi alegado pelas recorrentes no seu requerimento inicial, (quanto aos danos que a aplicação imediata das normas estatutárias irão causar às recorrente, nomeadamente o cancelamento imediato da sua inscrição no acesso ao direito e a não mais outorgar procurações), a sentença não contém factos em que o tribunal se tenha estribado para sustentar a decisão em mérito, não se mostrando explanadas as razões determinantes para que se conclua que a não era provável que a pretensão das Recorrentes na acção principal fosse procedente, tanto mais que não deu sequer oportunidade às requerentes para produzirem prova, através da audição das testemunhas arroladas.
G. O dever de fundamentar as decisões tem consagração constitucional nos arts. 205°, n°.1 da C.R.P. e ao nível do direito processual civil no art. 154°, n°.1 do C.P.C. e falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão acarretam a nulidade desta ao abrigo do disposto nos arts. 613°, n°. 3 e art. 615°, b) do C.P.C..
H. A decisão recorrida não apresenta, ainda que sumariamente, os fundamentos de facto de onde se subsumiu o direito que conduziu à decisão em mérito como se impunha, o que consubstancia uma omissão absoluta de fundamentação que conduz à nulidade da sentença em crise, nos termos do art. 154° e 615° b) do C.P.C.
I. Não podem as recorrentes conformar-se com o entendimento plasmado na sentença recorrida relativamente ao preenchimento dos pressupostos específicos da providência cautelar.
J. Relativamente ao "periculum in mora", as recorrentes invocaram factos concretos para sustentar danos imediatos, juntando prova documental quanto aos mesmos.
K. Alegaram as Recorrentes que a aplicação imediata das regras estatutárias obrigaria as mesmas a ter que fazer a opção: ou por cancelar a inscrição no acesso ao direito, deixando de ser nomeadas defensoras/patronas oficiosas e de não mais aceitar mandato forense e renunciar às procurações forenses, ou então a cancelarem a sua inscrição como agentes de execução.
L. Alegaram que a renúncia a partir de 1 de Janeiro de 2018 ao exercício do mandato judicial, esvaziando-as de funções e o cancelamento da inscrição no acesso ao direito causar-lhes-ia danos irreparáveis já que os pagamentos efectuados pelos seus clientes/mandantes e pelo IGFEJ (apoio judiciário) constitui uma parte considerável dos seus rendimentos anuais, pondo em causa a estabilidade financeira e familiar das recorrentes.
M. Resulta ainda alegado e documentalmente provado que o cancelamento da sua inscrição como agentes de execução e o dedicarem-se apenas à advocacia na sua plenitude, os danos seriam igualmente elevados e irreparáveis, já que deixaria de ser anualmente nomeadas para mais de cerca de 60 processos, como até aqui.
N. Alegaram ainda as requerentes que a não suspensão de eficácia destas normas até decisão final no processo principal, levaria a que as recorrentes não conseguissem cumprir os compromissos financeiros que assumiram tendo os conta os rendimentos auferidos nos anos transactos e as expectativas criadas e opções profissionais tomadas.
O. Todos estes argumentos foram ignorados pelo Tribunal recorrido, que considerou não ser necessária sequer a produção de prova testemunhal.
P. A não suspensão da eficácia das novas normas estatutárias causará às requerentes danos e prejuízos absolutamente irreparáveis ao nível das suas sobrevivência, carreiras e realização pessoal e profissional, não se compreendendo que o Tribunal considere que inexiste "periculum in mora"
Q. Olvidou o tribunal recorrido que, a considerar-se não ser necessário decretar a suspensão da aplicação das normas estatutárias às recorrentes, devendo aguardar-se pela decisão final, as recorrentes estão desde Janeiro de 2018 numa situação de incumprimento (pois desde o recebimento da presente providência que se encontram a exercer mandato e a agência de execução, como até anteriormente).
R. A demora na decisão final na acção principal retirará todo o efeito prático à pretensão das recorrentes, acarretando uma grave e irreparável situação do ponto de vista pessoal e para as suas carreiras.
S. A habitual e normal demora da ação principal constituirá uma situação de facto consumado, pois desde o dia 1 de Janeiro de 2018 teriam de fazer a opção pela continuação de uma das actividades em causa.
T. Da concessão da presente providência não resultam quaisquer danos para o interesse público ou privado, nem tão pouco para a OA, a OSAE ou o Ministério da Justiça, apenas se mantendo a situação profissional das recorrentes.
U. Deviam constar da matéria de facto dada como provada todos os factos relativos ao "periculum in mora" invocados pelas recorrentes nos arts. 100° a 167° do requerimento inicial, e da prova documental junta.
V. Nem podem aceitar ainda que inexista "fumus boni iuris" (que faça um juízo negativo sobre as perspectiva de êxito da acção principal) desconhecendo as recorrentes a que pretensão se refere o douto tribunal já que foram formulados quatro pedidos na acção principal (um deles subsidiário).
W. Existe um atropelo à lei e aos direitos adquiridos pelas requerentes em todo este processo que conduziu à omissão de pronúncia/decisão por parte da 0A. e OSAE e do Ministério da Justiça e à consequente violação dos direitos adquiridos pelas requerentes.
X. As recorrentes são advogadas, inscritas na 0.A., respectivamente, desde 17-12-2009 e 24-09-2010, exercendo profissionalmente a actividade de advocacia, de forma liberal até então, tendo-se candidatado em 2011 ao 2° Estágio de Agente de Execução, estágio este especialmente previsto exclusivamente a advogados e solicitadores, que pretendessem conciliar a actividade de advocacia com a agência de execução, tendo em Abril de 2012 sido admitidas.
Y. Com vista ao exercício simultâneo das duas actividades o escritório onde exerciam a sua profissão foi sujeito a obras de remodelação específicas e a uma prévia aprovação por parte da Câmara dos Solicitadores, através de uma visita de natureza inspectiva.
Z. Em Janeiro de 2015, as recorrentes constituíram a Sociedade Civil de Responsabilidade Limitada "AP e CE - SAE, SP RL", exercendo a actividade de agência de execução desde então sob forma de sociedade civil, continuando a exercer a actividade de advocacia, a título individual e liberal, com exclusão dos processos executivos.
AA. As recorrentes encontram-se inscritas no acesso ao direito desde a sua inscrição como advogadas, com nomeações oficiosas em todas as áreas, com exclusão do processo executivo.
BB. À luz da norma vigente à data em que se formaram enquanto agentes de execução e requereram o seu registo na Câmara dos Solicitadores (antiga designação da 4° R.), as recorrentes reuniam todas as condições para o exercício das duas profissões liberais, sendo certo que, o Estatuto da Câmara dos Solicitadores previa expressamente no seu art. 117° que só podia exercer as funções de agente de execução o solicitador ou o advogado, com excepção do mandato judicial em execuções.
CC. A Lei n°. 154/2015 de 14.09 que transforma a Câmara dos Solicitadores em OSAE e aprova o respectivo Estatuto, em conformidade com a Lei n° 2/2013, de 10 de Janeiro, vem contrariar em absoluto a lei anterior e definir uma Incompatibilidade entre o exercício do mandato Judicial e a de agente de execução, sem que o Estatuto da Ordem dos Advogados o preveja.
DD. E o art. 165° al a) do EOSAE, na redacção dada pela Lei 154/2015 de 14/09, passa a referir que é incompatível com o exercício das funções de agente de execução com o exercício do mandato judicial.
EE. A própria norma transitória, (art. 3°, n° 12 da referida Lei 154/2015) faz a ressalva dos direitos adquiridos estabelecendo que as incompatibilidades e impedimentos criados pelos Estatutos da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, aprovados pelos anexo à presente lei, não prejudicam os direitos legalmente adquiridos ao abrigo da legislação anterior, mas o n° 13 do mesmo art° 3° da norma transitória, está em contradição àquela ressalva dos direitos adquiridos constitucionalmente e vem dispor em sentido contrário, estabelecendo que os agentes de execução devem pôr termo a essa situação de incompatibilidade até 31 de Dezembro de 2017, sem prejuízo de poderem prosseguir com os mandatos judiciais já constituídos até à data da entrada em vigor do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, estendendo-se a limitação às Sociedades de Agentes de Execução.
FF. O novo Estatuto da O.A. na sua norma transitória do art. 3°, n° 4, em conformidade com a Lei n° 2/2013, de 10/01, que revoga a Lei 15/2005 de 26.01, vem dispor de igual modo prescrevendo que devem pôr termo a essas situações de incompatibilidade até Dezembro de 2017, passando no art. 85° do EOA a dispor que é proibida a inscrição cumulativa na Ordem dos Advogados e na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, esclarecendo que os advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados podem inscrever-se no colégio dos agentes de execução desde que não exerçam o mandato judicial.
GG. Além da contradição patente entre este art° 3°, n° 4 da Lei n° 145/2015 de 09.09 e, bem assim, do art° 3°, n° 13 da Lei n° 154/2015 de 14.09 com o disposto no n° 12 desse mesmo art. 3° da Lei n° 154/2015 de 14.09 (ressalva dos direitos legalmente adquiridos), o regime das incompatibilidades previsto no EOA, traduz-se numa Ilegalidade e uma violação ostensiva dos princípios estruturantes de um Estado de Direito.
HH. Atentos princípios da protecção da confiança dos cidadãos, a lei tem que criar segurança e certeza jurídicas, pelo que as novas normas estatutárias devem dispor apenas para situações futuras, quanto aos factos constituídos após a entrada em vigor do novo estatuto, em salvaguarda dos direitos legitimamente adquiridos.
Não podem, os n.ºs. 13, 16 e 19 do art. 3° (norma transitória) da Lei 154/2015 e o Estatuto da O.A. e da OSAE, atento o princípio da legalidade, estar em absoluta e manifesta contradição com o disposto no n°. 12 da mesma norma, e ainda com o regime das incompatibilidades previstas no EOA e com os princípios de direito administrativo e com a Constituição da República Portuguesa.
JJ. Não actuaram as recorridas em obediência à lei, nem em conformidade com esta, assim como não pugnaram pelo cumprimento dos princípios constitucionais de igualdade e da ressalva dos direitos legitimamente adquiridos, pelo que se encontra preenchido o requisito "fumus boni iuris".
KK. A própria substância da norma é violadora de direitos garantidos constitucionalmente, criando no ordenamento uma situação de insegurança e Incerteza jurídicas, e impedindo o acesso à profissão para a qual as recorrentes adquiriram legalmente competências e em cuja Ordem se encontram devidamente inscritas e com plenos poderes de exercício da profissão, por mérito e direito próprio.
LL. Violaram igualmente a OA e OSAE com a aplicação das normas referidas às recorrentes o princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, previsto no art. 4.° do C.P.A..
MM. Os factos que determinaram a sua inscrição na Câmara dos Solicitadores e Ordem dos Advogados - submissão a exames, admissão, estágio, inscrição como agente de execução - ocorreram todos em data anterior (ano de 2012-2013) à entrada em vigor da Lei n°. 154/2015 de 14.09 e Lei n°. 145/2015 de 09.09, que introduziram a incompatibilidade do art. 165°, e os efeitos destes produziram-se muito antes daquela data, pelo que, é absolutamente inconstitucional a aplicação retroactiva desta alteração legal à situação de facto das recorrentes e contrária ao disposto no art. 12° do C.C..
NN. Nem pode, atento o princípio da legalidade, no seu sentido de reserva de lei e prevalência de lei, o Estatuto da OSAE ou da OA ou qualquer outra lei reguladora da matéria estar em contradição com o disposto na Constituição da República Portuguesa e o Código Civil Português.
OO. Estamos perante um vício de violação de lei que enferma todas as normas supra citadas, ilegalidade de que só pode resultar na verificação manifesta de um "fumus boni iuris" do direito das recorrentes.
PP. As recorrentes fazem prova bastante que devem continuar Inscritas, em simultâneo conforme requereram às recorridas, como agentes de execução na OSAE e como advogadas, com plenas atribuições para exercício do mandato Judicial, na Ordem dos Advogados, exercendo a função de agentes de execução e o exercício do mandato judicial, ressalvando-se dessa forma os direitos adquiridos.
QQ. As recorrentes dispunham até Dezembro de 2017 para fazer uma opção quanto às suas carreiras profissionais (exercício da advocacia através de mandato ou da agência de execução) e, por carta registada com aviso de recepção, enviaram um requerimento às recorridas 0.A., OSAE expondo a situação supra referida e requerendo a sua inscrição naquela Ordem nos mesmos termos que até à presente data, solicitando a declaração a inaplicabilidade do art. 85° do EOA, bem como do art. 3°, n.ºs. 12, 13, 14 e 19 e art. 13° e art. 165°, n° 1 a) da Lei n°. 154/2015 de 14.09 às mesmas, por manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade dos mesmos em face dos direitos e expectativas legitimamente adquiridos pelas mesmas.
RR. As recorridas não deram qualquer decisão relativamente ao requerimento apresentado pelas recorrentes, no prazo de que dispunham (art° 128° do C.P.A.), consubstanciando um incumprimento/omissão do dever de decisão. (art. 129° do C.P.A.).
SS. Exercendo o recorrido Ministério da Justiça tutela de legalidade e de natureza inspectiva sobre a OA e a OSAE, relativamente às condições de acesso ao exercício da profissão, pugnando pelo cumprimento dos princípios constitucionais de igualdade e ressalva dos direitos adquiridos, as recorrentes enviaram requerimento ao Ministério da Justiça, por carta registada com AR, solicitando uma decisão quanto a esta matéria, sendo que apesar de dispor desse poder de tutela, o Ministério da Justiça não tomou qualquer decisão quanto ao requerimento apresentando, no prazo de que dispunha, o que se traduz numa omissão de decisão (art. 129° do C.P.A.).
TT. As recorrentes intentaram então a acção administrativa a que este processo cautelar é apenso, pedindo a declaração de omissão de decisão/incumprimento do dever de decisão por parte das RR., ao abrigo dos arts. 66° do CPTA e arts 128° e 129° CPA, e, em substituição dos recorridos, declarar a inaplicabilidade do art. 85° do EOA, bem como dos art.ºs 3°, n.ºs. 12, 13, 14 e 19, do art. 13° e art. 165°, n° 1 a) da Lei n°. 154/2015 de 14.09 às requerentes (na incompatibilidade entre as funções de agente de execução e o exercício do mandato judicial) por manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade dos mesmos em face dos direitos e expectativas legitimamente adquiridos pelas requerentes, e, admitir-se as suas inscrições cumulativas na O.A. e OSAE, com exercício livre de mandato judicial à excepção dos processos executivos.
UU. Subsidiariamente, pediram as recorrentes a condenação do recorrido Estado Português, em solidariedade com as restantes recorridas, no pagamento de uma indemnização a favor das recorrentes, correspondente aos prejuízos que esta alteração legislativa lhes acarreta, relegando para execução de sentença a liquidação desses danos.
VV. Há uma clara omissão de decisão/prática do acto administrativo por parte das recorridas (que corresponde ao primeiro pedido formulado pelas recorrentes no processo principal), e é patente que a omissão de uma decisão sobre a manutenção da inscrição das recorrentes na OSAE e OA com exercício do mandato à excepção das acções executivas, constitui uma clara violação dos direitos liberdades e garantias, na sua vertente de liberdade de exercício de profissão, esvaziando as recorrentes de funções enquanto advogadas, limitando-as a efectuar certificações de fotocópias, reconhecimentos de assinaturas e autenticações, já que tudo o resto depende efectivamente de um mandato.
