Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02357/18.8BEBRG-R1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/22/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO - OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I- A nulidade de sentença, por omissão de pronúncia [art. 615º nº 1 d) do CPC], é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito, situação que não se divisa no acórdão promanado nos autos
Recorrente:C.
Recorrido 1:ORDEM DE ADVOGADOS
Votação:Unanimidade
Decisão:Indeferir nulidade do Acórdão
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

C., com os sinais dos autos, notificado do Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 18.06.2021, e exarado a fls. 164 e seguintes dos autos [suporte digital], que indeferiu a Reclamação para a Conferência apresentada da decisão sumária do Relator, datada de 01.03.2021, vem atravessar requerimento destinado a interpor Recurso de Revista, dirigido ao colendo S.T.A., com fundamento no artigo 150º do C.P.T.A., nele suscitando o incidente de arguição de nulidade de acórdão, com fundamento na alínea d) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C.
É o seguinte o teor das conclusões do recurso de revista:”(…)
45. Visto tudo quanto antecede, lícito é formular as seguintes conclusões:
i) O Acórdão recorrido omite pronúncia sobre questão de direito de conhecimento oficioso da máxima importância no plano da ação em causa, suscitada no requerimento de interposição do recurso em pendência integrante, ex vi legis, da reclamação ali assim julgada. Portanto,
ii) é esse acórdão nulo, mercê do disposto na alínea d), 1ª parte, do nº. 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil;
iii) O justo suprimento de tal nulidade envolverá o reconhecimento da nulidade pleno jure - em virtude do disposto, em conjugação, nos nº.s l e 2 do artigo l62º do Código do Procedimento Administrativo - da deliberação da Ordem dos Advogados sindicada, acto esse implicando a extinção do presente processo, com a condenação da Ré, desde logo, no pedido recursivo;
iv) Acresce que, ao julgar que a reclamanda Decisão sumária do Relator «se mantém plenamente atendível nos presentes autos», o Acórdão recorrido, como será bom de verificar, consuma motu próprio toda um série de nulidades processuais, algumas de extrema gravidade. Com efeito:
v) Durante o período de suspensão dos prazos judiciais no primeiro quadrimestre do ano em curso, o Relator proferiu um despacho a convidar as partes para se pronunciarem a respeito duma determinada questão, materializando assim um acto judicial em abuso do direito: de acordo com a lei em vigor, num tribunal administrativo superior apenas podiam então ser proferidas decisões finais dos processos em curso. É claro que uma decisão judicial contra a lei não pode ser mantida na ordem jurídica;
vi) Pior ainda, porém, o Relator, no termo do prazo que para aquele efeito havia concedido, julgara precludido o direito da parte reclamante a pronunciar-se sobre a questão proposta, aplicando assim num sentido materialmente inconstitucional a norma da alínea d) do n.° 5 do artigo 6º-B da Lei n.° l-B/2020, que, naquele mesmo período, apenas concedia às partes legitimidade processual para recorrer, arguir nulidades ou requerer a retificação ou a reforma das decisões finais emergentes, e não para responder a convites formais de eficácia suspensa. Nessa senda,
vii) quer dizer: nessa base hermenêutica que, de tão aberrante, só pode entender-se como uma interpretação decisão ad hominem, o Acórdão recorrido julga, no mesmo quadro, inexistente «qualquer violação do direito processual ao contraditório», tirada esta acusando o involuntário mérito de pôr em evidência o cometimento ex novo neste acto firmado já pelo Coletivo da inconstitucionalidade normativa — em sede da exegese da norma temporária supracitada — apontada à Decisão sumária reclamada e, sem embargo, ali mantida plenamente atendível,
viii) ou seja: por força do estatuído, em conjugação, nos artigos 3º, nº 3, e 204º da Constituição, o Acórdão recorrido é, nessa parte, outros - sim nulo ipso jure;
ix) Além disso, ao manter plenamente atendível nos presentes autos a decisão monocrática (travestida de "acórdão") do Relator de rejeitar a doble reclamação subida da primeira instância por alegada «inadmissibilidade legal» — querendo com esta locução dizer-se que o meio legal para arguir in casu determinada nulidade processual era o recurso jurisdicional, e não a reclamação efectivamente interposta —, o Acórdão recorrido comete em reincidência a nulidade por omissão de pronúncia inexoravelmente assacável à decisão individual que trata de coonestar,
x) ou antes, consideravelmente mais grave: reincide na violação do dever legal de convolação do acto da parte patenteando erro na qualificação do meio processual a acionar, prescrito no artigo 193º, nº. 3, do Código de Processo Civil, ilícito processual que se revela o pecado original capital do decisum singular sob impugnação,
xi) com a agravante trina de escamotear o facto jurídico relevantíssimo de que, «se o Reclamante discordava do teor do despacho de 17-11-2020, então [podia impugná-lo] mediante a interposição do competente recurso de apelação» (sic), no prazo de 30 dias, então também podia dele reclamar (ainda que não fosse esse o meio processual idóneo) no prazo de 10 dias, como na realidade fez, ou seja: nunca, à luz da lei, a reclamação em questão poderia ter sido taxada de intempestiva, como viciosamente o foi, pela Decisão sumária reclamada e, em reprise, pelo Acórdão recorrido;
xii) Um acto judicial desta desenvoltura só pode, evidentemente, ser conscientemente deliberado - o principal preceito legal preterido encontra-se assinalado no texto da reclamação julganda de forma impossível de não ser notada por quem a tiver de ler -, e o fito de tal deliberação consciente é também duma transparência total: se o Alto Colégio judicante se tivesse dignado obedecer à norma legal que o mandava convolar em recurso jurisdicional (nada na lei o impedia!) a reclamação dessarte rejeitada, sucederia então, forçosamente, que o despacho de 1-11-2020 do T.A.F. teria de ser anulado e, por consequência, o recurso em pendência logo admitido, e, de contínuo, provido... o que é, exatamente, tudo aquilo que, sob a batuta do Mmo. Relator, a Mma. Troika judicial dessarte decidente ora recorrida, evidentissimamente, não queria que sucedesse!
xiii) Em acúmulo, apontar-se-á que, ao declarar, conclusivamente, verificar-se no caso que «o julgamento de direito se encontra bem realizado na decisão judicial reclamada» [sic], o Acórdão assume plenamente a própria incursão nos vícios de aplicação, que assim reitera, de normativo pré-arguido de inconstitucional assacados à Decisão singular em causa, designadamente, os elencados nas alíneas iv) a vii), ambas inclusive, das conclusões da atinente reclamação, reproduzidas no relatório do aresto recorrido, cujo teor se dá aqui por reproduzido integralmente.
46. Perante este quadro judiciário assaz insólito, a judiciosa ponderação que de chofre se impõe em sede sindicante será, por certo, a de que a simples hipótese teórica de não admissão do recurso de revista excecional aqui assim interposto mobilizaria uma interpretação do adrede invocado n.° 1 do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos significando que uma decisão judicial, como esta sub judice, prenhe de violações da lei ordinária diretamente aplicável à matéria fáctica da causa julganda e, sobretudo, fazendo assentar o sentenciado em múltiplas interpretações normativas notoriamente inconstitucionais não acusa, todavia, nem uma relevância jurídica de importância fundamental nem, sequer, uma clara necessidade para uma melhor aplicação do direito justificando a admissão do recurso.
47. Como será de meridiana evidência, a aplicação in concreto da norma jurídica especificada segundo tal dimensão hermenêutica consumaria, outrossim, nova e mais impressionante inconstitucionalidade normativa: essa decisão, aplicativa daquela interpretação normativa, integraria violação do princípio fundamental jus constitucional do processo equitativo, mais precisamente, ofensa à garantia de tutela jurisdicional efetiva.
48. Uma tal decisão, por consequência, resultaria nula de pleno direito, de acordo com as razões atrás expendidas (…)”.
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Notificada da interposição do presente recurso de revista, a Recorrida ORDEM DE ADVOGADOS produziu contra-alegações, que rematou nos seguintes termos: “(…)