WW. O interesse público da opção legislativa de limitar as competências dos advogados e agentes de execução deixa muitas dúvidas face aos direitos violados, nomeadamente a liberdade de exercício da profissão.
XX. Encontra-se, ainda que de modo sumário, preenchido o requisito do fumus boni iuris, sendo patente que, na decorrência do entendimento do Tribunal Constitucional (Acórdão 319/2018 e 3/2016) pelo que, deve ser declarada a omissão do dever de decidir por parte das recorridas, bem como a inaplicabilidade às recorrentes das novas regras estatutárias, ressalvando-se os direitos adquiridos por estas, admitindo-se as suas inscrições cumulativas na O.A. e na O.S.A.E., com exercício livre de mandato.
YY. A sentença recorrida ser revogada nos termos expostos supra, permitindo-se às recorrentes prosseguirem, cumulativamente, com a sua atividade de advocacia com mandato judicial (com exclusão de processos executivos) e de agentes de execução, nos exactos termos em que o fazem à luz dos regulamentos/estatutos anteriores, nos termos do art. 112°, n°.1 d) do CPTA, devendo ser declarada relativamente à pessoa das recorrentes, nos termos do art° 112°, n° 2, a) do CPTA, a suspensão de eficácia das regras estatutárias do art 3°, n°s. 12, 13, 14 e 19, do art.13° e art. 165°, n° 1 a) da Lei n°. 154/2015 de 14.09 (incompatibilidade entre as funções de agente de execução e o exercício do mandato judicial), do art. 85° do EOA, bem como o art. 3°, n°. 4 da lei n°. 45/2015 de 09.09;
TERMOS EM QUE, deve conceder-se provimento ao presente recurso nos termos das conclusões referidas supra e revogando a decisão impugnada, farão JUSTIÇA
*
O Estado Português contra-alegou, concluindo:
I - As providências cautelares destinam-se a assegurar a realização provisória de um litígio, através da adoção das medidas necessárias e adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal (cfr. art. 112º, nº 1 do CPTA), limitando-se o tribunal a exercer a “summario cognitio” e a matéria que a extravase cabe no domínio da causa principal, ou seja, tudo o que extravase os critérios de decisão cautelar, traduzidos nos requisitos do fummus boni iuris, periculum in mora e ponderação de interesses do art. 120º, nºs 1 e 2 do CPTA, compete à causa principal;
II - Uma providência cautelar existe para prevenir a inutilidade, total ou parcial, das sentenças, seja por infrutuosidade, seja por retardamento.
III - “Existe inutilidade da sentença por infrutuosidade quando, mercê da evolução das circunstâncias, já não é possível dar corpo, no plano dos factos, ao que é determinado na sentença, pelo que assiste à perda definitiva da utilidade pretendida no processo principal. A sentença é (parcialmente) inútil do retardamento na medida em que, embora a sua execução seja possível e permita evitar a produção de danos futuros, a verdade é que já não está em condições de remover os danos irreparáveis ou de difícil reparação que resultaram do estado de insatisfação do direito que se manteve durante a pendência do processo” - Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha (“Comentários ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 554.
IV- A matéria que extravase o quadro da “summario cognitio”, cabe no domínio da causa principal, logo, tudo quanto extravase os critérios de decisão cautelar, traduzidos nos requisitos do fummus boni iuris, periculum in mora e ponderação de interesses do art. 120º, nºs 1 e 2 do CPTA, compete à causa principal, na qual o juízo de pronúncia do tribunal tem por objeto o litígio, em contrário do que sucede no domínio cautelar que, como é consabido, não tem por escopo antecipar o juízo definitivo sobre o mérito da causa” - Acórdão do TCA Sul, de 11/08/2010, Proc. nº 04761/09.
V - Deste modo, não faz sentido que as ora Recorrentes pretendam ver consignada matéria de facto que apenas se apresenta como relevante para a decisão da ação principal.
VI - Como a sentença reconheceu, não foram encontradas razões para adotar qualquer medida cautelar para assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal.
VII - Pretendem as Recorrente com o presente recurso introduzir alterações na determinação da matéria de facto constante da douta sentença recorrida e ainda demonstrar que ocorreu uma errada aplicação do direito.
VIII - Porém, não lhes assiste qualquer razão.
IX - O primeiro critério geral de que depende a atribuição de um providência cautelar como é consabido, é o “periculum in mora” a que alude o art. 120º, al. a) do CPTA, isto é o fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio.
X - Tem assim o Tribunal de descortinar indícios de que essa intervenção preventiva é necessária para impedir a consumação de situações lesivas, que, de outro modo, resultariam com a demora do processo principal.
XI - Este requisito dá-se por verificado sempre que os “factos provados demonstrem a existência de fundado receio na verificação de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa acautelar no processo principal, sendo que, para a concretização destes conceitos não vale já o critério da insusceptibilidade de avaliação pecuniária dos prejuízos invocados, mas o da impossibilidade de reintegração na esfera jurídica do requerente ou da maior ou menor dificuldade em concretizar essa reintegração, no caso do prejuízo de difícil reparação” (cfr. Acórdão do TCA Sul, de 16/06/2011 in Processo nº 07361/11).
XII - Competirá ao requerente alegar e demonstrar o fundado receio de que, se a providência for recusada, se constituirá uma situação de facto consumado, que, ainda que o processo principal seja julgado procedente, conduzirá à impossibilidade de proceder à restauração natural no plano dos factos, ou a produção de prejuízos de difícil reparação.
XIII - Considerou a Senhora Juíza, (e bem) na sentença recorrida, que as Requerentes não alegaram factos concretos que permitam ao Tribunal concluir pela verificação do “periculum in mora”, mas “apenas e só, probabilidades de situações fácticas que esperam que se concretizem, mas sem o mínimo de certeza da respetiva materialização; as Requerentes invocam situações sem a demonstração de elevada probabilidade de concretização.”
XIV - Com efeito, invocam as requerentes, em síntese e tão só:
. que a aplicação imediata das novas regras estatutárias causa prejuízos irreparáveis e desproporcionados com o fim a proteger a dignidade da profissão, pondo em causa a fonte de rendimentos das requerentes;
. que a incompatibilidade entre as funções de agente de execução e o exercício do mandato judicial acarreta uma diminuição considerável dos seus rendimentos anuais,
. pois que são anualmente nomeadas para dezenas de processos no âmbito do acesso ao direito, (mostrando-se a requerente A nomeada em 29 processos ativos, e a requerente CE em cerca de 15 processos ativos), tendo ainda procurações para o mandato judicial de diversos outros clientes e encontram-se nomeadas como agentes de execução a primeira em 282 processos e a segunda em 156 processos;
. assim, tendo de cancelar uma das ditas atividades, terão prejuízos irreparáveis imediatos, ou mesmo um colapso financeiro
. caso optem pelo exercício em simultâneo das duas profissões, enquanto advogadas, apenas poderão praticar atos de solicitadoria, certificações, reconhecimento de assinaturas, autenticação de documentos e pouco mais, sendo que continuariam a pagar quotas para as duas Ordens e a efetuar descontos para o CPAS em função disso e apenas exercendo, no fundo, uma das atividades, situação que causaria danos desmedidos e irreparáveis às requerentes;
. que assumiram compromissos financeiros, recorrendo a financiamentos e assumindo despesas mensais contando com a projeção dos seus rendimentos dos anos transatos, não podendo só com o rendimento obtido com uma dos profissões, suportar todas as suas despesas e cumprir com os compromissos que assumiram com a legítima expectativa de exercer ambas as profissões em plenitude.
XV - Ora, tais factos, salvo devido respeito, não configuram qualquer quadro de perigo de constituição de uma situação de facto consumado, com impossibilidade de proceder à restauração natural no plano dos factos, ou qualquer produção de prejuízos de difícil reparação, tal como exigido para a procedência do requerido.
XVI - Para efeito de concretização do conceito de “prejuízos de difícil reparação” aqui em causa, deverão ser consideradas apenas aquelas lesões graves que, por serem simultaneamente irreparáveis, ou de difícil reparação merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar.
XVII - “Os prejuízos de difícil reparação serão os resultantes de decisões ou atuações administrativas que tornam extremamente difícil a reposição da situação anterior à lesão, causando danos que ainda que suscetíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se mostra insuficiente para devolver ao lesado a situação em que se encontraria sem eles” – Ac TCASul de 02.10.2008, processo nº 239/08.
XVIII - In casu, parece-nos evidente que não se mostra minimamente alegado, nem quantificado, qualquer prejuízo efetivo e muito menos de difícil reparação, que seja decorrente da probabilidade de improcedência do requerido.
XIX - Com efeito, as requerentes limitam-se a tecer algumas considerações genéricas, abstratas e absolutamente conclusivas quanto aos danos hipotéticos que a aplicação imediata das normas estatutárias acarretará, sem que concretizem, minimamente, se sofrerão algum prejuízo efetivo caso sejam obrigadas a optar apenas por uma das profissões que pretendem exercer cumulativamente, qual a natureza de tal prejuízo, e respetiva quantificação pecuniária.
XX - Não referem, nem quantificam, por exemplo, qual a atividade que, em termos de exercício de mandato judicial como advogadas vêm exercendo, (mas apenas o nº de nomeações como patronas ou defensoras oficiosas e o nº de procurações que lhe serão outorgadas), qual o valor exato dos rendimentos que cada umas das referidas atividades lhes vinha proporcionando nos anos transatos, qual o aumento do volume da atividade exercida/esperada como agentes de execução, ou no âmbito do mandato judicial, quando exercida(s) em exclusivo, e se tal valor será, ou não, superior aos rendimentos que auferiam antes das alterações estatutárias, sendo assim absolutamente omissa qualquer quantificação de eventuais prejuízos.
XXI - Não invocam, tão pouco, factos dos quais se possa concluir que a atividade exercida/esperada apenas como agentes de execução, ou apenas no âmbito do mandato judicial, se afigure como menos lucrativa do que as atividades que até então exerciam em simultâneo, olvidando (ou omitindo), a indubitável certeza que o volume de serviço (e proventos) de qualquer uma dessas atividades aumentará quando exercidas com dedicação exclusiva.
XXII - Acresce que as Autoras não estarão impedidas de ser, simultaneamente, advogadas e agentes de execução, mas apenas de exercer, em simultâneo, o mandato judicial e a função de agente de execução, caso por estas optem, podendo ainda assim praticar os demais atos de advocacia previstos na Lei nº 49/2004 de 24.08 e no Estatuto da Ordem dos Advogados.
XXIII - Como tal, não se mostra invocado, nem resulta minimamente demonstrado dos autos, a existência de um qualquer prejuízo concreto, e muito menos irreparável, ou irreversível a acautelar provisoriamente.
XXIV - «Não cabe dúvida de que, nos termos do artigo 114º/1/g) do CPTA incumbe ao requerente da providência o ónus de “especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido” o que significa, em termos de fundamentação de facto e na questão em apreço, a necessidade da alegação dos factos concretos capazes de consubstanciar a situação de “periculum in mora” invocada, segundo o “guião” paradigmaticamente definido no acórdão deste TCAN de 17-04-2015, Proc. 02410/13.4BEPRT, 1ª Secção - Contencioso Administrativo, em cujo sumário se pode ler:
«I - A concessão das providências cautelares, no tocante ao requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º, nº 1, alíneas b) e c), do CPTA, assenta nos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente “conclusiva”, porque desprovida dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito.
II - Cabe ao requerente alegar factos concretos que permitam ao julgador apreciar e eventualmente concluir pela existência de uma situação de carência económica relevante para preenchimento do requisito do periculum in mora previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA (…)
III - Se ao tribunal é lícito considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, bem como os factos daí resultantes que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e também os factos notórios e aqueles de que tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções, como dispõe o nº 2 do artigo 5º do CPC, já vedado lhe é erigir ele próprio uma causa de pedir, quanto aos factos essenciais, mediante inquirição de testemunhas sobre matéria meramente conclusiva e afirmações de ordem tabelar por referência à facti species da respectiva norma legal: Sairia violado gravemente o princípio da imparcialidade do juiz.» Como defendido in Ac. de TCAN, de 28-04-2017, proc. nº 00480/16.2BEBRG-A
XXV - Transpondo para o caso em apreço, verifica-se que as requerentes se limitam à indicação de temores e perigos cuja probabilidade de concretização carece de base factual a essa demonstração.
XXVI - Não resulta, assim, minimamente alegado, nem demonstrado, que caso a ação principal seja procedente, tal decisão venha a tornar-se inútil, sem qualquer alcance prático, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos dificilmente reparáveis, que obstem à reconstituição natural ou à reintegração da esfera jurídica do beneficiado com a sentença.
XXVII - Aliás, obtendo as aqui recorrentes, eventual ganho de causa na ação principal, sempre seria possível corrigir, se fosse caso disso, quaisquer eventuais prejuízos entretanto determinados (e que, diga-se, não se descortinam também ali minimamente concretizados).
XXVIII - Deste modo e como bem considerado na sentença recorrida, não se reconhece pois por invocada nem demonstrada a existência, em concreto, de quaisquer danos ou prejuízos de difícil reparação advindos da não adoção da presente providência cautelar, nem a verificação de um direto e necessário nexo de causalidade entre esses eventuais danos e o não decretamento da requerida providência.
XXIX - Perante esta evidência, atenta a sabida e necessária cumulatividade dos requisitos aplicáveis, ficaria necessariamente prejudicado o conhecimento do pressuposto do fumus boni iuris e, bem assim, do requisito negativo de deferimento, previsto no n.º 2 do citado artigo 120.º, este último assente numa ponderação de todos os interesses em presença.
XXX - Não obstante, também este sempre se mostraria inverificado na vertente consagrada no art. 120º nº 1 do CPTA.
XXXI - Como considerado na sentença em causa e pacificamente aceite pela jurisprudência, a ponderação por parte do Tribunal “sobre a probabilidade da procedência da pretensão formulada no processo principal deve ser feita em moldes perfunctórios, materializados num juízo de verosimilhança ou mera previsibilidade e razoabilidade dos indícios, que permita que o Tribunal assente na probabilidade do êxito da pretensão principal.”
XXXII - Exige-se aqui mais do que uma aparência do direito, um juízo de probabilidade, de quase certeza de que a lide principal terá êxito, por não ser provável a procedência da pretensão formulada na lide principal.
XXXIII - “A apreciação do fumus boni iuris a que alude o nº 1 do artigo 120º do CPTA impõe, assim, um juízo cautelar que se satisfaz com a mera verosimilhança ou probabilidade, estando excluída uma análise de tal forma detalhada que venha a desembocar na antecipação da decisão para a causa principal.” - Ac TCAN de 28.04.20017, proc. 75/17.3BEMDL
XXXIV - A consagração desde critério pressupõe o permanente respeito pela lógica da tutela cautelar que não tem por escopo antecipar o juízo definitivo sobre o mérito da causa, sendo, por isso, incompatível com a indagação exaustiva de questões cuja solução cabe no processo principal.