I - O presente recurso jurisdicional deve ser considerado improcedente, por não provado, uma vez que o douto acórdão proferido pelo tribunal a quo não merece reparo, encontrando-se bem fundamentado, de facto e de direito.
II - No entanto, desde logo se diga que o recurso jurisdicional agora interposto não deve ser admitido, uma vez que não preenche os pressupostos plasmados no disposto no artigo 150° do CPTA.
III - Ressalta à evidência dos autos que a questão a apreciar no presente recurso se prende, objetivamente, com questões que, salvo o devido respeito, não exigem um esforço de interpretação acrescido e que revistam especial complexidade, suscetíveis de serem dirimidas junto do Supremo Tribunal Administrativo, em sede de recurso excecional de revista.
IV- Destarte, da decisão proferida pelo Tribunal a quo não resulta patente erro grosseiro ou decisão manifestamente desapoiada de qualquer percurso lógico que clame pela necessidade de revista por parte do Supremo Tribunal Administrativo.
V - Pelo contrário. Da leitura da decisão posta em crise pelo ora Recorrente, constata-se, à evidência, que a mesma se encontra devidamente fundamentada, de facto e de direito, devendo o presente recurso jurisdicional ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, uma vez que não preenche os pressupostos ínsitos no disposto no artigo 150° do CPTA.
VI - E ainda que assim não se entendesse - facto que apenas se cogita por mero dever de patrocínio sem, no entanto, conceder - sempre se diga que o Acórdão recorrido não merece reparo, devendo manter-se na ordem jurídica.
VII - Inexiste qualquer violação do princípio do contraditório, considerando o desvio à regra geral contida no artigo 6°-B, n°1 da Lei 4-B/2021, ínsita na alínea b) do n°5 daquela disposição legal.
VIII - Por outro lado, e relativamente à sindicância dos despachos proferidos em 1.11.2020 e 17.11.2020, inexiste qualquer erro de julgamento que inquine a decisão proferida pelo tribunal a quo, considerando a autonomia de ambas as decisões e o prazo de notificação das mesmas ao ora Recorrente.
IX - Nestes termos, e porque a decisão recorrida não merece qualquer reparo, deve o presente recurso jurisdicional ser considerado improcedente, por não provado, com as devidas consequências legais, fazendo-se assim JUSTIÇA! (…)”.
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II – DA NULIDADE DO ACÓRDÃO SOB REVISTA
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Vem o Recorrente arguir a nulidade do Acórdão proferido nos autos, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº.1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

Invoca, para tanto, no mais essencial, que “(…) na reclamação emergente da não admissão do pendente recurso é expressamente arguida, em conclusão (cfr. §§17-18], a inconstitucionalidade material de três normas do CPC aplicadas no despacho reclamado - a do nº. 1 do artigo 14º., a do nº. 1 do artigo 144º., implicitamente, e, explicitamente, a da alínea a) do nº. 2 do artigo 145º, todas e qualquer delas elas de importância decisiva no plano essencial da própria admissibilidade dessa reclamação. O Alto Tribunal ora a quo ignorou paralimpicamente também esta tripla questão de direito [escusando-se] (…) portanto, a dar cumprimento ao disposto no nº. 2, in fine, do artigo 608º do CPC, que ordena ao julgador que na sua pronúncia se ocupe das questões de conhecimento oficioso. No antecitado acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul consigna-se que a omissão de tal dever constituirá nulidade (…)”.

Vejamos, sublinhando, desde já, que, de acordo com o art. 608º n.º 2 do Código de Processo Civil [C.P.C.], “(…) O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...).”

A inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença: art. 615º n.º 1 al. d) CPC.

O exato conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam tais normativos foi objeto de abundante tratamento jurisprudencial.

Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 07.01.2016, no processo 02279/11.5BEPRT, cujo teor ora parcialmente se transcreve:
“(…) As causas determinantes de nulidade de decisões judiciais correspondem a irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua validade encontrando-se tipificadas, de forma taxativa, no artigo 615.º do CPC. O que não se confunde, naturalmente, com errados fundamentos de facto e/ou de direito.
Determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, que a nulidade por omissão de pronúncia ocorre “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito relaciona-se com o comando ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão); e os acórdãos, entre outros, do STA de 03.07.2007, rec. 043/07, de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09 de 17/03/2010, rec. 0964/09).
Do mesmo modo estipula o artigo 95.º do CPTA que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”.
Questões, para este efeito, são pois as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes – cfr. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, p. 112 – a decidir pelo Tribunal enquanto problemas fundamentais e necessários à decisão da causa – cfr. Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221.
Exige-se pois ao Tribunal que examine toda a matéria de facto alegada pelas partes e analise todos pedidos formulados por elas, com exceção das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões – cfr. M. Teixeira de Sousa, ob. e pp. cits.”.