XXXV - Esse juízo judicial terá que ser baseado na análise de factos que permitam a um terceiro imparcial concluir que a situação de risco é efetiva, e não uma mera conjetura.
XXXVI - Ora, como bem documentam os autos, não é possível considerar, à luz do referido art. 120º, al. a), do CPTA que é evidente a procedência da pretensão formulada ou no processo principal, nem sequer se mostra devidamente alegado qualquer facto concreto atinente a tal.
XXXVII - Em suma e por tudo quanto fica exposto, nenhum dos pressupostos se comprovou – e incumbia às recorrentes fazer essa prova – falecendo toda a argumentação produzida pelas Recorrentes.
XXXVIII - Pelo que bem concluiu a sentença no sentido da improcedência da pretensão cautelar.
Termos em que se entende dever ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA
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O Ministério da Justiça contra-alegou e concluiu:
a) A motivação das Recorrentes para o recurso assenta na discordância relativamente à sentença recorrida, dado que, inconformadas, não pretendem outro resultado que não seja aquele que peticionam no requerimento cautelar;
b) Contrariamente ao que as Recorrentes alegam, a sentença não se encontra ferida de nulidade dado que contém fundamentação necessária, mormente no ponto “IV”, e suficiente para adequada perceção da motivação decisória, sobretudo em sede de análise do periculum in mora e do fumus boni iuris, inexistindo qualquer erro de julgamento;
c) Requerem as Recorrentes que seja atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, porém, tal requerimento não vem fundamentado quanto à sua oportunidade, a que acresce o facto de, em face da al. b) do n.º 2 do art. 143.º do CPTA, os recursos em sede cautelar têm efeito meramente devolutivo. Pelo que não poderá ser deferida essa pretendem por ser ilegal;
d) Tanto mais porque foi indeferido às ora Recorrentes o decretamento provisório da providência, não tendo estas impugnado tal decisão, pelo que se conformaram com tal decisão;
e) A prolixidade das conclusões não permite conferir objetividade ao recurso, dificultando o contraditório, no reduto mais significativo que é o objeto do recurso. Pelo que o Tribunal ad quem apreciará esse facto à luz dos pertinentes enunciados constantes do n.º 3 do art. 639.º do CPA, aplicável por força do art. 1.º e do art. 140.º, n.º 3 do CPTA, sob pena de não conhecer do recurso;
f) A sentença, no ponto “IV”, detalhou a factualidade que considerou provada e, bem assim, a ausência de factos não provados, apresentando, ainda a fundamentação da matéria de direito; e
g) A sentença cumpriu, ainda, todos os requisitos a que estava legalmente vinculada;
h) Pelo que não é portadora de qualquer nulidade;
i) Sendo que as Recorrente também não fundamentam a, por elas alegada, nulidade;
j) A sentença procedeu à análise detalhada, inclusive com citações da pertinente doutrina, dos requisitos e critérios constantes do art. 121.º do CPTA, tendo concluído pela inexistência de factos que permitissem ao Tribunal a quo concluir pela verificação do periculum in mora;
k) Por outro lado, fundando as Requerentes, ora Recorrentes, o fumus boni iuris na inaplicação das novas regras estatutárias, bem como do art. 95.ºdo EOA, por manifesta inconstitucionalidade, a sentença concluiu pela improbabilidade de a pretensão da ação principal ser considerada procedente. Fê-lo através de raciocínio claro e inteligível;
l) Não se afigurando que em presença de um cautelar fosse exigida à sentença alguma outra fundamentação;
m) Não é possível que as Recorrentes digam que desconhecem as razões de facto e de direito pelas quais se entendeu que não era provável que a pretensão formulada no processo principal fosse procedente;
n) Pelo que as Recorrente viciam as suas alegações de recurso de falta de fundamentação;
o) Quanto à, pretendida pelas ora Recorrentes, consideração de danos imediatos, é consabido que, aliás na sequência de preceito constitucional, é livre a escolha da profissão, bem como as opções que, dentro de cada profissão os operadores fazem;
p) Ora, como bem descreve a sentença, as Recorrentes não peticionam a impugnação de normas constantes dos diplomas legais que enunciam, sendo que, caso tal ocorresse sempre se diria que essa apreciação está excluída da jurisdição administrativa;
q) Ainda que assim não se entendesse a concessão da providência e/ou a procedência da causa principal - o que não se concede – violaria, em prejuízo das Requeridas, pelo menos da aqui Recorrida, o princípio da adequação, bem como o princípio da proporcionalidade porque tal significaria que diversos regimes legais atinentes aos exercícios profissionais seriam ilegais, o que não consta como objeto dos autos principais e/ou do cautelar;
r) Não lograram as ora Recorrentes demonstrar o perigo ou receio, ou, ainda, a existência de prejuízos de difícil reparação, através da invocação de factos que, objetivamente mostrem ser tais prejuízos fundamentados;
s) A sentença encontra-se estruturada, não é portadora de vícios e não assiste às Recorrentes o direito a requerer a sua correção;
t) Sendo que as ora Recorrentes não colocam em crise factualidade considerada provada na sentença recorrida;
u) Impendia sobre as Requerentes da providência, ora Recorrentes, o ónus de especificar e concretizar o fundado receio, ou seja, evidenciar o preenchimento do requisito do “periculum in mora”, bem como os demais requisitos exigidos por lei, ou seja, o da constituição de uma situação de facto consumado e / ou a produção de prejuízos de difícil reparação. O que não aconteceu;
v) Portanto, o efeito processual – pretendido pelo Requerente (ora Recorrente) - do requerimento cautelar e, agora, do requerimento e alegações de recurso não é possível obter;
w) Tanto mais porque os critérios constantes do art. 120.º do CPTA são cumulativos, tal como a sentença recorrida refere;
x) Por isso, faltando um dos requisitos, não se mostram verificados todos os pressupostos para o decretamento da providência;
y) Procedem as Recorrentes à novação dos pedidos deduzidos no requerimento cautelar, agora em sede de alegações de recurso, designadamente das conclusões “yy”;
z) Acontece que os atos requeridos são da competência de Órgãos que não têm sede no aqui Recorrente;
aa) Efetivamente, a verificação da “atividade de advocacia” compete, no âmbito do Estatuto da Ordem dos Advogados, aos competentes Órgãos decidir;
bb) Sendo que a “suspensão de eficácia de normas relativamente à pessoa das Requerentes, ora Recorrentes” não é – em face da natureza das correspondentes normas -, manifestamente, da competência desta jurisdição, como, de resto bem faz notar a sentença.
Assim, não tendo a decisão impugnada qualquer vício e encontrando-se corretamente fundamentada, bem como o iter decisório;
Nestes termos e nos mais de direito deverá ser considerado o recurso improcedente, e confirmada a decisão recorrida.
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A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) também contra-alegou, sem conclusões, finalizando assim:
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o suprimento, deve o recurso interposto ser julgado improcedente, por não provado, e, em consequência, ser mantida a sentença recorrida, com o que se fará
Justiça
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Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1. As Requerentes, AMVP e CSGE são advogadas, inscritas na Ordem dos Advogados, respectivamente, desde 17.12.2009 e 24.09.2010.
2. As Requerentes candidataram-se ao curso de agentes de execução, e inscreveram-se para a realização do respectivo exame de admissão, na sequência da publicitação da Deliberação do Plenário da Comissão para a Eficácia das Execuções, da Abertura do 2.º Estágio de Agente de Execução (Cfr. Doc. n.º1 junto com a Petição Inicial (PI) da Acção Principal da qual são estes autos apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido):
3. Em Abril de 2012 as Requerentes foram admitidas à prova de avaliação, que concluíram com sucesso, como resulta dos documentos n.º2 e 3, juntos com PI da Acção Principal, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Em Janeiro de 2015 as Requerentes constituíram a Sociedade Civil de Responsabilidade Limitada “ AP E CE– SAE, SP RL” (Cfr. Doc. n.º 4 junto com PI da Acção Principal, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
5. A Lei n.º 154/2015 de 14.09 aprovou o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (EOSAE) estabelecendo o artigo 165.º “é incompatível com o exercício das funções de agente de execução: a) o exercício do mandato judicial” e o n.º 13 do seu artigo 3.º: “os solicitadores e advogados que exerçam funções de agentes de execução regularmente inscritos na Câmara dos Solicitadores, relativamente aos quais se verifique incompatibilidade relativa ao mandato judicial devem pôr termo a essa situação de incompatibilidade até 31 de Dezembro de 2017,sem prejuízo de poderem prosseguir com os mandatos judiciais já constituídos até à data da entrada em vigor do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de execução”,
6. A Lei n.º 145/2015 de 09.09 aprovou o Estatuto da Ordem dos Advogados, prescrevendo o n.º4 do seu artigo 3.º (norma transitória): “ Os Advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados e na Câmara dos Solicitadores como agentes de execução, relativamente aos quais se verifiquem incompatibilidades em resultado das alterações introduzidas pelo Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, devem pôr termo a essas situações de incompatibilidade até Dezembro de 2017”.
7. As Requerentes dirigiram à Ordem dos Advogados carta registada com aviso de recepção, que ali foi recebida em 18.05.16, requerendo declaração expressa da inaplicabilidade do 13.º e artigo 165.º da Lei 154/2015 de 14.09 às requerentes, que constitui o documento n.º5 junto com a PI da Acção Principal, cujo teor e conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
8. Dirigiram também as Requerentes à Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução a carta registada com aviso de recepção, que ali foi recebida em 18.05.16, requerendo declaração expressa da inaplicabilidade do 13.º e artigo 165.º da Lei 154/2015 de 14.09 às requerentes, que constitui o documento n.º6 junto com a PI da Acção Principal, cujo teor e conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. Dirigiram também as Requerentes requerimento ao Ministério da Justiça, por a carta registada com aviso de recepção, que ali foi recebida em 16.06.16, peticionando a declaração expressa da inaplicabilidade do 13.º e artigo 165.º da Lei 154/2015 de 14.09 às requerentes, que constitui o documento n.º7 junto com a PI da Acção Principal, cujo teor e conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
10. O presente processo cautelar deu entrada em juízo em 14.12.2017 (página electrónica 1).
Em sede de factualidade não provada o Tribunal consignou: Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão a proferir.
E no que à motivação da matéria de facto concerne exarou: Quanto aos factos dados como indiciariamente provados, a convicção do Tribunal baseou-se na posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados - cfr. art.º 118.º, n.º 2 do CPTA e na prova documental a que se fez referência supra em cada um dos pontos da matéria assente.
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DE DIREITO -
Está em causa a sentença que ostenta este discurso fundamentador:
(…..)
Nos termos do requerimento inicial pretendem as Requerentes ver decretada a presente providência cautelar, com vista a “ ser concedida autorização para as requerentes prosseguirem, cumulativamente, com a sua atividade de advocacia com mandato judicial (com exclusão de processos executivos) e de agentes de execução, nos exactos termos em que o fazem à luz dos regulamentos/estatutos anteriores, nos termos do art. 112.º, n.º1 d) do CPTA; (…) ser ordenada relativamente à pessoa das requerentes, nos termos do artigo 112.º, n.º2 do CPTA, a suspensão de eficácia das regras estatutárias do art. 3.º, n.ºs 12, 13, 14 e 19, do art. 13.º e art. 165 º, n.º 1 a) da Lei n.º 154/2015 de 14.09 (incompatibilidade entre as funções de agente de execução e o exercício do mandato judicial) do art. 85.º do EOA, bem como o art. 3.º, n.º4 da lei n.º 45/2015 de 09.09.”
O peticionado tem o seu enquadramento legal no n.º1 do art.º 112.º do CPTA (redacção dada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro de 2015), no qual se prescreve “Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.”
O processo cautelar é um mecanismo processual instituído com vista à concretização do direito a uma tutela jurisdicional efectiva e à salvaguarda dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal (Cfr. artigo 268.º, n.º 4 da CRP), ou seja, a tutela cautelar visa assegurar o efeito útil da sentença a proferir em sede de acção principal, regulando provisoriamente a situação até que seja definitivamente decidida, na acção principal, a contenda que opõe as partes.
É por essa razão que a providência cautelar é provisória e instrumental da acção principal e motivo pelo qual a sorte do processo cautelar depende da procedência da acção principal.
Nesta apreciação, o tribunal limita-se a uma summario cognitio, isto é, a um juízo de mera previsibilidade, razoabilidade ou verosimilhança dos factos carreados para os autos, da aparência de um direito ou da provável ilegalidade da actuação administrativa (fumus boni iuris).
Por sua vez, a apreciação da utilidade ou infrutuosidade atende a um critério de “fundado receio”, ou seja, à elevada probabilidade da difícil reparação e gravidade dos danos (periculum in mora).
O decretamento de providências cautelares exige, assim, o preenchimento de dois pressupostos (positivos): o fumus boni iuris ou “que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente” e o periculum in mora ou “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” [Cfr. artigo 120.º, n.º 1 do CPTA (redacção dada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro de 2015].
O artigo 120.º, n.º2 CPTA acrescenta um terceiro pressuposto (negativo), nos termos do qual “a adoção da providência ou das providências é recusada, quando devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências” (princípio da proporcionalidade).
O preenchimento do fumus boni iuris constitui “ (…) uma machadada final no dogma da presunção de legalidade da actividade administrativa. Deste modo, é afastada a presunção de que a execução de quaisquer actos ou operações materiais pela Administração se encontra a coberto do interesse público. A principal consequência da sumariedade da tutela cautelar traduz-se numa atenuação do grau de prova necessário para justificar a decretação de uma providência. Será assim suficiente a mera justificação ou demonstração de uma verosimilhança entre os factos alegados pelo requerente e a verdade fáctica” (Cfr. ROQUE, Miguel Prata, Novas e velhas andanças do Contencioso Administrativo, Lisboa, A. A. F. D. L., 2005, pp. 573 e ss.).
“O tribunal, antes de emitir a providência, não se certifica, com segurança, da existência do direito que o requerente se arroga: limita-se a formar um juízo de verosimilhança, a verificar a aparência do direito (fumus boni iuris)” (Cfr. REIS, José Alberto dos, “A Figura do Processo Cautelar”, in Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa, 1947, p.72).
Atento o supra exposto, em suma, conclui-se dispõe o artigo 120.º do CPTA sobre os critérios de decisão das providências cautelares requeridas, sendo requisitos cumulativos para a adopção de medidas cautelares o periculum in mora, fumus boni iuris, e a ponderação de interesses públicos e privados em presença.
O periculum in mora, consiste na existência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (artigo 120.º,n.º1, 1ª parte, do CPTA).
Cumpre aferir da existência de um perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal, ainda que meramente parcial, pela constituição de uma situação de facto consumado ou pelo receio de se produzirem prejuízos de difícil reparação.
Este requisito apela à alegação pelas Requerentes de factos concretos (sublinhado nosso) “que inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, essa reintegração no plano dos factos será difícil, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente” – Cfr. Mário Aroso de Almeida, in O novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª ed., pp 291-292.
“Para aferir da verificação ou não deste requisito, o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstratos, ponderando, designadamente, sobre as dificuldades que envolvem o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar (…)” (Cfr. Acórdão TCAN de 24.04.2015, processo n.º 00831/14.4BEAVR, publicado em www.dgsi.pt).
O juiz “deve fazer um juízo de prognose colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há ou não razão para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica. Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do Requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar „compreensível ou justificada a cautela que é solicitada”. (Cfr. ANDRADE, Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), 7ª edição, Coimbra, Almedina, 2005, p. 331).
A prova de que tais consequências são quase certas e não meramente prováveis constitui um ónus do Requerente da providência cautelar. (sublinhado nosso.
Ora, a este respeito as Requerentes não alegam factos que permitam ao Tribunal concluir pela verificação do periculum in mora.
O que as Requerentes alegam, são apenas e só, probabilidades de situações fácticas que esperam que se concretizem, mas sem o mínimo de certeza da respectiva materialização; as Requerentes invocam situações sem a demonstração de elevada probabilidade de concretização.
O fumus boni iuris verifica-se quando seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (artigo 120.º, n.º1, 2.ª parte, do CPTA)
As providências cautelares, como referido, estão necessariamente dependentes de uma acção já pendente ou a instaurar posteriormente à sua dedução em juízo – instrumentalidade – (cfr. art.º 114.º, n.º 1 do CPTA), acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da decisão definitiva, na pressuposição de que esta venha a ser favorável ao requerente (cfr. Alberto dos Reis, in BMJ, nº 3, pp. 45 e Castro Mendes, in DPC, ed. 1973, vol. I, pp. 198), são provisórias, pois não visam a resolução definitiva do litígio e a cognição é necessariamente sumária e perfunctória da situação de facto e de direito.
Por outro lado, o objecto da providência há-se ser conjugado com o objeto da causa principal, embora tal dependência não imponha perfeita identidade – Acórdão da Relação de Coimbra, in BMJ, 414-646, nos termos do qual não tem de existir uma perfeita coincidência entre os pedidos formulados no procedimento cautelar e na ação principal, mas deve existir coincidência de partes e de causa de pedir.
No caso sub judice, as Requerentes já instauraram a acção principal de que os presentes autos cautelares dependem, peticionando:
“a) ser declarada a omissão de decisão/incumprimento do dever de decisão por parte das RR. Ministério da Justiça, AO e OSAE:
b) ser declarada a inaplicabilidade às AA das novas regras estatutárias do art 3.º,n.s 12, 13, 14 e 19 , do art. 13.º e art.165.º, n.º 1 a) da Lei n.º154/2015 de 19.09 às AA. (incompatibilidade entre funções de agente de execução e o exercício do mandato judicial), bem como o art 85.º do EOA por manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade dos mesmos em face dos direitos e expectativas legitimamente adquiridos pelas AA.
c) serem as Rés AO e OSAE condenadas a manter a inscrição das AA. cumulativamente na Ordem dos Advogados e na Ordem dos Solicitadores e agentes de Execução, nos termos da anterior legislação com exercício de mandato judicial ( com excepção das acções executivas);
ou assim não se entendendo:
d) sejam as Rés solidariamente condenadas no pagamento de uma indemnização às AA. por todos os danos sofridos por estas, a liquidar em execução de sentença.” (Cfr. página electrónica 1 a 83 da acção 1399/17.5 BEBRG)

Do fumus boni iuris
Na formulação consagrada no art. 120º nº 1 do CPTA, a verificação dos requisitos ai previstos é cumulativa.
Deste modo, o nº 1 do art. 120º do CPTA faz depender a atribuição das providências cautelares de um juízo sobre as perspectivas de êxito da Requerente no processo principal.
Actualmente com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro de 2015, o fumus boni iuris apresenta-se sempre sob a formulação positiva (condizente com a formulação que na redacção anterior se encontrava plasmada na al. c) do nº 1 do art. 120º do CPTA).
A formulação positiva do fumus boni iuris é-nos dada pela introdução na redação do nº 1 do art. 120º do CPTA do substantivo “provável”, que imprime uma maior rigidez ao conceito. Assim, do direito convocável para subsumir os factos descritos, tem de ser possível chegar-se à probabilidade do êxito da acção; tem de se verificar uma aparência de que o requerente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela actuação administrativa.
Como refere a Prof. Isabel Celeste Fonseca, o requisito do fumus boni iurus na formulação positiva, obriga a um juízo positivo de probabilidade através da “intensificação da cognição cautelar”, ou seja, duma “apreciação mais profunda e intensa da causa”. (cfr. Isabel Celeste M. Fonseca, Dos novos processo urgentes no Contencioso Administrativo (função e estrutura)”, págs. 66 a 68)
Esta análise implica uma summario congnitio, por recurso a um juízo de verosimilhança ou mera previsibilidade e razoabilidade dos indícios, que permita ao Tribunal acreditar na probabilidade do êxito da pretensão principal.
Atendendo à situação dos autos, verifica-se que as Requerentes alicerçam o requisito do fumus boni iuris nos seguintes argumentos: na inaplicabilidade às Requerentes das novas regras estatutárias do art 3.º,n.s 12, 13, 14 e 19 , do art. 13.º e art.165.º, n.º 1 a) da Lei n.º154/2015 de 19.09 às AA. (incompatibilidade entre funções de agente de execução e o exercício do mandato judicial), bem como o art 85.º do EOA por manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade dos mesmos em face dos direitos e expectativas legitimamente adquiridos pelas Requerentes; o manter a inscrição das Requerentes cumulativamente na Ordem dos Advogados e na Ordem dos Solicitadores e agentes de Execução, nos termos da anterior legislação com exercício de mandato judicial (com excepção das acções executivas).
Vejamos.
No caso sub judice as requerentes pretendem:
“A) serem provisoriamente decretadas de imediato, nos termos do art.130.º, n.º1 e n.º6 do CPTA, no despacho liminar, as providências requeridas em B) e C);
B) ser concedida autorização para as requerentes prosseguirem, cumulativamente, com a sua atividade de advocacia com mandato judicial (com exclusão de processos executivos) e de agentes de execução, nos exactos termos em que o fazem à luz dos regulamentos/estatutos anteriores, nos termos do art. 112.º,n.º1 d) do CPTA;
C) ser ordenada relativamente à pessoa das requerentes, nos termos do artigo 112.º, n.º2 do CPTA, a suspensão de eficácia das regras estatutárias do art. 3.º, n.ºs 12, 13, 14 e 19, do art. 13.º e art. 165 º, n.º 1 a) da Lei n.º 154/2015 de 14.09 (incompatibilidade entre as funções de agente de execução e o exercício do mandato judicial) do art. 85.º do EOA, bem como o art. 3.º, n.º4 da lei n.º 45/2015 de 09.09.”
Antes de mais cumpre relembrar que a análise a levar a cabo é uma análise perfunctória meramente superficial da existência do direito, que apenas merece tutela cautelar pela sua aparência “espontânea” e evidente no sentido da procedência da acção principal.
Após a cognição sumária dos argumentos apresentados pelas Requerentes, e sempre balizados pela não intromissão no mérito do processo principal, tem-se por concluir que não é provável que a pretensão a formular na lide principal seja procedente.
O critério do fumus boni iuris na vertente que se encontra consagrada no art. 120º nº 1 do CPTA, exige mais do que uma aparência do direito, um juízo de probabilidade, de quase certeza de que a lide principal terá êxito.
Deste modo, a presente providência cautelar não logra preencher o critério inultrapassável do fumus boni iuris, pelo que não há lugar a decretar a tutela cautelar.
Pelo que, conclui-se não estar verificado o requisito do fumus bonis iuris e como tal falece a pretensão do Requerente por não verificação dos pressupostos previstos no art.º 120.º, n.º 1 do CPTA.
Em todo o caso, mesmo que assim não fosse, a providência cautelar não seria decretada por inexistência de periculum in mora.
X
Vejamos:
Do efeito do recurso -
Como é sabido, nos termos do artigo 143º/2/b), do CPTA, os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares têm efeito meramente devolutivo.
A previsão desse efeito tem razão de ser. Visa “permitir que as decisões que recusem a adoção da providência cautelar de suspensão da eficácia de atos administrativos produzam imediatamente os seus efeitos a partir do momento em que sejam proferidas, fazendo cessar a proibição de executar o ato administrativo que decorre do artigo 128.º (…).
Na verdade, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso jurisdicional, neste tipo de casos, teria o efeito pernicioso de favorecer a utilização abusiva do recurso contra decisões que recusassem a suspensão da eficácia de atos administrativos, no propósito de aproveitar o efeito automático que resultaria da simples interposição do recurso jurisdicional durante toda a pendência do mesmo, assim prolongando a situação de proibição de executar o ato administrativo” (cfr. Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed. Almedina, 2017, págs. 1100, 1101).
A atribuição de efeito meramente devolutivo aos recursos de sentenças cautelares, em excepção à regra geral do efeito suspensivo dos recursos, (contida no nº 1 daquele preceito) destina-se, precisamente, a permitir que as decisões que recusem a suspensão da eficácia de actos administrativos produzam imediatamente os seus efeitos a partir do momento em que são proferidas.
E certo é que as Recorrentes não alegam qualquer circunstância capaz de tornear esse propósito.
Por outro lado, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos não contém nenhuma norma que permita que seja afastado o efeito suspensivo previsto no nº 2 do artigo 143º. A única possibilidade de afastamento do efeito previsto reporta-se ao nº 1, e à modificação de efeito suspensivo para efeito meramente devolutivo.
Com efeito, “As previsões dos nºs 4 e 5 [do artigo 143.º] pressupõem que tenha sido requerida a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, nos termos do n.º 3. Não são, por isso, aplicáveis às situações de efeito devolutivo por determinação da lei, que diretamente decorrem do disposto no n.º 2, sem dependência de requerimento, e não são, por isso, passíveis de decisão de atribuição ou recursa por parte do juiz” (obra cit., pág. 1103).
Noutros termos, a interpretação do artigo 143º/2 do CPTA impõe que se conclua que a regra aí consagrada, sobre o efeito meramente devolutivo, não se compadeça com as alterações que são previstas no nº 4 e no nº 5 do mesmo artigo, que não lhe poderão ser aplicadas; ou ainda, “A regra do nº 2 do artigo 143º do CPTA impede a aplicação das alterações previstas no nº 4 e no nº 5 desse mesmo artigo às providências cautelares por não se encontrar legalmente consagrada a possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo” (Acórdão deste TCAN de 25/9/2014, no proc. 00363/14.0BECBR).
Como resulta do entendimento supra referido, que sufragamos, devemos concluir que a regra do nº 2 do artigo 143º do CPTA impede a aplicação das alterações previstas nos nºs 4 e 5 desse mesmo artigo.
Este tem sido o sentido da nossa jurisprudência, nomeadamente no Acórdão do STA 1361/13 de 23/10/2013 donde resulta que por força do disposto no nº 2 do artº 143º do CPTA, os recursos interpostos de decisões respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo, não se encontrando legalmente consagrada a possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo (…).
Também assim entendeu no Ac. de 24/5/2012, proc. 0225/12, onde se refere: “O art. 143.°, n.º 2, do CPTA é muito claro quando afirma que “os recursos interpostos ... de decisões respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo”.
Improcede, pois, esta pretensão das Recorrentes.
Da suposta nulidade da sentença -
Nas alegações de recurso que apresentam, as Recorrentes arguem a nulidade da decisão que recusou a suspensão da eficácia das regras estatutárias que preveem a incompatibilidade entre o exercício do mandato judicial e as funções agente de execução, por alegada omissão da fundamentação de facto, nos termos conjugados dos artigos 154º e 615º/b) do Código de Processo Civil.
Concretizam a sua alegação, sustentando que (i) a decisão recorrida não contém fundamentação a respeito da não verificação, no caso concreto, dos requisitos de que depende o decretamento da providência requerida - o periculum in mora e o fumus boni iuris - e que (ii) dela não constavam os factos, nem a motivação do Tribunal, em que veio a assentar a decisão em matéria de direito. Entendem, assim, as Recorrentes que a nulidade da decisão resulta do facto de a mesma se fundar apenas em conclusões.
Todavia, não lhes assiste razão.
Com efeito, só a “absoluta falta de fundamentação - e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade - integra a previsão da al. b) do nº 1 do artº 615º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento” - cfr. o Acórdão do STJ de 02/06/2016, proc. 781/11.6TBMTJ.L1.S1.
Como aí é referido - fazendo apelo à doutrina em matéria de vícios da sentença -, “[n]ão pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora (Manual de Processo Civil, 2ª ed.,1985, pág. 670/672), ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
Consequentemente, “[s]ó a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão pode conduzir à nulidade suscitada”.
No caso posto, basta uma análise meramente perfunctória da sentença recorrida para se concluir que a mesma não é absolutamente omissa na sua fundamentação nem, tão pouco, a dita fundamentação se pode considerar “insuficiente, errada ou medíocre”.
Na realidade, a decisão está fundamentada de modo suficiente, pois, por um lado, o Tribunal a quo extraiu da norma geral e abstracta a decisão correcta para o caso concreto e, por outro, as Recorrentes ao impugnarem a os fundamentos da decisão recorrida demonstram conhecer - embora discordando - (i) o iter do julgador e, bem assim, (ii) os motivos daquela decisão.
Desatende-se, assim, a pretensão no tocante à pretensa nulidade da decisão proferida por falta de fundamentação de facto.
Do erro de julgamento da matéria de facto -
No recurso interposto as Recorrentes parecem pretender pôr em causa o julgamento da matéria de facto.
Contudo, não indicam os concretos pontos de matéria de facto que foram incorrectamente julgados nem indicam o suporte probatório que imporia decisão diferente.
Incumpridos que estão os ónus a que se reporta o artigo 640º/1/alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, desatente-se este segmento do recurso.
Do Mérito/Fundo do recurso -
As questões aqui suscitadas são em tudo idênticas às colocadas no processo 1/18.2BECBR, objecto de acórdão proferido em 18/05/2018 e transitado em julgado, pelo que, por razões de celeridade e economia processuais, passamos a transcrever os trechos mais significativos:
(…)
No requerimento inicial, a ora Recorrente solicitou:
A )a suspensão do acto administrativo proferido pelo Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução;
b) a autorização provisória para prosseguir cumulativamente as funções de Agente de Execução e a prática do mandato judicial;
c) a intimação da OSAE e da Ordem dos Advogados para intentarem contra o Estado Português acção judicial a fim de ser reconhecido o direito reclamado pela Requerente.
Para o efeito, alegou que é advogada e agente de execução, encontrando-se habilitada a exercer ambas as profissões, e que a norma cuja inconstitucionalidade material e violação do direito da União Europeia aponta a impede de exercer as duas profissões.
Alegou ainda, que realizou algumas despesas tendentes à compatibilização do exercício das funções a que, por lei, estaria habilitada; e que o exercício dessas funções lhe permitia conciliar, de forma satisfatória, a sua actividade profissional com a sua vida familiar e social.
Mencionou que o fez em função de uma confiança em que poderia eternamente continuar a exercer as duas profissões e na manutenção futura dos interesses e, no seu entendimento, dos direitos legalmente adquiridos.
Do ponto de vista jurídico, alegou que a norma contida no artigo 3º/13, da Lei 154/2015, de 14 de setembro, é inconstitucional, devendo ser desaplicada, por ser de aplicação retroactiva, colidindo com direitos adquiridos, com a sua confiança e com a segurança jurídica.
A OSAE/Recorrida defendeu-se por excepção e por impugnação.
No quadro das excepções, verificou, quanto ao primeiro pedido, (i) que a decisão cuja eficácia a Requerente pretende suspender não assume natureza de acto administrativo, por do seu conteúdo não resultar qualquer alteração da situação jurídica da mesma, não existindo, pois, qualquer acto administrativo cuja eficácia seja possível suspender; mais invocou (ii) existir uma excepção de incompetência absoluta do Tribunal na medida em que se encontra excluída da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função legislativa, nos termos do artigo 4º/3/a), do ETAF.
No quadro da defesa por impugnação, sustentou que a esmagadora maioria da alegação da Requerente se apresentou conclusiva e que os prejuízos por ela apresentados têm carácter meramente especulativo, para além de os custos de investimento que esta poderá ter realizado se encontram já amortizados. Mais indicou que não está alegado, e muito menos demonstrado, que aquela exercesse qualquer mandato judicial constituído após a data da entrada em vigor dos Estatutos da OSAE (os únicos abrangidos pelo artigo 3º/13, da citada Lei 154/2015), uma vez que esta não identificou um único processo em que, nessas circunstâncias, tenha sido constituída como mandatária judicial.
Neste seguimento, a OSAE invocou ainda que o suposto prejuízo que a Requerente pretende evitar já se produziu, uma vez que conforme resulta do artigo 3º/12, da Lei 154/2015, de 14 de setembro, os advogados que exercessem funções de agentes de execução deveriam ter posto termo às situações de incompatibilidade até 31 de dezembro de 2017 - nada mais havendo a acautelar.
Ora, a OSAE contrapôs argumentos jurídicos, dando nota da evolução da modulação da carreira de agente de execução desde a sua criação, demonstrando estar-se perante um mero impedimento, e não de uma incompatibilidade entre profissões (a Requerente continuará a ser advogada e agente de execução, assim o querendo), dando conta do longo período de adaptação conferido aos destinatários da norma do artigo 3º/13, da Lei 154/2015, de 14 de setembro, e demonstrando que inexiste qualquer inconstitucionalidade flagrante ou manifesta que permita alcançar um juízo de fumus boni iuris.
O Tribunal a quo proferiu sentença, acolhendo a posição da Requerida.
Começou por julgar improcedente a excepção de incompetência absoluta da jurisdição administrativa por entender que do que aqui se trata é da desaplicação de normas consideradas inconstitucionais - ou seja, a fiscalização concreta da constitucionalidade, tarefa que cabe a cada um dos tribunais da ordem jurídica portuguesa, podendo ser decretada pelos tribunais administrativos. No que toca à (falta de) natureza de acto administrativo da decisão cuja eficácia se pretende suspender, entendeu o Tribunal a quo que a análise dessa excepção se prenderia já com os requisitos de procedência do próprio processo cautelar e, como tal, relegou o seu conhecimento para o momento da apreciação do direito.
Julgou, em seguida, improcedente o requerimento cautelar:
a) Do ponto de vista factual, o Tribunal considerou indiciariamente provada a factualidade respeitante à inscrição da Requerente tanto na Ordem dos Advogados como na OSAE, e bem assim, à apresentação pela mesma de requerimento ao Bastonário da OSAE e ao Bastonário da OA no sentido da manutenção da sua situação profissional, com todos os direitos e deveres que a conformavam antes da entrada em vigor do novo quadro legal, e à resposta por esta obtida; no mais, referiu o Tribunal a quo, “não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa”.
b) Do ponto de vista jurídico, considerou, desde logo, que a decisão cuja eficácia a Requerente pretendeu suspender não assume a natureza de acto administrativo por, de forma sucinta, lhe faltar o conteúdo decisório e de produção de efeitos jurídicos externos na esfera jurídica da Requerente. Por assim ser, o Tribunal a quo concluiu ser improvável que a impugnação da declaração do Conselho Geral da OSAE viesse a proceder em sede de acção principal, não se encontrando assim preenchido o requisito do artigo 120º/1 do CPTA.
No que respeita ao segundo pedido formulado, isto é, à autorização provisória do exercício simultâneo das funções de agente de execução e de mandatário judicial, o Tribunal chegou igualmente à conclusão de que não se verifica o requisito do fumus boni iuris.
É que, conforme o Tribunal começou por notar, o alcance da norma em crise não é o de impossibilitar a inscrição cumulativa nas duas ordens profissionais - dos advogados e dos agentes de execução -, mas tão-só o de obstar a que a Requerente exerça funções de agente de execução e, simultaneamente, pratique o mandato judicial; nada a impedindo de (i) praticar outros actos próprios da advocacia e (ii) continuar a exercer os mandatos forenses que lhe tenham sido conferidos antes de 14 de outubro de 2015, data da entrada em vigor do novo Estatuto da OSAE.
Ponderadas estas circunstâncias, ao que acresce o facto de ter sido concedido um período superior a 2 anos para regularização das situações de incompatibilidade, julgou o Tribunal a quo não ter existido qualquer aplicação retroactiva da norma que afrontasse a confiança e a segurança jurídicas. No que ao direito de liberdade de escolha e exercício da profissão diz respeito, a Senhora Juíza entendeu relevar essas mesmas circunstâncias, considerando que ao estar apenas vedada a constituição de novos mandatos forenses, tal restrição não se afigura ilegítima ou desproporcionada, especialmente face ao interesse público que subjaz a cada uma das profissões. De resto, resulta igualmente improcedente o argumento de afronta ao Direito da União Europeia.
Nesta sede recursiva a Requerente/Recorrente vem de novo insistir na argumentação que empregou nos autos, como se o Tribunal a quo não a tivesse escalpelizado de forma clara e assertiva.
Alega ainda que o Tribunal não deu cumprimento ao vertido no artigo 118º/1, 3 e 5 do CPTA, tendo dispensado a produção de prova necessária à aferição do requisito do periculum in mora, pois da mesma resultava o prejuízo a que pretendia obstar com a providência cautelar; e invoca a nulidade da sentença por falta de fundamentação, uma vez que, no seu entender, a sentença nada fundamenta a respeito da razão de ser da colisão entre o exercício do mandato judicial e os direitos ou interesses de isenção e transparência; afirma que existe aplicação retroactiva da norma, uma vez que esta colide com os seus direitos adquiridos, isto é, a sua situação jurídico profissional constituída ao abrigo do direito anterior; e alega que a liberdade de exercício de profissão resulta restringida, na sua dimensão negativa de a Recorrente não ser impedida de escolher a profissão para a qual tenha as necessárias habilitações e de a mesma não ser impedida de a exercer, sem que tal restrição se considere adequada e necessária; isto porque, sendo o mandato judicial a essência das funções próprias de advogado, a Recorrente ver-se-á obrigada a optar pelo exercício de apenas uma das profissões para as quais se encontra habilitada; por outro lado, afirma que o EOSAE limita e restringe as legítimas expectativas criadas na continuidade da possibilidade de exercício cumulativo do mandato judicial e das funções de agente de execução, atingindo os princípios constitucionais da protecção da confiança e da segurança jurídicas; afirma, por fim, que a decisão recorrida viola o artigo 1º do Protocolo nº 1 adicional à Convenção de Protecção dos Direitos do Homem, na interpretação que lhe é conferida pelo TEDH, remetendo designadamente para a decisão Wenderburg vs. Alemanha, de 6 de fevereiro de 2003, queixa nº 71630/01.
Ora, tendo o Tribunal a quo concluído pela inexistência de um acto administrativo cuja eficácia haja que suspender, e não apresentando a aqui Recorrente nas suas alegações - cujo objecto se delimita pelas conclusões nela configuradas - qualquer objecção a tal conclusão, não indicando ter ocorrido qualquer erro de julgamento nesse segmento da sentença proferida nem identificando norma violada, considera-se a sentença transitada em julgado na parte não recorrida. Vale o mesmo por dizer que a Recorrente se conformou com o conteúdo da sentença no que ao indeferimento do pedido de suspensão do acto administrativo diz respeito - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
Não se compreende, pois, por contraditório com as próprias alegações de recurso e o seu objecto, o pedido efectuado a final de que seja revogada a sentença recorrida e em consequência seja “suspenso o ato administrativo (art. 112.ª, n.º 1, 2 al. a) do CPTA), proferido pelo Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução”.
De resto, mesmo que de um acto administrativo se tratasse, a verdade é que a Recorrente não procedeu à respectiva impugnação, no prazo legal, pelo que sempre se teria por não verificado o requisito do fumus boni iuris, mais implicando a caducidade da providência cautelar a esse título. Quanto ao mais, no que respeita à pretensão antecipatória relativa à autorização provisória para o exercício simultâneo das funções de agente de execução e de mandatário judicial, analisado o recurso interposto, é evidente a respectiva improcedência, nos termos que seguidamente se enunciam.
Da nulidade por falta de fundamentação -
No ponto 27 das conclusões apresentadas nas alegações de recurso, a Recorrente indica, questionando porque é que o exercício do mandato judicial colide com os direitos ou interesses de isenção e transparência, que a sentença “nada fundamenta a tal respeito, enfermando assim de nulidade”.
Embora não o diga expressamente, pretende que a sentença seja declarada nula, nos termos e para os efeitos do artigo 615º/1/b) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.
Ora, segundo o artigo 615º do NCPC (artº 668º do CPC de 1961), sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b)1) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, isto é, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.
Esta nulidade (al. c)) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Já a “omissão de pronúncia” está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por “omissão de pronúncia” verificar-se-á quando exista uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, a “omissão de pronúncia” existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
Logo, não se verifica tal nulidade quando todas as questões que as partes submeteram à apreciação jurisdicional foram objecto de decisão.
In casu, a Recorrente não tem razão.
A este propósito ensina o Professor Alberto dos Reis que “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”. (Código de Processo Civil, Anotado, Vol. V, pág. 143).
A Recorrente baseia a arguição deste vício na circunstância de o Tribunal a quo não explicar porque é que o exercício do mandato judicial colide com os direitos ou interesses de isenção e transparência. E fá-lo admitindo que o Tribunal afirma que a restrição da liberdade de escolha e exercício da profissão não é ilegítima ou desproporcionada nos termos do artigo 18º da Constituição, especialmente quando confrontada com outros direitos e interesses legalmente protegidos, como sejam o da isenção e transparência.
Conforme se verifica, o Tribunal fundamenta a sua decisão, além do mais, na existência de interesses legalmente protegidos e necessariamente exigidos aos profissionais forenses, os quais importa salvaguardar. Tais interesses resultam expressos na exposição de motivos da Proposta de Lei 308/XII, que deu origem ao novo Estatuto da OSAE, segundo a qual “a especial missão dos agentes de execução na nossa ordem jurídica obriga-os, para além dos deveres de associado, a praticar diligentemente os atos processuais de que sejam incumbidos, a prestar ao tribunal, às partes e a terceiros as informações determinadas nos termos da lei, a prestar contas da atividade realizada, entregando prontamente as quantias, os objetos ou os documentos de que sejam detentores por causa da sua atuação como agentes de execução, e a não exercer nem permitir o exercício, no seu escritório ou sociedade, de atividades não forenses ou que sejam incompatíveis com a atividade de agente de execução”.
De resto, foi depois de “Ponderadas todas as circunstâncias acima expostas” que o Tribunal avançou para o remanescente da respectiva fundamentação, como bem assinalado pela Recorrida.
Assim, diferentemente do que sustenta, dessa alegada insuficiência não resultaria a pretendida nulidade por falta de fundamentação.
Improcede, pois, este segmento do recurso.
E o que dizer dos requisitos da providência cautelar - do fumus boni iuris?
Dispõe o artigo 112º/1 do CPTA, que “Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”.
A redacção deste artigo, na sua parte final, expressa o propósito essencial da tutela cautelar, que se reconduz a assegurar a utilidade da lide principal, ou seja, salvaguardar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de acção principal, que pela sua cognição plena poderá comportar um período mais longo até ser definitivamente decidida.
Tal equivale a dizer que a providência cautelar está intimamente ligada aos autos principais, sendo nestes que a pretensão do requerente irá ser analisada e decidida com a profundidade necessária, tratando-se, em sede cautelar, apenas de assegurar a utilidade da sentença que aí venha a ser proferida mediante a adopção de medidas urgentes baseadas necessariamente numa apreciação sumária e perfunctória do caso. Daí que ao julgador de um processo cautelar se imponha que proceda a uma apreciação sucinta e sumária das ilegalidades apontadas pelo requerente cautelar ao acto impugnado ou a impugnar com o objectivo de constatar se ocorre a sua manifesta ilegalidade, não lhe competindo analisar e apurar com exaustão se as ilegalidades imputadas ao acto ocorrem ou não.
Deste modo, o julgador, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de procedência da acção principal, terá de indagar e ajuizar se existem ou não razões para temer que tal decisão venha a tornar-se inútil, sem qualquer alcance prático, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos dificilmente reparáveis para quem dela pretende beneficiar, que obstem à reconstituição natural ou à reintegração da esfera jurídica do beneficiado com a sentença.
Na redacção actual, dada pelo DL 214-G/2015, de 2 de outubro, o fumus boni iuris apresenta-se sempre sob a formulação positiva (condizente com a formulação que na redacção anterior se encontrava plasmada na al. c) do n° 1 do artº 120° do CPTA)
Ponderada a tutela cautelar em função dos critérios agora estatuídos no artigo 120°/1 do CPTA, a análise da verificação da aparência do bom direito assume particular relevância nos presentes autos, na medida em que é necessário que se verifique uma forte probabilidade de procedência da pretensão principal.
A formulação positiva do fumus boni iuris é-nos dada pela introdução na redacção do n ° 1 do artigo 120 ° do CPTA do substantivo "provável", que imprime uma maior rigidez ao conceito. Assim, do direito convocável para subsumir os factos descritos, tem de ser possível chegar-se à probabilidade do êxito da acção; tem de se verificar uma aparência de que o requerente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela actuação administrativa.
Como refere a Prof. Isabel Celeste Fonseca, o requisito do fumus boni iuris na formulação positiva, obriga a um juízo positivo de probabilidade através da “intensificação da cognição cautelar”, ou seja, duma “apreciação mais profunda e intensa da causa” - (em Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo (função e estrutura), págs. 66/68).
A apreciação judicial sobre a probabilidade da procedência da pretensão formulada no processo principal deve ser feita em moldes de summario cognitio, materializada num juízo de verosimilhança ou mera previsibilidade e razoabilidade dos indícios, que permita ao tribunal acreditar na probabilidade do êxito da pretensão principal. Designadamente, verificar-se-á o critério referenciado quando a ilegalidade do acto a suspender resulte de forma clara dos autos, sem necessidade de mais provas, ou, por outras palavras, quando se esteja perante uma ilegalidade evidente.
Este receio não é um mero elemento subjectivo e tem que ter suporte em dados de facto que, sob um crivo objectivo, apontem no sentido de verosimilhança quanto aos alegados efeitos perniciosos das normas suspendendas. Na verdade, face ao CPTA de 2015, as providências cautelares serão deferidas, desde que se verifiquem os seguintes requisitos: i) fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); ii) que seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (fumus boni juris); iii) que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença resulte que os danos decorrentes da concessão da providência não se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (proporcionalidade e adequação da providência).
Acresce que, tal como já ocorria no regime anterior, a verificação destes requisitos tem que ser cumulativa e, ademais, a concessão da providência cautelar depende da invocação e demonstração de factos donde se conclua pela verificação dos supra aludidos requisitos, sendo que incumbe ao requerente da providência o ónus de alegar e provar a matéria de facto integradora do periculum in mora (através de factos ou circunstâncias suficientemente determinadas que, segundo um juízo de normalidade e pelas regras de experiência comum, abarquem a situação de perigo justificativa da concessão da medida pretendida) não podendo o tribunal substituir-se, a não ser na atendibilidade de factos instrumentais que resultem da instrução e discussão.
Cabe, pois, ao requerente o ónus do oferecimento de prova sumária dos requisitos de que depende a suspensão. E cabe ao requerido fazer a prova, sumária, dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do requerente bem como a matéria de impugnação - artºs 342º/2 do CC e 487º e 516º, estes do CPC.
O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo, os factos notórios ou de conhecimento geral - artºs 264º, 514º e 664º/2ª parte, do CPC.
Estas asserções não foram postas em causa pelo CPC de 2015 que, no seu nº 1, consagra o princípio do dispositivo, em relação aos factos essenciais que constituem a causa de pedir, e, no seu nº 2, à sombra do princípio da aquisição, permite ao julgador que tome em consideração os factos instrumentais e, outrossim, os que constituam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado, desde que tais factos resultem da instrução da causa. Mas essa possibilidade está sempre condicionada pela prévia alegação desses factos essenciais e, obviamente, pela necessidade da sua atendibilidade e ponderação pelo julgador, o que equivale a dizer, pela sua relevância para a decisão a proferir.
No caso posto, concluiu a sentença pela não verificação do requisito do fumus boni juris; e, face ao juízo a adoptar nesta sede, que terá sempre de ser um juízo indiciário, de verosimilhança e de probabilidade, sob pena de se estar a entrar no domínio da apreciação de mérito, ele mostra-se assertivo, face aos elementos ínsitos nos autos.
Faltando este pressuposto, naturalmente fica prejudicada a apreciação dos demais.
(…..)
É que, contrariamente ao defendido pela Recorrente, ela poderá, querendo, continuar a exercer as duas profissões, de resto, conforme reconheceu o Tribunal. Inexiste qualquer incompatibilidade entre elas. O que existe é o impedimento de um agente de execução exercer o mandato judicial (constituído após a entrada em vigor do EOSAE), o que é bem diferente. Com efeito, conforme o Tribunal releva, “o que a requerente não pode fazer é, verdadeiramente, exercer funções de agente de execução e, simultaneamente, praticar o mandato judicial, não lhe estando vedados outros atos próprios da advocacia”.
E nem se diga, conforme a Recorrente o faz, que a impossibilidade de exercício das funções correspondentes ao mandato judicial corresponde, em termos práticos, à negação da possibilidade de exercício da actividade de advogado, uma vez que este configura, por excelência, o cerne de tal actividade. Tal inferência olvida dados que resultam da própria experiência comum de qualquer advogado. É que são inúmeros os advogados existentes em Portugal que não exercem mandatos judiciais. E são várias as razões pelas quais um advogado não o exerce, sendo de relevar as duas mais salientes: (i) porque não quer; (ii) porque os seus clientes não lho solicitam.
Com efeito, nos termos do artigo 1º da Lei 49/2004, de 24 de agosto:
“5 - Sem prejuízo do disposto nas leis de processo, são actos próprios dos advogados e dos solicitadores:
a) O exercício do mandato forense;
b) A consulta jurídica.
6 - São ainda actos próprios dos advogados e dos solicitadores os seguintes:
a) A elaboração de contratos e a prática dos actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais;
b) A negociação tendente à cobrança de créditos;
c) O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de actos administrativos ou tributários.
7 - Consideram-se actos próprios dos advogados e dos solicitadores os actos que, nos termos dos números anteriores, forem exercidos no interesse de terceiros e no âmbito de actividade profissional, sem prejuízo das competências próprias atribuídas às demais profissões ou actividades cujo acesso ou exercício é regulado por lei.
8 - Para os efeitos do disposto no número anterior, não se consideram praticados no interesse de terceiros os actos praticados pelos representantes legais, empregados, funcionários ou agentes de pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas, nessa qualidade, salvo se, no caso da cobrança de dívidas, esta constituir o objecto ou actividade principal destas pessoas.
9 - São também actos próprios dos advogados todos aqueles que resultem do exercício do direito dos cidadãos a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
10 - Nos casos em que o processo penal determinar que o arguido seja assistido por defensor, esta função é obrigatoriamente exercida por advogado, nos termos da lei”.
São, pois, inúmeros os actos próprios da advocacia a que um advogado se pode dedicar, sem necessidade imperiosa de exercer o mandato judicial, conforme se afirma na peça processual da OSAE.
E daí não resulta, ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, que tais sujeitos não sejam advogados, mas apenas que se dedicam aos demais actos próprios da advocacia, seja a consulta jurídica, seja a negociação e redacção de contratos, seja a negociação tendente à cobrança de créditos, entre o mais. Um advogado que a estas actividades se dedique não é um mero jurista. É um verdadeiro Advogado.
Não procede pois, a caracterização da dimensão negativa da liberdade de escolha e exercício de profissão efectuada pela Recorrente no ponto 64 das suas conclusões: mantém-se a liberdade desta continuar, repete-se, assim o querendo, a ser advogada e agente de execução; simplesmente se limitam os actos passíveis de praticar nesta dupla qualidade.
E, da mesma forma, não existe qualquer analogia relativamente à matéria alegada nos pontos 68 a 70 das conclusões apresentadas pela Recorrente. E, de resto, o artigo 82º/1/m), do Estatuto da Ordem dos Advogados estabelece incompatibilidade entre o exercício da advocacia e as funções de administrador judicial ou liquidatário judicial.
Por outro lado, como o próprio Tribunal a quo começa por reconhecer, tal não significa, naturalmente, que o impedimento agora criado não equivalha lato sensu a uma restrição. Conforme se refere na sentença “existe, sem dúvida, uma restrição dos atos que a requerente pode praticar atualmente, em relação aos que podia praticar à data em que vigoravam os anteriores Estatutos”. O que importa aferir, é se tal restrição resulta ilegítima ou desproporcionada em função do disposto no artigo 18º da Constituição.
A este propósito, note-se que o conteúdo do exercício da profissão de advogado ou de agente de execução é legalmente determinado. Com efeito, a CRP não apresenta um conteúdo pré-determinado e universal da profissão de advogado, remetendo para a lei o respectivo conteúdo.
A tarefa de aplicação das normas constitucionais que conferem direitos, liberdades e garantias (no caso, o artigo 47º/1, da Constituição) é complexa, exigindo ao intérprete-aplicador um conjunto de operações intelectuais que permitam alcançar o respectivo conteúdo. Isto, caso se considerasse que tal disposição garante a liberdade de escolha de duas profissões, o que não é o caso.
É que, se a ora Recorrente quer exercer duas profissões, tem de sujeitar-se às limitações e aos impedimentos que legalmente são definidos entre elas.
Num primeiro momento, quando o legislador ainda não determinou o grau de protecção jusfundamental que o direito de liberdade previsto reclama, é o próprio direito de liberdade que desempenha o papel de previsão, isto é, de conjugação dos pressupostos materiais capazes de desencadear o efeito jurídico de aplicação directa da norma de direito fundamental.
Num segundo passo, logo que o legislador exerce a sua autonomia estrutural e determina o grau de protecção efectiva que o bem jusfundamental efectivamente receberá, a susceptibilidade de invocação de uma posição subjectiva (agora definitiva) resultante de uma norma de direito fundamental passa a depender da satisfação de dois requisitos: (i) a posição invocada tem de inscrever-se no âmbito de protecção ideal do direito de liberdade em causa, ou seja, tem de ser susceptível de recondução aos pressupostos da previsão da norma constitucional que define os limites do bem protegido (no caso, o direito de exercício da profissão); (ii) essa posição não pode inscrever-se na previsão normativa da cláusula restritiva introduzida pelo legislador que delimita o âmbito de protecção definitiva partindo do âmbito ideal de protecção da norma constitucional (no caso, o impedimento ao exercício do mandato judicial por advogado-agente de execução, em função da restrição legal que foi operada).
Tendo presente este enquadramento, o advogado (e o agente de execução) pode praticar os actos que, em cada momento, a lei permita. O facto de num momento se permitir a prática de uns actos não implica ipso facto um direito do advogado a manter eternamente determinada competência independentemente das diferentes soluções que o legislador pretenda aprovar.
É este o efeito resultante de estarem em causa profissões legalmente reguladas, em função da relevância que importam para o interesse colectivo.
Mudando o recorte da profissão o seu conteúdo é legítima a alteração da ponderação feita pelo legislador quanto aos impedimentos que trace legalmente. Apenas se manterá esse direito se o conteúdo obliterado se considerar fundado no conteúdo essencial da profissão de advogado ou se a restrição imposta não for digna de protecção (i) em função do interesse colectivo (artigo 47º/1, da Constituição); (ii) em função do disposto no artigo 18º/2 e 3, também da Constituição.
Assinale-se, aliás, que além de não se configurar um direito a manter ad æternum determinada situação jurídico-profissional, independentemente dos juízos efectuados pelo legislador, não será despiciendo dar nota da própria evolução da modulação da carreira de agente de execução desde a sua criação.
Se a profissão de advogado é uma realidade longínqua, estando o seu conteúdo fundamental sedimentado na lei (nos sucessivos Estatutos da Ordem dos Advogados e na Lei 49/2004, de 24 de agosto), a profissão de agente de execução é bastante recente.
Com efeito, apenas nos termos do artigo 4º/1, da Lei 23/2002, de 21 de agosto, ficou o Governo “autorizado a criar a figura do solicitador de execução, com competência para, como agente executivo, proceder à realização das diligências incluídas na tramitação do processo executivo que não impliquem a prática de actos materialmente reservados ao juiz, nem contendam com o exercício do patrocínio por advogado”.
E, nos termos dos artigos 12º e 13º da Lei 23/2002, de 21 de agosto, o Governo ficou autorizado a alterar o Estatuto da Câmara dos Solicitadores, designadamente no que respeita à previsão/criação do solicitador de execução e a “definir os aspectos específicos do estatuto profissional do solicitador de execução, incluindo regras estritas sobre a acreditação da actividade e estabelecimento de condições para o seu exercício”.
Na sequência, foi aprovado o DL 38/2003, de 8 de março, que procedeu à implementação parcial da reforma do processo executivo. A nova legislação criou a figura do agente de execução - inicialmente, designado também por solicitador de execução - atribuindo-lhe competências e funções que anteriormente estavam no domínio judicial.
O DL 38/2003, de 8 de março, previu caber primacialmente ao agente de execução efectuar todas as diligências do processo de execução, designadamente (i) citações, notificações e publicações, (ii) a promoção de penhoras, foi designado depositário de bens e direitos, incluindo de rendas em dinheiro, rendas, abonos, vencimentos, salários e outros rendimentos periódicos penhorados, a serem depositados em conta à ordem do agente de execução, (iii) a competência para fixar em auto de penhora o valor de cada verba dos bens móveis penhorados, para determinar a redução de penhora, (iv) a competência para movimentar os saldos bancários do executado, (v) para efectuar a adjudicação de bens penhorados ao exequente, prevendo ainda a possibilidade de delegação de competências do juiz em agente de execução para desempenhar as funções reservadas ao juiz na venda de imóvel, (vi) para decidir sobre a consignação de rendimentos de imóveis ou de móveis sujeitos a registo ao pagamento da dívida exequenda e para decidir sobre a venda de bens penhorados, incluindo sobre o valor base dos bens a vender, (vii) atribuiu-lhe a competência para receber cheques passados à sua ordem a título de caução pela proposta apresentada à venda de bens penhorados e (viii) atribuiu-lhe ainda a competência para receber directamente quaisquer verbas do executado destinadas ao pagamento voluntário da dívida exequenda e para receber os bens que estejam em causa em processo de execução para entrega de coisa certa.
Estão em causa actos que anteriormente tinham natureza judicial, alguns deles configurando actos típicos do poder coercivo atribuído aos Tribunais.
Por seu turno, através do DL 88/2003, de 26 de abril, o Governo aprovou o novo Estatuto da Câmara dos Solicitadores (“ECS”).
A opção tomada pelo legislador em 2003 foi a de determinar que o agente de execução deveria ser um solicitador que, sob fiscalização da, então, Câmara dos Solicitadores e na dependência funcional do juiz da causa, exercesse as competências específicas de agente de execução e as demais funções que lhe fossem atribuídas por lei (cfr. artigo 116º do ECS).
Neste contexto, o legislador definiu o estatuto do solicitador de execução, os seus direitos e deveres e o regime de exercício dessa profissão.
Considerando o conteúdo das funções legalmente atribuídas ao solicitador de execução, o legislador delineou um quadro jurídico do exercício dessa profissão em termos que lhe permitissem obter garantias de credibilidade e funcionamento do novo processo executivo.
Nesse quadro jurídico previu-se a incompatibilidade do solicitador (e, logo, do solicitador de execução) com a profissão de advogado (cfr. artigo 114º/1/p), do ECS).
Mais se previu, nos termos do artigo 115º/2, do ECS: “O solicitador que foi solicitador de execução está impedido de exercer mandato judicial, em representação do exequente ou do executado durante três anos contados a partir da extinção do processo de execução no qual tenha assumido as funções de agente de execução”.
E, nos termos do artigo 120º/1/a), que é incompatível com o exercício das funções de solicitador de execução o exercício do mandato judicial no processo executivo.
Posteriormente, foi aprovada a Lei 18/2008, de 21 de abril, que, entre o mais, autorizou o Governo a alterar o Código de Processo Civil e o ECS.
No que respeita ao Código de Processo Civil, a intervenção do legislador foi no sentido de diminuir mais ainda o papel reservado ao juiz e ao tribunal, com o correspondente acréscimo das funções atribuídas ao agente de execução.
Previu-se então, designadamente, (i) o acesso directo e a possibilidade de introdução de alterações no registo de execuções por parte do agente de execução, (ii) a competência para a realização de todas as diligências relativas à extinção da execução, (iii) a eliminação da obrigatoriedade de comunicação ao tribunal dos motivos de frustração de uma penhora, (iv) o alargamento dos casos em que a citação é efectuada por agente de execução, (v) a competência para realização de notificações avulsas, (vi) a competência para liquidação de juros referentes a quantias exequendas e liquidação dos montantes devidos pelo executado a título de sanção pecuniária compulsória, (vii) a competência para citações e a competência para fixação de cominações resultantes da não contestação de título executivo, (viii) a competência para liquidar os créditos e efectuar os pagamentos de custas que se mostrem devidas, (xix) a competência para decidir a isenção ou redução da penhora de rendimentos de executado, (x) a competência para julgar fundamentada a alegação pelo devedor secundário do benefício de excussão prévia do devedor principal, (xi) a competência para decidir pela substituição de bens penhorados requerida pelo executado, (xii) a competência para solicitar directamente o auxílio de autoridades policiais para efetuar penhoras, (xiii) a competência para autorizar o fracionamento de imóveis penhorados e (xiv) a competência para decidir a sustação de execuções sobre o mesmo bem.
A autorização legislativa permitia que o Governo previsse a possibilidade de advogados e solicitadores exercerem a função de agente de execução, que fosse atribuída em regra ao agente de execução a prática das diligências incluídas no processo executivo, e permitia ao Governo definir os aspectos específicos do estatuto profissional do agente de execução, incluindo regras sobre as condições para o seu exercício (cfr. artigo 2º da Lei 18/2008, de 21 de abril).
Nesta sequência, o Governo aprovou o DL 226/2008, de 20 de novembro.
Como resulta do preâmbulo deste diploma, “Por outro lado, tendo em conta a necessidade de aumentar o número de agentes de execução para garantir uma efectiva possibilidade de escolha pelo exequente, alarga-se a possibilidade de desempenho dessas funções a advogados (…). O alargamento do espectro de agentes de execução impõe alterações ao regime de incompatibilidades, impedimentos e suspeições dos agentes de execução, restringindo as condições de exercício desta profissão, para garantir mais transparência e confiança no sistema”.
Havendo que adaptar o ECS à nova realidade de o agente de execução poder ser solicitador ou advogado, passou a prever-se no artigo 115º/2, que “O solicitador ou advogado que foi agente de execução está impedido de exercer mandato judicial em representação do exequente ou do executado, durante três anos contados a partir da extinção da execução na qual tenha assumido as funções de agente de execução”, e, no artigo 120º/1/a), que é incompatível com o exercício das funções de agente de execução o exercício do mandato em qualquer execução.
A evolução posterior da aplicação dos regimes legais ditou, contudo, alterações quanto ao papel do agente de execução. De tal modo que, na legislação ficou sedimentado, entre o mais, o seguinte:
-o agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza, as quais dispõem de natureza judicial, a ela equiparada ou ser instrutórios de actos dessa natureza (artigo 162º/1, do EOSAE);
-o agente de execução não é mandatário de qualquer parte (artigo 162º/3, do EOSAE);
-é aplicável ao agente de execução, com as necessárias adaptações, o regime estabelecido no Código de Processo Civil acerca dos impedimentos e suspeições dos juízes (artigo 166º/1, do EOSAE);
-quando estejam em causa acções fundadas em actos provenientes do exercício de actividades sujeitas a tributação e o interessado não haja demonstrado o cumprimento de qualquer dever fiscal que lhe incumba, o agende de execução deve comunicar a pendência da causa e o seu objecto à administração fiscal (artigo 274º/3, do Código de Processo Civil);
-o agente de execução que der causa à anulação de actos do processo responde pelo prejuízo que resulte da anulação, nos termos fixados pelo regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado (artigo 534º/3, do Código de Processo Civil).
Deste modo, reforçou-se o papel do agente de execução no quadro do sistema judicial, como muito bem realça a aqui Recorrida OSAE.
Vale isto por dizer que a salvaguarda de princípios como o da isenção e da transparência, cuja compreensão não é estanque no nosso ordenamento jurídico mas que carecem, também eles, de uma análise evolutiva, aliada à mudança do recorte do conteúdo da profissão, de que deu conta a OSAE, torna legítima, ao contrário do que a Recorrente parece fazer crer, a alteração da ponderação feita pelo legislador quanto aos impedimentos que trace legalmente. Não foi a Recorrente que mudou. Foram as funções de agente de execução que mudaram e que justificaram uma nova ponderação por parte do legislador. Apenas se manterá esse direito se o conteúdo obliterado se considerar fundado no conteúdo essencial da profissão de advogado ou se a restrição imposta não for digna de protecção (i) em função do interesse colectivo (artigo 47º/1, da Constituição); (ii) em função do disposto no artigo 18º/2 e 3, também da Lei Fundamental.
Refira-se ainda que não há qualquer retroactividade. A norma em causa só dispõe para o futuro. No limite, haveria retrospectividade (dispondo para o futuro, mas abrangendo situações jurídicas constituídas no passado).
Independentemente de se saber se, na hipótese vertente, o exercício do mandato judicial se inscreve no conteúdo essencial da liberdade prevista no artigo 47º/1, da CRP (sabendo-se que há outras limitações ao exercício do mandato judicial que se impõem aos advogados, seja em geral, seja perante circunstâncias concretas) e se o impedimento em causa a este exercício se inscreve no quadro das restrições constitucionalmente admitidas (nos termos indicados), o que releva é que apenas haveria retrospectividade intolerável caso as normas em causa nos autos, em conjunto com as normas transitórias, atingissem o exercício dos mandatos judiciais já constituídos à data do início de produção de efeitos das novas normas (ou mesmo na data do termo do período transitório a que se referem os artigos 3º dos diplomas preambulares que aprovam os EOA e EOSAE), o que manifestamente não sucede.
É que, na medida em que os mandatos constituídos até à data de início de produção de efeitos de ambos os Estatutos ficaram expressamente ressalvados no artigo 3º/13, da Lei 154/2015, de 14 de setembro, tendo ainda sido concedido um período alargado transitório de regularização de qualquer situação de incompatibilidade, nenhum direito efectivamente constituído a exercer o mandato judicial foi obliterado.
Ora, nos termos em que foi configurada a norma contida no artigo 3º/13, da Lei 154/2015, de 14 de setembro, afastou-se o efeito que a Recorrente temia e a que acima se fez referência.
Nenhuma situação jurídica constituída no passado foi afectada. Ou seja, nem de retrospectividade se pode falar no caso dos autos. A norma dispõe para o futuro e apenas para o futuro, não beliscando nenhuma situação jurídica constituída no passado e que perdure.
Em suma, bem andou o Tribunal a quo ao entender que a mudança normativa não veio introduzir uma restrição ilegítima e desproporcionada aos direitos de liberdade de escolha e exercício da profissão.
Da alegada violação dos princípios da protecção da confiança e segurança jurídicas -
Num outro plano, fazendo referência à suposta situação de confiança em que se encontrava, a Recorrente procura sustentar a inconstitucionalidade do disposto no artigo 3º/13, da Lei 154/2015, de 14 de setembro, afirmando que o novo Estatuto limita e restringe as legítimas expectativas criadas na continuidade da possibilidade de exercício cumulativo do mandato judicial e das funções de agente de execução, atingindo os princípios constitucionais da protecção da confiança e da segurança jurídicas.
Não vemos que assim seja.
Atente-se no que diz o Acórdão do STA, de 23/06/1994, no Proc. 031585: “Embora os princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade configurem parâmetros da actuação vinculada da Administração Pública, a tal ponto que o seu não acatamento gera o vício de violação de lei, é na actividade discricionária daquela que encontram a sua raiz, consubstanciando limites intrínsecos daquele poder discricionário, ou seja, critérios que devem nortear o exercício desse poder e que quando desrespeitados, geram a ilegalidade do acto administrativo correspondente. (…) Nos termos da actividade vinculada da Administração Pública, não se afigura curial estar-se a invocar a violação de tais princípios, já que esta tem significado coincidente com a violação do princípio da legalidade”.
Por outro lado, não se afigura que tivesse ocorrido o desrespeito pelos aventados princípios da protecção da confiança e segurança jurídica
a que deve estar subordinada toda a actividade administrativa.
Os princípios da boa-fé e da confiança respeitam à necessidade de se ponderarem os valores fundamentais de direito, pertinentes no caso concreto, em função designadamente da confiança suscitada na contraparte por determinada actuação e do objectivo a alcançar - cfr. Diogo Freitas do Amaral - Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2009, págs. 133 a 138; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos - Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª ed., Dom Quixote, 2008, págs. 220 a 225.
Conforme é jurisprudência dos tribunais superiores, para que exista violação dos princípios da boa-fé e da confiança é necessário que tenham sido criadas expectativas no particular minimamente sólidas, censurando-se os comportamentos que sejam desleais e incorrectos, bem como as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas - cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 160/00, de 22/03/2000, n.º 109/02, de 05/03/2002, n.º 128/02, de 14/03/2002 e do STA de 11/09/2008, Proc. 0112/07 e de 13/11/2008, Proc. 073/08.
Ainda na definição que nos é dada pelo Prof. Freitas do Amaral, a justiça é “o conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido em função da dignidade da pessoa humana” (ob. cit. págs. 130 e 131).
Acresce que “o princípio fundamental consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP é o princípio da justiça, sendo que os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé são subprincípios que se integram no princípio da justiça” (autor e obra cit., pág. 134).
Assim, o artigo 6.º-A, do CPA, veio acolher expressamente o princípio da boa-fé, no direito administrativo, dispondo que «No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regas da boa-fé» (v. n.º 1).
Por outro lado, o respeito pela boa-fé realiza-se através da ponderação dos “(...) valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) do objectivo a alcançar com a actuação empreendida” (v. o seu n.º 2).
Ora, uma das mais importantes concretizações da boa-fé, a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º-A, é o princípio da protecção da confiança, que se traduz numa regra ético-jurídica fundamental, já que impõe que sejam asseguradas as “legítimas expectativas” criadas aos cidadãos, baseadas na conduta de outrem.
Destarte se protegem os particulares, relativamente aos comportamentos administrativos que objectivamente inculquem uma crença na sua efectivação.
Todavia, a tutela da boa-fé não é absoluta, porquanto só poderá ocorrer mediante a verificação de certos pressupostos, a saber: a) existência de uma situação de confiança, traduzida na boa-fé subjectiva da pessoa lesada; b) existência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; c) desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas assentes nessa crença, d) existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado (vide autor e obra citadas, págs. 149 e 150).
Com efeito, “(...) a confiança criada, a boa-fé, não é factor isolado de valorização duma conduta jurídico-administrativamente relevante” (cfr. Mário Esteves Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, em Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª ed., pág. 116).
Mais referem estes Autores “(...) é ousada essa cláusula geral, porque refere o dever de boa-fé a todas as “formas e fases” da actividade administrativa, quando, por exemplo, nalgumas dessas formas (...) não sobra praticamente campo de valorização jurídica do princípio da boa-fé para além da garantida pela intervenção dos princípios da (legalidade e da igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e justiça. (...).“ (ob. cit., pág. 112).
De resto, ainda nas suas palavras, “(...) Subjectivamente, a boa-fé é essencialmente um estado de espírito, uma convicção pessoal sobre a licitude da respectiva conduta, sobre estar a actuar-se em conformidade com o direito” (ob. cit., pág. 108).
O que pressupõe e implica, no seguimento do entendimento perfilhado pelos mesmos Professores, que o princípio da boa-fé perde forçosamente a sua força normativa, se e quando a Administração Publica se vê confrontada com a obrigação vinculada e estrita de obedecer à Lei e ao Direito.

As considerações aqui tecidas aplicam-se, mutatis mutandis, ao recurso ora em causa.
Na verdade, voltando ao caso concreto temos que:
-na decisão recorrida, o Tribunal a quo entendeu que, à luz dos requisitos a que deve obedecer o decretamento das providências cautelares administrativas - em particular, no que respeita à exigência de verificação da probabilidade séria de existência do direito cuja tutela cautelar é requerida, tal como resulta do artigo 120º/1 do CPTA, a pretensão das Requerentes deduzida na acção principal seria, com elevada probabilidade, julgada improcedente;
-por essa razão, o Tribunal concluiu não estar verificado o requisito do fumus boni iuris; consequentemente julgou, por um lado, prejudicado o juízo sobre a verificação, em concreto, dos demais pressupostos de que a lei processual faz depender o decretamento da providência cautelar requerida e, por outro, julgou totalmente improcedente o decretamento da providência cautelar;
-as Recorrentes insurgem-se contra o juízo vertido na sentença recorrida a propósito deste pressuposto, voltando a alegar a matéria de direito que haviam invocado no requerimento inicial, advogando a violação do princípio da confiança e a aplicação retroactiva de normas restritivas da liberdade de exercício da profissão;
-no que respeita à (não) verificação no caso posto do fumus boni iuris adiante-se, desde já, que bem andou o Tribunal a quo na decisão recorrida, que não merece qualquer reparo;
-a Constituição não prevê um regime ou conteúdo específico para o exercício da profissão de advogado, muito menos o prevê para a profissão de agente de execução - que nem sequer é mencionada no texto constitucional -, pelo que, nos termos dos artigos 47º/1 e 208º da CRP, ambas as profissões são passíveis de ter o seu conteúdo legalmente recortado, não sendo, por esse motivo, profissões de livre exercício ou de conteúdo livre;
-a profissão de advogado é uma realidade temporalmente longínqua, estando o seu conteúdo fundamental sedimentado na lei (nos sucessivos Estatutos da Ordem dos Advogados e na Lei 49/2004, de 24 de agosto), ao passo que a profissão de agente de execução é bastante recente;
-com efeito, apenas nos termos do artigo 4º/1 da Lei 23/2002, de 21 de agosto, ficou o Governo “autorizado a criar a figura do solicitador de execução, com competência para, como agente executivo, proceder à realização das diligências incluídas na tramitação do processo executivo que não impliquem a prática de actos materialmente reservados ao juiz, nem contendam com o exercício do patrocínio por advogado”. E, nos termos dos artigos 12º e 13º da Lei 23/2002, de 21 de agosto, o Governo ficou autorizado a alterar o Estatuto da Câmara dos Solicitadores, designadamente no que respeita à previsão/criação do solicitador de execução e a “definir os aspetos específicos do estatuto profissional do solicitador de execução, incluindo regras estritas sobre a acreditação da atividade e estabelecimento de condições para o seu exercício”. Na sequência, foi aprovado o DL 38/2003, de 8 de março, que procedeu à implementação parcial da reforma do processo executivo;
-a nova legislação criou a figura do agente de execução - inicialmente, designado também por solicitador de execução - atribuindo-lhe competências e funções que anteriormente estavam no domínio judicial. O DL 38/2003, de 8 de março, previu caber primacialmente ao agente de execução efectuar todas as diligências do processo de execução; estavam - e estão ainda - em causa actos que anteriormente tinham natureza judicial, alguns deles configurando actos típicos do poder coercivo atribuído aos Tribunais;
-por seu turno, através do DL 88/2003, de 26 de abril, o Governo aprovou o novo Estatuto da Câmara dos Solicitadores (ECS). A opção tomada pelo legislador em 2003 foi a de determinar que o agente de execução deveria ser um solicitador que, sob fiscalização da, então, Câmara dos Solicitadores e na dependência funcional do juiz da causa, exercesse as competências específicas de agente de execução e as demais funções que lhe fossem atribuídas por lei (cfr. artigo 116º do ECS). Neste contexto, o legislador definiu o estatuto do solicitador de execução, os seus direitos e deveres e o regime de exercício dessa profissão;
-considerando o conteúdo das funções legalmente atribuídas ao solicitador de execução, o legislador delineou um quadro jurídico do exercício dessa profissão em termos que lhe permitissem obter garantias de credibilidade e funcionamento do novo processo executivo, donde resultou desde logo prevista a incompatibilidade do solicitador (e, logo, do solicitador de execução) com a profissão de advogado (cfr. artigo 114º/1/p) do ECS);
-mais se previu, nos termos do artigo 115º/2 do ECS que “[o] solicitador que foi solicitador de execução está impedido de exercer mandato judicial, em representação do exequente ou do executado durante três anos contados a partir da extinção do processo de execução no qual tenha assumido as funções de agente de execução” e, nos termos do artigo 120º/1/a), ser incompatível com o exercício das funções de solicitador de execução o exercício do mandato judicial no processo executivo;
-posteriormente foi aprovada a Lei 18/2008, de 21 de abril, que, entre o mais, autorizou o Governo a alterar o Código de Processo Civil e o ECS;
-nessa sequência, e no que respeita ao Código de Processo Civil, a intervenção do legislador foi no sentido de diminuir mais ainda o papel reservado ao juiz e ao tribunal, com o correspondente acréscimo das funções atribuídas ao agente de execução, prevendo-se, designadamente, (i) o acesso direto e a possibilidade de introdução de alterações no registo de execuções por parte do agente de execução, (ii) a competência para a realização de todas as diligências relativas à extinção da execução, (iii) a eliminação da obrigatoriedade de comunicação ao tribunal dos motivos de frustração de uma penhora, (iv) o alargamento dos casos em que a citação é efetuada por agente de execução, (v) a competência para realização de notificações avulsas, (vi) a competência para liquidação de juros referentes a quantias exequendas e liquidação dos montantes devidos pelo executado a título de sanção pecuniária compulsória, (vii) a competência para citações e a competência para fixação de cominações resultantes da não contestação de título executivo, (viii) a competência para liquidar os créditos e efetuar os pagamentos de custas que se mostrem devidas, (ix) a competência para decidir a isenção ou redução da penhora de rendimentos de executado, (x) a competência para julgar fundamentada a alegação pelo devedor secundário do benefício de excussão prévia do devedor principal, (xi) a competência para decidir pela substituição de bens penhorados requerida pelo executado, (xii) a competência para solicitar diretamente o auxílio de autoridades policiais para efetuar penhoras, (xiii) a competência para autorizar o fracionamento de imóveis penhorados e (xiv) a competência para decidir a sustação de execuções sobre o mesmo bem;
-a autorização legislativa permitia igualmente que o Governo previsse a possibilidade de advogados e solicitadores exercerem a função de agente de execução, que fosse atribuída em regra ao agente de execução a prática das diligências incluídas no processo executivo, e permitia ao Governo definir os aspectos específicos do estatuto profissional do agente de execução, incluindo regras sobre as condições para o seu exercício (cfr. artigo 2º da Lei 8/2008, de 21 de abril);
-nesta sequência, o Governo aprovou o DL 226/2008, de 20 de novembro;
-como notado no preâmbulo deste diploma, “Por outro lado, tendo em conta a necessidade de aumentar o número de agentes de execução para garantir uma efetiva possibilidade de escolha pelo exequente, alarga-se a possibilidade de desempenho dessas funções a advogados (…). O alargamento do espectro de agentes de execução impõe alterações ao regime de incompatibilidades, impedimentos e suspeições dos agentes de execução, restringindo as condições de exercício desta profissão, para garantir mais transparência e confiança no sistema”;
-havendo que adaptar o ECS à nova realidade de o agente de execução poder ser solicitador ou advogado, passou a prever-se no artigo 115º/2, que “O solicitador ou advogado que foi agente de execução está impedido de exercer mandato judicial em representação do exequente ou do executado, durante três anos contados a partir da extinção da execução na qual tenha assumido as funções de agente de execução” e, no artigo 120º/1/a), que é incompatível com o exercício das funções de agente de execução o exercício do mandato em qualquer execução;
-a evolução posterior da aplicação dos regimes legais ditou, contudo, alterações quanto ao papel do agente de execução, sedimentando-se, a partir daí, na legislação o princípio de que o agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza, as quais dispõem de natureza judicial, a ela equiparada ou ser instrutórios de atos dessa natureza (cfr. artigo 162º/1 do EOSAE). O agente de execução não é mandatário de qualquer parte (cfr. artigo 162º/3 do EOSAE), sendo-lhe aplicável, com as necessárias adaptações, e para o que aqui releva, o regime estabelecido no Código de Processo Civil acerca dos impedimentos e suspeições dos juízes (cfr. artigo 166º/1 do EOSAE);
-reforçou-se, assim, no quadro legislativo, o papel do agente de execução no âmbito do sistema judicial;
-em face do conteúdo das normas do Código de Processo Civil, do sentido impresso no EOSAE quanto à profissão de agente de execução e ao papel a assumir no quadro do sistema de justiça, e dos pareceres então recolhidos, o Governo, ao apresentar as propostas de lei relativas ao EOA e ao EOSAE previu:
a. No artigo 3.º, n.º 4, do diploma preambular da Proposta de Lei n.º 309/XII (relativa ao EOA): “Os advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados e na Câmara dos Solicitadores como agentes de execução, relativamente aos quais se verifiquem incompatibilidades em resultado das alterações introduzidas pelo Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, devem pôr termo a essas situações de incompatibilidade até 31 de dezembro de 2017”;
b. No artigo 85.º, n.º 3, da Proposta de Lei n.º 309/XII (relativa ao EOA): “Os advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados podem inscrever-se no colégio dos agentes de execução desde que não exerçam o mandato judicial, nos termos do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução”;
c. No artigo 3.º, n.º 12, do diploma preambular da Proposta de Lei n.º 308/XII (relativa ao EOSAE): “Os solicitadores ou agentes de execução regularmente inscritos ou registados na Câmara dos Solicitadores, relativamente aos quais se verifiquem incompatibilidades em resultado das alterações introduzidas pelo Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado em anexo à presente lei, devem pôr termo a essas situações de incompatibilidade até 31 de dezembro de 2017”;
d. No artigo 165.º, n.º 1, alínea a), da Proposta de Lei n.º 308/XII (relativa ao EOSAE): “Para além do disposto no artigo 102.º, é incompatível com o exercício das funções de agente de execução: O exercício do mandato judicial”.
-nas suas versões finais, aprovadas pela Assembleia da República na mesma data de 22 de julho de 2015 dispôs-se o seguinte:
a. Artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 145/2015 de 9 de setembro: “Os advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados e na Câmara dos Solicitadores como agentes de execução, relativamente aos quais se verifiquem incompatibilidades em resultado das alterações introduzidas pelo Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, devem pôr termo a essas situações de incompatibilidade até 31 de dezembro de 2017”;
b. Artigo 85.º, n.º 3, do EOA (aprovado pela Lei n.º 145/2015 de 9 de setembro): “Os advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados podem inscrever-se no colégio dos agentes de execução desde que não exerçam o mandato judicial, nos termos do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução”;
c. Artigo 3.º, n.º 13, da Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro: “Os solicitadores e advogados que exerçam funções de agentes de execução regularmente inscritos na Câmara dos Solicitadores, relativamente aos quais se verifique incompatibilidade relativa ao mandato judicial, devem pôr termo a essas situações de incompatibilidade até 31 de dezembro de 2017, sem prejuízo de poderem prosseguir com os mandatos judiciais já constituídos até à data da entrada em vigor do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado em anexo à presente lei”;
d. Artigo 165.º, n.º 1, alínea a), do EOSAE (aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro): “Para além do disposto no artigo 102.º, é incompatível com o exercício das funções de agente de execução: O exercício do mandato judicial”;
-independentemente do mérito da solução encontrada pelo legislador quanto à impossibilidade de o agente de execução poder exercer qualquer mandato judicial, desde logo importa questionar se está em causa uma verdadeira incompatibilidade ou, diferentemente, um mero impedimento;
-a incompatibilidade consiste na impossibilidade legal da manutenção concomitante de determinada actividade ou profissão com outras (cfr. Marcello Caetano em Manual de Direito Administrativo, Tomo II, 10ª ed., Almedina, 2004, pág. 721);
-por seu turno, consubstancia um mero impedimento (ou “incompatibilidade de exercício”) a possibilidade de cumular as actividades ou profissões ao mesmo tempo que se veda legalmente ao sujeito exercer alguma(s) da(s) funções de uma delas (ob. cit., pág. 722;
-no caso dos autos as Recorrentes, podendo concomitantemente ser agentes de execução e advogadas, ficam apenas limitadas no exercício do mandato judicial;
-mantêm a titularidade do direito de exercer todos os demais actos próprios dos advogados, elencados na Lei 49/2004, de 24 de agosto, e no próprio EOA, e.g. as demais modalidades de mandato forense (artigo 67º/1/b) e c) do EOA) ou a consulta jurídica;
-isto é, continuarão a ser advogadas e agentes de execução, assim o desejando;
-a limitação que advém das normas em vigor é apenas a que resulta de as Recorrentes, na dupla qualidade de agentes de execução-advogadas, deixarem de poder exercer o mandato judicial (aspecto que já se encontrava comprimido no regime anterior), limitando-se a possibilidade de exercício do mandato judicial aos processos não executivos;
-independentemente do mérito da solução alcançada importa aferir se as Recorrentes são atingidas com retroactividade imprópria (visto que a retroactividade não se coloca no caso em apreço, dado que não se impõe a cessação de nenhum dos mandatos judiciais constituídos antes da entrada em vigor do EOA ou do EOSAE);
-como indicado acima, o conteúdo do exercício da profissão de advogado ou de agente de execução é legalmente determinado, não resultando da Constituição um conteúdo pré-determinado e universal da profissão de advogado, remetendo para a lei o respectivo conteúdo;
-a tarefa da aplicação das normas constitucionais que conferem direitos, liberdades e garantias (no caso, o artigo 47º/1 da Constituição) é complexa, exigindo ao intérprete-aplicador um conjunto de operações intelectuais que permitam alcançar o respectivo conteúdo;
-num primeiro momento, quando o legislador ainda não determinou o grau de protecção jusfundamental que o direito de liberdade previsto reclama, é o próprio direito de liberdade que desempenha o papel de previsão, ou seja, de conjugação dos pressupostos materiais capazes de desencadear o efeito jurídico de aplicação directa da norma de direito fundamental;
-num segundo momento, logo que o legislador exerce a sua autonomia estrutural e determina o grau de protecção efectiva que o bem jusfundamental efectivamente receberá, a susceptibilidade de invocação de uma posição subjectiva (agora definitiva) resultante de uma norma de direito fundamental passa a depender da satisfação de dois requisitos: (i) a posição invocada tem de inscrever-se no âmbito de protecção ideal do direito de liberdade em causa, ou seja, tem de ser susceptível de recondução aos pressupostos da previsão da norma constitucional que define os limites do bem protegido (no caso, o direito de exercício da profissão); (ii) essa posição não pode inscrever-se na previsão normativa da cláusula restritiva introduzida pelo legislador que delimita o âmbito de protecção definitiva partindo do âmbito ideal de protecção da norma constitucional (no caso, o impedimento ao exercício do mandato judicial por advogado-agente de execução, em função da restrição legal que foi operada;
-logo, o advogado (e o agente de execução) pode praticar os actos que em cada momento a lei permita. A circunstância de num momento se permitir a prática de determinado conjunto de actos não implica, ipso iure, um direito do advogado a manter determinada competência independentemente das diferentes soluções que o legislador pretenda aprovar. É este o efeito resultante de estarem em causa profissões legalmente reguladas, em função da relevância que importam para o interesse colectivo;
-apenas se manterá esse direito se o conteúdo obliterado se considerar fundado no conteúdo essencial da profissão de advogado ou se a restrição imposta não for digna de protecção (i) em função do interesse colectivo (artigo 47º/1 da CRP); (ii) em função do disposto no artigo 18º/2 e 3, também da Constituição;
-independentemente de saber se, no caso concreto, o exercício do mandato judicial se inscreve no conteúdo essencial da liberdade prevista no artigo 47º/1 da CRP (sabendo-se que há outras limitações ao exercício do mandato judicial que se impõem aos advogados, seja em geral, seja perante circunstâncias concretas) e se o impedimento em causa a este exercício se inscreve no quadro das restrições constitucionalmente admitidas (nos termos indicados), o que releva é que apenas haveria retrospectividade intolerável caso as normas em causa nos autos, em conjunto com as normas transitórias também postas em crise, atingissem o exercício dos mandatos judiciais já constituídos à data do início de produção de efeitos das novas normas (ou mesmo na data do termo do período transitório a que se referem os artigos 3º dos diplomas preambulares que aprovam os EOA e EOSAE);
-na medida em que os mandatos constituídos até à data de início de produção de efeitos de ambos os Estatutos ficaram expressamente ressalvados no artigo 3º/13 da Lei 154/2015, de 14 de setembro, nenhum direito efectivamente constituído a exercer o mandato judicial foi obliterado com a entrada em vigor das novas regras estatutárias - lê-se nas contra-alegações da OSAE e aqui corrobora-se;
-as eventuais expectativas das Recorrentes quanto à continuação do exercício do mandato judicial (conferido após a entrada em vigor do EOA e do EOSAE) em processos não executivos, não pode relevar para efeitos de aferição da probabilidade de existência do direito que pretendem ver cautelarmente tutelado;
-é certo que ao Tribunal recorrido coube proceder à caracterização da situação de expectativa invocada e das razões que determinaram a alteração legislativa, de modo a aferir se existe uma confiança tutelável e se o interesse público prosseguido supera o peso das eventuais expectativas das Recorrentes; neste último campo ponderativo, coube igualmente ao Tribunal aferir se o fim do legislador podia ser alcançado por via menos agressiva (cfr. Jorge Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2011, pág. 261 e segs.;
-na sequência da realização desse juízo, de natureza meramente cautelar, sumário, perfunctório, o Tribunal a quo concluiu, e bem, que a tutela das eventuais expectativas das Recorrentes não era suficiente para que houvesse probabilidade de vencimento de causa na acção principal;
-não sendo possível concluir pela probabilidade de procedência da pretensão formulada na acção principal, tem de ser mantida a decisão recorrida que indeferiu o decretamento da providência requerida;
-na verdade, falhando este requisito, torna-se despicienda a análise dos demais, mormente do periculum in mora, atenta a sua natureza cumulativa;
-aliás, não foram alegados factos concretos no sentido de que as ora Recorrentes venham a ter alguma perda de rendimento proveniente do exercício de qualquer destas profissões;
-não obstante as Recorrentes apresentarem um conjunto de alegações e alguma prova sobre as despesas a que têm de fazer face (sejam profissionais - algumas das quais directamente remuneráveis pelos respectivos beneficiários e outras que as Recorrentes deixarão de ter de suportar em virtude da aplicação das normas legais em causa -, sejam pessoais), nenhuma palavra foi adiantada no requerimento cautelar aos rendimentos de que dispõem (ou de que dispõe o agregado familiar, no que respeita às despesas pessoais);
-é certo repete-se, que apresentam determinada despesa; mas desconhece-se (não foi alegado) o montante dos honorários ou os rendimentos de que beneficiam, seja nas actividades de advocacia, seja nas actividades de agente de execução, seja em qualquer outra actividade a que se dediquem (ou os seus agregados familiares);
-deste modo, não é possível aferir se ocorre para as Recorrentes alguma situação de facto consumado ou prejuízo de difícil reparação (muito menos imediato) em resultado da aplicação das normas legais que estas pretendem ver suspensas, não se verificando (também) o requisito de procedência do periculum in mora, como bem se sentenciou.
Improcedem, pois, as conclusões das alegações.
***
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelas Recorrentes.
Notifique e D.N.
Porto, 09/11/2018
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. João Sousa
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1) Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15-11-2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…)

II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.