Posição que se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 20.10.2017, no Procº. n.º 00048/17.6, que: “(…) A questão está desde logo em saber se o tribunal se deixou de pronunciar face ao suscitado e, em qualquer caso, se teria de o fazer.
Referiu a este propósito o STJ, no seu acórdão de 21.12.2005, no Processo n.º 05B2287 que:
“A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 d) do CPC), traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consignado no art. 660º nº 2 - 1ª parte - do CPC, só acontece quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições dos pleiteantes, nomeadamente as que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções (excetuados aqueles cuja decisão esteja prejudicada por mor do plasmado no último dos normativos citados), não, pois, quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.”
Como se refere no Acórdão, desta feita do STA nº 01035/12, de 11-03-2015, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice).
(…)
Resulta também do artº 95º, nº 1, do CPTA que, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cf. neste sentido Acórdãos de 19.02.2014, recurso 126/14, de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06.
Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista.
Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.”

Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão do S.T.A. de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB], consultável em www.dgsi.pt: “(…)
24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].
25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”.

Munidos destes considerandos de enquadramento jurisprudencial, e regressando ao caso concreto, adiante-se, desde já, que, atendendo aos fundamentos concretamente invocados, não assiste razão ao Recorrente na arguida nulidade de sentença.

De facto, o Recorrente labora em manifesto equívoco quanto à omissão de pronúncia assinalada.

Na verdade, a concreta questão de omissão de pronúncia no que tange à suscitada “inconstitucionalidade material de três normas do C.P.C.” não integra o objeto da “Reclamação para a Conferência” deduzida pelo Recorrente, e sobre a qual se pronunciou o aresto ora censurado.

Na verdade, escrutinado o teor das conclusões da Reclamação para a Conferência deduzida pelo Recorrente, facilmente se apreende que o “objeto confesso” da mesma era composto pelas questões decidendas de saber se a decisão judicial reclamada enfermava de (i) nulidade de sentença, por excesso de pronúncia, bem como de (ii) erro de julgamento de direito quanto à decidida rejeição da reclamação, por inadmissibilidade legal.

Ora, conforme se extrai inequivocamente do aresto censurado, essas questões decidendas foram, efectivamente, objeto de pronúncia efetiva por parte deste Tribunal Superior, não se divisando, por isso, quanto a estas a existência de qualquer nulidade de sentença, por omissão de pronúncia.

A concreta questão de omissão de pronúncia no que tange à suscitada “(…) inconstitucionalidade material de três normas do C.P.C. (…)” integrou sim a reclamação do despacho do Tribunal a quo, de 17.11.02020, que não admitiu, por intempestividade, a interposição de recurso jurisdicional interposto contra a sentença do mesmo Tribunal, de 14.05.2020.

Ora, como se sabe, a reclamação do despacho do Tribunal a quo de 17.11.02020 foi igualmente rejeitada por decisão sumária do Relator, fundada em inadmissibilidade legal.

Sendo assim, também naquele momento processual, nenhuma pronúncia haveria que se estabelecer por parte deste Tribunal Central Administrativo Norte quanto ao teor de tal argumentação, visto que, em face da decidida rejeição da reclamação do despacho do Tribunal a quo de 17.11.02020, resultou, naturalmente, prejudicada a apreciação de quaisquer argumentos meritórios, como sejam, os relacionados com a eventual inconstitucionalidade da normação vertida no nº. 1 do artigo 14º., a do nº. 1 do artigo 144º., implicitamente, e, explicitamente, a da alínea a) do nº. 2 do artigo 145º, todos do CPC.

Por conseguinte, também na perspetiva em apreço, não se divisa a existência de qualquer omissão de pronúncia determinante de nulidade de sentença.

Concludentemente, o acórdão sob censura não padece da assacada nulidade de sentença fundada na violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, a qual improcede.
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III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em:

(i) JULGAR INVERIFICADA a nulidade invocada no recurso jurisdicional interposto do acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Norte em 18.06.2021; e
(ii) ORDENAR A REMESSA dos autos ao Colendo Supremo Tribunal Administrativo para a apreciação preliminar e sumária prevista no art.º 150.º n.ºs 1 e 6, do C.P.T.A., quanto ao recurso de revista interposto nos autos.
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Notifique-se.
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Porto, 22 de outubro de 2021,


Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro